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Responsabilidade civil do advogado

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11/08/2005 às 00:00
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4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

          Transcorrido as primeiras ponderações sobre o advogado, sua função social e seus deveres, além de matéria genérica sobre a responsabilidade civil, resta analisar a responsabilidade civil do advogado.

          Miguel Maria de Serpa Lopes, menciona que:

          "Comparando o nosso sistema com o Direito francês, Aguiar Dias ressalta essa diferença, no tocante à posição do advogado; enquanto em face do regime francês, a função do advogado representa um múnus público, em razão do que ele é tipicamente legal, no sistema do nosso Direito, posto a profissão advocatícia participe da natureza de múnus público, todavia o advogado não é oficial público e, assim, acentua o referido autor, sua responsabilidade é puramente contratual, salvo o caso de assistência judiciária.

          São obrigações de meios as decorrentes do exercício da advocacia." [43]

          As obrigações do advogado, então, são de meio e não de resultado. Basicamente, a doutrina é unânime ao assumir esse entendimento.

          Sílvio de Salvo Venosa, observa que:

          "No entanto, existem áreas de atuação da advocacia que, em princípio, são caracterizadas como obrigações de resultado. Na elaboração de um contrato ou de uma escritura, o advogado compromete-se, em tese, a ultimar o resultado. A matéria, porém, sucinta dúvidas e o caso concreto definirá eventual falha funcional do advogado que resulte em dever de indenizar. Em síntese, o advogado deve responder por erros de fato e de direito cometidos no desempenho do mandato. O exame de gravidade dependerá do caso sob exame. Erros crassos como perda de prazo para contestar ou recorrer são evidenciáveis objetivamente. Há condutas do advogado, no entanto, que merecem exame acurado. Não devemos esquecer que o advogado é o primeiro juiz da causa e intérprete da norma. Deve responder, em princípio, se ingressa com remédio processual inadequado ou se postula frontalmente contra a letra da lei. No entanto, na dialética do direito, toda essa discussão será profundamente casuística. É fora de dúvida, porém, que a inabilidade profissional evidente e patente que ocasiona prejuízos ao cliente gera o dever de indenizar. O erro do advogado que dá margens à indenização é aquele injustificável, elementar para o advogado médio, tomado aqui também como padrão por analogia ao bonus pater familias. No exame da conduta do advogado, deve ser aferido se ele agiu com diligência e prudência no caso que aceitou patrocinar." [44]

          A propósito, se o advogado agiu com cuidado, diligência e prudência, mas não foi vitorioso na ação, mesmo assim lhes são devidos honorários, pois cumpriu com a sua obrigação. Veja-se a propósito, a decisão da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

          "Responsabilidade civil. Contrato de prestação de serviços advocatícios. Insucesso da demanda. Falta de interposição de recurso que não caracterizou perda de chance de vitória. Preclusão do direito de juntar documento aos autos que não pode ser imputada ao procurador se assumiu a causa quando já havia expirado o prazo. Obrigação de meio. Dolo e culpa grave não configurados.

          É obrigação do advogado promover a defesa de seu cliente com atenção, diligência e técnica, sem responsabilidade pelo sucesso ou insucesso da demanda, salvo nas hipóteses de dolo ou culpa grave pelo que o cliente efetivamente perdeu ou pelo êxito que provavelmente poderia ter obtido mediante conduta diversa. Reconvenção. Cobrança de honorários. Ausência de contrato escrito. Irrelevância. Locação de serviços que não se presume gratuita. Se, independentemente de formalização escrita, o contrato de serviços advocatícios existiu e foi cumprido, por força do mandato e da outorga de procuração, rege-se pelas regras da locação de serviços, não se presumindo gratuito, e não implicando o insucesso da causa e a revogação da procuração em renuncia ou perda do direito a remuneração pelo que foi efetivamente prestado. [...]

          Sentença parcialmente reformada.

          (Apelação Cível nº 598368264, 9ª Câmara Cível do TJRS, Porto Alegre, Relª. Desª. Mara Larsen Chechi. j. 08.09.1999)." [45]

          Porém, se o advogado agir com culpa (lato senso), deve reparar o dano. O próprio Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/94, art. 32, caput, dispõe que "o advogado é responsável por dolo ou culpa no exercício profissional."

