Artigo Destaque dos editores

O papel da imprensa na divulgação da crise política e a responsabilidade civil por danos aos direitos da personalidade

Exibindo página 1 de 2
Leia nesta página:

I – INTRODUÇÃO

No Brasil do ano 2005, todas as atenções se encontram voltadas para a capital do país, o Distrito Federal, o local onde as decisões políticas são tomadas por aqueles que foram eleitos, no mais autêntico processo democrático, pelo povo da nação. Mas tal fato não é atribuído à importância das medidas adotadas pelo governo federal, nem a um novo projeto de lei que esteja sendo votado pelo Poder Legislativo. Ao contrário, a população brasileira, em todos os seus níveis, olha perplexa para Brasília, para assistir a um verdadeiro festival de escândalos, trapaças, corrupção e destempero que marca a negativa atuação de vários representantes da nossa malfadada República.

Não só nos centros políticos e acadêmicos, mas em todos os locais, a população é inserida nos meandros da crise política que assola o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, e, nesse contexto, nomes como José Dirceu, Roberto Jefferson, Marcos Valério e outros são a todo o momento lembrados pela opinião pública, que ora se posiciona contra, ora a favor de suas atuações.

Nessa seara, despontam os órgãos de comunicação social – em especial os grandes centros de comunicação de massa (mass media) - como os principais responsáveis pela disseminação da temática ao povo brasileiro. É de extrema relevância o poderio da imprensa num momento como este; são os seus órgãos que desvendam os episódios mais velados da história política, numa atuação investigativa algumas vezes dotada de maior celeridade que a dos próprios órgãos estatais, e é capaz até mesmo de formar a opinião pública com o direcionamento que se apresenta mais conveniente aos seus interesses.

Diante de tal perspectiva, revela-se essencial a harmonização entre os atos das empresas de comunicação social e a ampla proteção conferida aos direitos da personalidade através da Constituição Federal de 1988, bem como a responsabilização dessas empresas quando o irregular exercício do seu mister ocasionar dano a outrem, tudo com esteio na disciplina constitucional vigente.

A esse trabalho pode-se atribuir, portanto, o objetivo de expor em que medida deve ser vista a liberdade de expressão e a proteção ao direito à intimidade, à vida privada, à imagem e à honra, tendo em vista que ambas figuram entre os direitos fundamentais carreados na Constituição de 1988. Tomar-se-á, como base para a análise da atuação dos órgãos de comunicação, a postura que estes vem adotando frente à crise política que atualmente assola os poderes legislativo e executivo federais. A partir das primeiras conclusões, serão delineados os aspectos concernentes ao tratamento da responsabilidade civil dos órgãos da imprensa em virtude de danos causados por meio do exercício de sua atividade, sempre tendo em conta a relevância social do trabalho jornalístico.


II – A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

O ordenamento constitucional de 1988, com o objetivo de livrar-se do passado demeritório vivido no Brasil no que tange ao exercício das liberdades públicas (período do regime militar), conferiu a mais ampla proteção à prerrogativa da expressão dos pensamentos, opiniões e práticas religiosas, de forma livre e por qualquer meio, faculdade essa considerada condição essencial para a manutenção da dignidade da pessoa humana. Estão compreendidas na proteção legal todas as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento, além do direito à informação e à livre organização dos meios de comunicação.

De acordo com o que proclama o art. 5º da Constituição, é livre a manifestação do pensamento e garantida toda atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como vedado o anonimato, esta última norma direcionada à identificação dos autores e, assim, garantidora da aplicação das normas de responsabilidade civil (art. 5º, incisos IV e IX). Através do oferecimento de tão ampla proteção, a Carta Constitucional assegura o compartilhamento livre de idéias entre os indivíduos, resguardada, inclusive, a face negativa desse direito, ou seja, a prerrogativa de não manifestar-se, onde se identifica a proteção ao silêncio no direito penal, delimitada no inciso LXIII do mesmo artigo 5º.

