5. PONDERAÇÕES FINAIS
O contrato nasce das relações particulares a fim de lhes imprimir segurança na consolidação do ajuste firmado. Da palavra que obrigava aos minuciosos instrumentos escritos do mundo hodierno o objetivo permanece o mesmo ao longo dos anos, garantir a realização da vontade das partes que celebram um ajuste. O objetivo do contrato permanece o mesmo, as acepções da palavra vontade que tomaram diferentes contornos ao longo desses mesmos anos. Preza-se a vontade livre, daí a percepção e necessidade de equilíbrio entre as partes hipo e hipersuficiente quando da celebração do ajuste.
Entende-se o Código de Proteção e Defesa do Consumidor como balaustre da contratação justa e equilibrada, cuja ratio é assegurar a vontade autônoma, racional do consumidor, a justiça contratual de Fouillée (15), vez que a injustiça não pode nascer do contrato, sendo fator exógeno a este. Tudo o que é contratual é justo. Espera-se que assim seja.
NOTAS
- BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. 3ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1931. p. 160.
- Code Civil, art. 1.134: "Les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux que les ont faites".
- No sistema de trocas, cada qual das partes entregava à outra o objeto que não lhe era de interesse, obtendo o que lhe interessava, sem nada mais terem a reclamar, sendo considerado concluído o negócio. A paridade se demonstrava no interesse e na satisfação mútua.
- Nicole Charbin, apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 108.
- Gounot: "de la volonté libre tout procede, à elle tout aboutit", apud MARQUES, Cláudia Lima. Op. Cit. p. 37.
- A Prof. Cláudia Lima Marques elenca muitas dessas peculiaridades, advindas das modificações deflagradas nos mecanismos de produção e distribuição de produtos, dentre as quais se ressaltam os contratos de massa, por adesão, as cláusulas e condições gerais dos contratos, os contratos cativos de longa duração, estes intitulados pelo Prof. Ronaldo Porto Macedo Jr. como contratos relacionais.
- Orlando Gomes, em sua obra Contratos (Rio de Janeiro: Forense, 1997) faz a distinção entre liberdade contratual e liberdade de contratar, definindo a primeira como sendo a liberdade dos indivíduos avençarem negócio jurídico e a segunda como a liberdade dos contratantes estipularem o conteúdo do ajuste.
- BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos Contratos e dos Atos Unilaterais. Rio de Janeiro: Forense, 1990. P. 42
- GOMES, Orlando. Op. Cit. p. 24. "A liberdade de contratar, propriamente dita, jamais foi ilimitada. Duas limitações de caráter geral sempre confinaram-na: a ordem pública e os bons costumes. Entendia-se como ainda se pensa, que as pessoas podem regular seus interesses pelo modo que lhes convenha, contando que não transponham esses limites".
- PAUPERIO, A. Machado. Teoria Geral do Estado. 7ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 21. "Aliás, como ensina também Fleiner, o Direito público e o Direito Privado não se acham separados por um abismo. Pelo contrário, cada vez mais a interpenetração dos dois direitos se torna maior. Se o estado evolve à luz dos imperativos do direito privado, este sofre, por seu turno, indisfarçável influxo do Direito Público, que passa a presidir, cada vez mais, a maior número de relações jurídicas".
- IHERING, Rudolf von, A luta pelo Direito. 4ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1983. "O direito não é uma simples idéia, é uma força viva. Por isso a Justiça sustém numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito".
- "Lobligation apparait dÉs que le consentement est librement donné. Cest-la, trÉs logique. Peut être une condition nécessaire mais est-ce, en même temps, une condition suffisante? Autremen dit, tout contrat, acquiert-il force juridique du seul fait quil y a un accord de volonté libre ou bien doit-il en outre répondre à dautres exigences dutilité sociale, dégalité, de justice? MOREL, Marie AngÉle Perot. De lEquilibre des Prestations dans la Conclusion du Contrat. Paris: Librairie Dalloz, 1961. Tradução livre: A obrigação aparece a partir do consentimento livremente dado. Isso é lógico. Pode ser uma condição necessária, mas é ela ao mesmo tempo suficiente? Sob outra ótica, todo contrato adquire força jurídica do simples fato de ser um acordo de vontades livres ou deve ele responder a outras exigências de utilidade social, de igualdade, de justiça?
- Em face de sua importância perante o exercer de qualquer atividade relacionada à ciência jurídica, a boa-fé encontra resguardo perante a legislação. Representa a certeza de que a situação jurídica a se desenvolver sob o seu reflexo é dotada de credibilidade e validade perante o ordenamento no qual se insere. No caso de um contrato, a boa-fé é princípio inafastável da sua consideração enquanto instrumento destinado a constituir, modificar ou extinguir obrigações, vez que não se apresentar como existente e norteadora das ações dos contraentes, deflagra-se uma opressão, uma superposição de interesses e suas respectivas concretizações de uma parte em detrimento dos prejuízos causados a outra. A má-fé dá cabo à autonomia da vontade, suprime a volitividade inicial da contratação nos termos objetivados pelo contraente prejudicado, vicia o instrumento contratual, delineando a sua nulidade para a consecução dos fins aos quais demonstrava destino, em virtude da impossibilidade de se admitir que um instituto criado para sopesar e garantir uma relação jurídica satisfatória a suas partes constituintes seja voltada para a preponderância de individualismos exacerbados representantes de supressão imediata da paridade essencial à constituição de um contrato, independentemente da sua natureza.
- Anteriormente ao Código de Defesa do Consumidor, tinha-se a intervenção estatal através da teoria da imprevisão, pela qual tinha-se a possibilidade de modificação das condições do contrato quando ocorresse uma imprevista e inevitável modificação significativa no contexto da época da contratação de forma a tornar a prestação excessiva e desproporcional para uma das partes. Pelo CDC, a modificação de cláusulas contratuais não se dá apenas quando ocorre mudança no estado de fato da época do estabelecimento do vínculo, mas desde que seja verificada uma a desproporção no sinalágma. No sistema de defesa do consumidor, não se requer a imprevisibilidade, mas apenas a desproporcionalidade, a lesão que se delineia a partir do momento que uma parte pode vir a ser beneficiada em detrimento de prejuízos da outra.
- "Tout ce qui est contractuel est juste", apud MACEDO JR. Ronaldo Porto. Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 67.
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