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Função social da empresa

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Agenda 06/07/2005 às 00:00

2.Evolução do Direito Civil.

Após explanarmos sobre a evolução do direito comercial brasileiro, partindo de seu início, em 1808 até a promulgação do Código Comercial em 1850, e de conceituarmos a teoria dos atos de comércio, adotada pelo Código de 1850, e a teoria da empresa, abarcada pelo direito empresarial nos dias de hoje, faz-se necessário, face à interdisciplinaridade do presente estudo, e à unificação do direito privado brasileiro explicar um pouco sobre a evolução do Direito Civil nacional.

Estudaremos o Direito Civil sob o enfoque das características da sociedade refletida nos diplomas legais.

Para tanto, iniciaremos com a análise do Código Civil revogado de 1916, suas principais características e aspectos; em segundo momento analisaremos a Constituição Federal de 1988, seus aspectos sociais e seus principais reflexos na doutrina civil vigente, e finalizaremos o presente capítulo tratando das mudanças trazidas pelo atual Código Civil, seus principais aspectos e princípios orientadores.

2.1.O Código Civil de 1916

Após várias tentativas frustradas de elaboração de um Código Civil nacional, em 1899 o então Presidente da República Campos Salles, incumbiu o jurista Clóvis Bevilaqua da elaboração do projeto de Código Civil. Ainda no mesmo ano apresentou o referido jurisconsulto seu projeto, em seis meses, que após 15 anos de debates se converteu no Código Civil Brasileiro, sendo promulgado em 1º de janeiro de 1916, e entrando em vigor em 1º de janeiro do ano seguinte. [54]

O Código revogado possuía 1807 artigos, contendo uma Parte Geral, com preceitos, categorias e princípios básicos, aplicáveis à Parte Especial e que produziam reflexos em todo ordenamento jurídico, dividida em três livros, que tratavam da Teoria das Pessoas, no Livro I, da Classificação dos Bens, no Livro II, e dos Atos e Fatos Jurídicos, no Livro III. A Parte Especial, por sua vez, era dividida em quatro livros, que continham os seguintes títulos: Do Direito de Família, Do Direito das Coisas, Do Direito das Obrigações e Do Direito das Sucessões.

Sobre o Código de 1916 escreveu em sua obra, Principais Inovações no Código Civil de 2002, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Carlos Roberto Gonçalves:

Elogiado pela clareza e precisão dos conceitos, bem como por sua brevidade e técnica jurídica, o referido código refletia as concepções predominantes em fins do século XIX e no início do século XX, hoje em grande parte ultrapassadas, baseadas que estavam no individualismo então reinante, especialmente ao tratar do direito de propriedade e da liberdade de contratar. [55]

O Código Civil revogado, a destarte de sua clareza e precisão jurídica, possuía um caráter predominantemente patrimonial e individualista, prevalecendo, devido ao momento histórico de sua elaboração, que refletiu a sociedade rural da época, o princípio "pacta sunt servanda",.

É claro que, como foi elaborado no início do século, não podia o legislador prever as mudanças sociais e tecnológicas que viriam, como as duas grandes guerras, o fortalecimento das empresas, a mudança no papel da mulher na sociedade, entre outros fatores. Nesse sentido mesmo sentido já se pronunciaram em suas obras os juristas Sílvio de Salvo Venosa [56] e Silvio Rodrigues [57].

Miguel Reale, organizador do projeto que culminou no Código Civil brasileiro, no artigo Visão Geral do Projeto de Código Civil, publicado em seu website na internet, procurando traçar uma visão geral do então projeto de Código Civil e sua elaboração, ao se reportar ao aproveitamento das disposições constantes do Código de 1916 disse:

[...] é inegável que o código atual obedeceu, repito, como era natural, ao espírito de sua época, quando o individual prevalecia sobre o social. É, por isso, próprio de uma cultura fundamentalmente agrária, onde predominava a população rural e não a urbana. [58]

No mesmo sentido, escreveram os professores Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Galiano, em sua obra Novo Curso de Direito Civil:

[...]traduz, em seu corpo de normas tão tecnicamente estruturado, a ideologia da sociedade agrária e conservadora daquele momento histórico, preocupando-se muito mais com o ter (o contrato, a propriedade) do que com o ser (os direitos da personalidade, a dignidade da pessoa humana). [59]

Devido à rápida evolução da sociedade, algumas décadas após a promulgação do Código de 1916, iniciaram-se as tentativas de reforma, sendo a primeira pelas mãos de Orozimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães, na década de quarenta, com o Anteprojeto do Código de Obrigações, e a segunda na década de sessenta, com Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira.