Como é possível constatar, a conjugação as normas do artigo 5º da CF/88 - não esquecendo da vedação à censura por qualquer meio – com o disposto no artigo 220 do mesmo diploma, resulta na conclusão de que a carta política externou garantia plena ao desenvolvimento da atividade jornalística, seja ela de ordem política, meramente informativa, crítica ou outras, tudo devido ao valor dado pelo constituinte às liberdades de procura, acesso, recebimento e difusão de informações ou idéias, consideradas com pontos de vital importância para o desenvolvimento da personalidade humana, bem como para o bem-estar social. Nesse ponto, faz-se pertinente a transcrição das considerações do autor Edilsom Farias [1], contidas em sua obra "Liberdade de Expressão e Comunicação":

Se o desenho constitucional da liberdade de comunicação for entendido como abrangendo as atividades de difundir notícias ou de recebê-las, bem como a possibilidade de ter acesso às fontes das informações sem quaisquer impedimentos, isso implica a configuração dos direitos fundamentais de informar, de informar-se e de ser informado, que têm se convertido em elementos essenciais da sociabilidade humana. (FARIAS, 2004, p. 163)

A liberdade de expressão, em todas as suas formas constitui, hoje, um dos pilares de sustentação da democracia, pois é o seu exercício que possibilita à população condições para a formação de opinião crítica sobre os assuntos que dizem respeito à vida em sociedade e, em conseqüência, o gozo e exercício conscientes da cidadania. A propósito, deve ser lembrado o acertado dizer de José Afonso da Silva [2] (2004), quando, ao tratar da liberdade em epígrafe, menciona que "ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial" .

Adentrando em outra seara constitucional, ainda em meio aos direitos fundamentais da pessoa humana, deve-se ter em mente a rede de proteção sobre os direitos personalíssimos, esculpida no ordenamento por meio do artigo 5º da Carta Magna. E, para melhor compreensão do assunto, mister se faz, primeiramente, a diferenciação entre os conceitos de personalidade e direitos de personalidade. Nesse intento incorreu muito bem o jurista Mário Luiz Delgado [3], em artigo que aborda a problemática dos reality shows, quando definiu:

A personalidade, tal como referida no art. 2º, é a aptidão genérica, reconhecida a todo ser humano, para contrair direitos e obrigações na vida civil. É também o conjunto de atributos naturais da pessoa humana especialmente protegidos pelo ordenamento jurídico. A tutela desses atributos é o objeto dos direitos da personalidade, classificados em três grupos: direitos à integridade física (do corpo e do cadáver), direitos à integridade intelectual (direitos de autor, de inventor, etc.) e direitos à integridade moral (honra, liberdade, recato, privacidade, etc). (DELGADO, 2004, p. 25)

Pode-se atribuir à Escola do Direito Natural o reconhecimento, a partir do Século XVII, dos chamados direitos naturais ou inatos, assim considerados, na definição de Edson Ferreira [4] (2002, p. 12), "os que são conaturais ao homem, nascem com ele, correspondem à sua natureza, estão indissoluvelmente unidos à pessoa e são, em suma, preexistentes ao seu reconhecimento pelo Estado". Segundo a definição, apenas um critério é fixado para o exercício desses direitos: o da existência de personalidade jurídica, sobre a qual irão incidir. No entanto, esse reconhecimento, conquanto imprescindível na época em que foi formado, precisa, no estágio atual da sociedade, de positivação, de disciplina legislativa que estabeleça os limites e a forma de exercício e defesa desses direitos, que, em nosso ordenamento, denominamos direitos personalíssimos, ou direitos da personalidade.

O insigne Pontes de Miranda, citado por Edson Ferreira da Silva (2003), seguindo a escola positivista, assim entende a colocação dos direitos personalíssimos:

Os direitos de personalidade não são impostos por ordem sobrenatural, ou natural, aos sistemas jurídicos; são efeitos de fatos jurídicos, que se produziram nos sistemas jurídicos, quando a certo grau de evolução a pressão política fez os sistemas jurídicos darem entrada a suportes fácticos que antes ficavam de fora, na dimensão moral ou na dimensão religiosa. (SILVA, E.F., 2003, p. 14.)

