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In dubio pro societate na decisão de pronúncia e a presunção de inocência

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Agenda 24/10/2018 às 17:50

Breve relato sobre o Tribunal do Júri, análise da aplicabilidade do brocardo in dubio pro societate na decisão de pronúncia ante a existência do princípio constitucional da presunção de inocência e estudo sobre a função constitucional do processo penal.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO. 1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.. 1.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O TRIBUNAL DO JÚRI NO MUNDO..1.2 Relatos sobre o tribunal do júri no Brasil..2. O VERDADEIRO SENTIDO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA...2.1 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O PROCESSO PENAL LIBERAL...2 Presunção ou garantia?.3. DIREITO PENAL GARANTISTA .3.1 A ESQUECIDA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO PENAL. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O Tribunal do Júri, como se sabe, é uma garantia constitucional que encontra previsão legal no art. 5º, XXXVIII da Constituição Federal. As alíneas do referido inciso trazem os princípios que regem o instituto em estudo e que servem de base para sua aplicabilidade dentro do ordenamento jurídico. Embora seja muito polêmico e criticado, o Júri ostenta sua importância, vez que submete o juízo da causa aos próprios pares do réu, o que faz com que seja evidenciado o nível de reprovabilidade social da conduta que se pretende julgar.

O presente trabalho não pretendeu esmiuçar todos os pormenores que envolvem o Júri, mas tão somente a parte que refere-se ao adágio in dubio pro societate na decisão de pronúncia. O mencionado brocardo não pode ter aplicabilidade dentro de uma legislação que apresenta a presunção de inocência como um de seus princípios constitucionais fundamentais, tendo em vista que quando interpretados dentro do mesmo contexto são extremamente contraditórios.

O principal objetivo da produção foi questionar, analisar sob uma ótica crítica uma criação jurisprudencial que não parece ser muito coerente se analisada à luz da Constituição Federal, todavia, a obra não visou limitar-se à criticidade do axioma, pelo contrário, trouxe junto de si outros objetivos que são de extrema importância, tais como a busca de um Judiciário mais consciente, que saiba que suas ações não podem ser irrestritas; a aplicação de fato dos princípios constitucionais; e o fomento por conhecimento e visão crítica dentro da população em geral, a fim de que conheçam as normas que os regem.

A justificativa para o desenvolvimento do projeto em tela foi a de gerar conhecimento. Todas as vezes que se debate um assunto polêmico, que encontra várias vertentes de interpretação, o resultado final não é outro senão a produção de sabedoria. Ao questionar um tema e destrincha-lo através de estudos mais densos e profundos, o indivíduo não só adquire uma bagagem pessoal, mas também contribui com o meio acadêmico que participa. A resolução de um tema controverso por vezes representa a mobilidade do direito propriamente dita, vez que em diversas situações é uma crítica ou uma nova interpretação que faz com que haja uma mudança social na maneira de pensar um determinado assunto.

No que tange à metodologia, para que possam ser atingidos os objetivos traçados anteriormente, a pesquisa utilizada foi a exploratória. Os métodos utilizados foram o dedutivo e o indutivo, sendo que o primeiro parte de enunciados gerais para chegar a uma conclusão particular, enquanto que o segundo estabelece pressupostos concretos/específicos com o fito de alcançar corolários gerais. Para que os métodos supramencionados tenham êxito, o principal procedimento empregado foi a pesquisa bibliográfica.

Com relação aos temas que constituíram o raciocínio presente na fundamentação teórica, tem-se que serão dispostos abaixo distribuídos em vários capítulos. Foram abordados temas como a origem do Tribunal do Júri no mundo e as diversas manifestações culturais que influenciaram o instituto até chegar em sua estrutura como é hoje, a origem e as transformações pelas quais o instituto passou no Brasil, a função constitucional do processo penal, o verdadeiro sentido do princípio da presunção da inocência, o júri como garantia fundamental dentre outros que foram arranjados no decorrer dos tópicos.  