Finalmente, em 1969, foi nomeada pelo Ministro da Justiça Comissão formada pelos Professores José Carlos Moreira Alves, responsável pela Parte Geral, Agostinho de Arruda Alvim, pelo Direito das Obrigações, Sylvio Marcondes, Direito de Empresa, Ebert Vianna Chamoun, Direito das Coisas, Clóvis do Couto e Silva, Direito de Família e Torquato Castro, pelo Direito das Sucessões. A coordenação geral ficou a cargo do Professor Miguel Reale.

Em 1972 a comissão apresentou ao Poder Executivo seu anteprojeto. Após receber muitas emendas e sofrer muitas revisões, foi elaborado o Projeto de Código Civil, enviado ao Congresso Nacional através da Mensagem n.160/75, transformando-se no Projeto de Lei n. 634, de 1975. [60]

Após alguns anos de tramitação, a proposta foi aprovada, em 1984, pela Câmara dos Deputados, e se transformou no Projeto de Lei 634/B. Porém, o andamento do projeto foi paralisado, para a elaboração de uma nova Constituição Federal, promulgada em 1988.

Após a promulgação, em 05 de outubro de 1988, da Constituição Federativa do Brasil, retornaram os trabalhos no projeto, tendo o mesmo que ser adaptado para a nova realidade social, imposta pela referida Constituição. Em 1995 foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e em 1997 pelo Senado, após muitas emendas propostas por ambas as casas. Em 1999 o projeto retornou à Câmara dos Deputados, onde ganhou a redação atual, e foi definitivamente aprovado, em 06 de dezembro de 2001, promulgado em 10 de janeiro de 2002, e entrou em vigor a 10 de janeiro de 2003.

Paralelamente às tentativas de reforma do Código Civil, muitas leis surgiram buscando adequar o sistema jurídico vigente às necessidades sociais. Entre elas vale destacar a Lei n. 4.121/62, Estatuto da Mulher Casada, a Lei n. 2.437/55, sobre os prazos prescricionais, a Lei n. 3.135/57, Lei da Adoção, Lei n. 883/49, sobre o reconhecimento dos filhos adulterinos, a Lei n. 6.015/73, Lei de Registros Públicos, Lei n. 6.515/77, Lei do Divórcio, Lei n. 6.515/90, sobre o bem de família legal, Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, que reconheceram os direitos dos companheiros e conviventes, Código de Defesa do Consumidor, Código das Águas, Código de Minas, Lei de Locação, Estatuto da Criança e o Adolescente, Estatuto do Idoso, entre tantos outros dispositivos legais.

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Destaca-se especialmente a Constituição de 1988, a qual incorporou parte das conquistas sociais já constantes na legislação esparsa, e trouxe importantes inovações à sociedade e ao direito nacional, incorporando alguns institutos do direito privado, e criando a chamada Constitucionalização do Direito Civil. [61]

2.2.Das mudanças impostas pela Constituição de 1988

Para uma visão melhor da relevância da Constituição Federativa de 1988 no Direito Civil brasileiro, faz-se necessário um breve relato dos fatos históricos e políticos que a antecederam.

Iniciamos nosso levantamento com o Golpe Militar de 1964, que instaurou a Ditadura no país, o qual foi precedido do AI-5, que dissolveu o Congresso Nacional, dando total poder aos militares. Iniciou-se um período de total repressão a qualquer manifestação política, sendo utilizadas também técnicas sangrentas para tal fim, como a tortura e a morte de pessoas contrárias ao regime vigente.

