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Aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho

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Agenda 16/08/2018 às 16:01

2. DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Explanada a questão conceitual da desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicação no âmbito do direito material, passa-se a analisar sua aplicação processual, que se perfaz através de um incidente. Aqui será tratado o conceito do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, bem como suas características.

2.1 CONCEITO DE INCIDENTE

É bastante frequente nos processos de execução ou no cumprimento da sentença verificar a insuficiência dos bens da pessoa jurídica que se recai a execução, sendo necessário nesses casos, quando verificado preenchimento dos requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, seja por fraude, confusão patrimonial ou abuso da personalidade jurídica, ou por encargos devidos aos consumidores ou empregados hipossuficientes, bem como nas demais hipóteses previstas em lei, a aplicação de um procedimento para que se alcancem os bens dos sócios ou administradores da pessoa jurídica. [47]Para que o referido procedimento possa dar início deve haver uma determinação judicial. [48]

Antes do advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15) houve uma grande discussão acerca de como se daria o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que o antigo código não previa um rito específico, deixando dúvida no tange a necessidade ou não de uma ação própria para aplicação deste instituto. [49]

No âmbito jurisprudencial ficou assentado que seria prescindível ação autônoma para se obter a desconsideração da personalidade jurídica[50], sendo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[51] afirmou que:

A providência prescinde de ação autônoma. Verificados os pressupostos e afastada a personificação societária, os terceiros alcançados poderão interpor, perante o juízo falimentar, todos os recursos cabíveis na defesa de seus direitos e interesses.

O CPC/15 positivou o posicionamento jurisprudencial já adotado para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, no qual dispôs o instrumento hábil para este, qual seja, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. [52]A criação do incidente processual afastou a dúvida doutrinária a respeito da forma adequada à desconsideração da personalidade jurídica. [53]

A desconsideração da personalidade jurídica é resolvida de forma incidental, vez que esta será deduzida e julgada dentro de um processo já instaurado. [54]Nesse sentido, explicam ALEXANDRE FREIRE e LEONARDO ALBUQUERQUE MARQUES[55] que “o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica é um incidente processual, e não uma ação autônoma”.

Desta feita, tem-se que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica trata-se do instrumento procedimental para aplicar a desconsideração dentro do processo, tendo sua base legal prevista nos artigos 133 ao 137 do CPC/15. [56]O que o CPC/15 fez foi estabelecer regras próprias para o incidente, uma vez que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica faz, por si só, o surgimento deste. [57]

2.2 CARACTERÍSTICAS DA APLICAÇÃO DO INCIDENTE NO PROCESSO CIVIL

O Capítulo IV CPC/15 cuida do incidente de desconsideração, que, como exposto, nada mais é que o procedimento a ser adotado quando utilizado a desconsideração da personalidade jurídica. [58]Vejamos então o que dispõe os arts. 133 ao 137 do CPC/15:

Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.

§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135.  Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136.  Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único.  Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137.  Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente. [59]

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Pois bem. Importante esmiuçar cada qual dos artigos e parágrafos acima expostos.

O caput do artigo 133 trata da legitimidade para pleitear a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, tendo legitimidade aquele que processualmente ocupa a posição de autor da demanda originária (aquele cujo objeto é impor dever de prestar), ou seja, o credor da obrigação, cabendo legitimidade ao Ministério Público nos casos em que seja titular da ação, bem como nos casos em que intervenha como fiscal da lei. [60]

ANTONIO DO PASSO CABRAL e RONALDO GRAMER[61] defendem que:

Conquanto o texto legal sugira algo diverso, ao usar a expressão “quando lhe couber intervir nos autos”, a única interpretação que se pode extrair do sistema é a de que essa legitimidade é restrita às hipóteses em que referida Instituição figura como autora da demanda. Isso ocorre nos casos de ação civil pública, de improbidade administrativa e em outros para os quais o Ministério Público tenha legitimidade ativa, de forma coerente com os limites estabelecidos pelo art. 129 da Constituição Federal.

Assim, no entendimento destes, o Ministério Público teria legitimidade apenas nos casos em que seja titular da ação, não a tendo quando estivesse atuando como fiscal da lei. [62]

Todavia, o que prevalece é a interpretação literal do caput do artigo 133, conforme explica MARCUS VINICIUS RIOS GOLÇALVES[63], que diz:

O Ministério Público poderá requerer a desconsideração tanto nos casos em que figure como parte autora como nos casos em que intervenha na condição de fiscal da lei. É indispensável, porém, que se trate de processo em que haja a sua intervenção.

Nesse sentido, o STJ[64] interpretou posicionamento consonante a este entendimento, explanando que:

[...] reconhece-se a legitimidade do Ministério Público para realizar pedido incidental, nos autos da falência, de desconsideração da personalidade jurídica e de indisponibilidade de bens dos envolvidos em ato tido como destinado a prejudicar credores da falida.

Desse modo, os legitimados para o pedido de desconsideração é o autor da demanda (aquele que ostenta a posição de alegado credor), e o Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, não podendo o juiz determinar a providência de ofício,[65] salientando que esse pleito pode gerar encargos para aquele que o requer, tais como a condenação a indenizar prejuízos, inclusive por força da responsabilidade objetiva. [66]

Havendo litisconsortes, o pleito poderá ser feito por qualquer deles, frisando que os encargos decorrentes deste pleito observará a autonomia dos litisconsortes. [67]

O parágrafo primeiro do artigo 133 aponta que o pedido de desconsideração observará os pressupostos previstos em lei, quer dizer que o CPC disciplina apenas o modo pelo qual se debate e se decide eventual desconsideração da personalidade jurídica, sendo que as hipóteses e os requisitos de cabimento da medida estão regulados pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor, assim como em outras leis específicas, [68]conforme exposto no Capítulo (1.3) deste trabalho.

