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A aplicabilidade do instituto da delação premiada nas ações civis de improbidade administrativa

O presente trabalho busca demonstrar que para que as ações produzam os efeitos desejados e punam com efetividade os autores dos delitos, existe a necessidade que os mesmos colaborem de forma a fornecer informações relevantes para o deslinde condenatório.

INTRODUÇÃO

 

É inegável o fato de que os noticiários diários são compostos por um turbilhão de escândalos públicos que evidenciam a corrupção no seio da Administração. São constantes as informações de desvios de verbas, licitações fraudulentas e uma gama de outras situações que sinalizam que a improbidade encontra-se entranhada na esfera administrativa.

Não obstante a constatação que a corrupção possui a tendência a se enraizar enquanto não encontrar barreiras eficazes, o Estado tem encontrado dificuldade no trâmite investigatório das ações que tem por objeto a apuração da improbidade administrativa, haja vista muitos dos ilícitos praticados contra a Administração Pública serem cometidos com artifícios complexos.

Embora a Lei 8.429/1992 deva ser considerada um exímio instrumento coibidor da corrupção, a mesma esbarra em constantes óbices durante o seu percorrer investigatório, fato que reflete na efetividade da punição do infrator e, consequentemente, ocasiona resultados considerados aquém dos esperados.

Neste cenário de dificuldade na obtenção de lastro probatório suficiente para embasar o deslinde do caso posto em evidência, nasceu a discussão acerca da aplicabilidade do instituto da delação premiada na Ação de Improbidade Administrativa.

Apesar de bastante criticado, o instituto da delação premiada encontra-se em absoluto desenvolvimento, em termos de aplicabilidade, na esfera do direito penal. No entanto, dúvidas restam em saber se o referido instituto possui plena eficácia e aplicação no bojo de uma ação civil de improbidade administrativa, vez que vozes doutrinárias sustentam a impossibilidade da sua aplicação.

Diante de tudo quanto explicitado, o presente estudo teve por objetivo geral analisar a importância do instituto da delação premiada bem como os benefícios práticos que o mesmo pode propiciar no deslinde de situações postas à investigação. O objetivo específico deste trabalho foi analisar a possibilidade da aplicação do instituto em voga, de natureza penal, no bojo de uma ação civil que verse sobre improbidade administrativa.

Para isso, foi realizada uma pesquisa exploratória, através de materiais publicados, sobretudo, livros, artigos e material disponibilizado na Internet.

 

1 PODERES E DEVERES DOS ADMINISTRADORES

O Estado, como instituição política, atua a serviço da coletividade, atendendo as necessidades básicas dos cidadãos, promovendo o bem comum.

De maneira ampla, administrar significa gerir. Segundo Gasparini, em se tratando da atividade administrativa, a mesma pode ser compreendida como “gestão, nos termos da lei e da moralidade administrativa, de bens interesses e serviços públicos visando o bem comum”. [1]

De forma intuitiva, para a promoção das suas atividades inerentes, a Administração Pública necessita se valer de elementos físicos e volitivos, ou seja, para consecução das suas atividades o Estado necessita dos seus agentes. Neste sentido, o ordenamento jurídico brasileiro conferiu a tais agentes uma gama de prerrogativas peculiares e indispensáveis à consecução dos fins públicos. Estas prerrogativas são os denominados poderes administrativos.

Segundo Carvalho Filho:

O poder administrativo representa uma prerrogativa especial de direito público outorgada aos agentes do Estado. Cada um desses terá a seu cargo a execução de certas funções. Ora, se tais funções foram por lei cometidas aos agentes, devem eles exercê-las, pois que seu exercício é voltado para beneficiar a coletividade. Ao fazê-lo, dentro dos limites que a lei traçou, pode dizer-se que usaram normalmente os seus poderes. [2]

Cabe salientar que, em que pese o vocábulo “poder” venha a sugerir que o mesmo diga respeito a uma mera faculdade, na verdade o mesmo refere-se a um poder-dever, já que o mesmo é reconhecido ao poder público para consecução de atividades a favor da coletividade.

Nestes termos, cabem aqui as irretocáveis palavras de Meirelles, segundo qual “ se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade. ”[3]

Assim, levando em consideração que os poderes administrativos são verdadeiras obrigações a serem cumpridas, infere-se que os mesmos são irrenunciáveis e devem ser, obrigatoriamente, exercidos pelos seus titulares.

Por oportuno, cabe aqui apontar a diferença existente entre poderes administrativos e poderes do Estado. Os poderes do Estado, conceituados através da clássica tripartição dos poderes de Montesquieu, divide o Poder em Executivo, Legislativo e Judiciário, diferenciando-se, portanto, dos poderes administrativos, que, conforme asseverado, são instrumentos postos à consecução do interesse da sociedade.[4]

Em contrapartida, ao mesmo tempo que são conferidas prerrogativas aos agentes públicos, o ordenamento jurídico pátrio impõe deveres específicos aos mesmos: os deveres administrativos.

A doutrina costuma listar os seguintes deveres da Administração Pública: o dever de agir, o dever de eficiência, o dever de prestação de contas e também ao dever de probidade.[5]

É mister salientar, sobretudo porque o objeto do presente trabalho paira sobre a questão da probidade administrativa, que o dever de probidade deve ser considerado, talvez, como o mais importante dos deveres do administrador público, vez que a sua atuação, deve sempre pautar-se pelos princípios da honestidade e moralidade.

2 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

2.1 CONCEITO

 

A inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituição Federal de 1988 foi, sem dúvidas, uma consequência da preocupação com a ética na Administração Pública, bem como com o combate à corrupção e à impunidade no setor público.

Inicialmente, cabe apontar que a improbidade administrativa tem sustentáculo no §4º do artigo 37 da Carta Magna, que estabeleceu que a lei sancionará os atos de improbidade administrativa, relacionando também algumas penalidades a serem aplicadas em caso de prática de ato que configure improbidade.

Para dar cumprimento ao §4 do artigo 37, foi expedida lei que regulamenta os atos de improbidade administrativa, que faz menção a um rol mais amplo de sanções, levando em consideração o rol mínimo disposto na Carta Constitucional. Hoje, a matéria referente a improbidade administrativa, conforme aventado em linhas anteriores, encontra-se positivada na Lei 8.429, de 2 de junho de 1992.

Indagando-se em que consistiria a improbidade administrativa, Osório expõe que a mesma configura-se:

[...] como espécie de má gestão pública que abarca tanto a grave desonestidade quanto a grave ineficiência funcional, à luz do princípio da legalidade inscrito na LIA. Nesse sentido, estamos diante de uma categoria ético-normativa superior que abarca tanto a corrupção (equivalente a uma espécie peculiar de desonestidade funcional extremamente grave) quanto a grave ineficiência funcional. Cuida-se de uma patologia singular, que se traduz por transgressões dolosas ou culposas. [6]

 

De acordo com Justen Filho, “a improbidade administrativa consiste na ação ou omissão violadora do dever constitucional de moralidade no exercício da função pública, que acarreta a imposição de sanções civis, administrativas e penais, de modo cumulativo ou não, tal como definido em lei”.[7]

Antes da inclusão do princípio da moralidade no rol dos princípios constitucionais, a improbidade administrativa consistia em infração prevista apenas para os agentes políticos: para os demais agentes públicos, a punição era apenas aplicada nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do cargo, que sujeitava o agente ao sequestro e perda de bens em favor da Fazenda Pública.