Entretanto, as forças políticas e estudantis combatiam como podiam as cada vez mais violentas atitudes militares, lutando pela normalização democrática e pela conquista do Estado Democrático de Direito. Após anos de lutas, luzes surgiram em 1982, com as eleições para governadores, e se intensificaram em 1984 com as manifestações em prol das eleições diretas, contudo tais esperanças foram frustradas e nada aconteceu [62].

Lançaram então, as forças democráticas, a candidatura indireta à Presidência da República do governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, que, ao ser eleito em 15 de janeiro de 1985, deu início ao que ele próprio chamava de Nova República, um período de transição para o regime democrático.

Porém, o Presidente eleito faleceu antes de assumir à Presidência, tomando posse em seu lugar, o Vice-Presidente José Sarney, que, apesar de ter estado sempre ao lado das forças autoritárias, deu seqüência às promessas de redemocratização de Tancredo Neves.

Sarney, em andamento às promessas de Tancredo Neves nomeou uma Comissão para elaboração de nova Constituição, e através da Emenda Constitucional n. 26, promulgada em 27 de novembro de 1985, convocou os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, para se reunirem em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987. Dessa assembléia, resultou a atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. [63]

Demonstra referida Constituição, já em seu preâmbulo, a preocupação com o Estado Democrático de Direito, e com a garantia dos direitos sociais e individuais, liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento e justiça, e com a busca como valores supremos, de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. [64]

A Constituição de 1988 trouxe uma nova realidade social ao ordenamento jurídico brasileiro não somente por sua visão mais social, mas também pela forma de sua elaboração, como nos mostra José Afonso da Silva:

É a Constituição Cidadã, na expressão de Ulysses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte que a produziu, porque teve ampla participação popular em sua elaboração, e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania. [65]

Com relação ao direito privado, trouxe também a Carta-Magna grandes inovações, cabendo-nos ressaltar e explicitar três grandes pontos de mudança que influenciaram o Direito Civil nacional, por serem considerados as "vigas fundamentais" [66] do direito privado.

O primeiro ponto diz respeito ao Direito de Família e ao Direito das Pessoas, muitas das mudanças sociais ocorridas no século, consignadas ou não nas leis especiais extravagantes, foram recepcionadas pelo texto constitucional.

Podemos destacar os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade, como os mais importantes regentes das relações familiares e pessoais. [67]

Individualmente citamos como avanços na legislação constitucional a igualdade entre homem e mulher (CF art. 5º, I), igualdade dos filhos nascidos ou não do casamento e dos filhos adotivos (CF art. 227, §6º), reconhecimento da união estável (CF 226, §3º), reconhecimento das famílias monoparentais (CF art. 227, §4º), entre outras disposições constitucionais.

Assim, temos o fenômeno chamado constitucionalização do Direito Civil, no qual passa a Constituição Federal a estabelecer as linhas gerais do Direito Privado, como nos caso os direitos da pessoa e do direito de família, e mais à frente os contratos e o direito de propriedade, com uma visão humanista, privilegiando o ser ao invés do ter, pessoa ao invés da propriedade, estatuindo, no artigo 226, a família como base da sociedade, merecendo especial proteção do Estado. Acaba a visão paternalista da família, cabendo a todos os entes familiares iguais direitos e deveres.

Como segundo ponto temos os contratos, que durante a vigência do Código Civil de 1916 eram considerados formais, rígidos, invioláveis, inclusive face ao Estado ou a sociedade, sendo "lei entre as partes" e regidos pelo princípio "pacta sunt servanda".

Porém, com o advento da Constituição de 1988 deixam de ser admitidos os contratos que não atendam a sua função social, devendo estar de acordo com os princípios gerais da atividade econômica, contidos no artigo 170 e seguintes do referido diploma legal.

Destaca-se que a finalidade da ordem econômica é "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social" (art. 170 caput), podendo ser a justiça social traduzida como a redução das desigualdades regionais e sociais, nos termos do artigo 3º e do inciso VII do artigo 170, ambos da Constituição de 1988. [68]

Sobre as relações contratuais, fundado no inciso V do artigo 170 da Constituição, nasce como grande aliado da sociedade o Código de Defesa do Consumidor, que vem tutelar as relações contratuais de consumo, estando prevista, inclusive, a negociação coletiva dos contratos entre fornecedores e consumidores, através de entidades representativas.

