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Conselho Tutelar deve encaminhar aos pais adolescente apreendido na delegacia

Agenda 04/02/2019 às 13:00

Lugar de adolescente não é na delegacia, a não ser pelo curto espaço de tempo de sua oitiva e lavratura do procedimento policial.

Como se sabe, considera-se criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade (art. 2º do ECA). Por ser inimputável, o menor que pratica conduta descrita como crime ou contravenção penal não comete infração penal, mas ato infracional (art. 228 da CF, art. 27 do CP e arts. 103 e 104 do ECA).

O tratamento infracional da criança e do adolescente obedece à doutrina de proteção integral, que decorre diretamente do comando constitucional albergado no art. 227. Essa sistemática segue a linha de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, tais como a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.710/90), Diretrizes de Riad (Resolução 45/112 da ONU) e Regras de Pequim (Resolução 40/33 da ONU).

A criança que pratica ato infracional se sujeita às medidas de proteção (art. 104 do ECA), que englobam, por exemplo, encaminhamento aos pais ou responsável, inclusão em programas de proteção, tratamento médico e acolhimento institucional ou familiar (art. 101 do ECA). Se surpreendida em flagrante, não deve ser conduzida à Delegacia de Polícia, mas atendida pelo Conselho Tutelar (art. 136, I do ECA),[1] em regra, exceto ante a ausência de estrutura do órgão ou insuportável risco decorrente da prática de ato infracional de excepcional gravidade.[2]

Já o adolescente autor de ato infracional fica sujeito às medidas socioeducativas (art. 112 do ECA), que abrangem até mesmo a internação. Caso capturado em flagrante, deve ser conduzido coercitivamente para audiência de apresentação e garantias perante o delegado de polícia (art. 172 do ECA e art. 10.2 das Regras de Pequim).

Com a apresentação do adolescente na Delegacia de Polícia e lavratura do auto de apreensão em flagrante ou boletim de ocorrência circunstanciado (art. 173 do ECA), o menor pode solicitar a presença dos pais ou outra pessoa, como um advogado (art. 107 do ECA).[3] Se o adolescente permanecer sozinho, é recomendável o acompanhamento do Conselho Tutelar, que sempre deve agir ante a omissão dos pais (arts. 136, I c/c 98, II do ECA).

Caso o ato infracional não se revista de gravidade e repercussão social, e a internação não seja necessária para a segurança pessoal e ordem pública, a presença dos pais será requisitada para possibilitar a liberação do adolescente (art. 174 do ECA). Ocorre que, não raras vezes, os responsáveis legais não comparecem à Unidade Policial, agindo com manifesta negligência. Surge então a indagação: o que fazer com o menor que se encontra na Delegacia?

Diante de flagrante de ato infracional, se os pais não comparecerem, o menor não será liberado, mas entregue imediatamente ao Ministério Público (art. 175, caput do ECA). Caso seja impossível ao Parquet recebe-lo imediatamente, o adolescente deve ser encaminhado à entidade de atendimento, que por sua fez fará a apresentação ao MP em 24 horas (art. 175, §1º do ECA). Se inexistir entidade de atendimento estruturada, o infrator será apresentado ao Ministério Público pela própria Polícia Judiciária nesse mesmo lapso temporal (art. 175, §2º do ECA).

Percebe-se que não é obrigação do delegado de polícia entregar o adolescente aos pais ou procurá-los (muito embora não seja proibido fazê-lo); pelo contrário, os responsáveis é que devem comparecer à Unidade Policial. Caso negligenciem sua obrigação, deve o Conselho Tutelar agir imediatamente em razão da omissão dos pais. A inércia do Conselho Tutelar resultaria no encaminhamento do adolescente à entidade de atendimento (e posterior apresentação ao MP em 24 horas), ou sua apresentação ao Parquet em 24 horas pela Polícia Civil, hipóteses que representariam uma evitável restrição da liberdade do adolescente, interesse pelo qual deve o Conselho Tutelar zelar.

Com efeito, o Conselho Tutelar é o órgão vocacionado à proteção dos interesses dos menores (art. 131 do ECA). Exatamente por isso possui a atribuição legal expressa (art. 136, I do ECA) de aplicar medidas de proteção a crianças ou adolescentes em decorrência da falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável (art. 98, II do ECA), o que abrange o encaminhamento aos pais ou responsável (art. 101, I do ECA). Também tem o dever de atender e aconselhar os pais ou responsável (art. 136, II do ECA), papel que a lei não outorgou em momento algum ao delegado de polícia.

Deve, de igual forma, encaminhar ao Ministério Público a notícia da omissão dos pais que constitui infração administrativa contra os direitos da criança ou adolescente (arts. 136, IV e 249 do ECA). Nessa mesma toada, deve intervir precocemente em prol dos interesses do menor, tão logo a situação de perigo seja conhecida (art. 100, parágrafo único, VI do ECA), integrando-se operacionalmente com a Polícia Civil (art. 88, V do ECA).

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Destarte, a ação do Conselho Tutelar deve consistir na condução do adolescente ao seu responsável (art. 101, I do ECA), o que permite que os pais ou responsável sejam aconselhados (art. 136, II do ECA), e ao mesmo tempo poupa o adolescente de uma restrição à liberdade que pode ser evitada (ainda que por 24 horas), atendendo ao interesse superior do menor (art. 100, parágrafo único, IV do ECA).

