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O instituto do parto anônimo e sua efetividade no Direito Brasileiro

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A pesquisa aborda a possibilidade de parto anônimo (ou roda dos expostos) e abandono de crianças no Brasil, investigando as razões por trás desse fenômeno e a efetividade das políticas públicas.

Resumo: O Instituto do Parto Anônimo, mais conhecido como Roda dos Expostos, retorna ao cenário brasileiro em decorrência dos Projetos de Lei n° 2.747/2008, n° 2.834/2008 e n° 3.220/2008 que diligenciam a sua regulamentação, levando à baila a probabilidade de a gestante parir de maneira anônima, deixando a criança para ser doada, sem qualquer vínculo afetivo, além da assistência a saúde pelos órgãos governamentais. Nota-se através desta pesquisa, que o abandono de crianças tem se tornado uma realidade no Brasil, sendo percebidas inúmeras razões, pelas quais os pais rejeitam suas proles. Dessa forma, a pesquisa visa verificar como se dar o contexto histórico do parto anônimo, assim como a efetividade das políticas públicas de assistência a mulher no seu período gestacional e os diversos motivos que levam a mãe ou a família ao abandono de seus entes recém-nascidos. Busca-se também perceber a efetividade do instituto do parto anônimo na legislação brasileira, através dos projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional e o que diz a Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Parto Anônimo; Efetividade; Direito Brasileiro.


INTRODUÇÃO

O Instituto do Parto Anônimo é tema principal deste artigo, sendo analisados o contexto que ocorria em tempos remotos através da Roda dos Expostos e os projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional no ano de 2008, pois nota-se através de estudos de autores renomados que o abandono de recém-nascidos, apresenta-se como uma constante desde tempos remotos, sendo variadas as causas de tais feitos. (PEREIRA, 2008).

A mídia tem apresentado casos a respeito do desamparo aos recém-nascidos por seus pais, de maneira clandestina, sendo noticiados casos de desamparo às margens de rios, banheiros públicos, latas de lixo e entre outros.

Diante de tantos casos de abandono de crianças, foi apresentado ao Congresso Nacional no ano de 2008 três projetos de lei visando regulamentar o parto anônimo no Brasil, desencadeando discussão a respeito do tema após o aumento na divulgação de casos de abandono de recém-nascidos, afetando assim diretamente o instituto da família, como ressaltado por Pereira (2008, p. 160), nos anos de 2006 e 2007, “diversos casos de abandono foram noticiados acerca de bebês jogados em latas de lixo, às margens de rio, ao longo de estrada, ferros velhos, banheiros públicos, em situações degradantes”.

Vale salientar que a expressão “parto anônimo” era conhecida na Idade Média por “Roda dos Expostos” ou “Roda dos Enjeitados”, pois as crianças doadas eram colocadas em um artefato giratório de madeira no qual a prole era transferida para o interior das dependências das Santas Casas de Misericórdia, hospitais conventos (Pereira, 2008).

A abordagem do tema se justifica pela necessidade de verificar a aplicabilidade dos projetos de lei que versam sobre o parto anônimo, analisando as peculiaridades de seus efeitos práticos na sociedade, assim como quais indivíduos se beneficiariam de tais prerrogativas, assim como se dar a execução de políticas públicas voltadas para a assistência ao planejamento familiar.

O objetivo geral da pesquisa é a verificar a efetividade do parto anônimo no direito brasileiro e os objetivos específicos destinam-se a verificar como se dar o contexto histórico do parto anônimo, assim como a efetividade das políticas públicas de assistência a mulher no seu período gestacional e os diversos motivos que levam a mãe ou a família ao abandono de seus entes recém-nascidos. Perceber a efetividade do instituto do parto anônimo na legislação brasileira, através dos projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional e o que diz a Constituição Federal de 1988.

