IV – DISCIPLINA LEGISLATIVA DA MATÉRIA
Enunciadas as premissas a respeito do conflito de interesses trazidos pela oposição entre duas normas constitucionais, e como a preponderância de um bem sobre o outro pode ocasionar dano àqueles que são objeto da divulgação jornalística, deve-se fazer uma breve abordagem acerca do tratamento da responsabilidade civil da imprensa pela legislação pátria.
O diploma legislativo por excelência que confere tratamento à responsabilidade civil dos órgãos de comunicação social é a Lei nº 5.250/67, conhecida como lei de imprensa, cujo escopo consiste na delimitação da atividade jornalística em todos os seus ramos, incluídas aí normas criminais e de disciplinamento da responsabilidade civil. Referida lei, por ter sido produzida sob a inspiração do ordenamento constitucional anterior, não mais se coaduna com a Constituição de 1988 em diversos pontos, o que limita a efetividade de sua aplicação, mormente no que tange à indenizabilidade do dano moral.
A Lei de Imprensa, estando ainda em vigor – embora esteja em trâmite desde 1992 o projeto de uma nova lei substitutiva – deve sempre ser interpretada à luz da Constituição de 1988 e do Código Civil de 2002, este último servindo sempre como instrumento de complementação e aplicação subsidiária, nos pontos em que aquela lei especial afigurar-se inconstitucional. Desses pontos, eivados de inaplicabilidade, citemos como exemplos a tarifação do dano (art. 51), o exíguo prazo decadencial de três meses constante no art. 56, e as restrições à legitimidade passiva nas ações indenizatórias, incutidas no art. 49 do diploma legal em tela.
Em face do que preceitua a Lei de Imprensa, a responsabilidade civil está vinculada à análise do dolo ou da culpa, conforme regramento contido no seu art. 49. O mesmo artigo é também responsável pela limitação da legitimidade passiva da ação, a qual citamos anteriormente, determinando-a através de um critério de exclusão baseado na periodicidade do meio, que se afigura totalmente inadequado ao contexto social da atualidade. Senão vejamos:
"Art. 49. Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:
....................................................................
§2º. Se a violação de direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico, ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação (art. 50).
§3º. Se a violação ocorre mediante publicação de impresso não periódico, responde pela reparação do dano:
a) o autor do escrito, se nele indicado, ou
b) a pessoa natural ou jurídica, se do impresso não consta o nome do autor.
Em contrapartida, o Código Civil de 2002 deixou bem claro o critério para se proceder à análise da responsabilidade civil em virtude de um dano causado pelo exercício da atividade jornalística. Como é sabido, a regra da responsabilidade civil é que ela seja analisada sob o ângulo subjetivo, ou seja, com a constatação da culpa do agente; assim determina o diploma civil em seu art. 927, o qual, no seu parágrafo único, estabelece que a responsabilidade será objetiva apenas nos casos determinados por lei ou quando se fizer presente a aplicação da teoria do risco (atividade potencialmente lesiva).
Seguindo esse preceito, o mesmo codex determinou, nos arts. 932, III e 933, a responsabilidade objetiva – independente da verificação de culpa – dos patrões por seus empregados, no exercício do trabalho que lhes competir. Interpretando-se o sistema legal, portanto, resta clara a regra da responsabilidade civil dos órgãos de comunicação social: têm o dever de indenizar tanto a empresa jornalística quanto o jornalista pessoa física responsável pela divulgação da notícia: a primeira, de forma objetiva, no cumprimento do art. 932, inciso III antes mencionado (do patrão pelos atos de seus empregados); o segundo, dependendo da presença de culpa no agir, decorrente das normas do art. 927 do Código Civil e art. 49 da Lei nº 5.250/67.
A obrigação de reparar deve ser vista de forma ampla, compreendendo todos os danos, materiais ou morais, ocasionados à vítima, devendo ser desconsideradas as normas relativas à tarifação do dano moral contidas na lei de imprensa, já que estas vão de encontro ao princípio da indenizabilidade plena, oportunizado pela Constituição de 1988.
O assunto em tela transparece bastante complexidade, e não se tem aqui a finalidade de esgotá-lo, mas apenas de fornecer noções gerais sobre as bases em que deve se constituir a responsabilidade civil dos órgãos de comunicação social, quando, no exercício de atividade que extrapole os limites de sua liberdade de expressão, interfira na proteção que é conferida aos direitos da personalidade, mormente a honra e a imagem daqueles que estão protagonizando a crise política do governo petista.
