Resumo: O presente trabalho objetivo examinar a compatibilidade do instituto da rejeição liminar do pedido (art. 285-A do CPC/73 e art. 332 do CPC/2015) no âmbito processual trabalhista. Buscou-se analisar o instituto da rejeição liminar do pedido, cotejando os argumentos contrários e favoráveis à sua utilização na seara processual do trabalho.
Palavras-chave: Rejeição liminar do pedido; demandas repetitivas; aplicabilidade; processo do trabalho.
Sumário: Introdução; 1 A busca pela tutela jurisdicional tempestiva; 1.1 O julgamento liminar como meio de efetividade processual; 2 A aplicação supletiva do Código de Processo civil ao Processo do Trabalho; 3 Rejeição liminar do pedido no Processo do Trabalho; 3.1 Análise crítica. Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
A lentidão na prestação jurisdicional constitui o principal motivo de desprestígio do Judiciário brasileiro. No enfrentamento de tal fato, o legislador vem promovendo diversas modificações no ordenamento jurídico. Nesse cenário, a Lei nº 11.277/06 inseriu no ordenamento jurídico brasileiro o instituto do julgamento liminar de mérito em demandas repetitivas (art. 285-A do CPC/73), possibilitando ao juiz proferir sentença de improcedência (antes mesmo da citação do réu), quando a matéria for unicamente de direito e no juízo já houver outros julgados pela total improcedência, bastando à mera reprodução dos fundamentos anteriormente utilizados.
O aludido instituto foi pensado para encerrar, ainda no seu nascedouro, as chamadas “ações repetitivas”, entendidas como aquelas que costumeiramente se repetem na Justiça, contendo sempre a mesma matéria de direito, mudando-se apenas os nomes das partes.
A técnica de aceleração do julgamento, prevista no art. 285-A do CPC/73, dividiu opiniões e teve sua constitucionalidade questionada por meio de ADIN proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por entender que a aplicação do citado artigo fere diversos princípios constitucionais, notadamente: do contraditório, da ampla defesa e da isonomia. Aguarda-se o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal.
A rejeição liminar do pedido foi mantida (de modo ampliada) no novo Código de Processo Civil (art. 332, Lei 13.105/2015)[1], com o nítido propósito de sanear os processos no nascedouro, rejeitando liminarmente os pedidos que já tenham sido julgados improcedentes pela jurisprudência uniforme dos tribunais ou que tenham perecido em virtude de decadência ou de prescrição.
Neste trabalho, procuramos listar os argumentos favoráveis e contrários à compatibilização do instituto processual de julgamento liminar de improcedência em demandas repetitivas na seara processual trabalhista.
1 A BUSCA PELA TUTELA JURISDICIONAL TEMPESTIVA
A morosidade na apreciação de lides submetidas à apreciação do julgador é um problema presente desde a antiguidade. Discorrendo acerca da razoável duração do processo, Frederico Augusto Leopoldino Koehler[2] nos brinda com um exemplo que comprova a assertiva acima. Relata o autor que o imperador romano Carlos Magno, buscando alternativas para solucionar a celeuma, editou a Disposição Capitular 775, que dispunha: “Quando o juiz demorar a proferir a sentença, o litigante deverá instalar-se em casa dele e aí viverá, de cama e mesa à custa dele”.
A excessiva demora na entrega da prestação jurisdicional continua a ser um problema atual e universal, razão que levou diversos países a inserirem em suas constituições o direito à razoável duração do processo e a promoverem modificações na legislação infraconstitucional, buscando adotar medidas que promovam a celeridade processual.
Como bem adverte Cândido Rangel Dinamarco[3], "desencadear medidas contra o tempo inimigo é um modo de cumprir o compromisso, solenemente assumido pelo Estado brasileiro ao aderir ao Pacto de San José da Costa Rica, de oferecer aos litigantes uma tutela jurisdicional em prazo razoável".
