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A exceptio non adimpleti contractus

Agenda 05/09/2018 às 14:00

A 'non adimpleti contractus' é a exceção dilatória, que tem qualquer figurante de contrato bilateral, para se recusar a adimplir, se não lhe incumba prestar primeiro, até que simultaneamente preste a parte contra quem se opõe.

Sabe-se que o contrato bilateral caracteriza-se pela reciprocidade das prestações. Cada uma das partes deve e é credora, simultaneamente. Há uma ideia de interdependência das partes.

Daí se origina uma defesa oponível pelo contratante demandado, contra o cocontratante inadimplente, que é denominada exceptio non adimpleti contractus, segundo a qual o demandado recusa a sua prestação sob o fundamento de não ter aquele que reclama dado cumprimento á que lhe cabe.

Se A não adimpliu e devia adimplir, porque B, credor que sofre o inadimplemento, há de ter de adimplir? Na bilateralidade, própria dos contratos, toda prestação tem contraprestação.

No direito alemão, BGB, artigo 1.092, há análoga conclusão.

Discute-se sobre a origem da exceção.

Para Girard (Droit Romain, pág. 534, nota 4 e ainda página 559, nota 2), a origem do instituto  é romana.

Atenta-se para o fato de que cada um dos contratantes está sujeito ao cumprimento estrito das cláusulas contratuais, e, em consequência, se um não o faz de maneira completa, pode o outro opor-lhe em defesa esta exceção levada ao extremo de recusar a res debita se, cumprido embora o contrato, não o fez aquele que de maneira perfeita e cabal. Mas, advertiu Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de Direito Civil, volume III, 1975, pág. 136) que “não pode, porém, ser levada a defesa ao extremo de acobertar o descumprimento sob invocação de haver o outro deixado de executar parte mínima ou irrelevante da que é a seu cargo, como ensinaram Enneccerus, Kipp y Wolff(Tratado, Derecho de Obgligationes, volume I, § 33).

Ensina Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, tomo XXVI, Bookseller, pág. 120) que “exceptio non adimpleti contractus” é um nome que não aparece nas fontes. Invocam-se Gaio, IV< § 19 e a L. 13, § 8º, D. Deve o comprador apresentar o preço quando se exerce a ação de compra e, se a apresentação é só de parte do preço, a ação de compra persiste; porque o vendedor pode reter como se fora em penhor o que vendeu. Não se está adiante de uma exceptio.

A exceção non  adimpleti contractus e a non rite adimpleti contractus são exceções dilatórias. A qualquer tempo em que se dê o adimplemento satisfatório por aquele contra quem se opôs uma ou outra, tem o outro figurante de prestar; cessa a eficácia da exceção, porque o próprio ius exceptionis se extinguiu.

Exceção non adimpleti contractus é a exceção dilatória, que tem qualquer figurante de contrato bilateral, para se recusar a adimplir, se não lhe incumba prestar primeiro, até que simultaneamente preste o figurante contra quem se opõe.

Exceção non rite adimpleti contractus é a exceção que tem qualquer dos figurantes do contrato bilateral, para se recusar a adimplir, se não lhe incumbia prestar primeiro, até que o figurante contra quem se opôs, por ter prestado insatisfatoriamente, satisfatoriamente preste.

Bem ensinou Pontes de Miranda (obra citada, pág. 123) que não se trata de exercício da prestação nascida do adimplemento insatisfatório, dirigida à redução da contraprestação, ou à redibição, mas sim de exceções que emanam do próprio conteúdo do contrato bilateral.

Mas será a bilateral, o sinalagma, que determina a incidência de ambas as condições. Nos contratos não bilaterais como os de sociedade(negócio jurídico bilateral) e o de fidúcia não se aplicam essas exceções. Dizer-se que o contrato é bilateral porque também exsurgem dívidas e obrigações para o outro figurante seria inexato, como ensinou Pontes de Miranda. O mandato é um contrato unilateral e o mandatário, aceitando-o, fica ligado ao seu cumprimento e a entregar ao mandante o que acaso haja recebido, no exercício do mandato. As dívidas do mandante e as do mandatário não estão em relação recíproca.