Como terceira viga, ou pilar, tem-se o direito de propriedade, de grande relevância no presente estudo.

Garante, a presente Constituição, em seus artigos 5º, caput e inciso XXII e 170, inciso II, o direito à propriedade privada.

Entretanto, limita nos artigos 5º, inciso XXII e 170, inciso III, o exercício do direito de propriedade, quer seja móvel ou imóvel, estipulando que deve a mesma atender a sua função social.

Prevalece nesse sentido o princípio de que os interesses e necessidades da coletividade se sobrepõem aos interesses individuais, devendo a propriedade, primariamente, atender à sua função social, sem perda do valor fundamental da pessoa humana, assunto a ser tratado mais adiante no presente trabalho.

Preceitua a Constituição, em alguns casos especiais, o sentido de função social, como a função social da propriedade imóvel urbana, no parágrafo 2º do artigo 182, e da propriedade imóvel rural, artigo 186, devendo ainda o direito de propriedade ser compatível com a preservação do meio-ambiente, conforme artigo 186, inciso II, e 225 e seguintes da Constituição.

O fenômeno da interferência constitucional no Direito Civil causou grandes impactos ao Projeto de Código Civil, tanto que, após a promulgação da Constituição Federal em 1988, teve ele que ser adaptado às novas realidades, passando a abranger as mudanças impostas pelo novo texto constitucional, como as acima citadas.

2.3.O Código Civil de 2002

Em 10 de janeiro de 2002, após mais de 30 anos de elaboração e tramitação, é promulgado o Código Civil Brasileiro, conhecido também como "novo Código Civil", contendo 2.046 artigos, divididos, tal qual o Código de 1916, em duas partes, a Parte Geral, que trata Das Pessoas (Livro I), Dos Bens (Livro II) e Dos Fatos Jurídicos (Livro III), e a Parte Especial, que trata Do Direito das Obrigações (Livro I), Do Direito da Empresa (Livro II), Do Direito das Coisas (Livro III), Do Direito de Família (Livro IV) e Do Direito das Sucessões (Livro V), contando ainda com um livro complementar que trata Das Disposições Finais e Transitórias, e entrando em vigor em 10 de janeiro de 2003.

Devido ao longo tempo de tramitação, é considerado por alguns um Código que nasce já antigo, tendo sido o Projeto Original atropelado pela Constituição Federal e pela Legislação Especial, ocorrendo uma descodificação do Código Civil, tanto que foi apresentado pelo relator, Ricardo Fiúza, com proposta de alteração de 160 artigos, ainda no período da vacatio legis visando a aperfeiçoar o seu conteúdo. [69]

Buscou-se, no desenvolvimento do Projeto do Código Civil brasileiro, preservar sempre que possível as disposições do Código de 1916, uma vez que segundo Miguel Reale:

[...] cada texto legal representa um patrimônio de pesquisa, de estudos, de pronunciamentos de um universo de juristas. Há, por conseguinte, todo um saber jurídico acumulado ao longo do tempo, que aconselha a manutenção do válido e eficaz, ainda que em novos termos. [70]

Porém, como já dito acima, a realidade da sociedade mudou, assim teve o novo Código que abandonar a concepção individualista que norteava o Código antigo, e adotar o princípio social do direito contemporâneo, já recepcionado pela constituição federal, ainda segundo Reale:

[...] A mudança do Brasil no presente século foi de tal ordem que o código não poderia deixar de refletir essas alterações básicas, uma vez que o Código Civil não é senão a constituição da sociedade civil. Como costumo dizer, e repito, o Código Civil é a constituição do homem comum. [71]

A elaboração do Código Civil baseou-se em três princípios orientadores, aplicáveis não só à elaboração do Projeto, mas ao código em si, e a todo o direito privado, são eles a Socialidade, a Eticidade e a Operabilidade.

