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Incorporações imobiliárias: os limites de incidência do Código de Defesa do Consumidor

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Agenda 21/12/2018 às 16:40

3. OS LIMITES DE INCIDÊNCIA DO CDC SOBRE AS INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma lei que regula as relações de consumo, ou seja, as relações entre aquele que fornece um produto ou serviço como atividade profissional (fornecedor) e aquele que é o destinatário final do produto ou serviço prestado (consumidor).

Essa legislação tem o objetivo claro de proteger o consumidor, parte vulnerável na relação de consumo, fazendo-o através de dispositivos que visam suprir tal desigualdade, proporcionando, então o equilíbrio contratual.

Conforme, estudado até aqui, existe uma abrangência proposital nos conceitos existentes no CDC, como é possível perceber nas definições de fornecedor, consumidor, produtos e serviços. Nesse contexto, é possível perceber que a proteção ao consumidor pode ser ampliada para os mais diversos ramos, já que praticamente qualquer situação contratual pode se enquadrar na sua área de incidência. Dentre as ramificações legais tocadas pelo perceber, está a Lei nº 4.591/64, que trata das incorporações imobiliárias.

Incorporações imobiliárias, por sua vez, são empreendimentos construídos com base em contratos de promessa de compra e venda das unidades a serem produzidas. O incorporador (aquele que constrói e vende as unidades) celebra contratos de promessa de compra e venda e com o capital arrecadado constrói, em determinado prazo, o prédio. Após o término da obra, as unidades prometidas são entregues aos adquirentes, que celebram, efetivamente, a compra e venda.

A aplicação imprudente do CDC é capaz de desequilibrar a relação e desproteger as partes, causando prejuízos que refletem na própria coletividade, tendo em vista que o mercado de consumo é tão abrangente quanto sua lei reguladora.

Sendo assim, não obstante seja inegável a relação de consumo existente entre incorporador e promitente comprador, faz-se necessário analisar os impactos que o uso desregrado do CDC traz, bem como estabelecer limites para sua aplicação, tendo em vista que a Lei de Incorporação Imobiliária é específica para aquela situação, devendo haver – então – a aplicação conjunta dos diplomas legais, a fim de trazer aos contratos de incorporação imobiliária a eficácia pretendida.

Para isso, imprescindível é a compreensão das aptidões das Leis nº 4.591/64 e 8.078/90, a fim de se estabelecer a forma mais harmônica de incidência das suas disposições.

3.1 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMO LEI GERAL

 Diante do estudado até agora, é inegável que o incorporador é – nos termos do CDC – um fornecedor. A atividade do incorporador, ao promover a construção de um edifício composto por unidades autônomas, e ao comercializar estas unidades, representa tanto a disponibilização de um produto quanto a de um serviço ao mercado de consumo (GUERRA; BENACCHIO, 2011, p. 651).

O enquadramento do incorporador como fornecedor se baseia nos preceitos do art. 3º do CDC. Ao construir e vender as unidades imobiliárias, pode-se dizer que há a venda de um produto. Por sua vez, ao se comprometer em promover essa construção, há a prestação de um serviço.

Se o incorporador, por um lado, é também fornecedor, o adquirente é, por outro lado, consumidor. Ao adquirir a unidade autônoma decorrente da incorporação, objetivando fazer dela sua moradia e de sua família, o adquirente se torna na última escala da cadeia de produção. Consequentemente, por se caracterizar, então, como destinatário final do bem adquirido, pode ser conceituado como consumidor, nos termos do art. 2º do CDC.

Não obstante a existência de relação de consumo composta por incorporador e adquirente, ligados pela alienação da unidade autônoma, não se deve – por conta disso – colocar o CDC em posição de superioridade absoluta em relação à Lei nº 4.591/64.

Autores como Sergio CAVALIERI FILHO (2014, p. 289) consideram que o CDC criou uma “sobreestrutura jurídica multidisciplinar”. Em outras palavras, as normas consumeristas seriam aplicáveis a todos os ramos do Direito onde se verifique relações de consumo. No mesmo sentido envereda Luiz Antonio SCAVONE JUNIOR (2012, p. 188), que afirma que o objetivo das normas existentes na Lei nº 8.078/90 é, justamente, regular variados tipos de relações jurídicas – seja qual for o ramo de incidência destas -, desde que se identifiquem as figuras do fornecedor e do consumidor.

