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Responsabilidade civil do advogado

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11/08/2005 às 00:00
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2 OS DEVERES DO ADVOGADO

          Deveres do advogado no exercício da profissão, podem ser separados em: deveres pessoais; deveres para com os tribunais; deveres para com os colegas; deveres para com os clientes.

          São deveres pessoais: a lealdade; a probidade; a moderação na obtenção de ganhos; a delicadeza no trato; e a dignidade de conduta.

          A lealdade, proveniente das prerrogativas da profissão do advogado, deve ser em relação ao seu modo de atuar, fundado na boa-fé e em defender os interesses da parte sem ardis ou chicanas, buscando, acima de tudo, a verdade; evitando fazer defesa e acusações sem fundamento, ou para confundir os magistrados e adversários com citações truncadas ou inexatas (Ref. art. 14 e 17 do CPC).

          A probidade exige do advogado a independência pessoal e funcional, integridade moral e honesto desinteresse (Código de Ética e Disciplina da OAB, art. 2, parágrafo único, inciso II), e deve-se evitar as ligações pessoais que comprometam sua liberdade de ação.

          O advogado deve ser moderado na obtenção de ganhos, pois advogar não é comerciar, não é negociar coisas materiais, apesar delas serem discutidas. "Não há, infelizmente, e isto vale como um alerta, profissão mais tentada ao enriquecimento ilícito do que a advocacia. Suborno e corrupção são dois demônios a excitarem, a todo instante, os mais fracos de espírito!" [13]

          E outro alerta, certamente mais importante, é que:

          "... devem as faculdades de Direito, mais do que quaisquer outras, contar com um corpo-docente modelar que faça ver ao estudante que o Direito não se resume à técnica processual, mas vai em busca de um ideal muito mais elevado, qual seja, a Justiça. Ao estipular sua remuneração, deve pautar-se pela tabela de honorários estabelecida por sua corporação, sempre considerando a situação e as posses do cliente, a natureza da causa e o valor respectivo, a gravidade do assunto e o mérito do trabalho prestado, o grau da instância judicial e o resultado obtido." [14]

          Todo advogado deve tratar o cliente, com fineza, ser cordial e compreensivo, pois, mais do que em qualquer outra profissão, a advocacia exige a urbanidade no trato. Embora não haja afeto, o advogado deve ser modelo de correção e cortesia, para com seus colegas, magistrados, clientes, testemunhas e auxiliares de justiça.

          "Insegurança, irritação, nervosismo são seus grandes inimigos. Há que ter presença de espírito, evitados a arrogância e o sarcasmo para com os fracos e os adversários, sem que, com isto, se desça a um nível indesejável de intimidade. Em suma: tratar a todos respeitosamente, considerando-se a hierarquia e a dignidade humanas." [15]

          O advogado, então, é um profissional que deve, naturalmente, ter dignidade em sua conduta, já que é uma personalidade pública, ser discreto em seus atos, evitando tudo o que seja suscetível de comprometer sua dignidade e prestígio profissional. Porém, não deve ter receio de se tornar impopular na defesa dos interesses legítimos de seu cliente, no exercício de sua função (art. 31, § 2o do Estatuto da OAB).

          O Estatuto da OAB estabelece em seu art. 34, 29 infrações disciplinares, dentre as quais a inépcia profissional (inciso XXIV), a qual ocasiona a suspensão do exercício da advocacia, até que o infrator preste novas provas de habilitação (art. 37, § 3º).

          O advogado deve ser ponderando também ao fazer propaganda do seu trabalho, pois pessoa que não é conhecida não é contratada. No entanto, o problema da publicidade é bem delicado, já que o advogado deve limitar-se aos anúncios sóbrios, limitados à indicação do nome, títulos, área de especialização, número de registro na Ordem dos Advogados, endereço e telefone. O Código de Ética Profissional condena a publicidade espalhafatosa, como anúncios agressivos e ofertas de serviços (Seção I, II, c).

          Quanto aos deveres para com o tribunais, tem-se a atitude digna e respeitosa; o respeito à verdade e à lei; o respeito aos prazos legais e judiciais; e a pontualidade em qualquer caso.

          Atitude digna e respeitosa do advogado nos pleitos judiciais, serve para não confundir o juiz e ao mesmo tempo favorecer um bom relacionamento entre ambos, que deve transcorrer num ambiente de mútua cordialidade, com a devida ponderação para não chegar a intimidade.

          O advogado deve evitar as atitudes ultrajantes, insultuosas e desleais. É possível ser eficiente sem descer ao nível das atitudes baixas. (art. 14 e 15 do CPC).

          "Na advocacia, os prazos podem ser legais ou judiciais, à parte os prazos convencionais, estabelecidos pelas partes. Os prazos legais e judiciais são de inteira responsabilidade do advogado, porque jus non succurrit dormientibus (o direito não acode a quem dorme), já dizia o aforisma latino. O advogado, livre em suas opiniões e inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão (Art. 133 da CF) é, paradoxalmente, escravo dos prazos. Observe-se o Art. 177 do Código de Processo Civil. O advogado distraído e negligente cria contra si um ambiente desfavorável e, o que é pior, acaba por comprometer o suposto direito do cliente. Incorrerá, aliás, em infração disciplinar ao prejudicar, por falta grave, interesse confiado a seu patrocínio (Estatuto da Advocacia, Art. 34, IX)."[16]

          Pontualidade além de dever, deve ser considerada como uma virtude do advogado, que ao não demonstrá-la em seus compromissos para com o cliente, suscita insegurança e irritação, juntamente com a má fama.

          "Não se admite que um advogado se atrase, injustificadamente, em seus compromissos, em desrespeito a clientes, colegas e testemunhas. É imprescindível, portanto, um bom serviço de agenda e de informações sobre a tramitação de processos, hoje obtidos com facilidade mediante empresas especializadas. Acima de tudo, porém, disposição permanente para o trabalho." [17]

          Os deveres para com os colegas são: a cordialidade; disciplina ética; respeito; e colaboração.

          A cordialidade entre advogados mais experientes e os recém-formados serve como um bom parâmetro, e que, além de se tratar também de uma virtude, serve ainda para os mais novos na profissão aprenderem sobre as posturas corretas e se prepararem para as lides forenses. O advogado com uma carreira brilhante, deve ser respeitado ao mesmo nível que o recém-formado, iniciante no foro, que deve ser bem recebido e com toda simpatia, jamais com ironia ou deboche.

          A ética na advocacia deve ser observada, em primeiro, pela ponderação das expressões verbais e escritas pelo advogado. Porém, "às vezes não é possível verberar a injustiça sem ofender alguém, pois fatos há que não é possível criticar sem empregar termos duros. A outra parte não deverá se sentir agravada por isso." [18]

          Contudo, o advogado não deve aproveitar-se de determinadas situações para ofender o colega, pois as relações profissionais convergem, cada um em seu lado, em defender os interesses do seu cliente. O convívio respeitoso entre os profissionais da advocacia "permite o bom funcionamento da Justiça. Por outro lado, constitui grave falta ética criar dificuldades a colegas mediante retenção de peças processuais e emprego de ardis maliciosos. Observe-se o que determina o art. 195 do CPC e adverte o art. 196 do mesmo diploma." [19]

          O respeito e a colaboração entre os colegas da advocacia devem ser mútuos, respeitando-se a ética e evitando-se grosseiras. "O advogado não deve recusar, a um colega, informações de caráter profissional que este, porventura, lhe solicitar. Aliás, se possível, devem os advogados trabalhar em equipe, com boa-fé e sem vaidades." [20]

          "São deveres do advogado para com os clientes: a dedicação; a relação direta com o cliente; e o espírito de conciliação.

          Dedicação: o advogado dedicará aos interesses de seus clientes a mesma atenção que dedicaria aos seus. Empregará seus melhores esforços no patrocínio de todas as causas, vultosas ou não. Não procedendo assim, será negligente e de má-fé. Se cometer algum erro profissional grosseiro que cause prejuízo ao cliente, deverá repará-lo na proporção do mal que ensejou. Manda a ética, todavia, que o advogado recuse determinadas causas, em face de determinadas circunstâncias.

          Não deve aceitar, por exemplo, causas injustas ou imorais, ou aquelas que impliquem uma sobrecarga insuperável de serviço, de modo a impedir que seja acompanhada com a devida atenção.

          Não deverá aceitar, também, causas que contrariem pontos de vista contrários aos que o advogado propugnara anteriormente. Advertia Boucher de Argis, em suas Règles pour Former un Avocat: ‘O advogado deve evitar qualquer causa na qual deva sustentar opinião contrária àquela que já defendera em casos análogos, pois não há nada que o desprestigie tanto como lhe opor a própria opinião...’

          Relação direta com o cliente: o advogado deve tratar diretamente com seus clientes ou com a outra parte; evitar intermediários de alguma forma interessados nas causas, tais como empresas, agências comerciais etc.

          Espírito conciliatório: é forçoso reconhecer ser difícil aconselhar um acordo a pessoas que procuram o advogado movidas pela teimosia ou pelo rancor. O cliente é, por vezes, conflituoso, aguerrido, a justificar o mote italiano: ‘Os tolos e obstinados é que fazem a fortuna dos advogados!’ O cliente, via de regra, vê com desconfiança qualquer proposta de conciliação, parecendo-lhe que o advogado, por comodidade, trai sua missão. Observe-se, porém, com que elegância Lionville, em seu livro De la Profession Avocat, define o ato de conciliar interesses: ‘Conciliar é um prazer. Haverá algo mais agradável do que procurar obter um acordo num processo vultoso, obscuro e difícil, cuja perda poderia arruinar um homem honesto? Que há de mais gratificante do que abafar, na origem, um escândalo que ameaça uma família inteira, evitando sua desonra? Que há de mais agradável do que estabelecer a concórdia entre amigos, parentes ou cônjuges? Conseguindo isso, o advogado eleva-se à dignidade do levita, desenvolvendo uma divina missão de paz. Conciliar é o maior serviço que se pode prestar. Excede o próprio triunfo na causa, porque, superando-a, faz acabar com ela o ódio.’

          O Código de Ética e Disciplina, publicado no Diário de Justiça da União de 1º.3.1995, determina, no art. 2º, parágrafo único, VI, ser dever do advogado estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios, bem como, conforme estabelece o item VII, aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial." [21]

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          Por fim, o advogado deve ponderar sobre todas as suas condutas, o dever moral.

          Marilena Chaui, leciona que:

          "O sujeito ético ou moral não se submete aos acasos da sorte, à vontade e aos desejos de um outro, à tirania das paixões, mas obedece apenas à sua consciência - que conhece o bem e as virtudes - e à sua vontade racional - que conhece os meios adequados para chegar aos fins morais. A busca do bem e da felicidade são a essência da vida ética." [22]


3 RESPONSABILIDADE CIVIL

          3.1 Conceito de responsabilidade civil

          Rui Stoco diz que, "no mundo jurídico a noção de responsabilidade está ligada intimamente a própria origem da palavra, do latim respondere, que significa responder a alguma coisa, ou seja, alguém é responsabilizado por seus atos." [23]

          Caio Mário da Silva Pereira menciona em sua obra, Responsabilidade Civil, vários posicionamentos doutrinários, nacionais e estrangeiros, levanta inúmeras questões de real valor, no intuito de demonstrar a dificuldade em conceituar-se de forma precisa a responsabilidade civil.

          De Page, citado por Caio Mário, salienta que o conceito em sentido técnico, "alia-se mais ao resultado do que ao fundamento da responsabilidade civil, acrescentando que o elemento dominante é a obrigação de reparar o dano, sem a necessidade de fundamentar ou justificar." [24]

          Rui Stoco, ainda diz que, "do que se infere a responsabilização é meio e modo de exteriorização da própria Justiça e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar a outro, ou seja, o neminem laedere," [25] que como mencionado no capítulo anterior, é uma das três regras básicas do Direito, juntamente com: viver honestamente e dar a cada um o que é seu.

          Silvio Rodrigues, considera a que responsabilidade civil "vem definida por Savatier, como a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam." [26]

          Caio Mário e Rui Stoco, têm a mesma opinião ao dizerem que "Silvio Rodrigues enfatizou o princípio informador de toda a teoria da responsabilidade civil, que significa a quem causa o dano, há o dever de reparar." [27]

          A responsabilidade pode variar conforme seja a questão, se moral ou social, nas relações jurídicas de direito público ou privado. Não obstante, concentra-se na "efetiva reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito da relação jurídica que se forma," [28] como leciona Caio Mário.

          O conceito de responsabilidade não pode ser generalizado a todos os casos, mas a noção geral sempre segue a orientação de que, em qualquer relação que se forma, havendo a violação de um bem jurídico e, que por isso mesmo causa uma lesão à outrem, o agente deve ser responsabilizado pelo prejuízo, seja moral ou material.

          3.2 Teorias que fundamentam a responsabilidade civil

          Pacifica é a posição doutrinária no sentido de que, deve haver a reparação do dano quando o agente causar prejuízo à vítima, devido ao princípio neminem laedere. A questão controvertida envolve a culpa, se esta seria pressuposto essencial para responsabilizar o agente em todos os casos.

          Caio Mário preleciona que:

          "A mais profunda controvérsia e a mais viva polêmica vige em torno da determinação do ‘fundamento da responsabilidade civil’. Se não padece dúvida a indagação se o ofensor é responsável, travam-se de razões os autores quando enfrentam esta questão: por que é responsável o causador do dano? Os escritores de maneira geral, e os escritores brasileiros em particular, agrupam-se em campos inimigos ao desenvolverem a fundamentação do princípio, distribuindo-se nas duas teorias que se combatem: de um lado, a ‘doutrina subjetiva’ ou ‘teoria da culpa’, e, de outro lado, a ‘doutrina objetiva’, que faz abstração da culpa (responsabilidade sem culpa) e se concentra mais precisamente na ‘teoria do risco’." [29]

          Os elementos da responsabilidade civil, genéricos e comuns, para as duas teorias são: a ação ou omissão, o dano e o nexo de causalidade entre o dano e o fato imputado ao agente.

          Para os subjetivistas, a responsabilidade surge quando pode-se verificar a culpa, envolvendo a moral, a vontade e a conduta voluntária do agente.

          Já os objetivistas desconsideram por completo a culpa. Assim, se há o dever de não prejudicar a outrem, há a obrigação de reparar caso haja o dano, independentemente da culpa. Basta, portanto, a autoria, o dano, e o nexo entre o dano e o fato imputado ao agente.

          3.2.1 Teoria subjetiva

          A doutrina subjetiva foi formulada a partir dos arts. 1.382 e 1.383 do Código Napoleão, preceitos que assentaram a culpa como fundamento da reparação do dano, desenvolvida pelos franceses por todo o século XIX e início do século XX.

          O legislador brasileiro, adotou a teoria subjetiva desenvolvida pelos franceses, dispondo-a no art. 159 do Código Civil. A culpa, assim prevista no art. 159 do Código Civil, pode ser examinada em sentido lato e, por sua vez dividida em culpa em sentido estrito e em dolo, sendo que, no primeiro caso, o agente não tem vontade de prejudicar, mas sua conduta levou a vítima ao prejuízo. No caso do dolo, o agente deseja o dano ou a lesão.

          A culpa, em sentido genérico, pode ser proveniente do dolo (da intenção), ou da culpa em sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia).

          Caio Mário ensina que:

          "A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar, fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima. Assim procedendo, não considera apto a gerar o efeito ressarcitório um fato humano qualquer. Somente será gerador daquele efeito uma determinada conduta, que a ordem jurídica reveste de certos requisitos ou de certas características.

          Assim considerando, a teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o ‘comportamento culposo’ do agente, ou simplesmente a sua ‘culpa’, abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente." [30]

          O elemento principal que provoca o dever de indenizar está na imputabilidade da conduta ligada a consciência ou vontade do agente que agiu culposamente. A ação danosa nem sempre importa em determinar uma obrigação de reparar o dano, pois a imputabilidade do agente, significa entender e querer o ato danoso (dolo), ou então, mesmo que não querendo, foi descuidado para com seus deveres (culpa estrito senso), a exemplo da diligência que todo ‘bom pai de família’ deve ter.

          Outrossim, se o ato for involuntário como no caso fortuito ou força maior, não há que se falar em imputabilidade, porque despiciendo o elemento de voluntariedade necessário para caracterizar o dever de indenizar. Se não age com culpa, não recai sobre o agente o dever de indenizar.

          Em síntese, os elementos ou pressupostos da teoria subjetiva que ensejam a responsabilidade são: a ação ou omissão voluntária do agente, o dano, o nexo de causalidade entre o dano e o fato imputado a conduta do agente e a culpa em sentido estrito, ou o dolo. Assim, a culpa em sentido genérico, toma corpo de ato ilícito, antijurídico, que significa a violação de um dever jurídico preexistente, gerando o dever de reparar o dano ou lesão.

          A violação de um direito pode ser distinto em decorrência de ser violada a norma ou o contrato, causando, respectivamente, um ato ilícito extracontratual ou contratual.

          Se o ilícito decorre de uma conduta censurada pela norma legal, como um preceito moral determinado ou uma obrigação geral de não prejudicar, pode-se dizer que a culpa é extracontratual ou aquiliana.

          Se o ilícito decorre do inadimplemento de um contrato, culpa contratual.

          Para que haja a reparação do ilícito extracontratual, a vítima deverá demonstrar a culpa do agente. Se por culpa contratual, o inadimplente deverá demonstrar que não agiu com culpa. Nota-se aqui, a especialização da culpa presumida, onde a noção de culpa não desaparece.

          Em relação a presunção da culpa, Rui Stoco diz que "em determinadas circunstâncias é a lei que enuncia a presunção. Em outras, é a elaboração jurisprudencial que, partindo de uma idéia tipicamente assentada na culpa, inverte a situação impondo o dever ressarcitório, a não ser que o acusado demonstre que o dano foi causado pelo comportamento da própria vítima." [31]

          Utilizando-se da presunção da culpa prevista pela doutrina subjetiva, os adeptos à teoria objetiva, principalmente os da Alemanha, passaram a questionar os elementos fundamentais da responsabilidade, considerando que em muitos casos é dificílimo a vítima provar a culpa do agente, o que ora passa-se a analisar.

3.2.2 Teoria objetiva

          No final do século XIX, início do século XX, os defensores da teoria objetiva insurgiram-se contra o fundamento tradicional da teoria subjetiva. Após a Revolução Industrial, os objetivistas alegavam que, com o aparecimento de novas máquinas e serviços multiplicaram-se os acidentes, e as vítimas ficavam, quase sempre, sem a devida reparação. Isto porque, as empresa detinham (por óbvio ainda detêm), um poder econômico e organizacional muito maior que a do particular, e a aferição da culpa ficava bastante prejudicada porque as provas que a vítima levava ao processo, na maioria das vezes, não convenciam o magistrado.

          Naquela época, a responsabilidade extracontratual que o agente assumia por uma conduta antijurídica, verificava-se, exclusivamente, através da conduta culpa (lato senso), e à vítima incumbia-se o ônus da prova, independentemente fosse ela um indivíduo assalariado, com poucos recursos econômicos e, a outra parte, o causador da lesão, um agente de uma grande empresa, trabalhando em função desta.