Com a mencionada inserção do princípio da moralidade no rol dos princípios constitucionais de observância obrigatória, a submissão ao primado da probidade administrativa, estendeu-se a toda Administração Pública e com isso passou a ser prevista e sancionada para todas as categorias de servidores e abranger outras infrações que não apenas o enriquecimento ilícito.[8]

Com efeito, da leitura da Lei 8.429/1992 infere-se que a violação à moralidade administrativa é apenas umas das hipóteses previstas nesse diploma como configuradora de ato de improbidade administrativa. Trocando em miúdos, a improbidade administrativa engloba a violação do princípio da moralidade administrativa, bem como de todos os demais princípios que regem a Administração Pública.

Ainda levando em consideração o diploma legal acima mencionado, tem-se que ato de improbidade administrativa é todo aquele que importa, à custa da Administração, em enriquecimento ilícito (art. 9º); que causa prejuízo ao erário (art. 10º); bem como aquele que atenta contra os princípios da Administração Pública (art. 11º).

Frise-se que para um ato ser classificado como de improbidade, não se faz necessária a demonstração da ilegalidade do ato, bastando a lesão à moralidade administrativa.

No que tange à configuração do ato de improbidade administrativa, mais uma vez, servimo-nos da brilhante lição de Justen Filho:

A improbidade se configura como a violação a um dever específico, que é o respeito à moralidade. Não se confunde improbidade com ilicitude em sentido amplo. Pode haver ilicitude sem haver improbidade. A improbidade pressupõe um elemento subjetivo reprovável. Como regra, a improbidade se aperfeiçoa mediante um elemento doloso, admitindo a forma culposa como exceção.

A improbidade não se configura pela mera atuação defeituosa do agente – o que não significa reconhecer a regularidade jurídica de ações e omissões culposas. [...] Mas isso não significa que que sua conduta caracterize de modo automático, improbidade. A improbidade envolve infração. [9]

 

Nestes termos, infere-se que a configuração de improbidade pode derivar tanto de uma atuação ativa, quanto de uma atuação omissiva. No entanto, cabe aqui mencionar que só haverá improbidade se o sujeito ativo do ato tiver violado, de forma consciente, o dever de moralidade: isso ocorre porque a vontade consciente é da própria essência da noção de moralidade.[10]

Em outras palavras, para que haja configuração da improbidade administrativa faz-se imperioso o agente público tenha agido ou se omitido imbuído na má-fé.

2.2 OS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Para que haja a ocorrência de ato de improbidade administrativa previsto na Lei 8.429/1992, são necessários três elementos: sujeito ativo, o sujeito passivo e a ocorrência de um dos atos danosos previstos na lei como ato de improbidade.

Conforme esposado em linhas anteriores, o texto legal estabelece três modalidades de atos de improbidade administrativa: os que importam enriquecimento ilícito; os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Tais atuações encontram-se dispostas, respectivamente, nos artigos 9, 10 e 11 da Lei de improbidade. Faz-se de valia esclarecer que a Lei 8.429/1992 estabelece uma gradação ao dispor sobre os atos de improbidade, ou seja, os primeiros atos (atos que geram enriquecimento ilícito) são considerados os mais graves de todos, enquanto os últimos (atos que violam os princípios da Administração Pública), os mais leves.

Em que pese a lei falar de ato de improbidade, deve-se ter em mente que o termo ato não é utilizado na acepção de ato administrativo. O ato de improbidade administrativa pode equivaler a uma ação, a uma omissão, e a inda, a um ato administrativo.[11]

Ainda para que haja a configuração do ato como de improbidade administrativa, faz-se necessário que o mesmo tenha sido praticado no exercício da função pública, em seu sentido amplo, de forma a abarcar as três funções do Estado. Saliente-se que um ato de improbidade administrativa pode ser praticado também por um terceiro que não se enquadre no conceito de agente público.

Com efeito, nota-se que o texto da lei de improbidade administrativa traz um rol de atos, insertos nos seus incisos, em cada um dos artigos acima mencionados.

De acordo com o entendimento uníssono, os incisos demarcam exemplos de atos de improbidade, não os dispondo de forma taxativa. Assim sendo, ainda que um ato não se encaixe em uma das hipóteses previstas, de forma expressa, nos diversos incisos dos três dispositivos, a improbidade administrativa poderá ser configurada, desde que o mesmo se enquadre no caput dos artigos 9, 10 e 11 da Lei 8.429/1992.

O art. 9º dispõe que “constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função ou emprego nas entidades mencionadas no art. 1º e notadamente” os que vêm indicados nos incisos insertos no dispositivo legal.

Esta categoria, como dito anteriormente, abarca as hipóteses mais reprováveis de improbidade administrativa, concernentes a atos orientados a produzir acréscimos no patrimônio de um agente público, ou ainda, de um terceiro.

Esse elenco exemplificativo funda-se em doze incisos, que dispõem sobre as mais diversas situações, sendo possível organizar as hipóteses configuradoras em quatro grupos a saber: atos de percepção de vantagens indevidas de terceiros (incs. I, II, III, V, VI, IX e X); atos de apropriação indevida (incs. IV, XI e XII); atos em conflitos de interesses (inc. VIII) e atos evidenciadores de enriquecimento sem justificativa (inc. VII).[12]

Nos termos do art. 10º, “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, notadamente” as que vêm previstas nos incisos do artigo em voga.

Esse segundo grupo de atos de improbidade, é o daqueles que causam lesão ao erário, fruto de uma ação ou omissão. Faz-se de extrema valia salientar que não existe ficção de lesão aos cofres público, sendo necessário, portanto, o resultado danoso para que haja efetivamente a configuração.

Por derradeiro, de acordo com a inteligência do art. 11º, “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições e notadamente” as que vêm dispostas nos incisos do dispositivo.

No que diz respeito ao art. 11 da Lei 8.429/1992, tem-se que existe uma definição bastante ampla que exige uma interpretação restritiva, sob pena de generalização e, consequentemente, a tipificação de qualquer ato como sendo de improbidade administrativa.

Assim sendo, nesta hipótese específica, a ofensa aos princípios honestidade, lealdade, imparcialidade e legalidade, só adquirirá relevância, quando o fato evidenciar-se como meio de realização de ato improbo.

3 A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

3.1 CONCEITO E LEGISLAÇÃO PERTINENTE

Consoante o disposto no §3 do artigo 37 da Carta Magna, a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta regulando especialmente, dentre outras hipóteses, a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.

Regulamentando a disposição constitucional mencionada, a Lei 8.429/1992, no seu artigo 14, prevê que qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de improbidade administrativa.

O artigo 22 do mesmo diploma dispõe que para apurar qualquer ato de improbidade administrativa ou ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação, poderá requisitar instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo.

Por fim, o artigo 17 da Lei 8.429/1992 prevê a ação judicial visando a aplicação das sanções pela prática de ato de improbidade administrativa. O § 1º desse mesmo dispositivo prevê que é vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações dessa natureza.