A pesquisa tem cunho bibliográfico e será feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos e entre outros. Nesse sentido, Fonseca (2010, p. 32), destaca que “qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto”. Dessa forma, serão abordados para o confronto de ideias os estudos de alguns autores como Albuquerque (2010), Fachin (2003), Sarmento (2007), Barcellos (2005), assim como os Projetos de Lei 2.747/2008, 2.834/2008 e 3.220/2008.


1. O CONTEXTO HISTÓRICO DO PARTO ANÔNIMO OU RODA DOS EXPOSTOS

Pode-se afirmar que o Parto Anônimo é o direito da mãe em permanecer desconhecida, sem que haja responsabilidade civil ou penal, quando esta entregar a prole para que seja adotada, sendo assegurado o direito ao acompanhamento médico durante a gravidez e também após esta. (FREITAS, 2008).

O Parto Anônimo é um instituto antigo e estudos remontam seu surgimento no século XVIII, também conhecido como Roda dos Expostos, onde recém-nascidos e crianças sempre foram abandonados por seus genitores ao longo da História.

Scliar (2006), ressalta sobre a Roda dos Expostos:

Roda dos expostos: recebia bebês rejeitados até o final dos anos 40. Feitas de madeira, eram geralmente um cilindro oco que girava em torno de seu próprio eixo e tinha uma portinha voltada para a rua. Sem ser identificada, a mãe deixava seu bebê e rodava o cilindro 180 graus, o que fazia a porta ficar voltada para o interior do prédio, onde alguém recolhia a criança rejeitada. Em São Paulo, bastava a campainha soar no meio da noite para as freiras da Santa Casa terem a certeza de que mais uma criança acabava de ser rejeitada. (Scliar, 2006).

A primeira data do século XVIII, na Bahia. Elas estavam instaladas em conventos, hospitais e casas de Misericórdia, e foram criadas em razão da grande quantidade de abandono de crianças. O recém-nascido era posto nessa portinhola, que girava para dentro, e quem o tivesse depositado ali puxava uma cordinha que fazia tocar um sino, avisando à instituição que uma criança havia sido deixada. (FREITAS, 2008).

A Santa Casa registrava, em livro, o dia e a hora que a criança havia sido recolhida, e anexava à essa, notas, bilhetes ou informações deixada pelas mães, que poderiam facilitar, mais tarde, a identificação de sua origem. Faz tempo que a roda dos expostos foi extinta. Mas ultimamente, vendo a quantidade de crianças abandonadas em lixeiras e ruas, ou seja, à própria sorte, Glória Perez questiona se não seria mais humano se as rodas voltassem a existir. (FREITAS, 2008).

As mães abandonavam os recém-nascidos anonimamente. Algumas, por questões financeiras, religiosas, outras, pela necessidade de ocultar uma gravidez indesejada. Na maioria dos casos, essas se viam sem nenhuma condição de criar seus bebês e, a única solução era o abandono. Mulheres que viviam em uma sociedade patriarcal, a qual o homem era o provedor. Essas mulheres não tinham nem sequer um trabalho, uma profissão, assumir uma criança era praticamente impossível, num cenário que a figura feminina não tinha voz ativa.

Com o intuito de diminuir o alto índice de abandono de crianças recém-nascidas, alguns países como a Áustria, França, Itália, Luxemburgo, Bélgica, Estados Unidos e dentre outros, instituíram um mecanismo legislativo denominado “parto anônimo”, cujo objetivo é oferecer às mães que desejam abandonar seus filhos de forma clandestina, ou ainda promover um aborto, a alternativa de deixá-lo no próprio hospital onde der à luz, para assim ser encaminhado para adoção, preservando o sigilo da identidade da genitora. (TERTO, 2015).