1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA DO TRIBUNAL DO JÚRI

1.1  BREVE HISTÓRICO SOBRE O TRIBUNAL DO JÚRI NO MUNDO.

Inicialmente, faz-se válido ressaltar que existe uma imprecisão doutrinária muito grande acerca das origens do instituto do Tribunal do Júri. Fato que se explica por conta da falta de acervo histórico seguro e específico e, principalmente, por conta de não se conseguir destacar um traço mínimo essencial para a identificação de sua existência.

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De acordo com os mais liberais, o Tribunal do Júri teve sua origem na época mosaica[1], isso porque o ordenamento jurídico do período era muito apegado à oralidade e o julgamento era realizado pelos pares, no Conselho dos Anciãos. Essas características representam, para os defensores desta corrente, os fundamentos basilares do instituto ora estudado.

Todavia, há também quem defenda que sua origem, de fato, se deu na Grécia e Roma, onde já existiam institutos parecidos com objetivos semelhantes. Na Grécia, existiu um instituto chamado Tribunal dos Heliastas, que funcionava com um Magistrado presidindo e populares decidindo questões de fato e de direito. Enquanto que em Roma, existiu o que ficou conhecido como judices jurati, que eram Tribunais Populares em que se julgavam pequenos delitos.

A realidade é que a essência na qual se apoia a metodologia do Tribunal do Júri, ou seja, réus sendo julgados pelos seus pares, ainda que leigos, é uma prática ligada às raízes do direito, que acaba por acompanhar diversos agrupamentos humanos muito antigos e por vezes pouco estudados, fator que também corrobora para a imprecisão doutrinária supracitada.

De acordo com a maioria dos autores, a instituição, em sua visão moderna, teve início em 1215, na Carta Magna da Inglaterra, quando o Concílio de Latrão implementou o Conselho de Jurados no lugar das ordálias, também conhecidas como “Juízo de Deus”, que como o próprio nome sugere era um julgamento extremamente teocrático, pautado na crença de que Deus não deixaria de socorrer o inocente.

Após a Revolução Francesa, com os ideais iluministas espalhando-se cada vez mais pelo mundo, o Júri foi aperfeiçoado. Dividiu-se o instituto em Grande Júri (Grand Jury) e Pequeno Júri (Petty Jury). Ao primeiro (Grande Júri) cabia decidir se o acusado deveria ou não ir a julgamento, algo próximo ao sumário de culpa, e era constituído de 24 cidadãos. Caso considerassem que o Réu merecia ser julgado, era então remetido ao Pequeno Júri, onde era julgado por 12 cidadãos considerados homens bons da sociedade.

1.2 Relatos sobre o Tribunal do Júri no Brasil

No Brasil, é consenso que o Júri foi implantado pela lei de 18 de junho de 1822, porém ainda não integrava o Poder Judiciário. Possuía competência restrita, sendo utilizado apenas para os julgamentos de crimes de imprensa. Era formado de 24 juízes de fato, escolhidos entre cidadãos que eram considerados homens bons, honrados, inteligentes e patriotas.

Na data de 25 de março de 1824, dia da outorga da Constituição Imperial Brasileira, foi a primeira vez que o Tribunal do Júri esteve previsto em uma Constituição, quando passou a ostentar competência diferente da que foi inicialmente lhe imposta, passando a ter atribuição ampla (cível e criminal). Todavia, foi através da lei de 20 de setembro de 1830 que o Júri ganhou organização mais específica, passando a ter o Júri de Acusação e o Júri de Julgação (ou de sentença).