Mas nem todas as dívidas e obrigações que se originam dos contratos bilaterais são dívidas e obrigações bilaterais, em sentido estrito, em relação de reciprocidade. A contraprestação do locatário é o aluguel; porém não há sinalagma no dever de devolução do bem locado, ao cessar a locação, nem na dívida do locatário por indenização de danos à coisa, ou na dívida do locador por despesas feitas pelo locatário. A bilateralidade – prestação, contraprestação – prestação, contraprestação – faz ser bilateral o contrato, mas o ser bilateral o contrato não implica que todas as dívidas e obrigações que dele se irradiam sejam bilaterais.

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Aliás, nos contratos bilaterais, cada figurante tem de prestar porque e somente porque o outro figurante tem de contraprestar. Mas, às vezes, não há simultaneidade. A exigência da prestação simultânea estabelece situação tal, para cada um dos figurantes, que um somente pode exigir se está disposto a adimplir. Se a prestação em de ser anterior também não pode o figurante, que a deve, exigir que o outro contraprestante, sem que antes preste.

A exceção non adimpleti contractus e a non rite adimpleti contractus cabem em maior número de casos que o direito de resolução ou de resilição por inadimplemento, porque, para que esse surja, é preciso que a falta de adimplemento da prestação seja considerável, isto é, não se trate de omissão mínima. R. Cassin(De l’Exception tirée de l’ inexecution dasn les rapports synallagmatiques, 400 e 518) ensinou que o titular da exceção non adimpleti contractus ou da exceção non rite adimpleti contractus pode opô-la por ter o devedor, por exemplo, deixado de mandar consertar o fogão, ou de não ter pago o mês da luz ou do gás.

Ensinou Caio Mário da Silva Pereira(obra citada) que o instituto é animado de um sopro de equidade, devendo a sua invocação presidir a regra da boa-fe, não podendo erigir-se em pretexto para descumprimento do avençado. Assim é que se ambas as prestações têm de ser realizadas sucessivamente, é certo que não cabe a invocação da exceptio por parte do que deve em primeiro lugar, pois que a do outro ainda é devida; mas, ao que tem de prestar em segundo lugar, cabe o poder de invoca-la, se o primeiro deixou de cumprir. Sendo simultâneas, a sua interdependência funciona autoriza a recusa, sob alegação de falta de cumprimento, pois que non servanti fidem non est fides servanda.

Aquele dos contratantes que tiver de fazer a sua prestação em primeiro lugar pode recusá-la se, depois de concluído o contrato, sobrevier ao outro contratante alteração nas condições econômicas, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação a que se obrigou. Essa medida é excepcional uma vez que, ajustadas prestações para datas diversas, devem ser cumpridas nas épocas combinadas, não justificando a recusa de um o fato de não haver ainda prestado o outro.

É o próprio contrato que o estabelece, mas não quer a ordem jurídica que aquele dos contratantes que tem de pagar primeiro fique exposto a um risco anormal. Não há predeterminação da garantia. Pode ser de qualquer natureza, real ou fidejussória, mas é necessário que se trate de garantia bastante. Uma vez prestada esta, a exceção caduca, e a prestação suspensa tem de ser cumprida, como ensinaram Enneccerus, Kipp y Wolff, obra citada.

Se, em vez de propor a ação de cobrança ou de inadimplemento, o figurante propõe a de resolução ou resilição, ou outra que se ligue ao fato do inadimplemento, a exceção non adimplenti contractus ou a non rite adimplenti contractus pode ser oposta.

A confiança há de ter nascido do exame das circunstâncias no momento da conclusão do contrato bilateral. O que depois acontecer pode quebrar essa confiança. Disse Pontes de Miranda: “Daí ter a lei prestado atenção a esse empioramento da situação patrimonial do outro figurante.”

Se o contrato é uno, por haver união interna de contratos(contratos mistos) ou por se tratar de contratos combinados ou gêmeos, ou por haver contrato típico com prestações subordinadas de outra espécie, cabe a exceção non adimplenti contractus, ou a non rite adimpleti contractus, como ensinou Pontes de Miranda (obra citada).

Para Pontes de Miranda é erro reduzir-se a exceção non adimpleti contractus a espécie de direito de retenção, como fazem alguns autores franceses e italianos. O direito de retenção é direito que nasce de outra pretensão, contra o credor que quer contraprestar, ao passo que a exceção non adimpleti contractus e a non rite adimpleti contractus nascem de pretensão do devedor correspondente à do credor. O direito de retenção é um direito acessório do direito do devedor contra o credor, é pertença desse direito; a exceção non adimpleti contractus e a non rite adimpleti contractus são elemento de conteúdo da pretensão do devedor.