Atualmente, em pleno século XXI, o Brasil se encontra em condições trágicas com relação ao abandono de recém-nascidos. Diariamente, a mídia noticia abandonos em seus vários moldes. Mães sem nenhuma estrutura, tanto financeira, quanto psicológica, abandonam seus filhos em becos, sacos de lixos, quintais e até mesmo jogados à própria sorte. E se observar de uma maneira mais crítica, esses atos são constantes, e estão ligados a questões socioeconômicas. A Lei do parto anônimo garante a proteção tanto do recém-nascido, quanto da mãe, pois se os órgãos competentes acompanharem essa mulher que está angustiada e desesperada, durante todo o seu pré-natal e durante o parto, consequentemente diminuiria e muito o número de abortos, e evitaria que essa mulher matasse a si mesma com ingestão de altas doses de medicamentos e por passar por procedimentos que na maioria dos casos são realizados em clínicas clandestinas.

Nesse sentido, Albuquerque (2007), ressalta que:

O parto anônimo diz respeito a um instituto que busca equalizar dois interesses contrapostos, de um lado garantir que uma criança indesejada pela mãe não seja vítima de abandono, aborto ou infanticídio e, de outro, que à mãe, que não quer ser mãe, seja assegurado o direito ao anonimato e a não formação da relação materno-filial. (Albuquerque, 2007, p.11).

Foram apresentados, em 2008, três projetos de lei (nº 2.747/2008, nº 2.834/2008 e nº 3.220/2008) ao Congresso Nacional, apresentado pelo Deputado Federal Eduardo Valverde, um Projeto de Lei que busca instituir o parto anônimo. Um projeto de sua autoria, cujo objetivo é prevenir o abandono de recém-nascidos. (TERTO, 2015).

O IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direitos da Família, institui o Projeto de Lei do Parto Anônimo. Esse projeto visa atender a mulher que não quer, ou que não pode ficar e criar o seu filho, seja atendida e acompanhada de forma gratuita pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Pretende-se com essa iniciativa, que a mulher seja atendida de maneira humanitária e anônima durante toda a sua gestação, e que após o nascimento dessa criança, o projeto nº 2.747/08, prevê em seu art. 9º, que essa criança seja levada à adoção após 8 (oito) semanas da data em que chegou ao hospital, período em que a mãe ou parentes biológicos poderão reivindicá-la. (TERTO, 2015).

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2. A FALTA DE PLANEJAMENTO FAMILIAR E DE POLÍTICAS PÚBLICAS CONSISTENTES, COMINA NO ABANDONO DOS FILHOS INDESEJADOS

Entende-se que o planejamento familiar é de suma importância para a estruturação da família, tanto nos aspectos econômicos, sociais e entre outros. Mas, alguns filhos ainda são gerados fora desse contexto de organização, havendo a carência de planejamento, estrutura para concepção dos ascendentes e nesse sentido, advém os filhos não queridos, não programados por seus genitores, tendo como consequência disso a ausência de afetividade, a repulsa da criança, o abandono, a doação e tantas outras implicações atribuídas por parte dos pais. (Fachin, 2003).

Todavia, o Estado não impede as famílias de procriarem, pois isso é reflexo do direito fundamental à liberdade que todo indivíduo tem de viver em sociedade e compor família, a sua maneira, respeitando-se todos os tipos de formações familiares existentes no Brasil e caracterizando-se como autonomia de suas vontades e autodeterminação.

Assim, Fachin (2003), ressalta que:

O sujeito moderno é concebido como ser que se autodetermina, que decide livremente sobre a sua vida, com vistas ao desenvolvimento autônomo da personalidade, já que este possui capacidade de dominar a si e à natureza por meio da razão. (Fachin, 2003, p. 26).

Nota-se nas colocações de Fachin (2003), que o indivíduo de fato é livre para fazer suas escolhas, baseando-se no desenvolvimento autônomo, prerrogativa constante na Constituição Federal de 1988, art. 5° - que ressalta sobre os Direitos e Garantias Fundamentais e no art. 226, § 7° - que destaca sobre o planejamento familiar, sendo de livre decisão do casal. Todavia, algumas peculiaridades do Estado como as econômicas e de suporte precárias, abre precedente para que se questione a respeito do papel que este exerce com relação às políticas públicas que contemplem o planejamento familiar. (Fachin, 2003).