Não se pode fechar os olhos ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, postulado segundo o qual os aplicadores do direito devem buscar a solução ao caso concreto que proporcione o maior benefício possível para o menor. Além disso, na interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente, todos devem extrair da norma a maior proteção possível para a criança e o adolescente.[4]

Não existe óbice legal à presença do Conselho Tutelar na Delegacia de Polícia. Ao contrário, conduzindo o menor à presença dos pais ou responsável legal, o conselheiro tutelar cumpre seu dever de atendê-los e aconselha-los, verificando a necessidade de aplicação de medidas do art. 129 do ECA e a instauração de processo judicial pela prática da infração administrativa do art. 249 do ECA, de modo que passem a assumir suas responsabilidades e comparecer perante a autoridade policial.

A adoção de tais providências pelo Conselho Tutelar deve ser feita assim que o órgão tomar conhecimento do caso, inserindo-se no contexto de dever do Poder Público de garantir a proteção integral infanto-juvenil. Não fosse assim, não faria sentido a criação, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, de um organismo especial com atribuições específicas.

De outro lado, é consabido que o adolescente só deve ser submetido à ação policial (não só de apreensão, mas também de permanência na Delegacia e de condução coercitiva em viatura policial) de forma excepcional, pois o princípio da intervenção mínima impõe a ação exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente (art. 100, parágrafo único, VII do ECA). Ademais, o princípio da proporcionalidade só admite a intervenção necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada (art. 100, parágrafo único, VIII do ECA). Justamente com o objetivo de abrandar ao máximo a presença do adolescente em repartição policial, de modo que fique o menor tempo possível nesse local, é que a lei faculta ao delegado substituir o auto de apreensão em flagrante por boletim de ocorrência circunstanciada (art. 173, parágrafo único do ECA).[5] A mesma conclusão se extrai do regramento internacional sobre o tema, qual seja, art. 10.3 das Regras de Pequim.

A Delegacia de Polícia consiste em local onde diuturnamente transitam policiais armados e perigosos criminosos, expondo a todos que ali permanecem a intenso risco e situação de extrema vulnerabilidade. Portanto, lugar de adolescente não é na Delegacia, a não ser pelo curto espaço de tempo de sua oitiva e lavratura do procedimento policial. E muito menos desfilando em via pública na viatura policial, fato que a estigmatiza perante a sociedade e a deixa exposta a perigo evitável. Não é preciso ser do meio policial para saber que um veículo com os dizeres Polícia está permanentemente sujeito a receber disparos de arma de fogo de criminosos e ser hostilizado de outras formas. Ora, se existe um órgão de cunho eminentemente protetivo – o Conselho Tutelar – destinado justamente para essa finalidade, é absolutamente ilógico pretender impor a um órgão policial armado, carente de recursos humanos e materiais, a responsabilidade pelo encaminhamento do adolescente infrator. Com efeito, a ação do Conselho Tutelar quando os pais ou responsável abandonam o menor na Delegacia de Polícia não resulta somente da aplicação de inúmeros dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Decorre da própria realidade fática.

Argumentos genéricos no sentido de que o delegado de polícia possuiria expertise em localizar e aconselhar pais e responsáveis e por isso deveria fazer as vezes do conselheiro tutelar não possuem qualquer base legal, configurando verdadeiro contorcionismo cognitivo com exclusiva finalidade de desincumbir o Conselho Tutelar de sua missão e jogá-la indevidamente nos ombros da Polícia Judiciária, cujo desempenho das atribuições ordinárias já é dificultado pela falta de suficiente investimento estatal.

Apesar de óbvio, vale lembrar que a condução do adolescente aos pais em nada se confunde com a necessária comunicação da apreensão em flagrante à família do adolescente (art. 107 do ECA), omissão que inclusive caracteriza crime (art. 231 do ECA).

Portanto, constatada a negligência dos pais e o não comparecimento imediato à Delegacia de Polícia para acompanhar o adolescente apreendido em flagrante de ato infracional, é atribuição do Conselho Tutelar encaminhar o menor aos seus pais.


Notas

[1] ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: RT, 2011, p. 437.

[2] ISHIDA, Velter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Atlas, 2011, p. 390.

[3] Caso o advogado compareça, é seu direito assistir a seu cliente, sob pena de nulidade, porquanto o art. 7º, XXI do Estatuto da OAB se aplica a qualquer tipo de investigação (e não só a criminal). A respeito: HOFFMANN, Henrique; COSTA, Adriano Sousa. Advogado é importante no inquérito policial, mas não obrigatório. Revista Consultor Jurídico, jan. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-jan-14/advogado-importante-inquerito-policial-nao-obrigatorio>. Acesso em: 14 jan. 2016.

[4] BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da criança e do adolescente. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 26/30.

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 719.

Sobre o autor
Henrique Hoffmann

Professor e coordenador de pós-graduação do CERS. Autor de livros e coordenador de coleção pela Juspodivm. Colunista do Conjur e da Rádio Justiça do STF. Professor da Escola da Magistratura Mato Grosso, Escola da Magistratura do Paraná, Escola Superior de Polícia Civil do Paraná e SENASP. Coordenador do IBEROJUR no Brasil. Mestre em Direito pela UENP. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UGF. Bacharel em Direito pela UFMG. Delegado de Polícia Civil do Paraná. Premiado como melhor Delegado de Polícia do Brasil na categoria jurídica. Publicou mais de 25 livros e 70 artigos, e proferiu mais de 60 palestras em 17 estados. www.henriquehoffmann.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Henrique Hoffmann. Conselho Tutelar deve encaminhar aos pais adolescente apreendido na delegacia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5696, 4 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71780. Acesso em: 22 dez. 2024.

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