O inadimplemento insatisfatório(inadimplemento ruim) dá azo à exceção non rite adimpleti contractus que é exceção dilatória. Não importa a deficiência, seja quantitativa ou qualitativa. O figurante contra quem se opõe tem de aumentar ou melhorar a prestação feita, inclusive, se possível pela substituição do objeto insatisfatoriamente prestado. Não se leva em conta como essentialia a equivalência das prestações, equivalem-se, porque assim se concebeu o contrato bilateral: a equivalência foi estabelecida pelo fato do acordo.

Sendo assim, o figurante contra quem se opõe a exceção non rite adimpleti contractus tem de aumentar ou melhorar a prestação feita.

No § 320, alínea 2, do Código Civil alemão alude-se ao valor da prestação. Discutiu-se se seria possível, em vez de aumento ou de melhora da prestação, diminuir-se a contraprestação. Afirmativamente, tem-se P. Oertmann(Recht der Schuldverhättnisse, 185), dentre outros. Contra: W. Schöiler(Die Folgen schuldhafter Nichterfüllung). No caso dos vícios redibitórios a escolha é do requerente.

Se a prestação é por partes e o demandante recebera parte sem qualquer ressalva, não pode opor exceção de não adimplemento, salvo se, pelo contrato, inclusive circunstâncias em que foi feito, é de entender que não serviria ao demandante adimplemento parcial ou adimplementos parciais, como ensinou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 132).

Se a prestação foi de propriedade imobiliária ou de direito real limitado imobiliário e, ao ser feito o registro, se revela que há, contra a afirmativa “livre de qualquer direito real ou ônus”, direito registrado, pode ser exercida a exceção non rite adimpleti contractus. 

Discute-se o exercício da exceção de contrato não adimplido e da exceção de contrato adimplido insatisfatoriamente.

Essa exceção nasce ao figurante quando o outro figurante deixa de adimplir. Subjetivamente, como ensinou Pontes de Miranda, ele diz: “poderei deixar de adimplir porque o outro não adimpliu”. Se o outro inicia a demanda, ou se apenas exerce, extrajudicialmente, a pretensão oriunda do seu crédito, então o titular da exceção, ou a exerce, ou não a exerce. Se a exerce, pode – no presente – deixar de adimplir. A sua omissão é legítima.

Disse Pontes de Miranda(obra citada, pág. 133); “Nas dívidas toma-lá-dá-cá, se nenhum adimpliu, a exceção nasce aos dois figurantes. Nas dívidas em que as datas das prestações são diferentes, nasce àquele a quem se deixou de adimplir. Se o figurante, a quem a exceção nasceria, deixa, por sua vez, de adimplir, também, ao outro nasce a exceção. Abstrai-se da mora, porque ambos incorreram nela. Nenhum dos figurantes se pode dizer legitimado à abstenção, por que não é a exceção que tem esse efeito, e sim o exercício da exceção.”

Mas o devedor, que nos contratos bilaterais também é credor, pode exigir a contraprestação ou exercer a exceção non adimpleti contractus ou a non rie adimpleti contractus.

Para o exercício é recomendável fundamentar-se no sentido de que para ambas as exceções há a bilateralidade, como ensinou Clóvis Beviláqua(Código Civil Comentado, IV, 258). No mesmo sentido, o STF julgou, consoante RF 144/88, em 22 de abril de 1947).

Se o demandado não opõe a exceção, o juiz somente pode condená-lo a prestar. Se o figurante exerce as exceções mencionadas não se pré-exclui o julgamento da procedência da demanda apenas se condena o demandado a prestar simultaneamente tanto se dá se as prestações haviam de ser simultâneas como se a prestação do demandante tinha de ser anterior, ou se ou se ambas já tem de ser feitas.

Com o exercício dessas duas exceções dilatórias, legitima-se o devedor a não adimplir enquanto não se extingue a exceção.

Problema importante diz respeito à consequência do inadimplemento e eficácia do exercício da exceção.