Albuquerque (2010), analisa dados do IBGE de 2005 e 2007 sobre a falta de planejamento familiar e expõe os resultados, conforme abaixo:

Ex-gari, 40 anos, foi submetida à laqueadura depois de ter tido o 18º filho, mas, na verdade, passou por 27 gestações, sendo a primeira gestação aos 11 anos. 12. de seus filhos ficaram em Alagoas com familiares, quando ela deixou o estado, 9 abortos espontâneos (out/07). [...] IBGE/Pesquisa 2005 – Mães precoces. Em 2000, no estado de Alagoas, 18,5% das mães com 18 anos já possuíam, ao menos, dois filhos nascidos vivos. (...) Jovens engravidam e deixam estudos. De 96 a 2006, a única faixa que cresceu de fecundidade foi a de adolescentes entre 15 e 17 anos. Como resultado, há o perfil da jovem, infelizmente, em sua maioria, nordestina, que não rompe o ciclo da pobreza, predestinada a gravidez precoce, ausência de uma política de prevenção à gravidez e o impacto emocional e econômico da adolescente grávida em idade escolar. (Albuquerque, 2010, p. 80).

Assim, Sarmento (2007), explana que a população não dispõe de educação e muito menos de políticas públicas consistentes, voltadas para o planejamento familiar adequado, pois, se assim o tivesse, o quantitativo de gestações indesejadas, gravidez na adolescência e abortos clandestinos obviamente, não fariam parte de estatísticas expressivas no Brasil. Como o procedimento abortivo é tipificado como crime, salvo nos casos especificados em lei, uma das alternativas viáveis seria a substituição do abandono pela entrega do descendente, através do instituto do parto anônimo.

Sarmento (2007), assevera quando destaca que:

Em que pese a tese constitucional conferida à vida pré-natal, não é razoável impor à mulher o ônus de prosseguir numa gestação que pode lhe comprometer a saúde física ou psíquica. Devidamente comprovado o risco, deve ter a gestante o direito de optar pela interrupção da gestação, no afã de salvaguardar sua própria higidez física e psíquica. Isto porque, como foi assentado anteriormente, a proteção constitucional ao nascituro não tem a mesmo intensidade do que a assegurada pela Lei Maior aos indivíduos nascidos. (Sarmento, 2007, p. 40).

Percebe-se nas colocações de Sarmento (2007) que este considera o aborto, em casos de risco à saúde da gestante, como uma alternativa de prolongar a vida da genitora. Entretanto, Sarmento (2007), pondera ainda que uma em cada quarenta mulheres brasileiras, de até quarenta anos de idade, já realizou prática abortiva. Pois, o número de clínicas clandestinas que fazem o procedimento ilegal, ainda é expressivo.

Nesse sentido, percebe-se a fragilidade no Brasil de políticas públicas de planejamento familiar consistentes, pois se houvesse, não se notaria tantas mulheres optando por realizar abortos de forma clandestina. Embora se saiba que existam políticas públicas nesse sentido, mas o que se questiona é a sua eficácia, se de fato cumpre o papel. (Sarmento, 2007).

Com tantas interrogações acerca da efetividade das políticas públicas, Barcellos (2005) enfatiza que:

Compete à Administração Pública efetivar os comandos gerais contidos na ordem jurídica e, para isso, cabe-lhes implementar ações e programas dos mais diferentes tipos, garantir a prestação de determinados serviços, etc. Esse conjunto de atividades pode ser identificado como “políticas públicas”. É fácil perceber que apenas por meio de políticas públicas o Estado poderá, de forma sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na Constituição (e muitas vezes detalhados pelo legislador), sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais que dependam de ações para sua promoção. (Barcellos, 2005, p. 90).

Percebe-se nas colocações de Barcellos (2005) que de fato o Estado tem a prerrogativa de implementação das políticas públicas, porém Albuquerque (2010) sinaliza para o problema da efetivação e dar ênfase a questões sociais, econômicas, além da sexualidade precoce entre os jovens, assim como a informação acessível através das redes sociais, todavia, na prática ainda surge a insegurança:

Quem detém a informação, em tese, tem autonomia sobre seus corpos, sobre sua sexualidade e compreende o significado do que seja paternidade responsável e planejamento familiar, mas o problema reside exatamente no fato de que há uma massa de pessoas à margem de qualquer traço denotativo de dignidade e de cidadania. Excluídas de um patamar mínimo de direitos, é o retrato da miserabilidade. Como então imaginar que as informações, o acesso aos métodos contraceptivos, ao controle efetivo de natalidade, e, portanto, ao planejamento familiar atinja esta camada de excluídos. (Albuquerque, 2010, p. 79).

Nesse contexto, não há como fazer juízo de valores quando se percebe que uma mãe abandonou um filho, pois dentre tantos outros motivos, tem a parcela de culpa do Estado, na falta de maior assistência a essa mulher, porém a sociedade ainda tem adotado uma postura de preconceito, sem perceber que a mãe que abandona, muitas vezes, é a abandonada e a acometida socialmente pela ausência de condições existenciais mínimas de dignidade. (Albuquerque, 2010).

Motta (2001, p.71), enfatiza que: “a decisão de entregar um filho em adoção ou a ideia de fazê-lo pode ter vários significados, desde aceitar a impossibilidade de criá-lo, sua rejeição à criança ou aceitar a frustração do amor e do desejo de maternar”. Assim, percebe-se nesse contexto, a necessidade da implementação do parto anônimo, evitando-se o número recorrente de abortos e possibilitando a constituição de vínculo paterno à criança.

Chrispi (2007), analisando fatores sociais do abandono de crianças, destaca sobre o quanto a mãe sofre ao abandonar um filho e referencia o trecho de um relato de uma mãe sobre o tema:

Eu já não vivia mais com o pai dos meus filhos, que é pai dela também (...) ele já não me ajudava nem com o Bruno e nem com a Laura, aí não ajudava em nada, não dava pensão. (...) A roupa da Laura, eu fui guardando tudo, eu falei: pelo menos, roupinha eu vou ter, vai servir, eu tinha medo de não conseguir sustentar, porque eu já passava dificuldade com o Bruno e com a Laura. Então eu fiquei com medo, quem ajudava mais era meu pai e minha mãe, na medida do possível. E era só o que eu tinha com o trabalho. Daí ei fiquei com medo de falar pra eles e eles ficarem bravos...então eu fui...falei...eu vou levando, vou escondendo, a hora que nascer eles vão ver, porque dá não vai ter mais jeito. A Laura era bebê ainda... E tudo isso veio acumulando, acumulando, eu fui ficando mal, eu não tinha coragem de contar pra ninguém. É como se não fizesse parte de mim isso, porque meus filhos são a razão da minha vida. (...) dei leite para ela (amamentou), duas vezes, eu dei leite para ela e saí assim, saí... fui andando. Foi a hora em que eu olhei no cemitério e aí coloquei ela lá, é como se fosse assim uma coisa que não fosse eu. (...) Eu pegava o ônibus lá todo dia para ir trabalhar (...). (Chrispi, 2007, p. 68).

Nota-se no exposto por Chrispi (2007) que o depoimento da mãe é representação do contexto social, da falta de perspectiva da genitora no que concerne a gestação sem planejamento, ou seja, indesejada por ela e pelo genitor, por inúmeros motivos, sejam financeiros, medo de assumir sozinha a maternidade, sendo fadado o recém-nascido ao abandono.


