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A reforma tributária que (não) interessa: a mitomania da simplificação

Agenda 01/12/2019 às 21:30

Tecemos criticas à proposta de reforma tributária com viés apenas na simplificação do sistema.

Quantas vezes já ouvimos que as leis brasileiras são feitas para beneficiar os ricos e/ou prejudicar os pobres? A quantidade de vezes que já ouvi tal assertiva me leva a crer que parte significativa das leis vigentes em nosso país carregam essa estigmatizante mácula.

Leis aparentemente austeras são constantemente mitigadas por subterfúgios jurídicos e atalhos legislativos que normalmente só os endinheirados conseguem trilhar. Isso, talvez, ocorra em razão de os ricos serem detentores ou patrocinadores da quase totalidade dos cargos eletivos do nosso país. Apesar de eticamente questionável, inegável que legislar em causa própria é um privilégio imensurável.

Nessa senda, tudo leva a crer que as leis tributárias brasileiras também foram urdidas para favorecer os ricos e penalizar os pobres.  A obra: A Reforma Tributária Necessária[1]; consolida dados da OCDE e RFB que demonstram com esmerada clareza como o sistema tributário brasileiro é benevolente com os ricos e cruel com os pobres.

Oportuno sintetizar alguns exemplos do altruísmo das leis tributárias brasileiras em relação aos abastados, observem:

Outro emblemático exemplo que entendo ser o suprassumo da benevolência tributária que a legislação brasileira dedica aos ricos, é o fato de o Brasil isentar de impostos os lucros e dividendos auferidos pelos ricos. Em todo o planeta, fora o Brasil, somente a Estônia teve a especial gentileza de isentar de impostos o topo da pirâmide social.

Não à toa pesquisadores do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG), vinculado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em sua pesquisa[2] concluíram que:

“[...] o Brasil é um país de extrema desigualdade e também um paraíso tributário para os super-ricos, combinando baixo nível de tributação sobre aplicações financeiras, uma das mais elevadas taxas de juros do mundo e uma prática pouco comum de isentar a distribuição de dividendos de imposto de renda na pessoa física”(grifamos)

Ora, se a lei tributária brasileira atende muito bem as necessidades que os ricos têm de manter e aumentar a própria riqueza, resta entender então por que eles ainda clamam por reformas. A resposta é singela: querem simplificação[3],  transformando o que já é bom em ótimo!

Não estamos aqui criticando a necessidade de simplificação do arcabouço tributário brasileiro, que, em muitos casos, causa embaraços ao próprio fisco. Outrossim, enviar proposta de reforma tributária ao legislativo sem previsão de revisão da perversa lógica de tributar mais o consumo e menos o patrimônio e a renda, apresenta-se socialmente inaceitável.

A simplificação pura e simples seria a infeliz consagração do  problema da tributação brasileira: a injustiça! Chega a ser covarde clamar por reformas para, ao final, preservar o pesado ônus que nossa tributação ocasiona às camadas mais pobres da sociedade, viabilizando assim que os donos da riqueza brasileira continuem a não subsumir seus vultosos rendimentos e patrimônio à tributação progressiva, conforme a respectiva capacidade contributiva.

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Doutra banda, quando os autores da proposta de simplificação nua e crua do sistema tributário apegam-se no princípio existente no art. 179 da CF/88[4] - visando estender aos grandes o que a Constituição reserva somente aos pequenos - acabam cometendo outro desserviço social, aprofundando ainda mais a realidade regressiva do nosso sistema tributário.

Isso porque sistemas tributários efetivamente justos e progressivos, que taxam mais quem ganha mais, necessitam de mecanismos de fiscalização e controle mais complexos, tanto para manter a progressividade necessária do sistema, quanto para aferir a capacidade efetiva de contribuição de determinado contribuinte; circunstâncias que vão, curiosamente, na contramão da simplificação almejada pelos ricos.

Destarte, uma reforma que seja minimamente justa deve ir além da mera simplificação do sistema, buscando, sobretudo, reduzir a desigualdade e promover o desenvolvimento social e econômico. Para tal, não basta reduzir bases e alíquotas fiscais, mas principalmente redistribuir a carga tributária para que a lógica da capacidade contributiva, da progressividade e da essencialidade; ganhem real sentido no cotidiano do brasileiro comum.

A diminuição das desigualdades sociais e o desenvolvimento econômico, passam, obrigatoriamente, por uma reforma tributária justa e solidária; que se encontra bem distante da mitomania que carrega a proposta de simplificação defendida no Congresso Nacional por notórios representantes dos ricos.

Devemos, vigorosamente, atacar de frente as incongruências do nosso sistema tributário para, finalmente, viabilizar e fazer valer o Estado Social que os brasileiros merecem, especialmente os mais necessitados.


Notas

Sobre o autor
Claudio Cesar Santa Cruz Modesto

Possui graduação em Direito pela Uni-Anhanguera, Goiânia/GO (2013) com pós graduação em Direito e Processo Tributário pela PUC/GO (2015). Auditor Fiscal da Receita Estadual da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás (1998).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MODESTO, Claudio Cesar Santa Cruz. A reforma tributária que (não) interessa: a mitomania da simplificação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5996, 1 dez. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69230. Acesso em: 24 nov. 2024.

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