O instituto tinha estruturação muito diferente da que possui nos dias atuais. Uma observação pertinente a se fazer, pelo fato de se relacionar com o tema abordado no trabalho em questão, é o fato de que o art. 66 da lei nº 261 afastou uma exigência que trazia o Código de Processo Criminal, qual seja: a unanimidade de votos para aplicação da pena de morte. O artigo citado passou a prever que para pena de morte seria necessário dois terços dos votos, sendo as demais decisões decididas por maioria absoluta e no caso de empate adotada a opinião mais favorável ao acusado, o que leva a crer que desde os primórdios do Tribunal do Júri já existia a preocupação estatal em proteger o réu diante de situações de incerteza. O Mestre José Frederico Marques, ao gastar tintas sobre o tema, assim dispõe em sua obra:

A exigência da unanimidade de votos, feita pelo Código do Processo Criminal, para a aplicação da pena de morte, foi modificada pelo art. 66 da Lei nº 261, que determinou fosse a decisão do Júri vencida por duas terças partes dos votos; sendo as demais decisões sobre as questões propostas tomadas por maioria absoluta; e no caso de empate adotada a opinião mais favorável ao acusado. Ao juiz de direito cabia a aplicação da pena, à vista das decisões proferidas sobre o fato pelos jurados, em seu grau máximo, médio ou mínimo, segundo as regras de direito de então. (MARQUES, José Frederico. 1997, p. 43).

Já a Constituição de 1891, a primeira Constituição Republicana do Brasil, manteve o Tribunal do Júri em nosso ordenamento jurídico quando trouxe em seu art. 72, § 31 o seguinte texto: “É mantida a instituição do Júri”. Ocorre que, em 1896, um juiz da comarca de Rio Grande, chamado Alcides de Mendonça Lima, excluiu os jurados recusados pelas partes apesar de uma Lei Gaúcha (Lei nº 10 de 1895) vedar expressamente tal conduta.

Assim sendo, diante de uma previsão constitucional tão lacônica, estudiosos da época como Rui Barbosa, Duarte de Azevedo e outros passaram a opinar acerca do sentido da expressão “é mantida”, chegando à conclusão que não poderia significar outra coisa que não seja a manutenção do instituto com seus caracteres essenciais. Acerca do tema, novamente traz-se à tona trechos da obra de José Frederico Marques, como se vê:

Sobre a significação do lacônico texto constitucional, surgiu ampla discussão, em 1896, quando do processo sofrido pelo juiz da comarca de Rio Grande, Dr. Alcides de Mendonça Lima, que, presidindo o Tribunal popular, excluiu os jurados recusados pelas partes, apesar de declarar a Lei gaúcha nº 10, de 1895, no art. 66, que os “jurados não podem ser recusados”. Em pareceres sobre o sentido da expressão “é mantida”, opinaram vários juristas. Para Rui Barbosa, a intenção manifesta da Constituição foi determinar que o Júri, “nos seus elementos substanciais, continue a existir tal qual era” sob o regime anterior. Duarte de Azevedo opinou que o preceito constitucional aceitou o Júri “naturalmente qual existia entre nós em sua organização legislativa, ao menos em seus elementos essenciais”. Segundo João Mendes Júnior, o Júri sendo mantido, “é certo que os seus caracteres essenciais, segundo as leis então em vigor, não podem ser eliminados nos Estados”. No mesmo sentido interpretaram o texto Brasílio dos Santos, Pinto Ferraz e Rafael Correia da Silva. Quanto a Pedro Lessa, dizia em seu parecer que “modificar a instituição de modo que se lhe altere a essência, certo que não é mantê-la”.

