RESUMO: O presente texto tem por escopo precípuo analisar os novos tipos penais instituídos na legislação pátria, por meio da Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, notadamente, os novos crimes de importunação sexual e divulgação de cenas de estupro e estupro de pessoa vulnerável, previstos respectivamente, nos artigos 215-A e 218-C, do Código Penal. Visa ainda estudar a temática da ação penal nos crimes contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra pessoa vulnerável, além de mencionar as novas causas de aumento de pena, em especial, para o estupro coletivo e estupro corretivo.
Palavras-Chave. Direito Penal. Lei nº 13.718/2018. Modalidades criminosas. Importunação sexual. Divulgação de cenas de estupros. Estupro coletivo. Estupro corretivo. Ação Penal. Causas de aumento de pena.
Em vigor desde o dia 25 de setembro de 2018, a Lei nº 13.718, que cria duas condutas criminosas na legislação penal, modifica a temática da ação penal e prevê causas de aumento de pena para estupro coletivo e estupro corretivo.
A imprensa nacional recentemente divulgou casos registrados no interior de ônibus em São Paulo, se alastrando para outros locais, em função do modismo atual, em que criminosos se masturbavam e ejaculavam em mulheres.
Sabe-se que, num primeiro caso concreto, o autor do crime foi autuado em flagrante delito por crime de estupro, mas a justiça o colocou na rua pouco tempo depois durante audiência de custódia, enquadrando-o como contraventor penal, por conduta contravencional que era prevista no artigo 61 da Lei das Contravenções penais, chamada de importunação ofensiva ao pudor.
Na época, vários doutrinadores de posicionaram a respeito, em uma chuva de opiniões, uns dizendo que a conduta se constituía em ato obsceno ou constrangimento ilegal e outros afirmavam tratar-se verdadeiramente de crime de estupro.
Outros casos que chamaram a atenção da mídia foram os de estupro coletivo e divulgação de cenas de estupro, também gerando inúmeras contradições doutrinárias.
Visando colocar ponto final na insegurança jurídica, e, sobretudo nesse garantismo exacerbado, foi publicada a Lei nº 13.718/2018, que tipificou os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornou pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, além de estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo.
A lei ainda revogou a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, que era prevista no artigo 61 da Lei das Contravenções Penais.
Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:
Pena - multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Assim, a nova lei criou o crime de importunação sexual, no artigo 215-A, consistente em praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, prevendo pena de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
Por sua vez, foi criado crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, art. 218-C, do CP, cuja conduta ilícita agora consiste em oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia.
A pena para este crime é de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave, chamada na doutrina de subsidiariedade expressa.
A partir de agora, aquelas condutas de masturbação com ejaculação lançadas sobre pessoas, que foram registradas no anterior de ônibus coletivo, as condutas de passar as mãos nos seios, nádegas, nas pernas, a famosa bolinação ou ralação em ônibus apertados, ou até mesmo um beijo lascivo ou forçado, ao que parece, devem ser enquadrados como importunação sexual, artigo 215-A, do Código Penal.
Por ter pena mínima não superior a um ano, preenchidas outras condições, haverá a possibilidade de suspensão processual, artigo 89 da Lei nº 9.099/95.
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de frequentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.
Desta forma, pode-se afirmar que o crime de importunação sexual possui o verbo uninuclear de praticar, que, segundo definição léxica, quer dizer, realizar, fazer, agir, atuar, cometer, desenvolver, efetuar, perpetrar.
Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, cujo sujeito passivo pode ser também qualquer pessoa. É crime essencialmente doloso, comissivo, unissubjetivo, plurissubsistente, e que se consuma com a prática do ato libidinoso sem a anuência da vítima, com objetivo de satisfação de lascívia própria ou de terceiro. O objeto jurídico do novo crime é a dignidade sexual da pessoa humana.
A anuência de pessoa menor de 14 anos, ou que não possua vontade válida, configura o crime em apreço.
Ficou pacificado também que a divulgação de cena de estupro e as diversas condutas previstas no artigo 218-C do Código Penal, inclusive a divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia serão enquadrados doravante como crime, cuja pena será de 01 a 5 anos de reclusão.
O novo delito previsto no artigo 218-C é formando por 09(nove) verbos nucleares, chamado de crime plurinuclear, tipo misto alternativo, de conteúdo variado, ou ainda delito de ação múltipla, configurando crime único se praticado no mesmo contexto fático, podendo caracterizar mais de uma conduta criminosa, se por exemplo, o autor faça transmitir fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável e num noutro contexto fático, isolado, exponha a venda esse objeto material, podendo haver normalmente o concurso material de crime, art. 69 do Código Penal, entrando agora em cena o sistema do cúmulo material, com a somatória das penas cominadas.
Outra novidade da lei é no tocante à ação penal nos crimes contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra vulnerável, que agora procede-se mediante ação penal pública incondicionada.
Isto significa que ao tomar conhecimento do fato, cabe à Polícia tomar providências independente de quaisquer condições da vítima.
Portando, doravante, tem-se a ação penal incondicionada, independentemente da idade da vítima, nos crimes de estupro, violação sexual mediante fraude, importunação sexual, assédio sexual, estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável.
Ainda nesta modalidade criminosa é necessário mencionar outras duas considerações importantes.
Destarte, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.
O § 2º do artigo 218-C previu uma causa de exclusão de crime, prevendo que não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos
O legislador previu causas de aumento de pena para o estupro coletivo, aquele cometido mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes e para o estupro corretivo, aquele praticado para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.
A meu sentir, diversos processos judiciais em andamento do Brasil poderão tomar destinos diferentes a partir da edição da Lei nº 13.718/2018, em função da retroatividade da lei penal mais benéfica, artigo 5º, inciso XL, da Constituição da República de 1988.
A título de exemplo, toma-se o caso do autor de agressões aviltantes de ejaculação no interior dos ônibus registrados por este Brasil afora, e que porventura, tenham sido processados ou estão sendo investigados por crime de estupro, logicamente responderão agora por crime de importunação sexual do artigo 215-A, em face do princípio da retroatividade penal mais benéfica.
Por derradeiro, a meu sentir andou bem o legislador pátrio diante de um contexto social essencialmente dinâmico, veloz, até mesmo em razão da assustadora evolução tecnológica, ao criar normas penais atuais e equânimes em obediência aos postulados da proporcionalidade e da segurança jurídica, e, sobretudo, protegendo a dignidade sexual das pessoas, bem imutável, pertencente ao rol do núcleo duro do direito de personalidade, cuja normatividade maior se direciona ao incisivo combate à violência sexual contra a mulher e à preservação da dignidade sexual de todas as pessoas.