De fato, cabe razão àqueles integrantes da doutrina que reconhecem a aplicabilidade do CDC no âmbito das incorporações imobiliárias. Em verdade, trata-se mesmo de uma relação de consumo. Porém, como reconhece Leandro Leal GHEZZI (2011, pp. 207-208), no que cabe às minúcias da incorporação imobiliária – suas especificidades -, prevalece a Lei nº 4.591/64. O CDC, nesse contexto, é utilizado como mecanismo para garantia da boa-fé objetiva e relativização da força obrigatória dos contratos. Sendo assim, o seu papel principal é trazer aos contratos de incorporação uma nova perspectiva de equilíbrio na relação contratual, de maneira a resguardar os interesses envolvidos.

É por conta desse aspecto que, ao se buscar a regulação das situações envolvendo incorporações imobiliárias, é preciso levar em consideração a característica principiológica do CDC.

O Código Consumerista é lei – simultaneamente - geral e especial. É lei especial quando direciona sua incidência para as relações entre consumidores e fornecedores, tratando – justamente – de questões como dever de informação, vícios e práticas e cláusulas abusivas. Porém, é também lei geral quando expande suas normas de proteção à universalidade das relações de consumo, levando em conta qualquer espécie de contrato (PEREIRA, 2014, pp. 329-330).

Não se pode deixar de considerar os preceitos do art. 4º do CDC, que prioriza a promoção da harmonização de interesses e o equilíbrio contratual. Logo, é imprescindível respeitar os dispositivos legais da Lei 4.591/64, que – como será visto posteriormente – também tem como norte a proteção dos adquirentes (consumidores) integrantes da relação envolvendo a incorporação imobiliária.

Ao CDC, por sua vez, cabe o importante (e fundamental) papel de complementar e aprimorar essa relação, cuidando dos elementos comuns a todos os contratos, de forma a garantir a boa-fé e o equilíbrio.

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3.2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMO REGULADOR DA RELAÇÃO CONTRATUAL           

Considerando o papel do CDC como promotor da harmonização dos interesses das partes e do equilíbrio contratual, é possível demonstrar vícios que ocorrem frequentemente no âmbito dos contratos de promessa de compra e venda referentes às unidades autônomas oriundas de incorporações imobiliárias.

Esses vícios, por estarem presentes nas cláusulas dos contratos firmados entre incorporador e adquirentes, devem ser objeto da incidência do CDC, já que tratam-se de cláusulas abusivas. Em outras palavras, são cláusulas que ferem a ordem pública, além de privarem de todo o efeito o ato por o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes.

Vale dizer, nesse contexto, que as cláusulas abusivas configuram vício contratual pois colocam uma das partes em clara desvantagem em relação à outra. Consequentemente, a existência de uma cláusula leonina representa uma desarmonia e um desequilíbrio que o CDC deve corrigir.

Diante disso, Luiz Antonio SCAVONE JUNIOR (2012, pp. 191-192) enumera alguns vícios contratuais muito comuns quando no âmbito das incorporações imobiliárias. Nesse rol, o autor traz: a) a variação unilateral de preço, que viola o art. 51, X, do CDC; b) a correção monetária cobrada mediante cláusulas obscuras; c) a obrigação de antecipação de parcelas em sentido invertido; d) multa de 2% ao mês, dissonando do CDC, que autoriza a cobrança una de 2%; e) a hipoteca do imóvel como garantia da construção; f) juros compostos e maiores que o dobro legal, que é 2% ao mês; e g) venda casada.

Esses são apenas alguns exemplos de vícios contratuais que podem contaminar a relação contratual de consumo. Entretanto, são suficientes para demonstrar como deve se dar a incidência harmônica do CDC sobre as incorporações imobiliárias.

A cláusulas aqui referenciadas provocam – verdadeiramente – a desvirtuação do negócio jurídico celebrado. O adquirente é obrigado a enfrentar uma onerosidade muito grande no decorrer do contrato, em despeito do incorporador. Portanto, ao atuar sobre essas cláusulas, o CDC potencializa os efeitos benéficos daquele contrato. Como consequência, a regulação das especificidades da incorporação imobiliária – através da Lei nº 4.591/64 – torna-se mais efetiva, já que ocorrerá em um contexto de equilíbrio entre incorporador e adquirente.

Vale ressaltar que o equilíbrio é fundamental para o desenvolvimento da própria incorporação, afinal, trata-se da edificação de um prédio através dos recursos oriundos dos promitentes compradores. Sendo assim, colocá-los em situação de desvantagem compromete a própria incorporação.

