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Fusão, salvamento ou mercado:

qual a melhor solução para a crise do setor aéreo e da Varig em particular?

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3 Efeitos e conseqüências de uma política direta de salvamento

            Uma segunda possível solução para a crise do setor aéreo – e para a Varig em particular – seria a elaboração de uma política direta de salvamento. Conquanto tal hipótese seja duramente criticada, dado o histórico de protecionismo governamental à Varig, não seria de todo surpreendente que o governo optasse por ajudá-la através de renegociação das dívidas e injeção de novos recursos.

            A Varig encontra-se, hoje, em situação pré-falimentar. Em 2004, a companhia apresentou prejuízo líquido no exercício de R$ 87.167.000,00. No mesmo ano, seu patrimônio líquido era negativo em R$ 6.444.092.000,00 (24). O estado de insolvência não é recente. No ano 2000 o patrimônio líquido já era negativo em R$ 148.652.000,00. Ao longo dos últimos, a condição financeira da companhia deteriorou-se cada vez mais.

            Há indícios de que a situação da Varig foi agravada por má administração. No ano de 2000, mesmo tendo prejuízo de R$ 189 milhões, a companhia provisionou aos funcionários R$ 30 milhões de participação nos resultados. (25) No ano de 2003, os gastos com ordenados e salários representaram 6,04% do total de gastos da Varig, enquanto esse mesmo item representou apenas 3,79% e 4,28% do total de gastos da TAM e da Gol, respectivamente (26).

            O quadro de acionistas da companhia ajuda a explicar esse cenário. A principal sócia da Varig, com cerca de 87% das ações, é a Fundação Rubem Berta, que pertence aos seus funcionários. Pode parecer contraditório que os acionistas ganhem com o prejuízo da companhia, mas não é. Como já percebeu o economista João Manoel de Mello, "os empregados-acionistas têm incentivo a se apropriarem dos recursos como empregados, pois há a percepção, infelizmente correta, de que o governo os salvará como acionistas. Há a expectativa de ganhar duas vezes" (27)

            Portanto, ajudar a Varig com aporte de recursos governamentais ou crédito subsidiado, sem mudar a atual administração, significa desperdício de recursos públicos. Os consumidores, ou usuários finais da aviação, não ganham nem perdem, no curto prazo, com a ajuda governamental. Mas a sociedade como um todo é compelida a pagar o custo da incompetência alheia e dos privilégios da classe organizada.

            No longo prazo, a manutenção de uma companhia má administrada, operando somente por causa dos auxílios governamentais, não só desperdiçará recursos como tenderá também a prejudicar os usuários finais. Isso porque a ajuda a uma grande sociedade do setor aéreo desestimula potenciais companhias entrantes a ingressarem no mercado e competirem com as previamente estabelecidas. Afinal, se as sociedades líderes são sempre salvas pelo governo, o incentivo à entrada diminui, já que um potencial concorrente sabe que nunca conseguirá superar e deslocar as líderes no mercado. Portanto, políticas de salvamento estimulam, em longo prazo, a diminuição da concorrência e o conseqüente prejuízo aos consumidores.

            Programa direto de ajuda do governo só se justifica em casos de choque de demanda ou de custos, como ocorreu nos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro (28). No caso da Varig, não ocorre nada parecido. Há apenas um problema de gestão. Ajudar uma companhia que apresenta, há muitos anos, indícios de má administração não traz, em longo prazo, nenhum benefício para o consumidor e nem para a sociedade como um todo.

            Entretanto, não seria nada surpreendente se tal auxílio direto ocorresse. A razão por trás disso não é nada nobre. Os possíveis beneficiados pela política de salvamento à Varig são grupos muito mais organizados do que os possíveis prejudicados (os cidadãos em geral que não possuem nenhum vínculo empregatício ou societário com a Varig). O custo de informação para o homem médio, ou seja, o custo para ele tomar ciência do assunto e se mobilizar contra a ação governamental é muito maior do que o prejuízo que ele, pessoalmente, sofre. (29)(30)

            É possível pensar nesse prejuízo como a carga tributária a mais com que um contribuinte isoladamente arcará em caso de ajuda governamental à Varig. Cada cidadão pagará apenas poucos centavos a mais em impostos para financiar a política de apoio. Certamente, esse prejuízo é menor do que o custo de se informar e se mobilizar contra a política que o prejudica. Por outro lado, os beneficiados pelo auxílio são mais organizados por serem um grupo menor, coeso e mais bem informado sobre o setor aéreo e sobre a companhia a qual pertencem, trabalhando, assim, eficazmente a favor de seus interesses.

