7.CONCLUSÃO
A ingestão imoderada de bebidas alcoólicas provoca problemas gravíssimos, abarcando desde o restrito círculo familiar até a ordem social em que convive o indivíduo.
Com este estudo, procurou-se analisar a embriaguez alcoólica e os seus reflexos na seara jurídica, mormente no que concerne a sua estreita ligação ao cometimento de infrações penais.
Assim, ao término desta pesquisa, torna-se possível sintetizar as proposições mais importantes:
1. Antes de se adentrar ao objeto de estudo propriamente dito do presente trabalho de conclusão de curso, foi conceituado crime, definido por suas três principais fases de desenvolvimento, quais sejam, as teorias clássica, finalista e social;
2. Na teoria clássica, o crime foi definido por seus requisitos indispensáveis, de tal sorte que foi estabelecido que o mesmo seria um fato típico, antijurídico e culpável;
3. Na teoria finalista, o crime passou a ser visto como um fato típico e antijurídico, sendo que o dolo, que antes era normativo, passa a ser natural, prescindindo da potencial consciência da ilicitude. Assim, a culpabilidade, antes integrante do conceito de crime, deixa de ser requisito do crime para se tornar mero pressuposto da aplicação da pena, uma vez que o seu conteúdo é esvaziado pelo deslocamento do dolo e da culpa para o fato típico;
4. Na teoria social, a conduta passou a ser encarada como um comportamento humano socialmente relevante, de tal sorte que, sem relevância social, não há que se cogitar qualquer relevância jurídico-penal;
5. Nesse contexto, foi destacado o entendimento praticamente pacífico da doutrina especializada no sentido de que o Código Penal Brasileiro, precisamente após a reforma de 1984, adotou por inteiro a teoria finalista da ação;
6. Na conceituação da culpabilidade, pressuposto para a aplicação da pena, foi destacado que a mesma encontra-se intrinsecamente ligada à própria evolução do conceito de crime, de tal forma que se torna impossível, atualmente, caracterizar culpabilidade sem remontar à história da humanidade, ao surgimento do direito e do entendimento do próprio crime;
7. Assim, foram apontados dois pólos bastante diferenciados que se destacavam ao longo da história, ora se alternando, ora se evoluindo em seus conceitos: a) Responsabilidade objetiva; b) Responsabilidade subjetiva;
8. De forma semelhante à conceituação do crime, foram assinaladas três teorias para o entendimento da culpabilidade, as teorias psicológica, psicológico-normativa e normativa pura. Outrossim, asseverou-se que tais teorias encontram-se diretamente interligadas às próprias teorias que servem para conceituar o crime;
9. Foi dada à teoria pura da culpabilidade atenção especial, principalmente após o seu balizamento com a teoria finalista da ação. No âmago dessa teoria, foram retirados os elementos subjetivos (dolo e culpa) dos elementos do juízo de reprovação, de tal sorte que aqueles elementos passaram a pertencer à conduta. Assim, a culpabilidade se transforma num puro juízo de valor do aplicador do direito, meramente normativa, possuindo como requisitos a exigibilidade de conduta diversa, a potencial consciência da ilicitude e a imputabilidade;
10. Nessa esteira de entendimento, surge a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, uma das espécies de embriaguez, como uma causa excludente de imputabilidade e, conseqüentemente, da própria culpabilidade, ao lado da menoridade penal e da doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado;
11. Por sua vez, a embriaguez foi conceituada como a intoxicação aguda e transitória, causada pelo álcool ou outras substâncias de efeitos análogos, que privam o agente da sua normal capacidade de discernimento;
12. Dessa forma, adentrou-se ao núcleo central do presente estudo, qual seja, a embriaguez alcoólica, desmembramento do conceito de embriaguez, o qual abarca não só o estado de intoxicação proveniente do álcool, mas como de quaisquer substâncias de efeitos análogos;