Essa classe de direitos, recaindo sobre as qualidades físicas, psíquicas e morais de um indivíduo, são dotados de certos atributos, que lhes conferem eficácia e lhes permitem o exercício irrestrito, com vistas à salvaguarda da dignidade da pessoa humana, sendo estes: irrenunciabilidade, intransmissibilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade. Essas características são prevalecentes na doutrina, embora outras classificações sejam também catalogadas. Como exemplo, Edson Ferreira cita o seguinte rol classificativo: a) direitos originários ou inatos; b) direitos subjetivos privados; c) direitos absolutos ou de exclusão; d) direitos extrapatrimoniais e e) direitos gerais.

A Constituição de 1988 assumiu o papel de preconizadora da proteção à terceira categoria de direitos personalíssimos, e o fez, no inciso X do mesmo artigo 5º, através da declaração da inviolabilidade do direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Em complemento estabeleceu, como mecanismo efetivador dessa proteção, a garantia do direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Todos, portanto, são preceitos novos, nunca presentes nos textos constitucionais anteriores [5].

Em sede de responsabilidade civil, a Constituição não apenas trouxe grande segurança jurídica, como também procedeu ao reconhecimento, até então não contemplado, da plena indenizabilidade do dano exclusivamente moral, fato que, manifestado em época de grandes controvérsias sobre o assunto, constituiu avanço sem precedentes nesta matéria.

Os conceitos trazidos no inciso X (intimidade, vida privada, honra e imagem) são bastante abertos, sendo tarefa do intérprete a sua ponderação diante do caso concreto. Mas ousamos formar algumas delimitações, dizendo que a intimidade corresponde ao direito da pessoa de resguardar-se, de não expor elementos correspondentes à sua esfera íntima e psicológica, enquanto a vida privada consistiria no direito de manter intactos e sem exposição fatos do dia-a-dia e familiares, ou seja, de manter reservado de outrem tudo o que se passa na esfera privativa de cada pessoa.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Já os substantivos honra e imagem, trazidos no inciso, nos remetem os conceitos de honra subjetiva e honra objetiva, que os autores costumam distinguir, atribuindo ao primeiro o juízo pessoal de cada um sobre os seus próprios atributos morais e ao segundo, o juízo que a sociedade faz sobre a pessoa, considerada em sua vida comunitária. O âmbito de proteção constitucional à imagem deve ser compreendido, também, em sua acepção literal, como proteção aos atributos físicos da pessoa humana. Em complemento, podemos citar a explicação do constitucionalista Walter Ceneviva [6] (2003), a respeito do tema:

Os conceitos de intimidade e vida privada são muito próximos e correspondem ao direito da pessoa de não ser incomodada, no espaço físico que escolher, de viver por si mesma, livre de qualquer forma de divulgação ou publicidade que não deseja suportar. A imagem tanto se refere ao aspecto físico das pessoas, quanto a todo e qualquer modo pelo qual são conhecidas. (CENEVIVA, 2003, pg. 62).

A segunda faceta da garantia constitucional de proteção aos direitos da personalidade é encontrada no inciso V do artigo 5º, e está consubstanciada na prerrogativa do direito de resposta, proporcional ao agravo sofrido, e, novamente, no reconhecimento do direito à indenização em face do dano moral, material ou à imagem. Ressalte-se, nesse ponto, que o direito de resposta é importante instrumento democrático a serviço de quem se sinta ofendido, tendo ainda objetivo punitivo da conduta do agente lesivo. No entanto, não obstante a sua importância, verifica-se que, nas situações relacionadas à divulgação de fatos e imagens pelos meios de comunicação, o direito de resposta nem sempre alcança o objetivo almejado, ora por não receber o mesmo destaque da notícia lesiva, ora por levar o conhecimento do fato a pessoas que, a priori, não haviam se inteirado da notícia ou informação difundida.

Os conceitos expostos são de suma importância, já que irão subsidiar o estudo posterior que faremos acerca da responsabilidade civil em face da atividade abusiva dos meios de comunicação em si, análise de que nos ocuparemos nas próximas linhas.