3. O PARTO ANÔNIMO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Dos Direitos e Garantias Fundamentais constitucionais, do direito à vida, à liberdade, à igualdade, (art. 5°, CF/88). Da não discriminação entre os filhos da relação do casamento ou fora dele, ou por adoção disciplinada no § 6º, artigo 227 da mesma Constituição. A família ganhou garantias nos sujeitos que a compõem, passando a garantir judicialmente os pactos afetivo-jurídicos que se celebra com as comunidades do afeto, a exemplo das famílias decorrentes de adoção, como ensina Paulo Luiz Netto Lôbo:

O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue. A história do direito à filiação confunde-se com o destino do patrimônio familiar, visceralmente ligado à consangüinidade legítima. Por isso, é a história da lenta emancipação dos filhos, da redução progressiva das desigualdades e da redução do quantum despótico, na medida da redução da patrimonialização dessas relações. O desafio que se coloca aos juristas, principalmente aos que lidam com o direito de família, é a capacidade de ver as pessoas em toda sua dimensão ontológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou patrimonial. Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade e aos fundamentos constitucionais. (LÔBO, 2000, p.56).

Quando se trata da dignidade da pessoa humana, Lôbo (2000) ressalta que com a chegada da Constituição Federal de 1988, na condição de filho, não se deve promover a desvalorização na sua origem, com isto se tem observado a valoração humana, com embasamento no princípio da afetividade. Ressalta ainda o autor, que “nesta ótica, são destacados pelo princípio da afetividade”, neste pensamento foi observado características desta evolução, conforme artigo 227 e seus parágrafos, da Constituição Federal, ou seja, “evolução social da família na igualdade dos filhos, adoção como escolha afetiva e proteção da comunidade formada por quaisquer dos pais e seus descendentes”.

Lôbo (2008, p. 37) divide os princípios jurídicos aplicáveis ao Direito de Família em “fundamentais e gerais ao qual refere ao melhor interesse da criança, onde entra o debate acerca do parto anônimo: o princípio maior da dignidade humana, o do melhor interesse da criança e o princípio da afetividade”.

No contexto “Parto Anônimo e a Legislação Brasileira”, não se pode deixar de analisá-lo ao princípio que rege o Direito e a nossa sociedade: o princípio da dignidade humana. O propósito da instituição do Parto Anônimo no Brasil, o qual aparece como alternativa para resguardar a dignidade e a integridade física e psíquica de crianças abandonadas pelas mães, como forma de colocação em família substituta, garantindo, dessa forma, o direito ao convívio familiar, e assegurando as mães que não pretende ficar com os filhos um direito digno de acompanhamento e não responder por ato de abandono pela justiça brasileira, temas estes já amparado na Constituição Federal de 1988 e no E.C.A – Estatuto da Criança e do Adolescente.

As tentativas de regulamentar o Parto Anônimo no Brasil, através dos Projetos de Leis n° 2.747, 2.834 e 3.220 todos do ano 2008, projetos estes encaminhados para apreciação pelos Deputados Eduardo Valverde, Carlos Bezerra e Sérgio Barradas Carneiro, porém não foram aprovadas. A publicação do DCD (Diário da Câmara dos Deputados) de 8 de junho de 2011, confirma e justifica seu arquivamento:

Os projetos contrariam a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990, que em seu art. 7º garante aos filhos o direito de conhecer os pais, ser educada por eles, bem como o direito de preservar sua identidade e suas relações familiares, previsto no art. 8º dessa Convenção. Um outro dado é a contramão das proposições em relação à Lei máxima do país sobre infância e adolescência, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 1990), que entre outras determinações, prevê: (citados os artigos 10, 15 e 17, ECA, DCD, 08/06/2011). (Diário da Câmara dos Deputados, jun. 2011).

