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O Ministério Público investigador:

Agenda 02/07/2005 às 00:00

Diante dos percalços criados pelo sofisticado modus operandi da criminalidade organizada a qual fragmenta o iter criminis ao extremo, segmentando-o entre inúmeros autores [1] (ou partícipes), assenta-se remansoso entendimento de que fenecem os clássicos métodos investigatórios, os quais concebidos ao combate da delinqüência pré-capitalista industrial-financeira, de modo que a adoção do sistema de investigação preliminar a cargo do Ministério Público passou a ser apontado como solução à realidade brasileira, conforme lição de AURY CELSO LIMA LOPES JÚNIOR [2].

Entrementes, ainda que a legitimidade da condução de investigações criminais por membros do Ministério Público seja objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e a doutrina mais consentânea com os objetivos desta República não vislumbram óbices para esta atividade. Portanto, a discussão que haverá de ser travada não envolve a possibilidade, mas os limites da alusiva atividade, segundo aviso de CLÈMERSON MERLIN CLÈVE [3].

Assim, se por um lado a atuação do Ministério Público sofre objeções, de outro, a inaptidão do inquérito policial ao combate da criminalidade contemporânea é inconteste. Nesse sentido, JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Ministro do STJ, afirma que "esse sistema tradicional de prévia colheita de indícios de provas e de provas já se exauriu e, nos moldes em que instituído, já se revelou, de há muito, sem vigor e ineficaz para investigar, em sua generalidade, todo o universo de crimes que se perpetram nas sociedades modernas" [4].

Outrossim, LUIZ FRANCISCO DE SOUZA, Procurador da República no Distrito Federal, enfatiza que, atualmente, o inquérito policial permite intenso controle político das investigações, cria uma indevida cisão entre Ministério Público e Polícia, gera morosidade, corrupção e ineficácia do próprio MP na persecução penal, sendo tal instrumento defendido, apenas, "pelos membros do MP que querem ficar em gabinetes com ar condicionado e temem arriscar as vidas no combate ao crime" [5].

Em face desse contexto, LOPES JÚNIOR propõe a seguinte solução, verbis:

Definitivamente, o modelo atual de investigação criminal só serve para satisfazer a impunidade dos grandes e organizados criminosos. Por isso, não só o legislador deve procurar aprimorar os meios investigativos, mas, sobretudo, desde ontem, deve o promotor de justiça criminal, sem prejuízo do trabalho investigativo da polícia judiciária, acompanhar e orientar todos os atos tendentes ao esclarecimento de um delito cometido por grupos organizados, seja através de procedimento ministerial, seja através do inquérito policial. [6]

Reponta, com efeito, a necessidade de proceder-se à modificação do vigente modelo de investigação preliminar, mormente em relação aos delitos que revelam maior lesividade ao convívio social, cujas conseqüências agridem, frontalmente, o Estado Democrático de Direito e a sociedade brasileira [7], nos quais se reclama a atuação investigativa do Ministério Público.

Assim, a título exemplificativo, além das graves violações a direitos humanos, JOSÉ ARNALDO DA FONSECA dirige a referida atuação aos crimes contra: a) a Ordem Tributária; b) o Sistema Financeiro Nacional; c) a Ordem Econômica; d) a Administração e o patrimônio públicos; e) os de lavagem de dinheiro, e f) os praticados por organizações criminosas, sendo oportuna a ressalva de PIETRO GRASSO [8], membro do Ministério Público italiano, ao sinalizar que as organizações mafiosas [9] constituem, hoje, "a espinha dorsal do sistema do crime internacional; e sua derrota é o pressuposto para a desestabilização das outras formas de criminalidade organizada".

Versando a aludida atividade criminosa, WALTER FANGANIELLO MAIEROVITCH [10] comenta que a mesma se caracteriza pelas complexas associações delinquenciais de programa permanente, domínio de territórios, controle social por parte dessas organizações e infiltrações no Estado-legal, notadamente onde a corrupção [11] acha-se disseminada entre políticos [12] e policiais, bem como pelo descrédito cada dia maior dos sistemas de justiça que se amparam em leis antiquadas (ou mal-elaboradas) e de estruturas profissionais persecutórias inadequadas.

Particularmente no que concerne à corrupção e à infiltração, as quais bastante evidentes em órgãos ou autoridades do Poder Público brasileiras, MARCELO BATLOUNI MENDRONI escreve, verbis:

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[...] quando os agentes públicos não participam efetivamente do grupo, são corrompidos para viabilizar a execução das ações criminosas. Geralmente estão colocados em postos e locais estratégicos para que possam auxiliar, de qualquer forma, na execução de ações, pois as organizações criminosas que atingem um certo grau de desenvolvimento já não conseguem sobreviver sem o auxílio de agentes públicos. [13]

Em síntese e ao desfecho desse cenário, WINFRIED HASSEMER adverte que a criminalidade organizada "não é apenas uma organização bem feita, não é somente uma organização internacional, mas é, em última análise, a corrupção da legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate à criminalidade". [14]

Por isso, mas não só em razão desses fatores, LOPES JUNIOR tece inúmeros motivos para atribuir ao Ministério Público o comando da investigação preliminar, visto que se apresenta como a melhor solução para o processo penal brasileiro, máxime quando se reconhece que, no Brasil, a referida Instituição é independente e goza das mesmas garantias constitucionais conferidas à Magistratura, de modo a concluir que tal sistemática "é a mais adequada para nossa realidade, exigindo-se apenas uma melhor definição do que se entende por controle externo da atividade policial para permitir ao MP dar as instruções gerais e específicas necessárias para o satisfatório desenvolvimento da instrução preliminar". [15]