III- A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ÓRGÃOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL FRENTE À DIVULGAÇÃO DA CRISE POLÍTICA NO BRASIL

Ao se pretender analisar a responsabilidade civil dos órgãos responsáveis pela divulgação das informações, faz-se imprescindível, como abordagem preliminar, um questionamento de ordem hermenêutica, pertinente à compatibilização de normas constitucionais quando estas parecerem conflitantes. Do exposto no tópico anterior, extraímos que a Constituição de 1988 conferiu ampla proteção tanto à liberdade de expressão quanto aos direitos da personalidade (honra, imagem, vida privada e intimidade), em igual medida, erigindo-as à condição de direitos fundamentais, portanto cláusulas pétreas, imutáveis.

Diante disso, deve-se notar que situações existem em que a divulgação de um fato ou notícia – marcando o uso e gozo da liberdade de expressão – pode atingir o direito à privacidade ou à honra de uma pessoa. Partindo dessa premissa, há que se fazer duas indagações: a) existe possibilidade de conflitos entre normas constitucionais? b) quais os meios de resolução desse conflito?

De forma simplificada, temos de responder que a Constituição é a lei maior do país, elaborada por um Poder Constituinte, representativo da população; suas regras não podem ser vistas de forma isolada, mas sim como um sistema integrado, onde cada norma prescinde da outra, constantes no mesmo ordenamento. Desse modo, levando em consideração que ambas advieram do mesmo poder constituinte, não entendemos possível o conflito entre normas (artigos, parágrafos ou incisos) de hierarquia constitucional. O que pode ocorrer, em situações da vida real, é o conflito de interesses - frise-se, não de normas – que advém da proteção conferida pela Constituição a determinados bens. Em conseqüência, os interesses devem ser alvo de interpretação justa, de forma a preservar-lhes o sentido pretendido pelo legislador e a maior eficácia possível da lei, tal como foi projetada.

Nesse ínterim, deve o intérprete da lei verificar, no caso concreto, qual interesse transparece maior relevância; se o direito da população à informação sobre determinado assunto ou se o direito à intimidade da pessoa objeto da notícia, e tentar compatibilizá-los para imprimir a maior abrangência possível aos dois direitos, de forma a que o exercício de um não represente violação do outro; no entanto, caso isso aconteça, deve-se partir para o exercício da recomposição dos bens jurídicos atingidos, através da aplicação das normas de responsabilidade civil.

Dirimidos esses questionamentos, deve-se adentrar na análise do posicionamento atual dos órgãos de imprensa frente à divulgação dos fatos políticos relativos à questionável atuação de membros do executivo e do legislativo federais e dos órgãos diretivos de partidos políticos em Brasília e das conseqüências dessa postura frente à proteção aos direitos da personalidade.

Logo que surgiram as primeiras questões acerca das fraudes envolvendo os correios e dos pagamentos de propinas a deputados para que apoiassem o governo nas votações de projetos relativos aos seus interesses – o denominado "mensalão" – os órgãos de comunicação social brasileiros voltaram todo o seu potencial para esses acontecimentos e estão explorando ao máximo o exercício do jornalismo investigativo, revelando a cada semana personagens que estão envolvidos nos esquemas de corrupção, relacionamentos ocultos entre pessoas públicas e documentos cuja divulgação à sociedade é feita "em primeira mão", algumas vezes até mesmo antes do conhecimento destes pelos órgãos judiciários ou pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, tal como aconteceu com o contrato exibido pela revista Veja ano 38, nº 27, de 6 de julho de 2005 (pgs. 50 e 51), que confirma a participação financeira do empresário Marcos Valério nas relações obrigacionais do Partido dos Trabalhadores.

E não somente a imprensa escrita, como o jornalismo televisivo (com maior relevância o praticado pela TV Globo), não estão poupando a divulgação de qualquer fato relacionado à crise política presente no governo Lula, nem a propagação de análises subjetivas acerca da reputação do Presidente da República ante a repercussão dos últimos acontecimentos, fatos que essa autoridade, de forma notória, combateu durante toda a sua história política.