Publicado no mesmo Diário, que, a utilização do mecanismo do anonimato fere o direito à preservação da identidade que é o direito de conhecer seus caracteres próprios, fazendo assim o Brasil retroagir em suas leis.

A Constituição Federal proclama, em seu artigo 1º, III, a dignidade da pessoa como um dos fundamentos da República, atributo do ser humano, direito inalienável, de valor supremo. Tratando-se de princípio constitucional, a dignidade ocupa posição de destaque no sistema jurídico, apresentando um direito individual protetivo em relação ao Estado e aos demais cidadãos, como também um dever de tratamento igual para todos, sem discriminação. Por ser um conceito muito amplo, a dignidade é utilizada para embasar diversos temas jurídicos, significando proteger e resguardar o próprio direito à vida, aqui o direito da criança. (LÔBO, 2008).

O parto anônimo, ao buscar a proteção do direito à vida e da personalidade humana, segue a esteira de que, independente da atitude que se tome, é um dever de todos manterem uma luta constante em favor do respeito à dignidade do homem, aos princípios e valores fundamentais previstos e garantidos através do Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 19 e 19A:

Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.

Art. 19-A. A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude. O direito da gestante de entregar seu filho para adoção, o direito a criança a vida, a uma família substituta, é assegurada pela constituição e aparada pela Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente. (BRASIL, 1990).

O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos e constitui-se pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. Aparado na Constituição de 1988, DINIZ (2001) aduz:

O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial, consequentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente de formação da pessoa. Se assim é, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um dever absoluto erga omnes por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer. (...) Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em cláusula pétrea, que é intangível, pois contra ela nem mesmo há o poder de emendar. (...) A vida é um bem jurídico de tal grandeza que se deve protegê-lo contra a insânia coletiva, que preconiza a legalização do aborto, a pena de morte e a guerra, criando-se normas impeditivas da prática de crueldades inúteis e degradantes. (Diniz, 2001, p. 22).

Após a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à vida não abarca somente o aspecto do direito à sobrevivência, de ser bem jurídico protegido contra tudo e contra todos. Esse direito avançou e deve ser entendido hoje como “direito à vida digna”, seguindo o entendimento de Moraes (2000, p. 61), ao salientar que “a Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.”

É nesse sentido que o Estatuto da Criança e do Adolescente propõe a proteção à vida, pois, em seu artigo 7º preconiza que “a criança e o adolescente têm direito à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. Já o art. 19. “toda criança e adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta”, a ligação entre o direito à vida e à dignidade é, portanto, ligada a uma possível adoção.

Os projetos de lei que tentam instituir o parto anônimo condiz com essa perspectiva de defesa da vida, pois visam à sua garantia, a partir do momento em que garantem ao nascituro o direito à existência e à integridade física, evitando que a criança seja abandonada pelo genitor que não deseja firmar a parentalidade. (Moraes, 2000).

A partir do momento em que se defendem o parto anônimo, defende resguardar o direito da criança à subsistência, pois evita o abandono e consequente a morte, bem como o seu direito a existir com dignidade, ao permitir que a criança tenha um lar de afeto.

Em nosso ordenamento jurídico, a doutrina da proteção integral da criança foi dotada pela Constituição em seu artigo 227, que preconiza pela proteção especial e prioritária, colocando não só a família, mas a sociedade e o Estado como dever de garantir este direito.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. (BRASIL, 1988).

A proteção integral da criança não se encontra apenas no artigo 227 da Constituição Federal, mas também está prevista nos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990). Pela proteção integral da criança, entende-se que primeiramente à família, a sociedade e ao Estado, cabem a responsabilidade em ofertar à criança todas as medidas que lhe oportunizem um desenvolvimento físico, psíquico e social necessário e satisfatório à defesa e promoção de seus direitos, de maneira diferenciada, global e especializada.