É nesse sentido, portanto, que o Direito do Consumidor não pode ser aplicado de forma irresponsável e abusiva. Se o desequilíbrio é nocivo tanto para o incorporador quanto para os adquirentes, é preciso levar em consideração o papel da lei especial no processo de proteção às partes, o que será estudado a seguir.

3.3 O SISTEMA PROTETIVO AO ADQUIRENTE

Quando se trata de incorporação imobiliária, o CDC é uma lei geral. Isso ocorre, pois as questões referentes às incorporações imobiliárias são reguladas por uma lei especial, que é a 4.591/90.

Ao se abordar a especialidade da Lei das Incorporações, não se pretende afastar a aplicabilidade do CDC, como pode parecer para parte da doutrina.

Luiz Antonio SCAVONE JUNIOR (2012, p. 188), ao tratar sobre o princípio da especialidade, o faz considerando-o como um argumento a favor do afastamento das normas do CDC por conta da existência de lei específica regulando a matéria. Nesse contexto, o autor rechaça tal argumento, afirmando que a especificidade não enseja a não incidência do CDC sobre a matéria regulada por lei especial.

É imprescindível ressaltar que, neste presente estudo, ao se trazer à tona a questão da lei especial no que tange às incorporações imobiliárias, não se está objetivando afastar a incidência do diploma legal consumerista, mas deixar claro que a aplicação do CDC deve se limitar a garantir a imposição da boa-fé objetiva, da harmonização de interesses e do equilíbrio contratual. Isso porque, quanto às peculiaridades das incorporações imobiliárias, a lei mais adequada é a Lei nº 4.591/64, que foi criada para dispor sobre essas peculiaridades.

Nesse contexto, é possível que o CDC incida – por exemplo - sobre o contrato de incorporação para regular a publicidade enganosa, que pode ser danosa aos adquirentes; ou sobre as cláusulas abusivas – tratadas anteriormente – que colocam o adquirente em posição de onerosidade excessiva. Também é possível recorrer ao CDC quando o contrato de incorporação tiver cláusulas que diminuam ou exonerem as responsabilidades do incorporador; bem como inviabilizem a inversão do ônus da prova ou autorizem a modificação unilateral do contrato por iniciativa do incorporador (PEREIRA, 2014, p. 330).

Ainda, é necessário aplicar o CDC quando se trata da responsabilidade objetiva do incorporador e do construtor quanto à segurança da obra, bem como pela reparação de danos decorrentes de defeitos nesta. Os vícios de qualidade e quantidade que comprometam a unidade imobiliária, tornando-a imprópria ou inadequada a cumprir sua finalidade também dá margem à incidência do CDC.

O Código do Consumidor não foi a primeira legislação a se preocupar com a proteção da parte que se encontra em desvantagem na relação contratual.  A Lei nº 4.591/64 representa um verdadeiro sistema de proteção do adquirente do futuro imóvel. Se comparado ao CDC, pode ser considerado um sistema protetivo ainda mais eficaz, já que busca suprir a vulnerabilidade do adquirente levando em consideração a estrutura do negócio jurídico incorporação imobiliária.

A elaboração da Lei das Incorporações teve como base a ausência de proteção legal àqueles que faziam partes de negócios jurídicos envolvendo a alienação de unidades autônomas. É nesse contexto que o referido diploma legal traz em seu texto expressa previsão acerca da responsabilidade civil do incorporador. O adquirente é reconhecido como vulnerável na relação com o incorporador, por isso a lei traz positivada a sua proteção.

3.4 DA NECESSÁRIA HARMONIZAÇÃO: OS LIMITES DE INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DEFESA DO CONSUMIDOR SOBRE AS INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS

Conforme já foi visto até aqui, a incorporação imobiliária é um negócio jurídico celebrado entre incorporador e adquirentes, onde aquele se compromete a construir ou promover a construção de um edifício formado por unidades autônomas, enquanto este se obriga a pagar determinado valor para adquirir uma dessas unidades. Esse negócio jurídico, por sua vez, é regulado pela Lei nº 4.591/64 – a Lei das Incorporações.

A Lei nº 8.078/90 – o Código de Defesa do Consumidor, ou CDC -, por sua vez, se propõe a regular as relações de consumo formadas entre fornecedores – que fornecem profissionalmente um produto ou serviço para o mercado de consumo – e consumidores – destinatário final desses produtos ou serviços.