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            Cabe ao governo, em um cenário como esse, não ceder às pressões de grupos de interesse (31) – por mais que isso represente um custo político – e negar auxílio direto à Varig. Afinal, como já dito, a sociedade como um todo, representada pelos políticos democraticamente eleitos, não se beneficia com esse tipo de salvamento.


4 Nova Lei de Falências e soluções de mercado

            Resta, por fim, analisar quais soluções para o setor aéreo e para as companhias em dificuldade que podem ser vislumbradas através da Lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Essa lei – mais conhecida como Nova Lei de Falências – aumentou, em larga medida, a chance de ser adotada uma solução de mercado, afastando, assim, a probabilidade de ocorrer redução da concorrência, auxilio governamental direto ou intervenção.

            O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer) proíbe expressamente, em seu artigo 187, que impetrem concordata preventiva "as empresas que, por seus atos constitutivos, tenham por objeto a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infra-estrutura aeronáutica". Sendo assim, antes da promulgação da Nova Lei de Falências, uma companhia aérea em situação financeira instável não podia utilizar-se desse recurso jurídico para tentar solucionar seu estado de insolvência.

            Justamente por não poderem essas companhias impetrar concordata, o artigo 188 do CBAer autorizava o Poder Público a intervir nas concessionárias de serviço aéreo cuja situação operacional, financeira ou econômica pudesse comprometer a continuidade do serviço. Visou o legislador pátrio a assegurar o princípio da continuidade dos serviços públicos (32), sempre resguardado no Direito Administrativo.

            Nesse contexto, a intervenção do Poder Executivo, quando ocorresse, visaria ao restabelecimento da normalidade do serviço e duraria somente o necessário para a consecução de tal objetivo. Caso houvesse impossibilidade de restabelecer a prestação regular do serviço, seria determinada a liquidação extrajudicial, quando, com a realização do ativo pudesse ser atendida pelo menos a metade dos créditos, ou a falência, quando o ativo não fosse suficiente para atender pelo menos à metade dos créditos, ou quando houvesse fundados indícios de crimes falimentares (33).

            Portanto, em casos de insolvência, como o da Varig, a única possibilidade de ação seria a intervenção do Poder Público para sanear as finanças da companhia. No entanto, tal solução apresentava diversas falhas. Primeiramente, mesmo que o Poder Executivo conseguisse afastar o risco de interrupção da prestação do serviço, a direção da companhia voltaria, ao cabo da intervenção, aos antigos controladores. Sendo assim, caso estivesse havendo má gestão, não haveria nenhuma garantia de que esse problema seria definitivamente resolvido. Em segundo lugar, há sempre a possibilidade – infelizmente nada remota – do governo se converter em um administrador ainda pior do que os administradores da companhia sob intervenção.

            A Nova Lei de Falências interfere nesse cenário ao modificar alguns institutos jurídicos concernentes ao estado de insolvência. Pela nova legislação, a concordata deixará de existir no ordenamento jurídico brasileiro. Tal instituto será, em grande parte, substituído pela possibilidade de homologar plano de recuperação judicial ou extrajudicial.

            Logicamente, a lei expressamente veda aos devedores proibidos de requerer concordata, nos termos de legislação específica em vigor, a possibilidade de requererem recuperação judicial ou extrajudicial (34). Todavia, o artigo 199 (35) da lei em análise apresenta uma exceção e autoriza as companhias aéreas a utilizarem-se dos novos institutos criados.

            Com isso, criou-se uma nova solução para as companhias do setor aéreo em situação financeira precária. Podem elas elaborar um plano de recuperarão, que precisa, nos termos da lei, ser aprovado pelos credores. Esse plano poderá conter concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas, alteração do controle societário, cessão de cotas ou ações entre outros meios factíveis de serem empregados para reestruturar a sociedade.

            Insta salientar, no entanto, que as dívidas com o Fisco não entram no plano de recuperação, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica (36). Ademais, os créditos oriundos de arrendamento mercantil não se submeterão aos efeitos da recuperação judicial ou extrajudicial, prevalecendo, portanto, os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais.