Carlos Maximiliano, comentando o texto, afirmou acertadamente que não “se compreende a palavra manter como impondo o status quo, o processo vigorante em 1889, a imobilidade incompatível com o processo”. O que quis a constituinte foi “apenas salvar o júri em sua essência”, combatido que estava pelos criminalistas da escola positiva de Ferri e Garofalo. Sobre essa essência da instituição, muito também se discutiu. Rui Barbosa, além das recusas peremptórias e da votação secreta, nela incluía a existência de doze jurados. O Supremo Tribunal, em acórdão de 7 de outubro de 1899, assim decidiu: “São características do tribunal do Júri: I – quanto à composição dos jurados, a) composta de cidadãos qualificados periodicamente por autoridades designadas pela lei, tirados de todas as classes sociais, tendo as qualidades legais previamente estabelecidas para as funções de juiz de fato, com recurso de admissão e inadmissão na respectiva lista, e b) o conselho de julgamento, composto de certo número de juízes, escolhidos à sorte, de entre o corpo dos jurados, em número tríplice ou quádruplo, com antecedência sorteados para servirem em certa sessão, previamente marcada por quem a tiver de presidir, e depurados pela aceitação ou recusação das partes, limitadas as recusações a um número tal que por elas não seja esgotada a uma dos jurados convocados para a sessão; II – quanto ao funcionamento, a) incomunicabilidade dos jurados com pessoas estranhas ao Conselho, para evitar sugestões alheias, b) alegações e provas da acusação e defesa produzidas publicamente perante ele, c) atribuição de julgarem estes jurados segundo sua consciência, e d) irresponsabilidade do voto emitido contra ou a favor do réu”. (MARQUES, José Frederico. 1997, p. 47/49).

Na Constituição de 1934, por sua vez, foi o Júri retirado da parte que se referia aos direitos e garantias fundamentais, sendo realocado para a parte que estabelecia as diretrizes do Poder Judiciário. O citado acontecimento foi alvo de críticas intensas por parte de juristas como Pontes de Miranda e Costa Manso, que discordavam veementemente daquela atitude que tinha sido tomada.

Já em 1937, Getúlio Vargas inaugurando o Estado Novo, outorgou aquela que ficou conhecida como Constituição Polaca, extremamente autoritária e que não trazia nenhuma previsão sobre o Júri. Essa foi a única vez na história do Brasil que o Tribunal do Júri ficou fora do texto constitucional, passando a ser regido pelo legislador ordinário.

Passados alguns anos, mais precisamente em 1946, foi promulgada a nova Constituição Brasileira, elaborada pelo então Presidente da República Eurico Gaspar Dutra. A nova Lei Maior teve o interesse de devolver a soberania ao Júri, que havia sido retirada na Constituição de 1937 com a exclusão da soberania dos veredictos. Porém, a Constituição de 1946 trouxe mudanças importantes no instituto.

Dentre as mais significativas ressalta-se a exigência de jurados em número ímpar, quebrando uma tendência predominante do Júri até então, que era a quantidade de jurados em número par, além do estabelecimento de que crimes dolosos contra a vida eram de competência privativa do instituto em razão da matéria (ratione materiae). Mais uma vez recorre-se à obra de José Frederico Marques com o propósito de melhor ilustrar o que aqui se escreve.

O art. 141, § 28, tem um sentido ultraliberal, mas sem confundir-se com o desregramento que alguns, a toda força, querem que impere nos julgamentos do Júri. De acordo com esse dispositivo, mantida a instituição do Júri, deferido ficou ao legislador ordinário estrutura-la juridicamente. A este, porém, opuseram-se algumas limitações que se referem à organização e forma de funcionamento do tribunal, e à sua competência. Quanto à organização, vedado está à lei instituir o conselho julgador com número par de membros; quanto à forma de funcionamento, não podem as normas que regulamentam o Júri cercear o direito de defesa, nem estabelecer julgamentos descobertos. Em relação à competência: a) os crimes dolosos contra a vida são, ratione materiae, de atribuição privativa, quanto ao julgamento, do Tribunal do Júri; b) não cabe aos tribunais superiores ou a qualquer outro órgão judiciário, em relação à competência funcional, conhecer dos veredictos soberanos do Júri, para, como judicium rescisorium, reforma-los em grau recurso. (MARQUES, José Frederico. 1997, p. 55). (grifei)

Depois disso, a Constituição outorgada de 1967, bem como sua emenda de 1969 (por muitos considerada uma nova Constituição, dada sua estruturação) mantiveram o Tribunal do Júri até que chega-se na Constituição cidadã de 1988, em que o instituto é previsto no art. 5º, XXXVIII.

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