Muitas são as mudanças trazidas pelo novo Código Civil, com relação ao Código de 1916, porém falar sobre todas seria muito dispendioso e fugiria do escopo do presente trabalho, assim vamos nos ater à conceituação dos princípios orientadores supra citados, e à criação do Livro II da Parte Especial, o Direito da Empresa, que revogou a Parte Primeira do Código Comercial de 1850.

Assim, após conceituados os referidos princípios, discorreremos sobre a unificação do direito privado brasileiro, ocorrida com a incorporação do Direito da Empresa pelo Código Civil de 2002, e sobre a aplicabilidade dos referidos princípios orientadores do direito civil, a saber, socialidade, eticidade e operabilidade, sobre a matéria empresarial.

2.3.1.Princípios Orientadores – Socialidade

Dos três princípios orientadores do novo Código Civil certamente o mais marcante é o Princípio da Socialidade. Consiste ele na prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana [72].

Segundo Miguel Reale, o sentido social é uma das características mais marcantes do novo Código, em contraste com o sentido individualista do código de 1916 de Clovis Bevilaqua, reflete as grandes mudanças ocorridas no século, devido aos vários conflitos sociais e militares, como as duas Grandes Guerras, reflete também a evolução da tecnologia, a emancipação da mulher e a conseqüente reestruturação da família.

Nas palavras do Nobre Jurista:

Se não houve a vitória do socialismo, houve o triunfo da "socialidade", fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana. Por outro lado, o projeto se distingue por maior aderência à realidade contemporânea, com a necessária revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do Direito Privado tradicional: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador. [73]

Procurou-se então a elaboração do Código atentando-se a esse novo princípio, que não somente buscava adequar as normas a fim de dá-las um sentido social, mas também visava a refletir as mudanças ocorridas na sociedade, tendo como finalidade, assim como consignado no Preâmbulo da Constituição Federal, uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, possuindo como valores supremos o livre exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça.

Como citado acima, muitas das mudanças consignadas no novo Código foram decorrentes da adaptação ao Princípio da Socialidade, ressaltamos no direito de família em razão da igualdade entre o homem e a mulher, a mudança do antigo "pátrio poder", o qual era exercido pelo pai de família, para o novo "poder familiar", exercido por ambos os cônjuges em razão da família e dos filhos, ainda no direito de família.

Reale em seu artigo Visão Geral do Projeto de Código Civil, ainda cita, que em virtude do princípio de socialidade, ocorre o surgimento de um novo conceito de posse, a posse-trabalho, ou "pro labore", razão pela qual o prazo de usucapião de um imóvel é reduzido, conforme o caso, se os possuidores nele houverem estabelecido a sua morada, ou realizado investimentos de interesse social e econômico [74].

Devido também ao referido princípio, foram revistos e atualizados os antigos conceitos de posse e propriedade, devendo serem exercidos em consonância com os fins sociais da propriedade. Assim, como já dito acima, prevaleceu nesse sentido o princípio de que os interesses e necessidades da coletividade se sobrepõem aos interesses individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana, devendo a propriedade, primariamente, atender à sua função social.

Surge então no Direito Civil, e se reforça com o Princípio da Socialidade, o instituto da Função Social, já consignado no diploma Constitucional, podendo o mesmo atingir os bens móveis e imóveis, os contratos, e no presente estudo a empresa, matéria a ser discutida nos próximos capítulos.

2.3.2.Princípios Orientadores – Eticidade

Como segundo princípio orientador temos a Eticidade, característica também marcante no novo Código, ao atenuar o rigorismo normativo, contrastando com a rigidez e formalidade do Código de Bevilaqua.

O princípio da eticidade surge a partir da aproximação do Código ao caso real, no momento em que confere ao juiz não só poder para suprir lacunas, mas também para resolver, onde e quando previsto, de conformidade com valores éticos, nesse sentido, escreveu Miguel Reale:

Não acreditamos na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo preferível, em certos casos, prever o recurso a critérios etico-jurídicos que permita chegar-se à "concreção jurídica", conferindo-se maior poder ao juiz para encontrar-se a solução mais justa ou equitativa. [75]

Assim, na elaboração do Código de 2002 buscaram os legisladores afastar-se do rigorismo normativo constante do antigo Código Civil, o qual acreditava que tudo poderia ser resolvido técnica e cientificamente, através de normas expressas, sem apelo a princípios considerados metajurídicos.