De acordo com as lições do Professor Matheus Carvalho, “a ação de improbidade é uma ação civil que visa punir os agentes públicos e particulares que atuem em colaboração, ou se beneficiando da atuação do agente, por atos de improbidade”.[13]

Já segundo Carvalho Filho, “ a ação de improbidade administrativa é aquela em que se pretende o reconhecimento judicial de condutas de improbidade na Administração, perpetradas por administradores públicos e terceiros, e a consequente aplicação das sanções legais, com o escopo de preservar o princípio da moralidade administrativa”. Em conclusão, expõe o mesmo doutrinador que a ação de improbidade, “sem dúvida, cuida-se de poderoso instrumento de controle judicial sobre atos que a lei caracteriza como de improbidade”.[14]

Sobre a natureza jurídica da ação de improbidade administrativa, cabe aqui ressaltar que, atualmente, vem se firmando o entendimento que esta ação possui natureza de ação civil pública, motivo pelo qual, é aplicada, subsidiariamente, a Lei 7.347/1985 (Lei de Ação Civil Pública), desde que não haja contrariedade com os dispositivos expressos da Lei 8.429/1992.

3.2 DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO

Inicialmente deve-se mencionar que o procedimento da ação de improbidade administrativa é o especial de jurisdição contenciosa, previsto na lei que disciplina a ação civil pública (Lei 7.374/1985), devendo ser aplicadas as regras inseridas no artigo 17 da Lei 8.429/1992, que estabelecem particularidades.

Quanto à competência para julgamento da ação de improbidade administrativa, tem-se que a mesma deverá ser proposta em juízo singular (primeiro grau), com jurisdição na sede da lesão. A ação será distribuída perante a Justiça Federal caso haja interesse da União, autarquias ou empresas públicas federais, devendo, nos demais casos, a ação ser proposta perante a Justiça Estadual.

Com efeito, levando em consideração a natureza civil das sanções aplicadas, não existe a prerrogativa de foro para a propositura da ação, não sendo possível a utilização da competência constitucional para as ações penais movidas em face de agentes públicos.

No entanto, questão polêmica adveio com a Lei 10.628/2002 que, inserindo o §2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal[15], estabeleceu o foro especial de prerrogativa de função, concebendo que a ação de improbidade administrativa deveria ser proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade no caso de prerrogativa de foro em razão do exercício da função pública.

Diante da situação esposada, o Supremo Tribunal Federal declarou, na ADI 2797, a inconstitucionalidade do dispositivo em comento, sob o argumento de que cabe exclusivamente à Constituição Federal a criação de foro especial de prerrogativa de função.

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Ademais, como bem colocado pelo Professor Dirley da Cunha Júnior a dicção de tal dispositivo “viola o princípio constitucional do juiz natural, posto que a competência por prerrogativa de função existe apenas para proteger a função pública e não a pessoa que a exerce ou a exerceu. Tem-se na espécie, uma lei que destina um privilégio inaceitável, não admitido pela Carta Política”.[16]

Proposta a ação de improbidade no foro competente, deverá ser aplicado o artigo 17 da Lei 8.429/1992, que prevê a notificação do acusado para apresentação de defesa prévia no prazo de 15 dias. Dentro do aludido prazo, o acusado deverá persuadir o juiz acerca do deferimento ou não da petição inicial, considerando a inadequação da via eleita, a improcedência da ação ou, ainda a inexistência do ato de improbidade.

Recebida a petição inicial, o Réu será citado para apresentar contestação. Da decisão que receber a petição inicial caberá agravo de instrumento (art. 17, §10).

Como regra, o juiz deve receber a petição inicial, bastando apenas que o fato se enquadre em um dos tipos insertos na Lei 8.429/1992 e que haja indícios suficientes que fundamentem a prática do ato de improbidade. Presentes tais pressupostos, deve o juiz proceder com a fase instrutória.

Após a fase de instrução processual, o juiz proferirá a sentença. Ressalte-se que, em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem exame do mérito.

3.3 CONCOMITÂNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS

É cediço que as instâncias civil, penal e administrativa são independentes e que determinado ato de improbidade pode ser sancionado nas três instâncias. Dito isso, faz importante saber que as sanções para improbidade administrativa dispostas da Lei 8.429/1992 possuem natureza civil, fato que não impede a apuração da responsabilidade na esfera administrativa e também na esfera penal.

Conforme esposado no tópico 3.4 do presente trabalho, o § 4 do artigo 37 da Constituição Federal preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Da leitura do dispositivo mencionado infere-se que um ato de improbidade administrativa pode corresponder a um ilícito penal, caso possa ser enquadrado em tipo definido no Código Penal ou em sua legislação complementar.

Nestes termos, fica claro que não há impedimento que haja a instauração simultânea de processos nas instancias penal, administrativa e civil. A primeira instância irá cuidar de apurar o ilícito penal segundo as normas do Código de Processo Penal; a segunda vai apurar o ilícito administrativo segundo as normas dispostas no respectivo estatuto funcional; e a terceira vai aplicar as disposições contidas na Lei 8.429/1992.

Havendo a instauração simultânea de processos, em mais de uma esfera, deverá ser observada a comunicabilidade entre as instâncias.

A regra fundamental sobre a matéria está inserta no artigo 935 do Código Civil.[17] De acordo com esse dispositivo, quando uma questão se achar decidida no juízo criminal, no que toca a existência do fato ou quem se seja o autor, esses termos não poderão ser mais questionados.

Comungando com os termos do mencionado artigo, o artigo 126 da Lei 8.112/1990, determina que “ a responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou da sua autoria.

Por sua vez, o artigo 65 do Código de Processo Penal determina que “faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito”. E, o artigo 66 do mesmo digesto estabelece que “não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não estiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato. ”

4 O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVAO

4.1 CONCEITO DE DELAÇÃO PREMIADA

 

Delatar, em termos claros, significa incriminar, denunciar ou acusar. Do ponto de vista processual, somente tem sentido em falar de delação, quando alguém, assumindo a prática delituosa, revela que outra pessoa também o ajudou.

Em que pese o tema central do presente trabalho vincule-se, especificamente, ao instituto da delação premiada, faz-se necessário situá-lo dentro do que vem se convencionando chamar de colaboração premiada.

De acordo com Professor Renato Brasileiro, faz-se necessária a distinção entre delação premiada e colaboração premiada, sendo a primeira espécie da segunda.[18]

Neste contexto, Vladimir Aras[19] aponta a existência de quatro subespécies de colaboração premiada, sendo elas: delação premiada (chamamento corréu), colaboração para libertação, colaboração para localização e recuperação de ativos e colaboração preventiva.

Por delação premiada, Nucci entende que a mesma nada mais é do que uma:

[...] denúncia que tem como objeto narrar às autoridades o cometimento de delito e, quando existentes, os coatores e partícipes, com ou sem resultado concreto, conforme o caso, recebendo, em troca, do Estado, um benefício qualquer, consistente em diminuição de pena ou, até mesmo, um perdão judicial.[20]

 

Já Brasileiro, de forma mais técnica, conceitua o instituto como:

Espécie do direito premial, a colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de investigação por meio do qual o coator e/ou partícipe da infração penal, além de confessar o seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos da lei, recendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.[21]

 

Assim sendo, em outras palavras, ocorrerá a delação premiada quando um réu, ao ser inquirido, não só admitir a prática de um ato delituoso, mas também imputar sua autoria a uma outra pessoa ou a diversas pessoas. Nesse interim, conclui-se que a confissão do fato delituoso é um pressuposto da delação premiada; do contrário, haveria apenas um simples testemunho.

A delação passa a ser premiada, conforme dito em linhas anteriores, quando a mesma é incentivada pelo legislador, por meio de um prêmio conferidor ao acusado delator, na forma de benefícios processuais ou penais (redução da pena, perdão judicial, fixação de regime prisional mais brando, isenção de processo).