Na atual sociedade globalizada, as relações jurídicas tornam-se complexas e os litígios tendem a agigantar-se, tornando evidente o problema gerado com as chamadas demandas de massa (ações repetitivas) que entopem o Judiciário brasileiro, contribuindo para complicar a questão da morosidade, exigindo do legislador modificações que deem condições de enfrentamento de tal fenômeno.
Nesse contexto, a Lei 11.277/2006 promoveu a inserção do art. 285-A no Código de Processo Civil/1973, objetivando a racionalização do julgamento de processos repetitivos, idealizado para funcionar como regra de racionalização de julgamentos em demandas repetitivas.
O novo Código de Processo Civil/2015, na mesma trilha, ratificou o instituto, autorizando a rejeição liminar do pedido, independentemente da citação do réu, em duas situações: (i) quando o pedido contrariar súmula dos tribunais superiores ou de tribunal de justiça local; acórdão ou entendimento firmado pelos tribunais superiores a respeito de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; e (ii) quando se constatar a ocorrência de prescrição ou decadência (art. 332, Lei 13.105/2015).
É consenso que as medidas processuais tradicionais não se têm mostrado idôneas para resolver a problemática das “demandas de massa”, desafiando o legislador a adotar medidas que possam ofertar solução uniforme e rápida, em obediência aos princípios constitucionais da duração razoável dos processos e da isonomia. Leonardo José Carneiro da Cunha afirma que, diante de uma sociedade que exige celeridade processual, a ponto de elevar a duração razoável dos processos a status de princípio constitucional, é preciso que as demandas de massa tenham “soluções de massa”, ou seja, recebam uma solução uniforme, garantindo-se, inclusive, o princípio da isonomia. [4].
Na seara processual trabalhista, a busca pela celeridade processual é percebida com maior facilidade, pois, ao lidar com direitos dos trabalhadores, tratando, na maioria das vezes, de discussão de verbas de caráter alimentar, não há como admitir que o processo se alongue no tempo, sob pena de comprometer as necessidades vitais do trabalhador e de sua família.
1.1 O julgamento liminar como meio de efetividade processual
A inserção do art. 285-A no Código de Processo Civil/1973 buscou estabelecer um filtro de entrada no acesso ao Judiciário como meio dar pronta e ágil resposta aos processos repetitivos, contribuindo para desafogar o número de causas pendentes de julgamento.
Assim dispunha o revogado art. 285-A do CPC/73:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006)
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006)
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006)
Acerca da premente necessidade de adoção de meios de combate a demandas repetitivas, destaca Luiz Guilherme Marinoni[5]:
[...] é preciso dar atenção à multiplicação das ações que repetem litígios calcados em fundamentos idênticos, solucionáveis unicamente a partir da interpretação da norma. A multiplicação de ações desta natureza, muito freqüente na sociedade contemporânea, especialmente nas relações travadas entre o cidadão e as pessoas jurídicas de direito público ou privado - como aquelas que dizem respeito à cobrança de um tributo ou à interpretação de um contrato de adesão -, geram, por conseqüência lógica, mais trabalho à administração da justiça, tomando, de forma absolutamente irracional, tempo e dinheiro do Poder Judiciário.
Encontramos o escopo do referido instituto processual na justificação da lei que o instituiu. Veja-se: "a proposta vai nesse sentido ao criar mecanismo que permite ao juiz, nos casos de processos repetitivos, em que a matéria for unicamente de direito, e no juízo houver sentença de total improcedência, dispensar a citação e proferir decisão reproduzindo a anteriormente prolatada".
Assim, o legislador procurou estabelecer um filtro para desafogar o número de causas pendentes de julgamento. Nessa trilha, acrescenta Luiz Guilherme Marinoni[6]:
É racional que o processo que objetiva decisão acerca de matéria de direito sobre a qual o juiz já firmou posição em processo anterior seja desde logo encerrado, evitando gasto de energia para a obtenção de decisão a respeito de “caso idêntico” ao já solucionado. Nesta perspectiva, o “processo repetitivo” constitui formalismo desnecessário, pois tramita somente para autorizar o juiz a expedir a decisão cujo conteúdo já foi definido no primeiro processo.