Assim, para verificar se o pleito de desconsideração da personalidade jurídica preenche os requisitos previstos em lei deverão ser observados as legislações materiais, notadamente, os artigos 50 do Código Civil e 28 do Código de Defesa do Consumidor. [69]

Já o Parágrafo segundo do artigo 133 trata da desconsideração da personalidade jurídica inversa, ultrapassando o patrimônio do sócio para atingir o patrimônio da sociedade, quando há indícios fortes de que houve a transferência de bens particulares do sócio para a sociedade, no intuito de dificultar a execução. [70]Nesse sentido vale citar o conceito dado pelos professores LUIZ OTÁVIO LINHARES RENAULTE e MARIA ISABEL FRANCO RIOS[71], que lecionam que:

A desconsideração inversa acontece de maneira oposta à desconsideração direta. Ela parte da desconsideração da pessoa física para atingir o patrimônio da empresa, ao contrário da desconsideração direta, que parte da desconsideração da pessoa jurídica para chegar ao patrimônio do sócio.

Embora a estrutura técnico-científica seja idêntica, a sua força é centrípeta, porque o esvaziamento patrimonial se dá de fora para dentro, isto é, da pessoa natural para a pessoa jurídica.

A autonomia da pessoa física é desconsiderada, mitigando-se a separação subjetiva existente entre o seu patrimônio e o da pessoa jurídica, com o objetivo de conferir resultado útil à demanda.

Assim, vê-se possível atingir o patrimônio, de forma secundária, tanto do sócio da empresa quanto da sociedade empresarial, em caso de desconsideração inversa. [72]

O caput do artigo 134 veio no sentido de sanar qualquer dúvida que pudesse surgir acerca do momento processual para a aplicação do instituto, haja vista que estabeleceu a possibilidade de requerimento da desconsideração em qualquer fase do processo, inclusive na petição inicial, sendo dispensável a instauração de incidente neste último caso (art. 134, § 2°, CPC/15[73]). [74]Os professores ANTONIO PASSO CABRAL e RONALDO GRAMER[75] explicam que essa previsão significa que “[...] a lei reconhece interesse processual (= utilidade) no pleito mesmo antes que se cogite de atos de invasão patrimonial”.

Insta ressaltar que o Enunciado 248 do Fórum Permanente de Processualistas Civis indica que “Quando a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, incumbe ao sócio ou a pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos da causa”[76], sendo, portanto, desnecessário o incidente, e não suspendendo o processo. [77]

Todavia, caso seja requerida a desconsideração em fase posterior à inicial, obrigatoriamente será instaurado o incidente, suspendendo-se o processo originário até que seja decidido se é ou não caso de desconsideração (art. 134, § 3°, CPC). [78]

Ainda que instaurado incidente durante o processo, o sócio, ou a pessoa jurídica, serão citados para se manifestar e requerer provas cabíveis no prazo de 15 dias, conforme prevê o artigo 135 do CPC/15. [79]Tal ordenamento consagrou o contraditório tradicional para a desconsideração de personalidade jurídica, exigindo a intimação e a oportunidade de manifestação dos sócios antes de proferida a decisão. [80]

Assim, o incidente se denota como uma manifestação expressa do princípio do contraditório estabelecido no artigo 10[81] do CPC e no artigo 5°, LV,[82] da Constituição Federal. [83]

Já o artigo 136 discorre que o incidente será resolvido através de decisão interlocutória, cabendo o recurso do agravo de instrumento (art. 1.015, IV, do CPC[84]), o qual possui somente efeito devolutivo, conforme prevê o artigo 995 do CPC[85], sendo possível ser atribuído o efeito suspensivo caso o recorrente demonstre que existe os requisitos do parágrafo único do referido artigo. [86]

Por fim, o artigo 137 traz os efeitos que decorrem da decisão que acolhe o pedido de desconsideração da personalidade jurídica. [87]O principal efeito, por óbvio, é que requerente (isto é, àquele que ocupa o polo ativo da demanda invocando para si a qualidade de credor do direito postulado em juízo) passa a ter a perspectiva de “invadir” o patrimônio dos sócios e administradores ou, em caso de desconsideração inversa, das pessoas jurídicas cujo capital social integre, direta ou indiretamente, o acervo patrimonial titularizado pelo requerido. [88]

Desse modo, o artigo 137 dispõe que atos de alienação ou oneração praticado pela pessoa a qual recaiu a desconsideração poderão ser considerados como fraude a execução e, consequentemente, serão ineficazes, fazendo com o que a alienação ou oneração seja considerada inválida. [89]

Neste Capítulo foi tratado acerca da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no processo civil, bem como suas peculiaridades, chega-se então, ao que de fato busca-se discutir no presente trabalho, qual seja, a compatibilidade ou não da aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, prevista no artigo 855-A da CLT, com os princípios e peculiaridades deste ramo, o qual será debatido no Capítulo seguinte.

Sobre o autor
Iago Oliveira Redivo

bacharel em direito pelo Centro Universitário Faesa, Pós-graduando em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e advogado (OAB/ES n.º 30819)

Informações sobre o texto

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