Em suma, a delação premiada é um instituto do Direito Penal que confere benesses ao réu que colabora com Estado na persecução penal, propiciando a aplicação da justiça.

Sob o ponto de vista da ética e da moral, parte da doutrina posiciona-se veementemente contra o instituto da delação premiada. Tal fatia doutrinária considera a delação premiada como verdadeira extorsão premiada.[22]

Neste sentido, expõe Silva Franco:

A delação premiada, qualquer que seja o nome que se lhe dê, e quaisquer que sejam as consequências de seu reconhecimento, continua a ser indefensável, do ponto de vista ético, pois se trata da consagração legal da traição, que rotula, de forma definitiva, o papel do delator. Nem, em verdade, fica ele livre em nosso País, do destino trágico que lhe é reservado – quase sempre a morte pela traição – pois as verbas orçamentárias reservadas para dar-lhe proteção são escassas e contingenciadas.[23]

 

Seguindo esta mesma linha de raciocínio, posiciona-se Natália Oliveira de Carvalho:

Lastreada num critério puramente pragmático, tomando o investigado como fonte preferencial da prova, a institucionalização da delação ampara-se numa relação entre custo e benefício em que somente são valoradas as vantagens advindas para o Estado com a cessação da atividade criminosa, pouco importando as consequências que esta prática possa ter em nosso sistema jurídico, fundado na dignidade da pessoa humana. Ao preconizar a tomada de uma postura infame (trair) pode ser vantajosa para quem a pratica, Estado premia a falta de caráter do codelinquente, convertendo-se em autêntico incentivador de antivalores ínsitos à ordem social. [...] Não se pode, em definitivo, tolerar, em nome da segurança pública – “falida” devido à inoperância social do poder – a edição maciça de diplomas legais repressivos, os quais, pautados na retórica da eficiência, rompem com os preceitos de ordem constitucional democrática estabelecida.[24]

 

Adotando uma postura não tão radical, Nucci, ao comentar o §4.º do art. 159 do Código Penal, pondera que a delação premiada seja um:

[..] ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade.[25]

 

Em que pese, sob certo aspecto, a presença no ordenamento jurídico da delação premiada represente o reconhecimento, por parte do Estado, da sua ineficiência em solucionar, por si só, todos os delitos praticados, entendemos não haver qualquer violação à ética ou à moral, pois parece ser contraditório a sustentação da tese da existência de uma ética criminosa.

Corroborando com a ideia que inexiste violação à ética ou à moral quando da utilização do instituto da delação premiada, posicionou o juiz Sergio Moro em brilhante trabalho sobre a Operação Mãos Limpas:

Sobre a delação premiada não se está traindo a pátria ou alguma espécie de “resistência francesa”. Um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio.[26]

 

Sem embargo de opinião, a despeito da delação premiada tratar-se de verdadeira traição institucionalizada, não se deve perder de vista que a mesma se trata de um instituto de capital importância no combate à criminalidade, uma vez que se presta a romper com o silencio mafioso, além de beneficiar o colaborador.[27]

4.2 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DO INSTITUTO

Não é de hoje, que a humanidade é açoitada pela traição entre os seres humanos. A história mundial aponta célebres relatos de traição, sendo o episódio mais amplamente divulgado aquele em que o apóstolo Judas Iscariotes vende nosso Senhor Jesus Cristo pelas trinta moedas de ouro. No Brasil, o cenário não é diferente, a história nacional também aponta diversos episódios de traição, dentre eles o de Joaquim Silvério dos Reis que denunciou Tiradentes, fato que levou este último à forca.

Com o passar dos anos, mais especificamente com incremento da criminalidade, os ordenamentos jurídicos passaram a prever a possibilidade de premiar a traição: daí surgiu a colaboração premiada.

A origem histórica do instituto da delação premiada não é recente. A delação foi francamente utilizada nos Estados Unidos (plea bargain) durante o tempo marcado pelo acirramento da batalha contra o crime organizado, bem como na Itália. Em ambos os países a colaboração premiada nasceu da necessidade de se combater o terrorismo e também o crime organizado.[28]

Na Itália, o pentitismo (arrependimento) tornou-se consagrado, na década de 90, no contexto da Operação Mãos Limpas (mani pulite) que é apontada como uma autêntica cruzada judiciária contra a corrupção política e administrativa.

A Operação Mãos Limpas compôs o ápice da história contemporânea do Judiciário. Tal ação judiciária comprovou que a vida política e administrativa de Milão, e da própria Itália, encontrava-se afundada na corrupção, com o pagamento de propinas para a outorga de todo contrato público.[29]

Não obstante pelos seus sucessos e fracassos identificados, a Operação Mani Pulite produziu efeitos incisivos na vida institucional do país, redesenhando, assim, o quadro político da Itália.

Sobre a estratégia adotada na Operação Mani Pulite, esclarece o Juiz Sérgio Moro:

A estratégia da ação adotada pelos magistrados incentivava os investigados a colaborar com a Justiça: A estratégia de investigação adotada desde o início do inquérito submetia os suspeitos à pressão de tomar decisão quanto a confessar, espalhando a suspeita de que outros já teriam confessado e levantando a perspectiva na prisão pelo menos pelo período da custódia preventiva no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata [...] Para um prisioneiro, a confissão pode aparentar a decisão mais conveniente quando outros acusados em potencial já confessaram ou quando ele desconhece o que os outros fizeram e for do seu interesse precede-los. Isolamento na prisão era necessário para prevenir que suspeitos soubessem da confissão de outros: dessa forma acordo da espécie “eu não vou falar se você também não”, não eram mais uma possibilidade.[30]

 

Na esfera pátria, de modo distinto do que ocorreu em outros países, a colaboração premiada nasceu do reconhecimento da ineficácia dos métodos tradicionais de investigação.

Os legisladores pátrios atentos à necessidade de colaboração para a obtenção de informações relevantes na persecução penal, e também impelidos pelos meios de comunicação e também pela opinião pública, editaram uma gama de leis mais duras.

Verifica-se que o referido instituto fora introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, no ano de 1990, quando da edição da Lei 8.072, a chamada Lei dos Crimes Hediondos.

Após essa introdução, seguiu-se a edição de outros diplomas legais que preveem a possibilidade da utilização da delação premiada.

Fazendo-se uma análise do repertório legal que abarca tal instituo tem-se que, em mais ou menos duas décadas, houve o surgimento de sete leis que trataram da delação premiada, alguma delas, inclusive, fazendo alterar diplomas legislativos preexistentes, incluindo entre eles o Código Penal. [31]

4.3 PREVISÃO NORMATIVA

Diferentemente dos Estados Unidos e da Itália que instituiu a delação premiada como forma de combater o terrorismo e o crime organizado, no Brasil tal instituto fora implementado devido ao incremento da criminalidade.

Conforme asseverado no tópico anterior, a partir da década de 90, reconhecendo explicitamente a ineficácia dos métodos tradicionais de investigação, e consequentemente, da necessidade da delação premiada, o legislador pátrio, em atenção, principalmente, à opinião pública passou a editar uma gama de leis penais mais severas. As referidas leis dispunham sobre a colaboração premiada, variando apenas o seu objetivo, bem como os benefícios concedidos ao colaborador.

A primeira Lei que cuidou da delação premiada foi a Lei 8.072/1990, Lei dos Crimes Hediondos, cujo artigo 8º, parágrafo único, ainda hoje vigente e válido, dispôs que “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços”. A referida lei determinou, também, a inclusão do §4 ao artigo 159 do Código Penal, que passou a dispor: “Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o coautor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.”