13. Após o traço histórico da embriaguez, foram apresentadas as bebidas alcoólicas em suas múltiplas variedades, as quais são caracterizadas pela presença do álcool etílico ou etanol, na proporção variável de 0,5 a 75,5% sob o seu volume. Da mesma forma, tais bebidas foram classificadas como fermentadas, destiladas e alcoolizadas;
14. No que concerne à fisiopatogenia do etanol, foi estudado que, na maioria das vezes, a sua introdução se dá por via digestiva, sendo que a sua absorção logo é iniciada pelo estômago e, após, pelo intestino delgado. Depois de absorvido, o álcool é transferido para o sangue, alcançando praticamente todos os órgãos, vísceras, tecidos e humores, bem como secreções e excreções do corpo humano;
15. O metabolismo do álcool se dá em velocidade constante no próprio organismo humano, independentemente da quantidade ingerida. Assim, pelo processo de desintoxicação, aproximadamente 70% do etanol ingerido é eliminado nas primeiras 11 horas, sendo que a sua totalidade será alcançada ao cabo das 24 horas;
16. A comprovação da embriaguez, assim, tem como principal diagnóstico a alcoolemia, que consiste na avaliação do nível de embriaguez do paciente por dosagem de álcool em seu organismo;
17. No entanto, a situação não é tão simples como se apresenta. Existem uma série de fatores que influenciam a instalação do estado nocivo de embriaguez, entre eles, a resistência individual, a prática no consumo de bebidas alcoólicas, a sensibilidade, a alergia, a idiossincrasia;
18. Dessa forma, chegou-se ao entendimento que a simples alcoolemia seria insuficiente para o diagnóstico da embriaguez, restando necessário para se alcançar tal intento com exatidão a realização do exame clínico e dos múltiplos testes. Isso se deve ao fato de que o que realmente interessa é o comportamento social do agente, o qual poderá determinar se o mesmo está propenso ou não ao cometimento de infrações;
19. Após o diagnóstico da embriaguez, foram apresentadas as suas fases, quais sejam, a fase eufórica, ou do macaco, a fase agitada, ou do leão, e a do estado de coma, ou do porco. Assim, graças à agitação e à agressividade que marcam essa fase, a fase do leão foi apontada como o período de maior relevância para o estudo criminal;
20. No que tange às espécies de embriaguez e às suas conseqüências jurídico-penais, foi inicialmente advertido que a quase totalidade dos casos de embriaguez não têm uma intenção preliminar que espreita a criminalidade, dessa forma, mesmo não possuindo o animus inicial de infração penal, acabam por produzir conseqüências relevantes no ordenamento jurídico;
21. Neste contexto, o estudo da actio libera in causa foi de basilar importância para o entendimento da fundamentação jurídica da aplicabilidade de algumas das espécies de embriaguez, as quais foram divididas, conceituadas e apresentadas em suas conseqüências jurídico-penais como:
a) embriaguez não acidental voluntária ou culposa, presente no art. 28, II do CPB.
Caso a mesma seja completa, cabe analisar se houve a previsibilidade ou não da produção do resultado danoso anteriormente à embriaguez completa, da qual pode-se extrair as seguintes conseqüências:
- Em caso negativo, a imputabilidade deverá ser excluída face a análise do Código Penal sob a perspectiva constitucional.
- Em caso positivo, e o agente assuma o risco pela produção do resultado danoso, seja a embriaguez voluntária ou culposa, o mesmo responderá pela infração a título de dolo.
- Em caso positivo, e o agente, mesmo prevendo o resultado, espera que o mesmo não ocorra, responde pela infração a título de culpa.
Caso a mesma seja incompleta, cabe apontar que subsiste o discernimento do agente, mesmo que reduzido, de tal sorte que o mesmo deverá responder pelo resultado da ação que produziu.
b) embriaguez acidental proveniente de caso fortuito ou força maior – prevista no art. 28, §§ 1.º e 2.º do CPB.