          Observe, então, a decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná:

          "Responsabilidade civil. Advogado. Nos termos do art. 32, da Lei 8.906/94 (Estatuto) o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

          Como mandatário e obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer. (art. 1.300, do Código Civil) apelo desprovido. Advogado que representando empregador em Processo Trabalhista deixa de argüir a prescrição parcial do crédito reclamado, ensejando com a essa conduta omissiva, a condenação de seu constituinte ao pagamento de verbas salariais relativas ao período de 17 anos anteriores a propositura da reclamatória, quando em apenas dois anos poderia ter incidido a condenação, se argüida essa circunstância tempestivamente e na forma própria e, além, disso, deixa de promover o comparecimento de algum representante de seu constituinte a audiência de instrução e julgamento sujeitando-o a condenação pela revelia, omitindo-se, por fim, mesmo na fase recursal, de argüir a prescrição parcial das verbas reclamadas deve indenizar seu constituinte na forma da lei. CEP JFC

          Decisão: Decide o Tribunal de Justiça do Paraná por sua 5a Câmara Cível, a unanimidade de votos, negar provimento ao recurso.

          (Apelação Cível no 73467800, Ac (3369), 5ª Câmara Cível do TJPR, Curitiba – 20a Vara Cível, Rel. Des. Fleury Fernandes. j. 16.03.1999)." [46]

          A desídia certamente é a matéria de maior relevância para responsabilizar-se o advogado, seja na argüição de prescrição de direitos, perda de prazo para contestar ou recorrer, seja no próprio ato da propositura da ação.

          Decisão da 8a Câmara do TACSP, citada na obra de Sílvio de Salvo Venosa:

          "Contrato – rescisão – honorários advocatícios – excessiva demora da mandatária na propositura da demanda trabalhista para a qual fora contratada, não obstante a fluência do prazo prescricional – arquivamento determinado – negligência da ré configurada – artigo 87, XVIII, da Lei 4.215/63 – indenização devida pela perda de uma chance do autor de ver seu pleito analisado – rescisão do contrato determinada, condenando-se a vencida ao pagamento de 50 salários mínimos mais despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 15 % sobre o valor atualizado da condenação – recurso parcialmente provido (1a TACSP, Ap. 0680655-1, 8a Câmara, Rel. Costa Telles, v. u., j. 23-10-1996)." [47]

          Sílvio de Salvo Venosa ainda diz que, "observe-se sobre o que se denomina ‘perda da chance.’ Embora o aspecto da perda da chance não seja ainda muito esmiuçado na doutrina brasileira, nota-se que os tribunais têm dado pronta resposta à tese, quando ela se faz necessária no caso concreto." [48]

          Veja-se que na decisão da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a primeira jurisprudência citada neste capítulo, foi mencionado logo na ementa que: "Falta de interposição de recurso que não caracterizou ‘perda de chance’ de vitória;" e, na decisão da 8a Câmara do TACSP, logo após a menção da Lei 4.215/63, [49] foi aduzido que: "indenização devida pela ‘perda de uma chance’ do autor de ver seu pleito analisado."

          A teoria da perda de uma chance, ou perda da chance, é um legado dos tribunais franceses ao julgarem os médicos daquele país, após um longo período em que a responsabilidade civil dos esculápios praticamente não existia. O primeiro caso foi referente a um médico acusado e condenado ao pagamento de uma pensão – devido a falta grave contra as regras da arte – , pois seu procedimento de amputar os braços de um criança para facilitar o parto era desnecessário.

          A partir de então, com reiteradas decisões dos tribunais franceses, foi sendo formulada a teoria da perda de uma chance, cujo princípio básico visa que: ‘o médico para ser responsabilizado não tem que perder todas as chances de curar o paciente, basta tão somente uma.’

          Miguel Kfouri Neto, em sua obra, Responsabilidade Civil do Médico, ao comentar sobre o assunto, diz que:

          "O primeiro julgado, na França, que inaugura a jurisprudência sobre a perda de uma chance, é da 1a Câmara da Corte de Cassação, reapreciando caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, de 17.07.1964. O fato ocorreu em 1957. Houve um erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se em 1a instância que, entre o erro do médico e as graves conseqüências (invalidez) do menor não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. A Corte de Cassação assentou que: "Presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilidade". Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação de o médico haver perdido uma ‘chance’ de agir de modo diverso - e condenou-o a uma indenização de 65.000 francos." [50]

          A teoria ‘La perte d’une chance’ (a perda de uma chance), que foi adotada a partir de 1965 pela jurisprudência francesa, há pouco tempo passou a ser analogamente aplicada por alguns tribunais brasileiros para os casos de responsabilidade médica e, atualmente, adaptada aos profissionais que são responsabilizados semelhantemente aos médicos, cuja a obrigação é de meios e não de resultado.

          Assim, a teoria da perda de uma chance é uma tentativa recente de formular parâmetros à responsabilidade civil dos profissionais colimados à obrigação de meios.