Não se pode deixar de analisar o princípio do melhor interesse à luz da grande mudança de paradigma ocorrida na família com a abertura de espaço para a afetividade, pois o seio familiar passou a ser lugar de desenvolvimento e realização de seus membros, mulheres, homens, tios, avós e, acima de tudo, crianças. Essa mudança de paradigma, de alteração do foco patrimonial para o pessoal remete ao processo de repersonalização da família, tão essencial para entender as questões familiares hoje, já discutida em ponto próprio. (Diniz, 2001).

Com o reconhecimento do afeto como princípio jurídico norteador das relações de filiação e a necessidade de se conferir valorização e pleno desenvolvimento da criança e sua personalidade, o parto em anonimato constitui uma efetivação da doutrina da proteção integral da criança, à medida em que lhe garante a possibilidade de ser inserida em uma família, oferecendo-lhe vida com dignidade, evitando a mácula do abandono trágico, a tentativa do infanticídio ou o aborto criminoso, garantindo-lhe, enfim, o seu melhor interesse. (Diniz, 2001).

Albuquerque (2010) bem revela a necessidade de enfrentar o parto anônimo como uma política pública voltada ao melhor interesse da criança, pois o parto anônimo deve ser enfrentado não só como uma alternativa para evitar o aborto e assegurar o anonimato da mãe, mas também como uma política pública de proteção à criança.

Para assegurar os direitos constitucionais, das mães e das crianças, os Projetos de Leis, 2.747, 2.834, 3.220/2008, justificam-se pelo abandono de recém-nascidos, em lixões, beira de estrada, porta de casas desconhecidas, tornando-se uma realidade recorrente.

A Lei do parto anônimo protege as mulheres angustiadas, desesperadas com uma gravidez indesejada, que cometem o aborto, podendo matar até a si próprias com ingestão de medicamentos e em clinicas clandestinas ou, até mesmo, o infanticídio tendo como escopo um acompanhado por um rápido processo de adoção da criança por uma família. Este rápido processo de adoção da criança servirá para que ela não fique esperando por anos dentro de um abrigo, sem uma família que possa dar o que ela precisa e merece, pois há muitas quer querem fazer adoção, mas o processo no Brasil é por demais demorado. (Albuquerque, 2010).

Para tanto, muitos doutrinadores abordam a cultura do Brasil no que diz respeito ao entendimento de “família” e nesse sentido, Fachin, (1999) ressalta que:

A família como fato cultural, está antes do Direito e nas entrelinhas do sistema jurídico. Mais que fotos nas paredes, quadros de sentido, possibilidades de convivência. Na cultura, na história, prévia a códigos e posterior a emoldurações. No universo jurídico, trata-se mais de um modelo de família e de seus direitos. Vê-la tão só na percepção jurídica do Direito de Família é olhar menos que a ponta de um “iceberg”. Antecede, sucede e transcende o jurídico, a família como fato e fenômeno. (Fachin, 1999, p. 14).

Dessa forma, Fachin (1999), enaltece o instituto da família e nesse sentido, elevam-se alguns questionamentos a respeito do parto anônimo, se este encontra respaldo jurídico, se de fato é a solução para o abandono de recém-nascidos por suas genitoras, ou o parto anônimo está ligado a implementação de políticas públicas? Sabe-se que todos esses questionamentos são pertinentes e encontra-se resposta na sociedade, no Estado, nas Políticas Públicas e nos próprios cidadãos brasileiros.

Sobre os autores
Jordânia Ferreira da Paixão

Acadêmica do 7° semestre do Curso de Direito do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste - UNIDESC, Luziânia – GO, e-mail: jordaniafpaixao@hotmail.com;

Fernando Lacerda das Mercês

Acadêmico do Curso de Direito.

Gabriela Nunes

Professora orientadora do Curso de Direito do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste. Especialista em Processo Civil. Mestranda em Direitos Humanos, Cidadania e Violência.

Antonio Brandão Mesquita

Acadêmicos do Curso de Direito.

Informações sobre o texto

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