A abrangência dos conceitos utilizados pelo CDC, entretanto, faz com que este diploma legal consiga incidir sobre os mais diversos ramos do direito, tendo a capacidade de interferir nos contratos e negócios jurídicos para impor a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual.

Nesse contexto, no que tange às incorporações imobiliárias, com o objetivo de consagrar a proteção ao contratante vulnerável – objetivo das duas leis - é necessário promover a harmonização entre as duas legislações, de maneira que a Lei de Incorporações cuide das minúcias do seu objeto, e que o CDC incida sua principiologia para garantir a tão almejada boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual. Essa harmonização é necessária e possível.

A Lei nº 4.591/64 representa um sistema protetivo ao adquirente da unidade autônoma decorrente da incorporação imobiliária, assim como o CDC representa um sistema protetivo ao consumidor em geral. Nesse contexto, uma coisa é certa: ambos os diplomas legais objetivam dar a proteção necessária àqueles que se encontram em situação vulnerável na relação contratual.

Entretanto, enquanto CDC é propositadamente amplo – para atingir todas as áreas onde existam relações de consumo -, a Lei das Incorporações formula a proteção de acordo com a estrutura e as minúcias dos contratos empregados na incorporação. A vulnerabilidade do adquirente, portanto, é suprida com base nesse contexto específico (PEREIRA, 2014, p. 331).

Não obstante o reconhecimento da especificidade da Lei nº 4.591/64, a busca pela boa-fé objetiva, pelo equilíbrio contratual e pela proteção ao adquirente (consumidor) está presente em suas normas, assim como está na ideologia do CDC.

Exemplo disso é o art. 32 da Lei nº 4.591/64, que exige o arquivamento prévio dos documentos relativos ao futuro empreendimento no Registro de Imóveis competente como requisito à venda das unidades, a ser realizada pelo incorporador (BRASIL, 1964). O artigo 32, portanto, garante a regularização do empreendimento antes da sua disponibilização ao mercado de consumo. É uma garantia ao consumidor de que aquele negócio é viável e seguro.

A imposição da boa-fé objetiva é, também, elemento marcante na Lei das Incorporações. Os contratos que fazem parte da incorporação imobiliária não são celebrados de forma totalmente livre, pois a lei interfere para evitar cláusulas que comprometam as partes envolvidas no negócio jurídico. Nesse sentido, ensina Caio Mário da Silva PEREIRA (2014, p. 331) que, entre os arts. 32 e 62 da referida legislação, ficam fixados elementos que compõem a estrutura do contrato, bem como sua estrutura. Isso se dá através da clara indicação acerca de questões como critérios para reajuste de preços, prazo para celebração do contrato e estabelecimento da irretratabilidade da promessa de compra e venda. São elementos que além de proteger o próprio adquirente, protegem o empreendimento em si, pois garante sua materialização de forma segura e ordenada.

Nesse contexto, outro elemento marcante trazido pela Lei nº 4.591/64 – que se adequa à estrutura da incorporação e aos ditames do CDC – é a separação patrimonial de cada empreendimento. Isso significa que, em casos de falência ou recuperação judicial da empresa incorporador, é possível investir a comissão de representantes dos adquirentes de poderes para levar a execução da obra adiante, independentemente do processo falimentar. Com isso, é possível aos adquirentes – de forma autônoma – vender as unidades do incorporador através de leilão extrajudicial.

Essa autonomia dos adquirentes é fundamental para a incorporação imobiliária. A possibilidade da venda de unidades do incorporador através de leilão extrajudicial dá ao adquirente-consumidor a possibilidade reaver valores devidos sem comprometer a incorporação. Essa ressalva precisa ser feita, pois o adquirente não é um tipo comum de consumidor, tampouco a incorporação é um contrato comum de consumo.

O objeto da incorporação – que é construção do edifício formado por unidades autônomas – se materializa mediante captação de recursos advindos dos contratos de promessa de compra e venda celebrados com os adquirentes. Sendo assim, celebração desses contratos é elemento fundamental da incorporação, já que sem os recursos advindos das promessas de compra e venda, o empreendimento pode não se materializar (AVVAD, 2014, p. 587).

Portanto, a Lei nº 4.591/64 se preocupa com a proteção do adquirente – vulnerável -, conformando-se ao CDC, mas o faz de forma a respeitar as peculiaridades da incorporação, sem – entretanto – violar a boa-fé objetiva.