            Essas limitações podem dificultar a reestruturação de companhias aéreas que venham a elaborar, no futuro, planos de reestruturação. Apenas a título ilustrativo, de acordo com o balanço patrimonial da Varig do ano de 2004, a companhia deve 319 milhões de reais em arrendamento mercantil a pagar e 3 bilhões 293 milhões de reais em financiamentos de obrigações fiscais (37). São valores muito expressivos e que não receberão todos os benefícios trazidos pelas formas de recuperação presentes em lei.

            No caso de a Varig optar por elaborar um plano de recuperação judicial, como vem sendo discutindo continuamente na mídia, seria imperativo prever a entrada de um novo acionista capaz de injetar recursos novos na companhia. Pelos vícios de administração já discutidos na seção 3 do presente trabalho, qualquer solução razoável passa também pela retirada da Fundação Rubem Berta do controle.

            Em caso da alienação da sociedade – o que talvez seja a solução mais adequada – de acordo com o artigo 141 da Lei n.º 11.101/2005, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho. Com isso, o adquirente não precisaria arcar com as dívidas contraídas pela companhia durante as administrações passadas. Poderia, assim, promover novos investimentos e corrigir antigos vícios e distorções sem, entretanto, ter que lidar com um enorme passivo herdado.

            Seria, por fim, necessária vigilância da sociedade para que o governo não assumisse o passivo trabalhista e fiscal da companhia. Como a Varig seria vendida livre de qualquer ônus, seu valor de venda seria razoavelmente alto. A solução correta a ser dada para as antigas dívidas é a prevista na lei. Ou seja, os credores devem sub-rogar-se no produto da alienação do ativo, observando a ordem estabelecida pelo artigo 83 da Lei n.º11.101/2005 (38). O governo não deve realizar qualquer tipo de ajuda complementar no sentido de assumir passivo trabalhista ou perdoar dívida fiscal para que outros credores possam receber seus quinhões. A solução para o caso Varig deve ser estritamente jurídico-econômica e não política.


5 Conclusão

            O presente trabalho buscou analisar as soluções mais presentes nos debates políticos, jurídicos e econômicos a serem dadas à crise do setor aéreo e da Varig em particular.

            Pelo exposto na segunda seção, uma fusão no mercado aéreo envolvendo dois dos três principais atores poderia gerar danos bastante perniciosos à sociedade. No caso dessa hipótese se concretizar, haveria redução significativa da concorrência em um mercado com fortes barreiras à entrada. Ademais, não há indícios de geração de eficiências que poderiam compensar os eventuais efeitos nocivos. Sendo assim, a resolução da crise do setor ou de seus agentes através do arrefecimento da concorrência transferiria o ônus aos consumidores e usuários finais do serviço.

            De acordo com a terceira seção, uma política governamental direta de salvamento à companhias aéreas falidas geraria, em longo prazo, não só desperdício de recursos públicos, mas também prejuízos aos consumidores pela manutenção artificial de uma sociedade sem liquidês em funcionamento. No caso da Varig em particular, há indícios de que a situação financeira da companhia se agravou em virtude de má administração e da expectativa dos trabalhadores-proprietários de ganharem duplamente. Portanto, é indispensável que o governo não transfira os ônus da classe organizada para a classe desorganizada, ou seja, para toda a população.

            Por fim, estudou-se quais caminhos a Lei n.º 11.101/2005 aponta para o setor. Comparando as soluções que a Nova Lei de Falências permite com as observadas nas seções anteriores, claro está que a elaboração de um plano de recuperação seria o único caminho razoável para a companhia para a manutenção da companhia em funcionamento.

            Todavia, um plano de recuperação que não preveja a entrada de novos acionistas com recursos para realizar investimentos e, adicionalmente, a mudança dos controladores estará fadado ao fracasso. Os vícios de administração que parecem existir precisam ser corrigidos apropriadamente para que a Varig possa existir sem depender de ajuda.

            Não sendo essas as opções adotadas para a solução da crise da Varig, não resta dúvidas de que, no que concerne ao bem-estar social, até mesmo a falência e o fim das operações gerariam efeitos menos danosos dos que os que seriam produzidos pela redução da concorrência ou pela política de salvamento direta.

Sobre os autores
Victor Aguiar de Carvalho

acadêmico do curso de Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Vitor Luís Pereira Jorge

acadêmico do curso de Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e integrante do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Direito e Economia (NUPEDE) da Faculdade de Direito da Uerj

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Victor Aguiar; JORGE, Vitor Luís Pereira. Fusão, salvamento ou mercado:: qual a melhor solução para a crise do setor aéreo e da Varig em particular?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 738, 13 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7001. Acesso em: 23 dez. 2024.

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