Ora, com o exercício da exceção non adimpleti contractus, legitima-se o devedor a não adimplir enquanto não se extingue a exceção. O devedor pode deixar de adimplir, legitimamente, e fica livre de quaisquer consequências que teria o inadimplemento. Uma delas é não incorrer em mora. Se já incorrera em mora, como ensinou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 135), não ficou subordinado às consequências da mora desde que foi citado. Não fluem juros moratórios, nem cabe alegar-se a compensação.

Pontes de Miranda, em sua obra, lança a seguinte questão: “Se contra A tem B exceção non adimpleti contractus e direito de compensação, pode alegar a compensação para quando A haja prestado; portanto, para quando se extinga a exceção. Se a compensação também fica subordinada à extinção da exceção, na sentença, pode o juiz condenar à prestação simultânea e deferir a compensação para o momento em que haja de prestar o autor da ação”.

A terceiro não se opõe a exceção, salvo, se é o caso, em se tratado de estipulação a favor de terceiro. O cessionário não é terceiro, nem o é o herdeiro, ou outro sucessor. Mas a exceção non adimpleti contractus é oponível a sucessores, inclusive o cessionário.

No ensinamento de Pontes de Miranda(obra citada, pág. 136) o demandado, no que concerne ao ônus, não tem de provar o direito de exceção, porque a exceção provém, intrinsecamente, do contrato bilateral, que o demandado mesmo alegou existir e ser eficaz. O demandante é que tem de provar que adimpliu.

A mora creditoris, que dá ensejo à ação de consignação em pagamento, forma especial de extinção das obrigações, não elimina a exceção non adimpleti contractus, segundo ensinaram Pontes de Miranda e P. Oertmann.

Se o demandante alega que o adimplemento foi insatisfatório, por ser parcial, ou defeituoso, o ônus da prova é o mesmo, salvo nas obrigações de não fazer ou o que se afirma é existência de erro de direito, ou se se recebeu a prestação “como adimplemento”.

Em resumo, o que deve em virtude do contrato bilateral pode recusar-se a prestar até que outro adimpla a sua dívida, salvo se está obrigado a prestar primeiro. Esse, que tem de prestar primeiro, somente corre o risco de não ter meios a outro devedor de satisfazê-lo. A regra é não ter o devedor que há de adimplir primeiro qualquer exceção.

Mas, se surge pretensão ao adimplemento antecipado, se o outro figurante nem presta, nem dá caução só adquire o direito à abstenção, na linha do que foi ensinado por Fr. Leonhard, Allgemeines Schuldrecht, 347). Contra tem-se a opinião de Staub, para quem a condenação do demandado é a que preste simultaneamente(Der 53, Band der Entscheidungen des Reichsgerichts).

Se, após, a sentença condenatória, o autor fez oblação(oferta) da sua pretensão ao devedor e esse incorreu em mora, tem o autor de fazer a prova disso, ou, se é o caso, de ter depositado o bem que havia de prestar simultaneamente. Se não adimpliu, nem pôs em mora o devedor, pode fazer a oblação no próprio pedido de cumprimento da sentença, como se deposita em juízo para que seja intimado, como se deposita em juízo para que seja intimado, com citação, o credor executado( a consignação em pagamento é forma de execução inversa promovida pelo devedor contra o credor, que, por razões que não são acobertadas pelo direito, de forma ilegítima, não quer receber).  

Diversa das exceções até aqui faladas é a exceção de inseguridade.

Ela não implica legitimação à resolução do contrato por inadimplemento.

Os pressupostos de tal exceção de inseguridade são: a bilateralidade do contrato e o da diminuição do patrimônio do outro figurante, a ponto de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou.

A exceção é exercívil contra o cessionário do crédito do devedor.

Observe-se essa exceção exposta no artigo 477 do Código Civil:

Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

Não se trata de pretensão à pretensão antecipada(em relação à do outro figurante) ou à caução; trata-se de exceção. Ao outro figurante é que cabe escolher entre prestar antecipadamente(ao mesmo tempo que o teria de prestar antes), ou dar caução. A exceção, como explicou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 141), permite o retardamento da prestação, por pare do pré-obrigado.

Mas, trata-se de exceção e não de pretensão à antecipação da contraprestação ou à caução.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A exceptio non adimpleti contractus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5544, 5 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68795. Acesso em: 18 dez. 2024.

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