A relação entre o Código Consumerista e a Lei das Incorporações traz à tona a identidade de pressupostos e de propósitos existente entre os diplomas legais. A diferença, nesse sentido, está na incidência das normas de cada um. O CDC se aplica a todo e qualquer contrato de consumo. A Lei nº 4.591/64, porém, se aplica apenas aos contratos de alienação de imóveis nas incorporações imobiliárias.

Não se pode interpretar o CDC considerando-o como uma lei autônoma em relação a outros ramos do direito, nem como aplicável a todas as situações existentes no mercado.

Em verdade, o próprio CDC em seu art. 7º admite que a legislação interna ordinária também é capaz de regular situações envolvendo a proteção da parte vulnerável (BRASIL, 1990). Isso significa que a Lei das Incorporações é perfeitamente aplicável no que tange à proteção do adquirente nas situações envolvendo as especificidades da incorporação imobiliária. A Lei nº 4.591/64 reconhece a vulnerabilidade e busca proteger os vulneráveis. Portanto, o adquirente não está desamparado. É por isso que a utilização conjunta e harmônica do CDC e da Lei de Incorporação tem a força para potencializar essa proteção, pois cada uma dessas leis tem suas características únicas.

Sendo assim, a aplicação conjunta entre as duas legislações representa a exteriorização do método sistemático de interpretação, considerando o direito como uma unidade. Ao se harmonizar as normas gerais do CDC e as normas específicas da Lei das Incorporações, é possível alcançar uma interpretação compatível com o ordenamento jurídico, fortalecendo a ideia de unidade.

O que se busca demonstrar é a mesma regulação existente nos dois diplomas legais. Porém, enquanto CDC é geral, aplicável a toda e qualquer relação de consumo, a Lei das Incorporações é específica, tendo seus dispositivos direcionados para as incorporações imobiliárias. Diante disso, a Lei nº 4.591/64 mostra-se mais adequada à regulação, já que seu conteúdo é fundamentado nos elementos de uma incorporação.

Em sentido similar se posiciona Caio Mário da Silva PEREIRA (pp. 332-333), considerando que em situações nas quais tanto a lei geral quanto a lei específica instituem regras, deve se priorizar a lei especial, já que sua eficácia é potencializada em razão da especificidade com que foi criada.

Mas, se para que o adquirente-consumidor – parte vulnerável na relação de consumo – tenha sua proteção amplificada é preciso que haja harmonização entre os diplomas legais estudados, a prevalência absoluta da Lei nº 4.591/64 não é concebível. É por isso que, nas situações onde a Lei das Incorporações não for suficiente, as normas do CDC compatíveis à situação devem incidir. Explica-se.

Quando a regulação disser respeito a vantagens excessivas concedidas ao fornecedor, à força vinculante da oferta, aos limites das taxas de juros, à facilidade da defesa dos direitos do consumidor ou às penalidades relativas ao atraso da obra, as normas do CDC devem incidir, já que a Lei das Incorporações não traz em seu texto legais para esses problemas.

Percebe-se que todas essas questões têm a ver com a boa-fé objetiva e com o equilíbrio na relação de consumo. Porém, percebe-se também que são situações que podem ocorrer em diversas situações além das incorporações imobiliárias. Como o CDC é lei geral, voltada para a proteção do consumidor nas relações de consumo em geral, sua aplicabilidade é legítima e necessária para que haja a pretendida harmonização.

Portanto, harmonizar significa promover a convivência entre CDC e Lei das Incorporações levando em conta o papel de cada uma no ordenamento jurídico, em função do objetivo maior: a proteção à parte vulnerável na relação jurídica. Para isso, privilegia-se a lei especial no que tiver de específico, e a lei geral no que tange à promoção às situações não abarcadas pela lei específica.

A aplicação isolada e não raciocinada tanto de um diploma legal, quanto do outro não é capaz de promover a proteção da parte vulnerável, podendo, inclusive, comprometer toda a relação jurídica. Por isso é importante harmonizar, aplicando cada lei da forma mais adequada, levando em consideração o caráter unitário do ordenamento jurídico.

Sobre o autor
Rafael Verdival

Rafael Verdival é Mestre em Direitos Fundamentais e Alteridade pela Universidade Católica do Salvador (UcSal). Pós-Graduado em Filosofia e Autoconhecimento: uso pessoal e profissional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Pesquisador do grupo JUSBIOMED – Direito, Bioética e Medicina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERDIVAL, Rafael. Incorporações imobiliárias: os limites de incidência do Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5651, 21 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70951. Acesso em: 27 dez. 2024.

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