Conforme se mencionou anteriormente, a ponderação entre os bens que devem prevalecer no caso concreto é fator fundamental para a garantia da máxima efetividade das normas constitucionais. Nesse ponto o interesse público à informação deve ser tomado como o principal critério de valoração dos bens em jogo; através de tal convicção, é possível admitir que a violação da intimidade ou da vida privada de uma pessoa, no caso concreto, não seja apta a caracterizar-se como ato ilícito, sendo impróprio falar-se em responsabilização civil nesses casos. No entanto, não se deve olvidar que toda a atividade jornalística deve encontrar supedâneo em três elementos obrigatórios: a preocupação com a veracidade dos fatos, os termos utilizados para a expressão da notícia e as opiniões externadas acerca dos fatos, sendo vedado à imprensa exercer o papel de julgador, que condena perante a opinião pública, sem que os próprios órgãos apuradores tenham emitido qualquer opinamento anterior sobre a temática.

Quando se fala no dever da procura da verdade, não se pretende aqui uma investigação profunda da informação, pois isso se mostra impossível, diante da velocidade exigida pela dinâmica atual dos meios de comunicação. Outrossim, impõe-se o recurso a fontes seguras, a conferência, diante do caso concreto, da plausibilidade da informação e a análise da repercussão que ela poderá exercer no meio externo, sempre tendo em conta que a informação inverídica – em especial a que compromete carreiras políticas -, quando distribuída às grandes massas, pode causar prejuízos irreparáveis, que nem o mais lídimo juízo de retratação seria capaz de reparar. Mais uma vez, o autor Edilsom Farias (2004) muito bem sintetizou o ponto, utilizando a noção de objetividade e subjetividade para delimitar o compromisso da verdade. Senão, vejamos:

Ab initio, a primeira idéia a reter aqui é que o parâmetro em questão refere-se à verdade subjetiva e não à verdade objetiva. É dizer, no Estado democrático de direito o que se espera do sujeito emissor de uma notícia, como postura que denota apreço pela verdade, é o diligente contacto com as fontes das informações, examinando-as e confrontando-as, bem como o uso de todos os meios disponíveis ao seu alcance, como medidas profiláticas, para certificar-se da idoneidade do fato antes de sua veiculação. A verdade subjetiva resume-se, como se vê, no múnus ou dever de cautela exigido do comunicador. (FARIAS, 2004, p. 91)

Afigura-se inconteste o interesse público quanto ao tema que estamos a abordar. A atividade política em todos os seus ramos, a preocupação com a probidade e a moralidade pública, o combate à corrupção, e o direito da população de conhecer a atuação dos representantes que elegeu, por meio de um sistema democrático, todos esses são fatores que superam qualquer interesse particular. Tenha-se como elemento de relevo ainda a natural relativização do direito à intimidade e à vida privada a que estão sujeitos os agentes políticos (pessoas públicas), em virtude da importância social do cargo que exercem.

Com efeito, verifica-se que, ainda que a divulgação da crise política, em virtude de suas próprias circunstâncias, cause insofismáveis abalos à honra e à imagem dos personagens dessa história, a atividade jornalística – e aqui tratamos daquela que é exercida com responsabilidade e dentro dos limites da razoabilidade e proporcionalidade – não pode ser limitada em favor da proteção aos direitos da personalidade, posto que amparada pelo mais legítimo interesse público de preservação da democracia e da moralidade política.

Em sentido inverso, se a atividade jornalística falta com o dever de procura da verdade dos fatos, extrapola o limite da razoabilidade ou atribui, de forma certa, a prática de determinados atos a pessoas que posteriormente se demonstrem comprovadamente inocentes, revestir-se-á do caráter de ilicitude, tendo em vista a violação do dever de respeito à honra e à imagem, fazendo assim surgir o dano e, em conseqüência, a obrigação de indenizar.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Isabelle de Carvalho Fernandes

advogada em Natal (RN)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Isabelle Carvalho. O papel da imprensa na divulgação da crise política e a responsabilidade civil por danos aos direitos da personalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 751, 25 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7060. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos