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Responsabilidade civil do advogado

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Agenda 11/08/2005 às 00:00

          "Ser advogado significa haver renunciado a muitos sonhos e também haver sido esposado um alto encargo, pleno de grandes responsabilidades. O homem e o jurista constituem uma unidade inseparável e não há uma linha de fronteira entre aquele e o profissional; encontram-se sempre entrelaçadas a dignidade do homem e a responsabilidade da profissão na luta pelo direito, pois só esta é própria da advocacia."

COUTURE, Eduardo Jorge

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 O ADVOGADO E SUA FUNÇÃO SOCIAL. 2 OS DEVERES DO ADVOGADO. 3 RESPONSABILIDADE CIVIL. 3.1 Conceito de responsabilidade civil . 3.2 Teorias que fundamentam a responsabilidade civil. 3.2.1 Teoria subjetiva. 3.2.2 Teoria objetiva. 3.2.3 Teoria do resultado. 4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. CONCLUSÃO. OBRAS CONSULTADAS.


INTRODUÇÃO

          A advocacia é uma das mais antigas profissões. Ora enaltecida, ora execrada, nenhuma outra mostrou-se tão polêmica ao longo dos tempos, conforme a época e as circunstâncias.

          Na antiga Roma a advocacia foi respeitadíssima, elevada ao nível de múnus público, cumprindo, assim, o ofício de interesse social. Marco Túlio Cícero dizia ser a profissão do advogado, ‘nobre e régio labor’. Robespierre considerou-a como ‘o amparo da inocência e o açoite do crime’.

          Outras importantes personalidades históricas não sustentavam a mesma simpatia pelos advogados. Napoleão Bonaparte, no melhor estilo de sua formação militar e autoritária, dizia que ‘os juizes distorcem a lei e os advogados a matam.’ Frederico II, da Prússia, quis abolir a profissão de advogado de seu país, mas não conseguiu.

          São muitos os relatos sucintos sobre a advocacia face à atuação danosa dos causídicos inaptos ou desonestos.

          "Francisco Petrarca, célebre poeta medieval italiano, disse não pretender advogar para não seguir uma carreira que não deixava alternativa entre ‘ser desonesto ou parecer ignorante.’ De Santo Ivo, ilustre patrono da classe, advogado dos humildes e miseráveis, a quem defendia sem nada cobrar, costumava dizer-se: ‘Santo Ivo era bretão, Advogado, honesto, não ladrão coisa de admiração!.

          Bocage, satirista precioso, ironizava a profissão: ‘Inda novel demandista Um letrado consultou, Que depois de cem perguntas, Tal resposta lhe tornou: - Em Cujácios, sem Menéquios, Em Pegas, e Ordenação, Em reinícolas, e estranhos Tem carradas de razão. Sim, sim, por toda essa estante Tem razão, razão demais. - Ah, senhor! (o homem replica) Tê-la-ei nos tribunais?.’

          Mesmo na Antigüidade, já o famoso orador grego Luciano de Samosata (125-192 da era cristã), em seu Diálogo dos Mortos, afirmava desalentado:

          ‘Quando percebi até que ponto os advogados são obrigados a desnivelarem-se, pelas velhacarias, intrigas e clamores inseparáveis do foro, tomei a louvável resolução de abandonar tão detestável profissão. Refugiei-me nos vossos braços, santa filosofia. Quero, no estudo dos vossos preceitos, passar o resto de meus dias, como num porto tranqüilo, livre do furor das ondas e das tempestades.’

          Aqui, porém, iam longe os bons tempos da austera República romana... Ora, o que foi dito da advocacia por tais autores deve servir de estímulo para corrigir os maus exemplos e exaltar a necessidade da formação ética daqueles que recalcitram em reconhecer o verdadeiro significado da advocacia e lutar por ele." [1]

          Gladston Mamede, em sua obra "A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil," também menciona várias passagens históricas sobre o preconceito contra os advogados. Em resposta a tais injustiças e em busca do verdadeiro significado da advocacia, o autor cita, inicialmente, Luz e Bambuí, que diz:

          " ... o advogado é um fator humano, com presença certa nos melhores momentos da história de todo o mundo. Indague-se da memória dos tempos e ela dirá. Catão, o censor. Cícero. Um salto sobre as eras e, raiando a democracia, lá estão Dalton e até mesmo Robespierre. Só não o sente na floração da tirania. A não ser para desafiá-la como Rui." [2]

          Mamede continua a defender a advocacia e seu verdadeiro significado, dizendo que:

          "Entre as virtudes dos advogados, a combatividade ocupa uma posição de destaque. Emprestando seus conhecimentos ao cliente, o advogado é, via de regra, um guerreiro que transforma em armas prodigiosas os seus estudos e as suas palavras. Como facilmente se verifica, o conhecimento e a capacidade de expressá-lo são virtudes de mesma grandeza - e não apenas essa última (a eloqüência), já que palavras vazias são apenas um caminho fácil para o ridículo e, por que não dizer, para a catástrofe.

          Não sem razão, os governos temem os advogados. Afinal, quando os advogados dispõem a defender a Justiça, a Liberdade, a Dignidade, o Direito, oferecem - no mínimo - dificuldades aos usurpadores do poder popular. Giuriati, a propósito, afirma que, regra geral, onde o governo é bom - ou ao menos honesto -, ali tem prestígio a advocacia, e esta tem respeito aquele; onde o regime é despótico, ou corrupto, ali a advocacia não tem importância, o seu ofício é aniquilado.

          Mas outras virtudes há a destacar. Borges refere-se, com precisão, a necessidade de ‘amor pelas coisas bem feitas’ e ‘mais outra dosagem de exagerado zelo na condução das causas dos outros que nos faz sofrer e angustiar como se fossem nossas,’ além de ‘firmeza para com o cliente, a lealdade para com o colega, o respeito para com o juiz e para com o representante do Ministério Público. Nas palavras de Ari dos Santos, para ser advogado, é preciso ter ‘uma resistência de Hércules a couraçar uma alma de santo; uma energia mental do mais alto quilate; uma paciência sem limites; uma rara diplomacia; um alheamento completo de si para uma absoluta dedicação aos outros." [3]

          O bom advogado não pode se distanciar das virtudes que são inerentes à advocacia, como disse Couture, "esposado ao alto encargo, pleno de grandes responsabilidades," seja para defender os interesses daquele que lhe procura, seja para defender os interesses da própria ordem social.

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          Os antigos jurisconsultos, em célere definição do Direito justo e bom, já mostravam as seguintes regras: viver honestamente, não ofender a outrem e dar a cada um o que é seu (honeste vivere, neminem laederem, suum cuique tribuere). Os advogados, ao lado dos magistrados e promotores, devem observar de perto, no mínimo, as regras desse legado, colaborando com a administração da Justiça, defendendo com dignidade os interesses que lhes forem confiados.


1 O ADVOGADO E SUA FUNÇÃO SOCIAL

          A palavra advogado é derivada do latim, advocatus. No dicionário Aurélio, encontra-se advogado como: "Bacharel em direito legalmente habilitado a advogar, i. e., a prestar assistência profissional a terceiros em assunto jurídico, defendendo-lhes os interesses, ou como consultor, ou como procurador em juízo." [4]

          Gladston Mamede ensina que:

          "Advogado, do latim, advocatus. No sentido próprio, ‘que assiste ao que foi chamado perante a justiça, assistente, patrono (sem advogar, ajudando ao réu com sugestões, conselhos etc.) (Cícero; Pro Sulla, 81);’ no sentido figurado ‘ajudante, defensor (Tito Lívio; 26, 48, 10).’ Tem-se igualmente, a palavra advocatio, carregando tanto sentido de assistência, defesa, consulta jurídica (Cícero, Cartas Familiares; 7, 10, 2)’ quanto ‘reunião, assembléia de defensores (do acusado) (Cícero, Pro Sestio; 119)’e ‘prazo (de um modo geral) (Sênega, De Ira; 1, 18, 1).’ Por fim, recorde-se também o verbo advoco que, no sentido próprio, pode ser compreendido como ‘chamar a si, convocar, convidar (Cícero, De Domo sua; 124). Daí, em sentido particular: Chamar como conselheiro (num processo), chamar em seu auxílio (Cícero, Pro Quinctio; 69)’, ou ainda, ‘tomar como defensor (na época imperial) ( Sênega, De Clementia; 1, 9, 10).’ Em sentido figurado, ‘apelar para, recorrer a, invocar a assistência (Olvídio, Metamorfoses; 7, 138)." [5]

          O advogado desempenha uma função que vai além do defender o acusado ou representar a parte em juízo. Geralmente, o advogado é visto como o defensor do inocente, daquele que está sofrendo injustiça, o que não deixa de ser uma verdade. Mas, a profissão é calcada em fundamentos maiores, e que, aos olhos do homem comum, são imperceptíveis, omissos, porque ao defender um direito particular, o advogado defende também a própria ordem jurídica.

          A Constituição Federal de 1988, preceitua que: "Art. 133 - O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."

          O advogado para tornar-se um bom profissional e indispensável à administração da justiça:

          "... deve ser portador de consideráveis conhecimentos técnicos, obrigatoriamente atualizados, de doutrina, legislação e jurisprudência. Poucas profissões, modernamente, são tão desgastantes como a advocacia, devendo o advogado ter, como primeiro mandamento, o trabalho constante e limitado. Aquele que se ausentar da profissão por alguns dias e deixar de acompanhar a evolução legislativa e jurisprudencial, estará desatualizado profissionalmente. O pressuposto inicial da advocacia, portanto, é a aptidão diuturna, contínua, ininterrupta, para evitar o prejuízo de alguém por ignorância ou desatenção. No mais, consultar sempre a lei, desconfiando da memória; nunca agir contra a lei ou a moral; evitar o erro e, mais do que isso, não induzir, quem quer que seja, em erro, pois o advogado leviano, ao induzir em erro os magistrados, comete falta funcional." [6]

          Contudo, não basta o advogado ter somente o conhecimento técnico. Há a necessidade de conhecer a realidade em que o Direito se insere, como leciona Gladston Mamede:

          "O exame meramente teórico do Direito é tão passível de críticas quanto o meramente prático. Portanto, esclareço que não pretendo subestimar, nem descartar, o valor dos exercícios e do exame prático do Direito [...].

          Não se está, destarte, esconjurando a abordagem prática do Direito, mesmo nas faculdades, mas, isto sim, denunciando o que levou a tal abordagem a extremos assustadoramente empobrecedores: nosso ensino jurídico tornou-se mero construtor de técnicos do exercício forense, com um conhecimento superficial dos procedimentos que deverão utilizar, e nenhum conhecimento das razões de seu papel: um profissional do Direito pode passar toda uma vida sem perguntar-se por que e para que trabalha (para além da razão óbvia de sustentar-se, o que não o diferencia muito do animal que mata para comer e nada se questiona a propósito).

          Eis porque Bastos assevera que ‘não se admite que a futuros bacharéis seja negada a oportunidade de raciocinar, ver e enxergar,’ denunciando a existência de um ‘palco iluminado das encenações dogmáticas, [...] do ilusionário retórico.’ Contra esta superficialidade vivida em nossos dias, acena Bastos com os méritos do trabalho dos artífices de uma visão crítico-ideológica do Direito, que ‘empreendem verdadeira cruzada cívica, quase revolucionária, porque pretendem o comprometimento prévio do jurista com os reais interesses da classe social majoritária e flagrantemente desprotegida.’

          Não se pode esquecer que as matérias básicas do Direito são o poder (a força, a agressão) e a palavra (que mascara este poder em forma de norma, mas implica a possibilidade de agressão, que pode ser manipulada a favor de quem se beneficia de todo o sistema jurídico), organizadas em práticas rituais (os procedimentos). A prática do Direito será tanto melhor quanto maior for o conhecimento da teoria do Direito, mas também, e principalmente, o conhecimento da realidade em que o Direito se insere. Aquele que melhor conhece a estrutura de um instituto jurídico possui, ao menos em tese (é sempre bom frisar-se e relativizar-se), maiores condições de traduzir a sua significação, de argumentar a sua aplicação etc. Aquele que melhor conhece a estrutura da sociedade em que se encontra inserido (e onde seu trabalho é uma ‘engrenagem’ que pode ser - voluntária ou involuntária - colocada em favor da conservação do sistema justo ou produtor de grandes contrastes, como a miséria) possui maiores condições de ser um cidadão, de ser íntegro, de não ser elemento de manobra.

          Em se tratando de profissionais e estudantes do Direito, o desconhecimento da realidade social, quer por ingenuidade, quer, simplesmente, por não se querer comprometer (leia-se ‘lavar as mãos’, ato que, já em Pilatos, revela uma omissão cruel) com a realidade alheia, engendra profissionais quer saibam, quer não tenham se dado conta disto, trabalham pela perpetração e elevação das diferenças sociais, das injustiças como a miséria. São profissionais que não percebem, como lembra Bastos, que ‘leis são rasgadas, num momento político de imposição da força pela força; ou são contornadas, elegantemente contornadas na conduta administrativa ou nas sentenças e acórdãos." [7]

          Pelo preconceito que se tem do advogado, parece ser a pior das profissões. Mas pelo encargo que lhe comete, se realizado de forma digna, parece ser a melhor das profissões. Porém, não é a profissão que faz o ser humano ser pior ou melhor. Em qualquer profissão, a pessoa poderá colaborar para o desenvolvimento da sociedade, ou então, beneficiar-se pelas atribuições que lhes são conferidas. Fossem as profissões o ponteiro para qualificar as pessoas, as que trabalham com a física atômica seriam as mais desmoralizadas, devido ao preeminente estudo e conhecimento para dividir o átomo, dando azo às fabricações de bombas atômicas, capazes de destruir a humanidade que, infelizmente, ainda não está completamente livre dessa ameaça. E, assim, Albert Einsten seria muito mais cruel e desumano do que Hitler.

          No entanto, Einsten preconizava a luta contra a injustiça social. Então, como mencionado por Mamede, o advogado deve ter conhecimento da realidade em que o Direito se insere, e deve compreender que o Direito, não raras as vezes calcados em leis de interesse, é constituído da seguinte forma, de acordo com Einsten:

          "O enorme poder que uma oligarquia do capital privado detém, que não pode ser efetivamente controlado nem mesmo por uma sociedade politicamente organizada, especialmente para os países periféricos, ocorre porque os membros das câmaras legislativas são escolhidos por partidos políticos, amplamente financiados ou influenciados de outros modos por capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, isolam o eleitorado do Legislativo. A conseqüência é que os representantes do povo não protegem suficientemente, de fato, os interesses dos setores desfavorecidos da população. Além disso, nas condições vigentes, os capitalistas privados inevitavelmente controlam, de maneira direta ou indireta, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). Assim, é extremamente difícil para o cidadão comum, e, na maioria dos casos, de fato absolutamente impossível, chegar a conclusões objetivas e fazer um uso inteligente de seus direitos políticos." [8]

          Seria muito simples para o advogado analisar o direito observando apenas a lei, a doutrina e a jurisprudência, sem compreender os fatos históricos, sociais ou políticos, como aquele mencionado por Einsten e tantos outros que assolam o bom Direito. O mesmo pode ser dito aos magistrados e promotores. Assim, para defender um direito, tomando por bases apenas as leis, doutrinas e jurisprudências, como estamos na era da computação, bastaria criar superprogramas com todas as fórmulas doutrinárias, com todas as leis e jurisprudências que, ao final de todas as variáveis, sairia a sentença final, sem a necessidade de nenhum fator humano, além do próprio fato controvertido.

          Quando é mencionado pelos mais variados jurista que o Direito se transforma constantemente, não quer dizer que o Direito por si só evolui com as mudanças de costumes. Além disso, é necessário, diante dos casos concretos e das elaboradas indagações correntemente aduzidas em juízo, principalmente pelos advogados, fazer nascer uma nova ordem de idéias sobre os preceitos que amparam os direitos e deveres individuais e coletivos. Fossem silentes os advogados, nenhum esforço teleológico teriam os magistrados e mesmos os promotores, e o Direito seria platônico à moda do poder opressor, fulcrado em leis praticamente imutáveis em detrimento das classes desfavorecidas.

          Para perceber a transformação constante do Direito nos moldes acima, basta analisar a grande atuação dos advogados em juízo, em defesa às classes sociais oprimidas, desde a Revolução Francesa até os dias atuais.

          Eis a função social do advogado, buscar o justo, rebater o poder opressor e lutar contra os grandes contrastes, tais como a miséria de muitos para favorecer a riqueza de poucos.

          Neste sentido, O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Lei n° 8.906, de 04 de julho de 1994, dispõe que:

          "Art. 2o. O advogado é indispensável à administração da justiça.

          § 1o. No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

          § 2o. No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

          § 3o. No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta Lei."

          Vê-se, então, que ao elaborar as leis, o legislador não expressa aleatoriamente suas idéias, mas estas são provenientes de observações ao longo do tempo, que produzem efeitos jurídicos vinculando a atuação do indivíduo, no caso, do advogado.

          Gladston Mamede dissertando sobre o múnus público e a função social do advogado, diz que:

          "O art. 2o, § 2o, do EAOAB completa-se por constituir os atos de advocacia em um múnus público. Seria, segundo Ferreira, ‘o que procede de autoridade pública ou de lei, e obriga o indivíduo a certos encargos em benefício da coletividade ou da ordem social.’ A lição oferecida por Cretella e Cretella não é distinta: ‘Em latim múnus significa encargo. Assim, ao postular em juízo, procurando convencer o magistrado de que o direito assiste a seu constituinte, sujeita-se o advogado a sanções disciplinares por parte da OAB, sanções processuais, imposta pelo juiz, e a processo judicial, tanto no campo civil quanto no criminal, caso sua atuação acarrete prejuízo ao cliente.

          Essa idéia, como não poderia deixar de ser, deve ser compreendida em suas íntimas ligações com a concepção da advocacia como um ‘serviço público’ e uma ‘função social.’ Diz bem Calmon de Passos: ‘a formação profissional serve ao indivíduo, é assumida com vistas à sua realização pessoal, mas ela é, também, serviço devido ao público e interesse geral, por força da irrecusável necessidade de especialização de tarefas e divisão do trabalho que a vida social exige. Investir a sociedade em um profissional sem utilizá-lo é contra-senso. Utilizá-lo sem lhe assegurar o exercício profissional e sem retribuí-lo, uma injustiça e uma incongruência. Conseqüentemente, o exercício profissional é dever social de quem recebeu a formação adequada, dever servir que oferece a outra face de direito-prerrogativa do exercício profissional e da garantia de seu exercício eficaz." [9]

          Observa-se que o caput do art. 2o da Estatuto da OAB, repete a primeira parte do art. 133 da Constituição Federal, fazendo compreender a importância das atribuições do advogado, sejam em direitos ou deveres. O § 3o do art. 2o do Estatuto, repete a segunda parte do art. 133 da Constituição, demonstrando, assim, a importância da inviolabilidade dos atos e manifestações do advogado, protegendo-o de ser rechaçado em juízo ou perante qualquer órgão público.

          Aliás, o art. 6o do Estatuto da OAB, dispõe que: "Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos." E, o § 2o do art. 31, vem em complemento ao prever que: "Nenhum receio de desagradar a magistrado ou qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão."

          E, por tudo que já foi mencionado, ‘ousei descordar’ do ilustre Gladston Mamede, ao referir que diante da norma constitucional e art. 6o do Estatuto da OAB, "os arts. 263, 264 e 265 do Código de Processo Penal, tornam-se manifestamente aberrantes." [10] Não porque os referidos artigos do Código de Processo Penal sejam imposições e gerem sanções ao advogado, sobressaindo a figura do juiz. Não por isso ou pela expressão formal da lei; mas porque, o advogado, aleatoriamente, sem boas razões, que deixar de defender o réu, estará indo contra sua função social, contra o múnus público, contrariando as prerrogativas do seu alto encargo e responsabilidades.

          Disse, ‘ousei descordar,’ pois, ao rever o desfecho das considerações de Mamede em relação ao assunto, o autor acautela-se ao dizer que "o argumento é correto, mas é preciso não ser levado para os extremos onde poderia significar a própria descaracterização do múnus de oferecer defesa ao que dela precisa ..." [11]

          Ainda mais, quando o próprio autor, em parágrafo acima, ponderou que:

          "Para Marinho, ‘quando o advogado age como defensor de ofício [...] cumpre encargo legal e honroso. Ergue-se em favor de desconhecido, que ainda ‘não tem fisionomia’ para o patrono, como na precisa observação insculpida em O Romance do Advogado. O serviço profissional é prestado a um beneficiário da lei, que deve receber, todavia, do advogado designado, o mesmo tratamento, o mesmo empenho e o mesmo entusiasmo que devota à prestação do cliente que remunera o trabalho. O poder esmagado ou ameaçado pelo rico, ou vítima de violência do poder político ou administrativo, há de encontrar no advogado gratuito o sustentáculo do direito contra o privilégio e a força. Nesse tipo de atuação, salvo reservas insuperáveis, o advogado deve esquecer divergências filosóficas, políticas, ou religiosas. [...] O amparo ao fraco e ao acusado não comporta resistência de opinião, a que se sobrepõe tanto à vida como a liberdade." [12]

          Se houver realmente um motivo justo para não defender o réu ou os interesses da parte, o advogado poderá deixar a causa sem maiores conseqüências. Caso contrário, o próprio Estatuto da OAB prevê em seu art. 34 e XII que, "constitui infração disciplinar recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública."

          O causídico que visar o dinheiro antes que o Direito, antes que, em síntese, a luta contra a opressão do poder em qualquer nível em prol do justo, e antes que seus deveres e obrigações, estará na profissão errada. O bom advogado faz o seu trabalho de forma digna, a remuneração é a conseqüência do seu labor.

          Reforçando o que até aqui foi considerado, "o advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos." (art. 3o do Código de Ética e Disciplina da OAB).

Sobre o autor
Alexandre Tavares Cortez

advogado em Divinópolis (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORTEZ, Alexandre Tavares. Responsabilidade civil do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 768, 11 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7159. Acesso em: 25 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho premiado em 1º lugar no II Concurso Nacional de Monografias Jurídicas sobre Ética na Advocacia, promovido pela 2ª Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na categoria profissional/advogado. Publicado nos Anais da XVIII Conferência Nacional dos Advogados, realizada em Salvador (BA), em novembro de 2002.

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