          Rui Stoco conta que, "impressionados com essa situação, juristas de escol (salvo os irmãos Mazeaud, ferrenhos opositores da teoria) se rebelaram contra os termos restritivos do art. 1.382 do Código de Napoleão." [32]

          Caio Mário informa que:

          "Entre nós, precursor objetivista foi Alvino Lima, [...], em 1938, com o título ‘Da culpa ao Risco’, reeditada em 1960 sob nova epígrafe ‘Culpa e Risco’, em que não apenas defende a doutrina objetivista como responde aos argumentos dos adversários. [...]

          A aceitação da teoria objetiva foi gradativa na doutrina e jurisprudência estrangeira e nacional. Assim, pouco-a-pouco inseriu-se a responsabilidade sem culpa em algumas normas do ordenamentos jurídico, não havendo um modo sistemático de penetração nas leis, mas em um caso e outro. Para responsabilidade objetiva, então, independe por completo a análise da culpa.

          A teoria objetiva não tem o condão de inserir uma nova espécie de responsabilidade. Sílvio Rodrigues, analisando a teoria objetiva e a subjetiva, explica que: "Em rigor não se pode afirmar serem espécies diversas de responsabilidade, mas sim maneiras diferentes de encarar a obrigação de reparar o dano." [33]

          A responsabilidade segundo a teoria objetiva, não se confunde com responsabilidade subjetiva, em que se ‘presume a culpa,’ que foi vislumbrada inicialmente no Decreto 2.681 (regulador da responsabilidade das estradas de ferro) e no Código Brasileiro do Ar (hoje Código Brasileiro de Aeronáutica), pois "a culpa nestes casos é conservada como base de responsabilidade." [34] Já para a teoria objetiva, exclui-se completamente a culpa.

          A presunção da culpa é um procedimento em caráter de exceção da própria doutrina subjetiva, já que não se desvincula a noção geral de culpa, a exemplo da Súmula no 341 do STF. Entretanto, algumas vezes os aplicadores do direito confundem presunção de culpa com noção de responsabilidade objetiva.

          Com a presunção da culpa na teoria subjetiva ocorre a inversão do ônus da prova e, assim, assemelha-se à teoria objetiva.

          Aguiar Jr., citado por Rui Stoco, explica que:

          "Dentro da teoria clássica da culpa, a vítima tem que demonstrar a existência dos elementos fundamentais de sua pretensão, sobressaindo o comportamento culposo do demandado. Ao se encaminhar para especialização da culpa presumida, ocorre uma inversão do ‘onus probandi’. Em certas circunstâncias, presume-se o comportamento culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência da culpa, para se eximir do dever de indenizar. Foi um modo de afirmar a responsabilidade civil, sem a necessidade de provar o lesado a conduta culposa do agente, mas sem repelir o pressuposto subjetivo da doutrina tradicional." [35]

          Alvino Ferreira Lima diz que, "foi o reconhecimento da presunção da culpa um dos instrumentos técnicos que se utilizaram para a extensão dela e para a abertura de caminho para a conceituação da doutrina objetiva, apontada ao da teoria do abuso de direito e da culpa negativa." [36]

          Para a responsabilidade encarada de maneira objetiva, basta então que haja o dano e o liame entre o ato antijurídico e o agente causador da lesão a um bem juridicamente protegido e, assim, nasce o dever de reparar.

          Por meio da doutrina objetiva, alguns doutrinadores começaram a vislumbrar algumas formas de atribuir o dever de reparar, como ensina Caio Mário, ao dizer que, "como sói acontecer, especialmente no surgimento de uma nova doutrina, logo se multiplicam os seus extremos. Daí surgiram em torno da idéia central do ‘risco’, configurações que identificaram como certas modalidades ou especificações." [37]

          Daí surgiram cinco novas vertentes da teoria objetiva em cima da idéia central do risco.

          A primeira, o risco proveito, devendo reparar sem culpa aquele que em função do ‘proveito’ de certa atividade ou, que economicamente ganhe com determinada atividade cause um dano à terceiros.