No caso de embriaguez completa, seja decorrente de caso fortuito ou de força maior, se ausente a capacidade de compreensão do indivíduo no instante da produção do resultado danoso, a imputabilidade é excluída.
Já nas hipóteses de embriaguez incompleta, ressalta-se que resta ao agente um certo grau de entendimento, de modo que o mesmo, face às circunstâncias que o levou ao cometimento da infração, tem a sua pena reduzida.
c) embriaguez patológica – prevista no art. 26, caput ou parágrafo único do CPB.
Caso seja o agente inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, a imputabilidade deverá ser excluída.
Caso não seja o mesmo inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, o agente encontrar-se-á diante de uma causa de redução de pena.
d) embriaguez preordenada – prevista no art. 61, II, alínea "l" do CPB.
É o caso típico da actio libera in causa, de tal sorte que o sujeito deverá responder pelo crime com a circunstância agravante de pena.
22. Conforme assinalado, a embriaguez alcoólica, em suas múltiplas facetas, não foi objeto de estudo tão-somente do Código Penal, de tal sorte que a mesma também foi disciplinada na legislação criminal esparsa, como na Lei de Contravenções Penais (Decreto Lei n.º 3.688/41) e no Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503/97);
23. Configura-se contravenção penal apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia, conforme previsão do art. 62 da LCP;
24. No que concerne a relação entre a embriaguez e a legislação de trânsito, o assunto foi tratado com bastante acuidade, uma vez que a direção sob os efeitos do etanol é considerada responsável pela ocorrência de milhares de mortes todos os anos;
25. Em todo o mundo, medidas têm sido tomadas para prevenir acidentes de trânsito, sendo que a abordagem mais comum e efetiva para se alcançar tal intento vem sendo a publicação de leis específicas que regulamentam o uso de bebidas alcoólicas e a direção de veículos;
26. No Brasil, o Código de Trânsito considera infração gravíssima dirigir sob a influência do etanol em nível superior a 0,6 g/l de sangue, bem como previu a realização de teste de alcoolemia, exames clínicos e outras técnicas científicas para os suspeitos envolvidos em acidentes de trânsito ou alvo de fiscalização;
27. Contudo, o Código de Trânsito ainda se revela problemático na imprecisão dos termos, ora se referindo à embriaguez, ora empregando a terminologia "dirigir sob influência de álcool" em quantidade superior a 0,6 g/l. Vale destacar que, conforme já assinalado, estes são termos que podem apresentar na prática conseqüências bem distintas;
28. Assim, os testes de alcoolemia, por si só, não são suficientes para o diagnóstico da embriaguez, sendo de extrema necessidade os exames clínicos, uma vez que uma série de fatores podem influenciar a instalação do estado nocivo de embriaguez. Neste diapasão, o que realmente importa, do ponto de vista jurídico-penal, é o comportamento social do agente no momento da infração;
29. Outra questão que mereceu atenção foi a interpretação do art. 306 do Código de Trânsito, mais precisamente no que concerne a natureza jurídica do crime de embriaguez ao volante;
30. Foram apontadas as quatro manifestações doutrinárias acerca do delito de embriaguez ao volante, quais sejam:
crime de perigo concreto;
crime de perigo abstrato;
havendo perigo concreto, ocorre o crime do art. 306 do Código de Trânsito, sendo que a simples embriaguez ao volante, sem perigo concreto, conduz ao art. 34 da Lei de Contravenção Penal, ou seja, perigo abstrato;
crime de lesão e de mera conduta.
31. Por fim, foi defendida a tese que considera que o perigo do delito de embriaguez ao volante configuraria elemento do tipo, pouco importando o mesmo ser concreto ou abstrato. Dessa forma, o perigo seria o risco de dano a terceiros provocado pela conduta de dirigir veículo automotor de maneira anormal, sob influência de álcool, assim, configurar-se-ia a infração de embriaguez ao volante um crime de lesão e de mera conduta.
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