Também existia previsão legal da delação premiada na Lei que tratava sobre a utilização dos meios para prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas (revogada Lei 9.034/1995, art. 6º, caput), que assim dispunha: “nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de 1(um) a 2/3(dois terços), quando a colaboração espontânea de agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”.

Seguindo a linha cronológica da edição de leis que versam sobre o tema em voga, foi editada a Lei 9.080/1995, cujos artigos 1º e 2º introduziram modificações na Lei que define os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/1986) e no diploma legal que define os crimes contra a ordem tributária econômica e contra as relações de consumo (Lei 8.137/1990).

Com vigência a partir de 4 de março de 1998, também consta na Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/1998), no seu artigo 1º, §5º, a possibilidade da utilização do instituto da delação premiada.

No mesmo sentido, a nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006, art. 41, caput) prevê que “o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal da identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços”.

Por fim, também há previsão da delação premiada na Lei que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei  nº 12.529/2011, com vigência a partir de 29 de maio de 2012.

4.4 NATUREZA JURÍDICA DA DELAÇÃO PREMIADA

Questão bastante intricada diz respeito à natureza jurídica do instituto da delação premiada. A divergência doutrinária gira em torno da classificação da delação como fonte de prova, como meio de prova ou como meio de obtenção de prova.

Consoante as lições de Renato Brasileiro, a expressão fonte de prova é utilizada “ para designar as pessoas ou coisas das quais se consegue a prova. Cometido fato delituoso, tudo aquilo que possa servir para esclarecer alguém acerca da existência desse fato pode ser conceituada como fontes de prova. ”[32]

Já no que diz respeito ao conceito de meios de prova, nas palavras de Nestor Távora, os mesmos “são os recursos de percepção da verdade e formação do convencimento. É tudo aquilo que pode ser utilizado, direta ou indiretamente, para demonstrar o que se alega no processo”[33]. Trocando em miúdos, meios de prova são os mecanismos pelos quais as fontes de provas são dirigidas ao processo, produzindo resultados probatórios que podem ser utilizados na decisão judicial.

Por sua vez, meio de obtenção de prova, seria o mecanismo processual que permite o acesso à fonte de prova ou a meio de prova. As medidas de busca e apreensão, interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário ou fiscal são exemplos de meios de obtenção de prova. A principal característica do meio de obtenção de prova é a sua instrumentalidade.[34]

Especificamente no que diz respeito à natureza jurídica do instituto em voga, Jaques de Camargo entende que a delação premiada é um meio de prova, corporificando-se no processo através do interrogatório.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, posiciona-se Natália Oliveira Carvalho[35] também no sentindo da delação premiada ser um meio de prova. A referida autora classifica a natureza da delação premiada de tal forma por considerar que os meios de prova não estão taxativamente dispostos no Código de Processo Penal, fato que possibilitaria o encaixe deste instituto nesta seara.

Com a devida vênia aos posicionamentos supramencionados, há que se perceber que não é tão simples sustentar a premissa da natureza jurídica da delação premiada ser de meio de prova.

Conforme dito alhures, a delação premiada é materializada no processo através do interrogatório; levando-se em consideração que o interrogatório, em si, possui natureza jurídica específica de meio de defesa, não há como se sustentar que tal instituto, simultaneamente, seja um meio de prova.

Quanto a considerar a delação premiada como meio de obtenção de prova, parece ser o enquadramento que melhor se integra com os fins a que ela se destina.

A delação por si só é neutra, o que preserva nexo com o conceito de meio de obtenção de prova e poderá, a depender do resultado, advindo das palavras do imputado, contribuir para a atividade estatal.

De outro turno, levando em consideração que do ato de delação não advenha qualquer resultado processual, tal fato, ainda assim, faz conservar a natureza do instituto como meio de obtenção de prova.

Foi neste mesmo sentido que se posicionou Brasileiro:

A colaboração premiada funciona como importante técnica especial de investigação, enfim, um meio de obtenção de prova. Por força dela, o investigado (ou acusado) presta auxílio aos órgãos oficiais de persecução penal na obtenção de fontes materiais de prova. Por exemplo, se o acusado resolve colaborar com as investigações em um crime de lavagem de capitais, contribuindo para localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime, e se essas informações efetivamente levam à apreensão ou sequestro de tais bens, a colaboração terá funcionado como meio de obtenção, e a apreensão como meio de prova.[36].

 

Nestes termos, conclui-se que a natureza jurídica do instituto da delação premiada se adequa de forma mais plausível como meio de obtenção de provas.

4.5 A EFICÁCIA OBJETIVA DA DELAÇÃO PREMIADA

Conforme já afirmado em outras oportunidades no bojo do presente trabalho, para que o agente colaborador faça jus as benesses penais e processuais penais possibilitadas pelo instituto da delação, faz-se imperioso verificar a relevância e a eficácia objetiva das declarações prestadas.

Destes termos, infere-se que a mera confissão não possui o condão de conferir a benesse legalmente estabelecida. Para que seja possível a obtenção de qualquer prêmio por força da colaboração prestada, o órgão responsável pela persecução penal deve ter obtido algum resultado prático objetivo.

Corroborando com o quanto sustentado, vale colacionar recente julgado do Superior Tribunal de Justiça que negou a concessão do perdão judicial ao colaborador devido ao fato das declarações prestadas não terem se revestido de imprescindibilidade:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DELAÇÃO PREMIADA. AUSÊNCIA DE EFETIVA COLABORAÇÃO DO ACUSADO. PERDÃOJUDICIAL. ART. 35-B DA LEI N. 8.884/94. ART. 13 DA LEI N. 9.807/99.VAZIO NORMATIVO. AUSÊNCIA DE PONTO DE COINCIDÊNCIA. ANALOGIA. INVIABILIDADE. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ARESTO PARADIGMA. MESMO TRIBUNAL DE ORIGEM.SOLUÇÃO IDÊNTICA. NÃO CONHECIMENTO.

1. A colaboração efetiva é imprescindível para a concessão do perdão judicial, ainda que sob o jugo da legislação apontada pelo recorrente como de aplicação analógica na espécie (art. 35-B da Lei n. 8.884/94), vigente à época dos fatos.

2. Por outro lado, a aplicação da benesse, segundo a Lei de Proteção à Testemunha - que expandiu a incidência do instituto para todos os delitos - é ainda mais rigorosa, porquanto a condiciona à efetividade do depoimento, sem descurar da personalidade do agente e da lesividade do fato praticado, a teor do que dispõe o parágrafo único do art. 13 da Lei n. 9.807/99.

3. A Corte de origem, a partir da análise dos elementos probatórios da demanda, concluiu que a colaboração do delator foi prescindível para a elucidação do ato de improbidade, pois a condenação "seria alcançada com a documentação oriunda do Tribunal de Contas do Distrito Federal, mesmo que não houvesse confissão do apelante." (e-STJ fl. 1147). Essa constatação consignada no acórdão recorrido, além de não ter sido impugnada no apelo especial, não poderia ser modificada na instância extraordinária por envolver reexame de provas, o que atrai os óbices das Súmulas 7/STJ e 283/STF.

4. O aresto trazido como paradigma provém do mesmo Tribunal em que prolatado o acórdão hostilizado, o que não caracteriza dissídio pretoriano para o fim de cabimento do apelo nobre pela alínea "c" do permissivo constitucional. Precedentes.

5. Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial 1477982/DF, Segunda Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Min OG Fernandes, Julgado em 14/04/2015, grifo nosso)

 

 

Dizendo de outra forma, o que se pretende demonstrar no presente tópico é que para que haja a concessão do prêmio, existe a necessidade do colaborador ter prestado seu depoimento de maneira fidedigna sobre todos os fatos que tinha conhecimento. Ou seja, deverá haver uma consequência concreta advinda diretamente das informações prestadas.

4.6 O ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA

Em um passado recente, não havia no ordenamento jurídico brasileiro nenhum dispositivo legal que tratasse expressamente do acordo de colaboração premiada. Por consequência, a delação premiada era realizada de maneira informal com o investigado, que passava a ter, apenas, mera expectativa de premiação, caso as informações prestadas fossem eficazes para o deslinde da situação.

Em que pese ter pairado, até então, o silêncio legal sobre a matéria em foco, diversos acordos passaram a ser travados entre o Ministério Público e os acusados sempre na presença da defesa técnica. [37]

Para tanto, era utilizado como fundamento o artigo 129, inciso I, da Constituição Federal bem como os artigos 13 a 15 da Lei 9.807/1999[38], sem contar as leis especificas que tratavam do crime cometido em particular.[39] 

No que tange ao procedimento adotado para a pactuação desse acordo, tem-se que o mesmo fora construído através do direito comparado, de regras do direito internacional (Convenção de Mérida e Convenção de Palermo) e da aplicação analógica de institutos similares, como, por exemplo, a transação penal.

Em que pese a existência formal desse acordo não seja condição que garanta, de forma inconteste, a concessão dos prêmios legais decorrentes da colaboração, sua celebração mostra-se de fundamental importância, inclusive para acautelar a segurança das garantias conferidas ao acusado.

Foram nestes termos, que o legislador, atento à importância do referido acordo, dispôs expressamente sobre o assunto através da Lei 12.850/2013.

Consoante o artigo 6º da Lei supramencionada, o acordo deverá ser travado por escrito e deverá conter o relato da colaboração e seus possíveis resultados, as condições da proposta do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, a declaração de aceitação do colaborador e seu defensor, as assinaturas do representante do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, bem como a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

No que toca à legitimidade para a celebração do acordo de delação premiada, tal matéria é tratada por dois dispositivos da Lei. 12.850/2013: os §2 e §6 do art. 4º.

O § 2 do artigo 4º da mencionada lei, dispõe que o Ministério Público, a qualquer tempo, e o Delegado de Polícia, nos autos do inquérito policial, com manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 CPP.

Consoante o §6 do artigo 4º, o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o Delegado de Polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso entre o Ministério Público e o investigado ou o acusado e seu defensor.

No que toca à participação do Delegado de Polícia no acordo de delação premiada, cabe aqui pontuar que a mesma se restringe à sugestão ao investigado da possibilidade de celebração do acordo. Saliente-se que a premissa da mera sugestão não confere ao Delegado a legitimação ativa para firmar acordo alicerçados em uma simples manifestação do Ministério Público, vez que esta simples manifestação não possui o condão de validar o acordo firmado exclusivamente pela autoridade policial. [40]

Consolidada a premissa que a autoridade policial não possui legitimidade ativa, por si só, para celebrar um acordo de delação premiada, admite-se que o Parquet é o detentor exclusivo da legitimidade ativa para celebração do acordo, durante as investigações e também no curso do processo judicial.

Outro ponto de relevância que, necessariamente, precisa ser ventilado quanto ao acordo de delação premiada diz respeito à possibilidade de retratação do mesmo.

Conforme visto em tópicos anteriores, só há como se falar na existência de um acordo quando se é possível verificar a convergência de vontades. Em particular, no caso da delação premiada, o Estado tem interesse em informações que só podem ser fornecidas por um dos coautores ou partícipes do fato delituoso, enquanto que os colaboradores possuem interesse nas benesses previstas em lei.

Por consequência, tomando por base a própria ideia do que seja um acordo, tem-se que antes da homologação do acordo pela autoridade judiciária é perfeitamente viável que as partes resolvam se retratar da proposta realizada, nos termos do artigo 4º, §10, da Lei 12.850/13.

Ainda sobre o acordo de delação premiada, cumpre afirmar que o mesmo não precisa ser firmado, necessariamente, até o encerramento da instrução probatória, em juízo, não se podendo afastar a possibilidade de se firmar o acordo mesmo após o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.

4.7 A APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

No que concerne aos crimes contra a Administração Pública tem-se que, ao lado dos apetrechos punitivos do direito penal, o Estado possui, ao seu dispor, a Lei nº 8.429/1992, que garante a punição aos executores de atos de improbidade administrativa.

Conforme já definido, a ação de improbidade é uma ação civil que visa punir os agentes públicos e particulares que atuam em colaboração, ou se beneficiando da atuação do agente, por atos de improbidade.

Quanto à regência, a ação de improbidade administrativa é orientada pelo processo civil, possuindo uma tramitação assemelhada com processualística penal. Nesta senda, tal ação guarda muitos pontos em comum com o rito de instrução dos processos que versam sobre crimes cometidos por agentes públicos.

Ao se estabelecer um quadro comparativo entre os ilícitos penais e os ditos ilícitos administrativos, há que se perceber que existe similaridade em termos de conduta e suas consequências, de seus sujeitos ativos e passivos, além de não ser inusitado a tutela de idênticos bens jurídicos. No entanto, faz-se imperioso observar que, em que pese a sanção em um e em outro ter a mesma finalidade, há divergência quanto ao foco de incidência.[41]

Como conceitua Osório,:

a sanção administrativa consiste em um mal ou castigo, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pública, considerada materialmente, pelo Poder Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado(r), agente público, indivíduo ou pessoa jurídica, expostos ou não a relações especiais de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora, ou disciplinar, no âmbito formal ou material do direito administrativo.[42]

 

Superado esse ponto, cabe aqui consignar que, embora a lei de improbidade Administrativa deva ser considerada um exímio instrumento coibidor da corrupção, a mesma esbarra em constantes óbices durante o seu percorrer investigatório, fato que reflete na efetividade da punição do infrator e, consequentemente, ocasiona resultados considerados aquém dos esperados pela sociedade.

Sobre as dificuldades investigatórias existentes no trâmite processual da Ação de Improbidade Administrativa, colocou-se Faria:

Os atos de improbidade muitas vezes envolvem organizações criminosas ou uma cadeia de agentes com características piramidais (mentores da fraude no topo e muitos subordinados na base da pirâmide). Dessa forma, são vários os envolvidos, principalmente na base das fraudes administrativas, ficando os principais autores impunes ante a ausência de provas e a impossibilidade de obtenção de confissões importantes acerca das práticas ímprobas ocorridas em determinado caso concreto.[43]

 

Ainda no sentido de demonstrar as dificuldades investigatórias, mostra-se elucidativo colacionar posicionamento do juiz Sérgio Moro:

Registre-se que crimes contra a administração pública são cometido às ocultas e, na maioria das vezes, com artifícios complexos, sendo difícil desvela-los sem a colaboração de um dos participantes. Conforme Piercamilo Davigno, um dos membros da equipe milanesa da operação mani pulite: A corrupção envolve quem paga e quem recebe. Se eles se calarem, não vamos descobrir jamais.[44]

 

Neste cenário de dificuldade na obtenção de lastro probatório suficiente para embasar o deslinde do caso posto em evidência, nasceu a discussão acerca da aplicabilidade do instituto da delação premiada na Ação de Improbidade Administrativa.