Com o imenso trânsito jurídico da sociedade moderna, os litígios se multiplicam e deságuam no Judiciário. É nesse contexto que entrou em cena o art. 285-A do CPC/73: para fazer frente aos processos repetitivos, impedindo o desenvolvimento da relação processual e o do iter procedimental, com gastos desnecessários, pois já se sabe de antemão que a sentença será pela improcedência do pedido.
Como bem adverte Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery[7]: “seria perda de tempo, dinheiro e de atividade jurisdicional insistir-se na citação e na prática dos demais atos do processo, quando o juízo já tem posição firmada quanto à pretensão deduzida pelo autor.”
Convém ressaltar que, além de estar inserida no contexto das técnicas de aceleração da tutela jurisdicional, a rejeição liminar nas demandas repetitivas (prevista no art. 285-A do CPC/73 e ratificada, com modificações no art. 332, CPC/2015) encontra abrigo na valorização dos precedentes.
O atual dispositivo normativo que estabelece a rejeição liminar do pedido (art. 332 do CPC/2015) assim expõe:
Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
§ 1o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.
§ 2o Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 241.
§ 3o Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias.
§ 4o Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.
O novo Código de Processo Civil autoriza a rejeição liminar do pedido, independentemente da citação do réu, em duas situações: (i) quando o pedido contrariar súmula dos tribunais superiores ou de tribunal de justiça local; acórdão ou entendimento firmado pelos tribunais superiores a respeito de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; e (ii) quando se constatar a ocorrência de prescrição ou decadência.
Eduardo Talamini[8], comentando o dispositivo acima transcrito, aponta:
Os dois grupos têm em comum a circunstância de que é absolutamente desnecessária a produção de qualquer prova para um julgamento contrário ao autor.
Se houver questões fáticas que dependam de elucidação – seja para definir se o caso é mesmo enquadrável na hipótese já enfrentada pelos precedentes, seja para aferir o termo inicial ou o efetivo curso do prazo prescricional ou decadencial – não é aplicável a técnica da improcedência liminar do pedido.
O outro elemento fundamental comum aos dois grupos é a possibilidade de julgamento liminar apenas contra o próprio autor, que já integra e participa da relação processual. Uma decisão definitiva contra o réu, nesse momento, seria ofensiva às garantias do contraditório e da ampla defesa.
[...]
Nem todos esses precedentes têm força vinculante em sentido estrito – de modo a caber reclamação se eles não forem observados no caso concreto. Falta tal eficácia às súmulas não vinculantes do STF e a todas as súmulas do STJ e dos tribunais locais. O art. 332 não constitui uma regra concernente à vinculação em sentido estrito. Trata-se, em vez disso, de uma norma sobre “vinculação média”, i.e, uma regra de simplificação procedimental fundada na existência do precedente.
Doutrinando acerca do instituto da rejeição liminar do pedido (art. 332 do CPC/2015), expõe Humberto Theodoro Jr. que
As justificativas para essa medida drástica ligam-se ao princípio da economia processual, bem como a valorização da jurisprudência, principalmente nos casos de demandas ou recursos repetitivos. Prendem-se, também, à repulsa, prima facie, das demandas insustentáveis no plano da evidência, dada a total ilegitimidade da pretensão de direito material veiculada na petição inicial.
[...]
Para evitar que os inúmeros processos sobre casos análogos forcem o percurso inútil de todo o iter procedimental, para desaguar, longo tempo mais tarde, num resultado já previsto, com total segurança, pelo juiz da causa, desde a propositura da demanda, o art. 332 muniu o juiz do poder de, antes da citação do réu, proferir a sentença de improcedência prima facie do pedido traduzido na inicial.[9]
Considerando que o CPC pode ser utilizado de forma subsidiária ao Processo do Trabalho, conforme prevê a Consolidação de Leis Trabalhistas - CLT (art. 769), parece-nos que sua utilização naquela esfera se mostraria útil no enfrentamento de demandas repetitivas que ali fossem instaladas. Contudo, a utilização sugerida é motivo de controvérsia, conforme se verá adiante.