          Alguns parâmetros merecem ser ressaltados em relação à culpa, que dá azo à responsabilidade e indenização do cliente pelo advogado.

          Se for observado o que dispõe o art. 32 do Estatuto da OAB, conclui-se que o advogado pode ser responsabilizado por dolo e, também, por culpa em sentido estrito, como já foi citado na decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, e na decisão da 8a Câmara do TACSP; em complemento, pode-se observar também o parágrafo § 4o do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que se refere a verificação da culpa para a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais; e a culpa (lato senso), do art. 159 do Código Civil de 1916, que informa toda a teoria da responsabilidade, e que no novo Código Civil (Lei no 10.406/02) encontra-se no art. 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito;" ficando obrigado a repará-lo como manda o art. 927, caput, do mesmo Código.

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          Porém, a culpa deve ser grave, como leciona Andrade, citado do Gladston Mamede, "já que não há uma culpa do advogado distinta da do homem comum, embora deva estar presente um grau de razoabilidade, na medida em que, em geral, se exige do profissional um conhecimento médio, circunstância que cria uma exigência rigorosa quando se trate de profissional com notória especialização que não age com eficiência que dele se esperava e que lhe é habitual." [51]

          E prossegue Gladston Mamede, citando agora Sodré:

          "... a negligência não se enquadra no conceito de culpa grave. Nesta só se integram o erro inescusável ou o dolo. A culpa grave, no seu sentido lato, abrange a noção de dolo. Já o erro inescusável está englobado na culpa, considerada esta como seu aspecto restrito. Adiante, completa: ‘a simples negligência não deve ser motivo suficiente para dela decorrer a responsabilidade civil, já que ela é de difícil comprovação. Digamos que se procure culpar de negligente o advogado que deixou de usar de recurso permissível. O fato pode ser evidente, mas a causa que o determinou será escusável se, por exemplo, entender o advogado que dito recurso seria inútil, por contrariar a jurisprudência, tornando sem resultado prático, mais onerosa a situação do cliente." [52]

          Além de culpa grave, pode-se observar no caso de erro grosseiro, como ensina Rui Stoco que "não é qualquer erro que se indeniza. Há de estar afetado de irrecusabilidade." Formulando, assim, o parâmetro de erro irrecusável, que segundo o referido autor "é o erro, [...] de quem desconhece a ciência do Direito; o standard da doutrina e da jurisprudência, desfigurando a pessoa do profissional." [53]

          Maria Helena Diniz, diz que "o advogado é responsável pelos erros de direito, desde que graves [...]; pelos erros de fato que cometeu no desempenho da função advocatícia; pelas omissões de providências necessárias para ressalvar os direitos do seu constituinte [...]; pela desobediência às instruções do cliente [...]; pelos conselhos dados e omissões de conselhos ao cliente que lhes trás prejuízo [...];" [54] entre outros. Em síntese, a autora refere-se aos incisos do art. 34 do Estatuto da OAB, comentando sobre eles rapidamente. São importantes preceitos que geram a responsabilidade do advogado, tais como:

          "VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior;

          VII - violar, sem justa causa, sigilo profissional;

          VIII - estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do advogado contrário;

          IX - prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio;

          X - acarretar, conscientemente, por ato próprio, a anulação ou a nulidade do processo em que funcione;

          XI - abandonar a causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias da comunicação da renúncia;

          XII - recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública;

          [...]

          XVII - prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la;

          [...]

          XXIV - incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional;

          [...]"

          Por fim, deve-se salientar que, apesar de alguns doutrinadores serem favoráveis, a inversão do ônus da prova, do art. 6o, inciso VIII do CDC, "não se aplica aos serviços advocatícios, pois estes não se inserem dentro do mercado de consumo," [55] como leciona Gladston Mamede.

          Concordamos com o autor, que diz, "confia-se ao advogado o patrocínio de uma causa, sendo que sua participação, nos termos do art. 2o do EAOAB, ainda que um ministério privado, caracteriza-se ‘serviço público de função social;’ aliás, realça o § 2o desse art. 2o, sua atuação constitui um múnus público. Não há que se falar, portanto, em aplicação do Código de Defesa do Consumidor." [56]

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Sobre o autor
Alexandre Tavares Cortez

advogado em Divinópolis (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORTEZ, Alexandre Tavares. Responsabilidade civil do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 768, 11 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7159. Acesso em: 25 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho premiado em 1º lugar no II Concurso Nacional de Monografias Jurídicas sobre Ética na Advocacia, promovido pela 2ª Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na categoria profissional/advogado. Publicado nos Anais da XVIII Conferência Nacional dos Advogados, realizada em Salvador (BA), em novembro de 2002.

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