Muito embora a crença popular amplamente difundida em nosso País continue a afirmar que a sociedade brasileira encontra-se irremediavelmente dividida, para fins de distribuição da justiça, entre cidadãos ricos e pobres, - os primeiros, constantemente protegidos pelo manto sagrado da impunidade, e os segundos, permanentemente perseguidos pelo denominado e bastante divulgado “sistema social injusto” -, a verdade é que não tem mais sentido (ou pelo menos deixou de ter no exagerado grau que se projetou no passado) tal concepção, à luz, sobretudo, da reconhecida consolidação da democracia brasileira, fundada nas mais amplas liberdades e, principalmente, na interpretação conferida ao princípio constitucional da igualdade entre os cidadãos.
Se, para alguns, os ricos continuam impunes, e os pobres padecendo nas prisões, para outros tantos (e, talvez, para a grande maioria), o problema fundamental passou a ser outro, qual seja: a absoluta impunidade, - pela inexorável impossibilidade fática da aplicação dos rigores da lei aos chamados menores infratores (muitos dos quais com até mais de 18 anos de vida natural, mas, ao mesmo tempo, com menos de 18 anos legais), como bem assim, aos demais cidadãos “nacionais” que se encontram residentes nos "santuários geográficos da impunidade" -, vis-a-vis com a rígida punibilidade que a Constituição e a legislação penal impõem ao cidadão comum, trabalhador e honesto, pai de família e, acima de tudo, responsável no trato social.
Esse autêntico cidadão de 2ª classe que, por não viver na clandestinidade, ao se defender de uma violência praticada por um pretenso menor (ou por este autêntico “tutelado social") será obrigado a responder por anos e anos perante o Poder Judiciário, com toda a rigidez da lei, até lograr provar, finalmente, a licitude de sua ação de legítima defesa, em flagrante contraposição legal ao tratamento radicalmente oposto dispensado ao menor agressor que, na hipótese inversa, será, em situação de verdadeira afronta a toda a sociedade, encaminhado à delegacia que objetiva a sua "proteção" (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente - DPCA), uma vez que este constitui-se, por força da própria legislação constitucional e infra-constitucional em vigor (ou de suas distorcidas interpretações judiciais), em verdadeiro cidadão de 1ª classe, acima das leis e do próprio Direito mais elementar.
Resta, portanto, ao cidadão que ainda acredita nos valores de nossa sociedade, - seja pobre, de classe média ou rico -, simplesmente a sensata escolha de não se defender, uma opção certamente menos traumática, muito mais inteligente do ponto-de-vista econômico e bem menos arriscada sob a ótica legal, mas, ao mesmo tempo, sob o prisma social, fortemente incentivadora da criminalidade e das condutas antissociais conduzidas por toda a sorte desses pretensos menores de mais de um metro e oitenta que, cada vez mais conscientes de seus "direitos especiais", colocam-se acima de todos os demais integrantes da sociedade brasileira.
Isso não quer dizer, por outro lado, que as crianças, - principalmente as mais humildes, como, também, todos os demais cidadãos, particularmente os menos afortunados -, não devam ter do Estado a mais ampla proteção, inclusive legislativa, que permita às mesmas uma vida digna e honrada e, especialmente, a possibilidade de se desenvolverem plenamente. Entretanto, é óbvio que não faz qualquer sentido lógico a outorga (pura e simples), de tal direito, de forma indistinta, sob o singelo (e, por esta razão, equivocado) argumento de que “todos são iguais perante a lei” e, muito menos, quando esta concessão legal ocorre em sinérgico prejuízo dos demais cidadãos que, muitas vezes, com imensurável sacrifício, constituíram suas vidas calcados na crença inafastável da defesa dos valores mais sublimes que a sociedade brasileira, pelo menos em parte, logrou imprimir em sua Carta Magna de 1988.
Urge reconhecer que nossos cidadãos de 2ª classe se constituem, em última análise, nos verdadeiros responsáveis pelo pouco que ainda resta de digno e humano em nossa sociedade e, com toda a certeza, não podem merecer um tratamento dessa natureza, profundamente injusto (e, porque não dizer, insensato), que os condene sumariamente a uma posição de relativa inferioridade legal, impondo aos mesmos o pesado ônus da prova de legítima defesa (ou de outras excludentes de ilicitude penal) quando se debatem involuntariamente contra menores, com extensos registros de homicídios bárbaros e outras ações hediondas com elevado requinte de crueldade, além de infinitas passagens por instituições de custódia.