Tendo em conta essas considerações, mais uma vez deve ser ressaltada a necessidade de harmonização da Lei de Imprensa com o ordenamento constitucional e civilista vigentes, assegurando-se a plena indenização a todos os casos, independentemente da natureza do prejuízo acarretado, que advenha ao mundo jurídico em face do abuso de direito no exercício da liberdade de expressão e informação, devendo ser exigido, apenas, o preenchimento inconteste dos pressupostos autorizadores da responsabilidade e a comprovação da autoria do ato ilícito, para que seja levada a efeito a obrigação reparatória.
V- CONCLUSÕES
A crise política nos bastidores dos poderes executivo e legislativo federais, trazida a lume pelos órgãos de comunicação social brasileiros, está sendo responsável pela mudança da opinião pública em relação à atuação governamental em todas as suas áreas, restando abalada até mesmo a reputação do presidente da república, como personagem indireto dos escândalos, posto que este, como autoridade máxima do país, deve ter conhecimento e imprimir controle sobre os atos que são praticados pelos membros das instituições políticas, em especial os da própria agremiação partidária à qual pertence.
No entanto, todos esses atos jornalísticos informativos, na medida em que são baseados em fontes fidedignas e divulgados com moderação de linguagem, de forma a macular o menos possível a honra e a imagem dos protagonistas da história que está a se desenvolver, encontram ampla proteção na liberdade de expressão conferida pela carta constitucional de 1988. Desse modo, satisfazem o direito da população à informação correta e imparcial, especialmente no que se trata da atuação dos agentes políticos que elegeu.
Em outro pórtico, deve ser ressaltada a lucratividade dos órgãos da imprensa na divulgação dessas notícias, o caráter investigativo com que estão atuando no desenrolar da crise política e a repercussão social e política da notícia de que são autores. Esses elementos, agregados à proteção constitucional sobre os direitos da personalidade – imagem, honra, intimidade e vida privada – imprimem a obrigatoriedade da composição ou reparação dos danos – materiais ou morais - causados por manifestações de caráter inverídico, calunioso ou desprovidas de razoabilidade, reparação essa que deverá ter amparo legislativo na Lei nº 5.250/67 e no Código Civil, sempre com esteio no princípio constitucional da indenizabilidade plena.
Agindo de forma lícita, prestarão os órgãos da imprensa – escrita, falada ou televisionada – grande contribuição ao desenvolvimento do sistema democrático e à conscientização popular para o exercício da cidadania. Para que, em meio à grande parcela de agentes públicos descompromissados com o desenvolvimento do país, mas preocupados com o aumento de suas contas bancárias, o povo saiba "separar o joio do trigo", e aprenda a fazer sábia utilização dos mecanismos que lhe foram conferidos por um autêntico sistema democrático de escolha, nas eleições seguintes.
NOTAS
- FARIAS, Edilsom. Liberdade de Expressão e Comunicação: Teoria e Proteção Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
- SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. rev. e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2004.
- DELGADO, Mário Luiz. Reality Shows e os direitos da personalidade. Revista Jurídica Consulex nº 169. Ano VIII, 31 de janeiro de 2004.
- SILVA, Edson Ferreira da. Direito à Intimidade: de acordo com a doutrina, o direito comparado, a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002. 2. ed. São Paulo: J. de Oliveira, 2003.
- CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as Constituições Brasileiras – Edição Comentada. Campinas: Bookseller, 2001.
- CENEVIVA,Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003.
REFERÊNCIAS
CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003.
CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as Constituições Brasileiras – Edição Comentada. Campinas: Bookseller, 2001.
DELGADO, Mário Luiz. Reality shows e os direitos da personalidade. Revista Jurídica Consulex nº 169. Ano VIII, 31 de janeiro de 2004.
FARIAS, Edilsom. Liberdade de Expressão e Comunicação: Teoria e Proteção Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
SILVA, Edson Ferreira da. Direito à Intimidade: de acordo com a doutrina, o direito comparado, a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002. 2. ed. São Paulo: J. de Oliveira, 2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. rev. e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2004.
Revista Veja. 1912 ed. Ano 38, nº 27. Data: 06 de julho de 2005. Editora Abril, 2005.