          A segunda, o risco profissional, "considerando o dever de indenizar quando o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do lesado." [38]

          A terceira, o risco excepcional, como próprio nome diz, quando o dano é ocasionado por fato excepcional, mesmo fora do trabalho que normalmente o agente exerça há a responsabilidade, aduzida preferencialmente às pessoas de direito público.

          Mas foi a quarta vertente, a teoria do risco integral, que ganhou prestígio no ordenamento jurídico brasileiro, e foi inserida no Código Civil, art. 15, no caso de verificar a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público, "devido a Emenda Constitucional 1/69, mantida no art. 37, § 6o da Constituição Federal de 1.988." [39]

          A diferença entre as correntes do risco integral e a do risco excepcional, para aquela, o ente público somente responderá pelo dano quando o agente estiver em atividade, ou seja, nas atribuições de sua função, e para do risco excepcional, não depende de o agente estar ou não praticando a sua função, baste que causa o dano em qualquer momento, mesmo fora do trabalho.

          A quinta vertente, a teoria do risco criado, segundo Caio Mário é a que melhor se adapta às condições da vida social:

          "A meu ver, o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado." [40]

          Qualquer vertente da teoria do risco, leva-se em conta a atividade que exerce o agente ou órgão e os critérios de uma e de outra tomam por base se a atividade é comercial, econômica ou Administrativa, relacionada às pessoas jurídicas de direito privado ou público.

          Encontra a responsabilidade objetiva no novo Código Civil, no parágrafo único do art. 927:

          "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

          Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

          Mas, a responsabilidade objetiva é prevista somente às situações que são reservadas em lei, como dispõe o parágrafo único do art. 927, do novo Código Civil, Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que entrará em vigor no nosso sistema jurídico, em 11 de janeiro de 2003.

          Nota-se, então, que a responsabilidade fundada na teoria subjetiva continua sendo a regra geral, e em casos especiais há a previsão da responsabilidade objetiva.

          O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, em vigor desde março de 1.991, ao reverso do Código Civil de 1916 e do novo Código Civil, trás em seu texto a responsabilidade objetiva (teoria do risco), como regra (art. 12 e 14 caput) e, excepcionalmente, a responsabilidade subjetiva (culpa), de acordo com o § 4a do art. 14 do referido Código.

          A próxima teoria a ser analisada, a teoria do resultado, certamente é a mais importante para a compreensão da responsabilidade civil dos advogados.

          3.2.3 Teoria do resultado

          Já haviam traços da teoria do resultado no Direito Romano, mas esta somente foi desenvolvida mais tarde pela doutrina italiana, alemã e francesa, cumprindo a R. Demogue a sua sistematização.

          Rui Stoco ensina que, "a doutrina pátria, contudo, não lhe deu a importância que merece, nem se interessou em aclarar alguns aspectos que o tema suscita e que são de transcendental importância." [41]

          A teoria do resultado tem em vista diferenciar a obrigação de meios da obrigação de resultado, ambas inseridas no campo da responsabilidade contratual. A análise para distinção entre a obrigação de meios e a de resultado, terá como base a atividade laborativa do profissional a ser contratado. A atividade profissional certamente fará a diferença para verificar se a obrigação contratual é de meios ou de resultado.

          Para elucidar a diferença existente entre uma atividade que gera uma obrigação de meios e uma atividade que gera uma obrigação de resultado, a melhor didática é o exemplo. Assim, uma das atividades que gera uma obrigação de resultado é o transporte. Nesta atividade o transportador se obriga a alcançar fim determinado pelo contrato, qual seja, por exemplo, de transportar o contratante no dia 1o de setembro de uma cidade x para uma cidade y, e ao final será pago o preço do serviço contratado. Caso o profissional contratado não apareça para transportar o contratante no dia 1o de setembro, não terá cumprido com sua obrigação, cujo objeto fim foi determinado pelo contrato, podendo o transportador ser responsabilizado pelo inadimplemento da obrigação.