Aliás, nos dizeres do sobredito jurista, essa investigação está, basicamente, dirigida a decidir sobre o processo ou não-processo. Por isso, deve ser uma atividade administrativa a cargo do titular da ação penal, pois ninguém melhor do ele para preparar o exercício da futura acusação. Desse entendimento não destoa CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, verbis:

[...] a investigação deve servir como um filtro processual através do qual somente passarão para o plano jurídico-processual as condutas revestidas de evidente tipicidade. A eficácia desse filtro é garantia para os cidadãos, que não terão contra si promovidas ações descabidas, e também para o sistema judicial, que não desperdiçará recursos e esforço em processos natimortos. O bom funcionamento deste sistema requer amplo conhecimento, por parte dos encarregados da atividade investigatória, do ordenamento jurídico, especialmente dos princípios constitucionais, e sensibilidade quanto ao problema do abarrotamento dos órgãos judiciais. Este é mais um motivo para se creditar ao Ministério Público a realização direta e pontual de diligências investigatórias. [16]

Diante do exposto, vislumbra-se que a adoção do modelo de investigação preliminar a cargo do Ministério Público nas circunstâncias adrede referidas, além de assegurar a proteção dos direitos e garantias individuais, já que lhe incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos direitos sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 129), não deixa de fomentar o desenvolvimento de técnicas eficientes ao combate da macro-criminalidade, municiando a referida Instituição com instrumentos hábeis e céleres ao enfrentamento da delinqüência contemporânea, identificada na criminalidade ambiental, organizada, econômica, tributária etc, sendo que para essas o Direito Penal, ao revés do que se vinha propugnando, não deve funcionar com a ultima, mas como a prima ratio, segundo HASSEMER, citado por LUCIANO FELDENS, Procurador da República no Rio Grande do Sul.


Notas

  1. Disponível em <https://www.crimesdocolarinhobranco.adv.br>, acesso em 29.4.2005

  2. in A crise do inquérito policial: breve análise dos sistemas de investigação preliminar no Processo Penal, 2002.

  3. Investigação Criminal e Ministério. Público. Disponível em <www.anpr.org.br>, acesso em 29.4.2005.

  4. Segundo exposição no seminário "Aspectos Penais em 500 anos", realizado em 23 e 24 de março de 2000, no auditório do Superior Tribunal de Justiça.

  5. Disponível em <https://www.sinpef-rs.org.br/modus/modus20/modus.asp>, acesso em 29.4.2005.

  6. in A crise do inquérito policial: breve análise dos sistemas de investigação preliminar no Processo Penal, 2002, p. 417.

  7. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA informa "com base em dados levantados pela Fundação Getúlio Vargas, que somente a corrupção, no Brasil, se reduzida em 10%, seria suficiente para acrescentar 50 bilhões de reais ao nosso Produto Interno Bruto ao longo de cerca de 10 anos. E mais, trabalhos da ONU e do FMI estimam que a corrupção pode reduzir o índice de crescimento de 1 a 0,5% ao ano, e os investimentos, nos países corruptos, são 5% inferiores. Isto se ficarmos apenas nesse tipo de crime".

  8. Disponível em <https://www.revistaforum.com.br/revista/6/homemhonra.htm>, acesso em 29.04.2005

  9. GIOVANNI FALCONE asseverava que a máfia siciliana "é mais séria e sólida do que o Estado. Tem leis claras e rigorosos códigos de ética. Seus membros são dotados de aguda inteligência, notável capacidade de trabalho e grande talento organizacional. É um fenômeno criminal de uma gravidade sem precedentes." Ademais, LEONARDO SCIASCIA escreveu que tal associação nasceu para "para delinqüir e com a finalidade de conseguir enriquecimento ilícito para os seus associados. Coloca-se parasitariamente como intermediária, impondo-se com emprego de meios violentos, entre a propriedade e o trabalho, entre a produção e o consumo, entre o cidadão e o Estado". Disponível em <https://www.revistaforum.com.br/revista/6/homemhonra.htm>, acesso em 28.4.2005.

  10. Disponível em www.ibgf.org.br, acesso em 28.4.2005.

  11. ROCCO BUTIGLIONE escreve que a corrupção é ilícito gravíssimo, porque priva de legitimação as instituições democráticas, de modo que lutar pela democracia significa, antes de tudo, lutar contra a corrupção.

  12. MINGARD, citado por LOPES JUNIOR, invoca a expressão de PAUL CASTELANO, líder da Máfia de Nova York – "Eu já não preciso mais de pistoleiros, agora quero deputados e senadores". (in A crise do inquérito policial: breve análise dos sistemas de investigação preliminar no Processo Penal, 2002, p. 415).

  13. Curso de investigação criminal, 2002, p. 16.

  14. Três temas de Direito Penal, 1993, p. 85 e ss.

  15. Artigo citado, pg. 77-78.

  16. Artigo citado, disponível em < www.anpr.org.br>, acesso em 29.4.2005.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESCUMA, Leandro Recchiutti Gonsalves. O Ministério Público investigador:: a investigação criminal a cargo do Ministério Público como modelo necessário ao combate da macrocriminalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 731, 2 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6947. Acesso em: 8 nov. 2024.

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