Em nosso projeto não prevalece a crença na plenitude hermética do Direito Positivo, sendo reconhecida a imprescindível eticidade do ordenamento. O código é um sistema, um conjunto harmônico de preceitos que exigem a todo instante recurso à analogia e a princípios gerais, devendo ser valoradas todas as conseqüências da cláusula rebus sic stantibus [76]

Funda-se o princípio da eticidade, segundo o Desembargador Carlos Roberto Gonçalves, no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores, priorizando nas relações jurídicas a equidade, a probidade, a boa fé, a justa causa e os demais critérios éticos, conferido maior poder ao juiz para encontrar uma solução mais justa e equitativa, na aproximação do Direito Civil ao caso concreto, sendo, neste sentido "posto o equilíbrio econômico dos contratos como base ética de todo direito obrigacional". [77]

Decorrente de tal princípio surge uma nova figura ao direito, que é a possibilidade de intervenção do juiz face ao "advento de situações imprevisíveis, que inesperadamente venham alterar os dados do problema, tornando a posição de um dos contratantes excessivamente onerosa" [78], como nos casos dos artigos 157 (da Lesão), e 478 a 480 (da Resolução Por Onerosidade Excessiva), podendo ele balancear ou resolver o contrato em questão, valorando todas as conseqüências da cláusula "rebus sic stantibus".

Muitos são os exemplos da aplicação do princípio da eticidade no Código de 2002, especialmente no Direito das Obrigações, chegando a afirmarem os juristas Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado que "a função social do contrato é corolário do princípio da eticidade, dispondo o artigo 421 que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites daquela função" [79].

2.3.3.Princípios Orientadores – Operabilidade

Como terceiro princípio temos o Princípio da Operabilidade, que pode ser traduzido por uma simples frase: "O direito é feito para ser efetivado, para ser exercido, operado". Por essa razão, na confecção do novo Código foi evitado o bizantino, o complicado, afastando-se as perplexidades e complexidades [80].

Como exemplo claro desse posicionamento, temos a adoção pelo legislador do Código de 2002, de um critério seguro para distinguir prescrição de decadência, e pôr fim a uma longa dúvida.

Adota-se, pelo princípio da operabilidade, critérios simples e claros para a conceituação de certos institutos, porém, lembra Reale, que o mesmo princípio também originou a criação de algumas normas jurídicas abertas, para que a atividade social da mesma, na sua evolução, venha a alterar-lhe o conteúdo, e permitindo uma melhor aplicação ao caso concreto [81].

Deriva-se também da operabilidade um princípio chamado por Miguel Reale de Princípio da Concretude, assim conceituado:

Concretude, que é? É a obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, para um indivíduo perdido na estratosfera, mas, quanto possível, legislar para o indivíduo situado: legislar para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto um ser subordinado ao poder familiar. Quer dizer, atender às situações sociais, à vivência plena do Código, do direito subjetivo como uma situação individual; não um direito subjetivo abstrato, mas uma situação subjetiva concreta. Em mais de uma oportunidade ter-se-á ocasião de verificar que o Código preferiu, sempre, essa concreção para a disciplina da matéria [82].

Agora, após a breve explanação sobre os Princípios Orientadores do novo Código Civil, faz-se mister um estudo sobre a unificação do direito privado ocorrida com a criação do Livro II da Parte Especial – Do Direito da Empresa, vindo o Código Civil de 2002, a revogar a Parte Primeira do Código Comercial brasileiro de 1850, e sobre a aplicabilidade dos princípios da socialidade, eticidade e operabilidade sobre o direito empresarial.

Sobre o autor
Felipe Alberto Verza Ferreira

Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Metodista de Piracicaba e advogado militante na Comarca de Sumaré/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Felipe Alberto Verza. Função social da empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 731, 6 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6967. Acesso em: 22 nov. 2024.

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