          Para uma atividade que gera uma obrigação de meios não há possibilidade de cumprir determinado fim; por exemplo, contratar um advogado para ganhar a causa em um processo judicial, ou o médico para curar uma doença, ou ainda, um publicitário para fazer a campanha do político afim deste ser eleito ao final. Nestes casos, os profissionais apenas podem se comprometer a agirem com lisura, diligência, técnica, serem corretos, cautelosos e se esforçarem ao máximo para a realização do fim que se espera.

          Essa diferença entre a obrigação de meios e de resultado tem uma conseqüência prática muito importante, que determinará à quem é incumbido o ônus da prova, caso o contratante ou credor se sinta lesado e procure responsabilizar o profissional contratado.

          Quando há a inadimplência contratual por parte do profissional contratado, cuja a obrigação é de resultado, presumi-se que a culpa é do inadimplente da obrigação e o ônus da prova cabe à este para eximir-se da responsabilidade. Só excepcionalmente permite-se ao inadimplente demonstrar que não agiu com culpa (lato senso), sobre o argumento de caso fortuito para evitar a responsabilidade. A obrigação contratual de resultado tem por escopo um fim determinado pelo contrato, ou seja, aquilo que foi avençado tem que ser cumprido, pois torna-se lei entre as partes por força da Pacta Sunta Servanda, consagrado pelo Direito pátrio, mesmo que não haja um contrato escrito.

          Na obrigação de meios, o contratante que se sentir lesado deverá provar a conduta ilícita ou culposa (lato senso) do profissional contratado. Aqui não se presume a culpa do inadimplente, e o lesado deve provar que o profissional contratado não agiu com atenção, diligência e cuidados adequados na execução do contrato.

          Rui Stoco faz um resumo bastante esclarecedor sobre a teoria do resultado:

          "A Teoria do Resultado, aplica-se, como regra, às relações contratuais entre o particular e os profissionais e prestadores de serviços.

          Na obrigação de meios o contratado obriga-se a prestar um serviço com diligência, atenção, correção e cuidado, sem visar um resultado.

          Na obrigação de resultado o contratado obriga-se a utilizar adequadamente dos meios, com correção, cuidado e atenção e, ainda, obter o resultado avençado.

          Em ambas a responsabilidade dos profissional está escorada na culpa, ou seja, na atividade de meios culpa-se o agente pelo erro de percurso mas não pelo resultado, pelo qual não se responsabilizou. Na atividade de resultado culpa-se pelo erro de percurso e também pela não obtenção ou insucesso do resultado, que este era o fim colimado e avençado, a meta optada.

          No primeiro caso (obrigação e meio) cabe ao contratante ou credor demonstrar a culpa do contratado ou devedor. No segundo caso (obrigação de resultado) presume-se a culpa do contratado, invertendo-se o ônus da prova, pela simples razão de que os contratos em que o objeto é colimado encerra um resultado, a sua não obtenção é quantum satis para empenhar, por presunção, a responsabilidade do devedor.

          Evidentemente que este poderá comprovar não ter agido com culpa ou ocorrência de força maior ou culpa exclusiva do contratante." [42]

          Por fim, cumpre mencionar que a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), encampou a teoria do resultado para os profissionais liberais no § 4o do art. 14. Assim, para verificar a responsabilidade do profissional na condição, por exemplo, de advogado, médico ou publicitário, como a obrigação é de meios, em tese, não haverá a inversão do ônus da prova ou a presunção da culpa, e o contratante deverá provar a conduta ilícita ou culposa (lato senso) do contratado; salvo melhor juízo ao considerar o art. 6o, inciso VIII do CDC.

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Sobre o autor
Alexandre Tavares Cortez

advogado em Divinópolis (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORTEZ, Alexandre Tavares. Responsabilidade civil do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 768, 11 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7159. Acesso em: 20 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho premiado em 1º lugar no II Concurso Nacional de Monografias Jurídicas sobre Ética na Advocacia, promovido pela 2ª Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na categoria profissional/advogado. Publicado nos Anais da XVIII Conferência Nacional dos Advogados, realizada em Salvador (BA), em novembro de 2002.

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