Sobre o tema em foco, insta salientar que não existe uma definição jurisprudencial nem doutrinária solidificada.

Conforme analisado, o instituto da delação premiada ocorre quando o acusado argui a autoria do crime a um terceiro, municiando as autoridades competentes de informações necessárias a respeito das práticas delituosas promovidas, permitindo, assim, o deslinde do caso posto e também a concessão de benesses ao colaborador que poderá ter a sua pena reduzida ou, até mesmo, auferir o perdão judicial.

Apesar de bastante criticada por parte da doutrina, o instituto da delação premiada encontra-se em absoluto desenvolvimento, em termos de aplicabilidade, na esfera do direito penal. No entanto, dúvidas restam em saber se o referido instituto possui plena eficácia e aplicação no bojo de uma ação civil de improbidade administrativa, vez que vozes doutrinárias sustentam que na Ação de Improbidade Administrativa não há espaço para a transação, acordo ou conciliação, posição adotada embasada na inteligência do § 1º, do artigo 17, da Lei 8.429/1992[45].

Conforme já dito em linhas anteriores, existem grandes similitudes entre os ilícitos penais e os ilícitos administrativos.

Considerando que para os ilícitos penais existe a possibilidade de atenuação da pena através da confissão espontânea, não se mostra razoável aplicar uma penalidade, vista do prisma administrativo, sem que haja a possibilidade de a colaboração efetivamente prestada pelo acusado reverberar na dosimetria da pena a ser aplicada.

Sobre a delação premiada e seus efeitos nos feitos que versem sobre improbidade administrativa, posicionou-se a promotora de justiça Karina Cherubini:

Se a confissão nos processos cíveis, especificamente nos feitos de improbidade administrativa, fosse reconhecida como atenuante da sanção e mais, se fosse estendido a esse tipo de feito os demais benefícios da delação premiada, haveria um avanço na instrução do inquérito civil e na própria instrução processual, obtendo-se peças de um quebra-cabeça que, de outra forma, pode seguir incompleto, mesmo que se obtenha um deslinde condenatório.[46]

 

Sedimentada a posição que a delação premiada possui inconteste papel na adequada instrução processual da Ação de Improbidade Administrativa, cabe aqui colocar que não se vislumbra qualquer empecilho legal na aplicação da delação premiada nos casos de improbidade administrativa.

Como é cediço, a lei de improbidade administrativa garante a aplicação de sanções civis. No entanto, embora a lei preveja sanções de tal natureza, e também vede, expressamente, a transação ou conciliação nas ações respectivas, a aplicabilidade da delação não se mostra prejudicada ante a possibilidade da aplicação da analogia

O artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro preceitua que quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.

Sobre a analogia, posiciona-se Dinamarco:

Consiste a analogia em resolver um caso não previsto em lei, mediante a utilização de regra jurídica relativa a hipótese semelhante. Fundamenta-se o método analógico na ideia de que, num ordenamento jurídico, a coerência leva à formulação de regras idênticas onde se verifica a identidade da razão jurídica: ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio. Distingue-se a interpretação extensiva da analogia, no sentido de que a primeira é extensiva do significado textual da norma e a última é extensiva da intenção do legislador, isto é, da própria disposição.[47]

 

No que toca a aplicação da analogia com fundamento no princípio da igualdade jurídica, tem-se que, de forma geral, os doutrinadores a aceitam de forma harmoniosa. No entanto, de forma acertada pontua o autor Maximiliano a existência de duas hipóteses que inviabiliza a aplicação da lei através da analogia: nos casos da lei de natureza criminal, bem como no caso de direito singular.[48]

Levando em consideração que a Lei 8.429/1992 não versa sobre direito singular ou excepcional, tampouco que a Ação de Improbidade possui natureza penal, dúvidas não restam que inexiste qualquer óbice na aplicabilidade do instituto da delação premiada em ações dessa natureza.

Mas não é só.

A extensão da aplicabilidade do instituto da delação premiada à Ação de Improbidade Administrativa pode ser, também, justificada sob o prisma da ética utilitarista.

Revisitando o que fora sustentado em linhas anteriores, em determinadas situações, tão somente com a colaboração de agentes que já fizeram parte dos atos rotulados como ímprobos é que será viável aclarar a conduta de cada um dos sujeitos envolvidos e o prejuízo causado. E para isso, a legislação pátria permite que seja travado acordo de delação premiada como instrumento que, mesmo tendo efeito de conferir a exclusão da punibilidade para o acusado, estimula o colaborador a ajudar no deslinde da situação. É justamente esse o ponto que a ética utilitarista busca robustecer.

A denominada ética utilitarista ou ética consenquencialista, leva em consideração os efeitos reais produzidos, qualificando-os com base na utilidade. De acordo com esse prisma, o maior valor ético deve fundamentar-se em buscar o maior bem possível para o maior número de pessoas, ou, em outros termos, já que não se pode favorecer a todos, que se favoreça o maior número realizável. [49]

Nestes termos, posicionou-se Cherubini:

[...]uma ação é tanto melhor quanto mais positivas forem as consequências para o agente moral e para o maior número de pessoas, onde se busca a maximização dos benefícios e minimização dos prejuízos, importa questionar se, para a sociedade, não é mais vantajoso premiar um colaborador ou fazer o uso negociado da confissão do que deixar de punir, por falta de provas, os demais infratores. Ao não se admitir a delação premiada na seara de improbidade administrativa, retrai-se a intenção de colaboração do agente público ou do terceiro e não se obtêm dados que somente seriam conhecidos com o completo esclarecimento do esquema da organização. Deixa-se, por vezes, de tutelar bem jurídico importante, como a moralidade administrativa, para garantir a impunidade de outros participantes. E impunidade para quem desvia dinheiro público significa menos escolas, menos saúde, menos infraestrutura viária, menos infraestrutura elétrica, menos cultura, menos saneamento básico, impedindo, em última análise, o desenvolvimento do país.[50]

 

Por fim, aliado aos outros argumentos anteriormente esposados, sustentamos ainda a aplicabilidade do instituto da delação premiada nas Ações de Improbidade Administrativa com base na observância dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.

Conforme dito, o trâmite investigatório de uma Ação de Improbidade Administrativa muitas vezes se esbarra em óbices, fato que impõe a atuação de acusado colaborador para o desenrolar da intricada situação e sucesso no deslinde do caso e também na efetividade da punição dos infratores.

Levando em consideração que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade impõe, na tomada da decisão do agente público, a adoção de meios coerentes para se atingir meios adequados, não se mostra plausível que a efetiva colaboração do agente não influa na dosimetria da sua pena.

Neste sentido, vale colacionar a jurisprudência do Egrégio. TJDFT:

“[...] 11. Ainda que o instituto da delação premiada não se destine ao caso dos autos, em que se discute a improbidade administrativa cometida pelo réu, que é de natureza cível, política e administrativa, não resta dúvida que o magistrado poderá levar em conta a colaboração do réu para a fixação das penalidades previstas na Lei nº 8.429/92.

12. Neste aspecto, correto o posicionamento do juiz a quo que, atento aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, fixou as penalidades do apelante em patamar inferior às dos demais réus.

13. Apelos improvidos.” (Acórdão n.694786, 20050111347466APC, Relator: JOÃO EGMONT, Revisor: Luciano Moreira Vasconcellos, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 12/06/2013, Publicado no DJE: 22/07/2013. Pág.: 171)

 

Assim, diante da patente dificuldade investigatória existente no desenrolar do trâmite processual das ações de improbidade, aliada a ausência de qualquer empecilho legal na sua aplicabilidade, a delação premiada mostra-se instrumento legítimo e necessário à desarticulação de organizações criminosas instaladas na democracia contemporânea.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A corrupção é uma constante no cenário nacional. Diariamente a nação é açoitada por notícias de desmandos ocorridos no seio da Administração Pública, que faz com que a sociedade tenha a sensação que a corrupção e a impunidade jamais terão fim.

É inegável que as autoridades competentes tentam, muitas vezes, apurar os atos classificados como ímprobos penalizando os infratores e também aqueles que de alguma forma colaboraram na ação delituosa.

No entanto, não se pode perder de vista que para apurar e, consequentemente, apenar os responsáveis de forma pertinente faz-se necessário que os órgãos responsáveis pela persecução instruam de forma adequada a relação processual.

Nesse interim, faz-se imperioso chamar atenção que muitos dos delitos configuradores da improbidade administrativa são cometidos às ocultas e, na maioria das vezes, mediante a utilização de artifícios complexos, fato que mobiliza as investigações e deixa de produzir, a contento, os resultados práticos e objetivos que a sociedade almeja.

É neste contexto de carência probatória e de consequente mobilização investigativa, que se coloca como de relevância o instituto da delação premiada no bojo da Ação de Improbidade Administrativa.

É inconteste que se à confissão nos feitos de improbidade administrativa, fossem garantidos os benefícios da delação premiada, haveria um avanço na instrução processual, obtendo-se informações primordiais que, de outra forma, poderia seguir sem que houvesse um deslinde condenatório.

Em que pese vozes doutrinárias sustarem que o instituto da delação premiada não possua espaço na ação civil de improbidade administrativa, tal posição não pode prosperar. Primeiramente porque inexiste qualquer óbice legal que retire a possibilidade de aplicar o instituto em voga em ações civis e, também, porque faz-se necessário levar em consideração os efeitos reais a serem produzidos: o maior valor ético deve fundamentar-se em buscar o maior bem possível para o maior número de pessoas.

Dessa forma, não se mostra razoável aplicar uma penalidade, vista do prisma administrativo, sem que haja a possibilidade de a colaboração efetivamente prestada pelo acusado reverberar na dosimetria da pena a ser aplicada.

Faz-se imperioso reconhecer que a impunidade de quem desvia dinheiro público, ou cometa qualquer outro ilícito administrativo, muitas vezes importa em prejuízos concretos à sociedade, que afetam o desenvolvimento do país

Assim sendo, não se admitir a aplicabilidade da delação premiada na seara administrativa, significa, muitas vezes, deixar de tutelar bem jurídico primordial, como a moralidade administrativa, em garantia da impunidade.

Nesta senda, brilhantes foram as palavras do magistrado Sérgio Moro, que em meio a mais marcante investigação sobre corrupção ocorrida no Brasil, resumem o que o presente trabalho buscou sustentar: “ A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.

O que se busca demonstrar é que a sociedade não pode ser caprichosa ao ponto de não se valer de provas validamente produzidas por aqueles que vivem na intimidade da violação das leis.

 

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

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_____. Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados pelo meio ambiente, ao consumidor, a bens e valores de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico e dá outras providências. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2018. 

_____. Lei n. 8.112/1990, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2018. 

_____. Lei n. 8429, de 02 de junho de1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2018. 

______. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2018. 

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_____. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma.  Improbidade Administrativa. Caracterização. Recurso Especial 604.151/RS, Rel. Min José Delgado, j. 25.04.2006. Revista Eletrônica de Jurisprudência. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ Acesso em: 09/10/2018.

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[1] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo.17 ed. Atualizada por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2012, p.67.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.28 ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.46.

[3] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p.82-23.

[4] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 114.

[5] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. Salvador: Jus Podivm, 2014, p.68

[6] OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade dos Fiscalizadores. Revista IOB de Direito Administrativo, n 29, v. 3, maio, 2008, p.51.

[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1083.

[8]  DI PIETRO, op. cit., p.885.

[9] JUSTEN FILHO, op. cit., p. 1084.

[10] Neste sentido, mostra-se elucidativo colacionar parte do julgado proferido pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, em sede do Recurso Especial 841.421/MA, expõe que: “ A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade[..]”.

Ainda neste mesmo sentido, a mesma Turma do STJ, sob a relatoria do Ministro José Delgado, no bojo do Recurso Especial 604.151/RS julgou que: “Tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STJ associam a improbidade administrativa à noção de desonestidade, má-fé do agente público”.

[11] DI PIETRO, op. cit., p. 902.

[12] JUSTEN FILHO, op. cit., p. 1095.

[13] CARVALHO, op. cit., p. 903.

[14] CARVALHO FILHO, op. cit., p 1111.

[15] Assim dispõe o §2º o artigo 84 do Código de Processo Penal: A ação de improbidade, de que trata a lei 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no §1º.

[16] CUNHA JÚNIOR, op. cit., p.569.

[17]  O art. 935 do Código Civil assim dispõe: A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

[18] LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Comentada. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 514.

[19] ARAS, Vladimir. Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2011, p.427.

[20] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 12ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 395.

[21]  BRASILEIRO, op. cit., p. 513

[22] Ibid., p. 515.

[23] FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 221.

[24] CARVALHO, Natália Oliveira. A delação Premiada no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p.131.

[25] NUCCI, Guilherme de Souza.  Código Penal Comentado. 12.ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 825.

[26] MORO, Sérgio Fernando Moro. Considerações Sobre a Operação Mani Pulite. Revista CEJ, Brasília, n 26, jul./set., 2004, p. 58.

[27] BRASILEIRO, op. cit., p. 515.

[28] Ibid., p. 512.

[29] MORO, op. cit., p. 57.

[30] Ibid., p. 58

[31] SARCEDO, Leandro. A Delação Premiada e a Necessária Mitigação do Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, n 27, 2011, p. 195.

[32] BRASILEIRO, op. cit., p. 498.

[33] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 349.

[34] ESSADO, Tiago Cintra. Delação Premiada e Idoneidade Probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2013, p. 209.

[35] CARVALHO, op. cit., p.97

[36] BRASILEIRO, op. cit., p. 532.

[37] Art. 129, I, da Constituição Federal assim dispõe: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

[38] Apenas à guisa de orientação, a Lei 9.807/1999 estabelece normas sobre proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.

[39] BRASILEIRO, op. cit., p. 540.

[40] BRASILEIRO, op. cit., p. 542.

[41] CHERUBINI, Karina Gomes. A ampliação da delação premiada aos atos de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi. Teresina, ano 12, n. 1519, 2007, p. 1.

[42] OSORIO, Medina Fábio. Direito administrativo sancionador. 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 227.

[43] FARIA, Antonio Celso Campos de Oliveira. Colaboração premiada na Ação de Improbidade Administrativa, p. 1

[44] MORO, op.cit., p. 58

[45] Dicção do §1º, do artigo 17 da Lei 8429: Art. 17 - A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.”

[46] CHERUBINI, op. cit., p. 1.

[47] CINTRA, Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 105.

[48] CHERUBINI, op. cit., p. 1.

[49] CHERUBINI, op. cit., p. 1.

[50]Ibid., p.2.

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