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Justiça restaurativa e a mediação penal como meio de resolução de conflitos

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Agenda 13/12/2020 às 18:40

Analisa-se a mediação penal como forma de efetivação da justiça restaurativa e como alternativa ao sistema penal tradicional.

Introdução

Montesquieu reconheceu que “toda pena que não deriva de absoluta necessidade é tirânica” e, por tal razão, aliado à inconteste necessidade de busca de aplicação de medidas não privativas de liberdade para a composição de litígios e, ainda, a busca pela restauração da paz social é que a mediação penal surge como alternativa viável para a resolução de problemas sociais.

Isso porque embora o senso comum deseje àquele que transgrediu qualquer norma sua submissão a um julgamento por um tribunal com a consequente punição, uma nova tendência busca a aplicação de respostas aos crimes que implicam em maior eficácia e que são menos destrutivas não só para o ofensor, mas também para àqueles que o cercam socialmente. Nesse caminho nasce a justiça restaurativa como instrumento de pacificação social que busca a reconstrução do diálogo entre ofensor e vítima com intermediação de terceiros imparciais.

A justiça restaurativa se difere do sistema penal tradicional justamente porque neste vigora a ideia de que para cada crime deve prevalecer um castigo, uma punição, e acaba por centralizar todo o processo no ofensor e em sua pena deixando em segundo plano a vítima e as consequências do crime. A justiça restaurativa, no entanto, busca o equilíbrio perdido entre as partes envolvidas e também busca prevenir e evitar o cometimento de novos ilícitos.

Os objetivos da justiça restaurativa podem ser alcançados de diferentes formas, seja através da mediação, de técnicas terapêuticas em grupos, de sessões envolvendo a comunidade (os denominados círculos restaurativos), através da constelação familiar, dentre outros, no entanto, para fins do presente trabalho busca-se o enfoque na mediação penal como processo informal e flexível e que visa a recomposição de conflito originado de alguma fato delituoso. 

A mediação penal como meio de busca da justiça restaurativa são instrumentos relativamente novos tanto em Portugal como no Brasil. Em Portugal o instituto foi positivado em 2007 pela lei que cria um regime de mediação penal enquanto no Brasil o instituto da mediação apenas foi melhor difundido em 2010, com a resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça que dá diretrizes para a implantação de política nacional de tratamento de conflitos de interesses, que, aliados aos institutos jurídicos já existentes possibilitam um caminhar, mesmo que ainda inicial, da mediação no país como meio de desafogar o Poder Judiciário e contribuir para a busca da pacificação social.

A metodologia deste trabalho se baseia no método dedutivo onde serão expostas as principais razões para a aplicação da justiça restaurativa bem como as principais diferenças com a justiça penal tradicional.

Ainda, será abordado o instituto da mediação para, em seguida, tratar especificamente da mediação penal, uma das principais formas concebidas para efetivação da justiça restaurativa com a análise dos crimes passíveis de aplicação bem como a evolução da mediação penal em Portugal e no Brasil.

O presente trabalho justifica-se a fim de demonstrar a efetividade, necessidade e progressos que a justiça restaurativa, através da mediação penal, vem obtendo tanto em Portugal como no Brasil até mesmo porque a mediação penal é assunto ainda em desenvolvimento em ambos os países. Pretende-se demonstrar que o direito penal deve ser tratado de forma a não somente buscar a penalização do infrator, mas, principalmente, buscar a restauração do diálogo entre as partes de forma a evitar a reiteração criminosa.

Ainda, pretende-se demonstrar que a mediação penal como forma de efetivação da justiça restaurativa é um processo vantajoso não somente para as partes litigantes, mas também para todos aqueles que convivem no círculo social daqueles que por alguma razão entraram em conflito.

1. Justiça Restaurativa e o sistema penal tradicional

1.1. Conceito de Justiça Restaurativa

Antes de adentrar no tema da medição penal como meio de resolução de conflitos é necessário estabelecer alguns conceitos sendo, pois, imprescindível o estudo mesmo que breve acerca da Justiça Restaurativa como modelo de intervenção estatal menos agressiva e impositiva que a justiça retributiva tradicional.

 O conceito de justiça restaurativa é menos abrangente do que o de mediação, vez que se restringe a área criminal enquanto a mediação também alcança outros ramos do direito[1], tem suas raízes na Europa e, busca, substancialmente, como meio de aplicação da política penal que é, a readaptação social do ofensor, a reparação dos danos causados à vítima e a solução da origem dos conflitos que redundam na prática de determinados delitos. Essa solução se busca retirando ofensor e vítima da condição de meros espectadores do processo penal para que passem a ser protagonistas, com a oportunidade de expor as razões, motivos, angústias e sentimentos que acabam por levar às partes ao litígio.

Para os que defendem a Justiça Restaurativa a prioridade não é a punição do transgressor, mas, além disso, definir as necessidades da vítima e também garantir que o ofensor tenha consciência do mal e/ou prejuízo que causou não só à vitima, mas também a todos aqueles que os cercam, nascendo assim a possibilidade de reparação de tais prejuízos[2].

A justiça restaurativa fundamenta-se no fato de que as partes são incentivadas e estimuladas a terem participação ativa no processo, com a manutenção de um diálogo em que se deve predominar o respeito mútuo com o fim de buscar o entendimento entre as partes com discussões amenas e com contraposição de argumentos. O diálogo entre as partes poderá ser o bastante para que seja colocado termo ao processo penal eis que por muitas vezes a vítima acaba por se satisfazer com um pedido formal de desculpas por parte do ofensor, o que pode ser fruto do diálogo estabelecido entre as partes[3].

Nesse sentido, Leonel Madaíl dos Santos[4] preleciona que “na justiça tradicional, o arguido e a vítima são, muitas vezes colocados à margem do processo, ficando o discurso delegado nos seus advogados, tornando-o impessoal. Ao serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diálogo, o discurso torna-se pessoal, levando a que estes iniciem um processo de empenhamento na resolução do mesmo”.

Assim, a justiça restaurativa busca não somente o restabelecimento do equilíbrio entre as partes litigantes uma vez que permite e recomenda a participação de todos os cidadãos envolvidos direta ou indiretamente na relação entre ofensor e vítima, sendo este, pois, uma forma de resposta da sociedade aos desafios enfrentados pela justiça penal.

Importante anotar que existem várias formas de busca da efetivação do processo restaurativo, seja através da mediação, de técnicas terapêuticas em grupos, de sessões envolvendo a comunidade, (denominados círculos restaurativos), constelação familiar, dentre outros. 

Se de um lado a justiça restaurativa busca, como o próprio nome sugere, a restauração mais ampla possível das consequências deixadas pelo crime, necessário, a fim de traçar um paralelo e também com o fim de demonstrar as vantagens do sistema, trazer as diferenças com o sistema penal tradicional, que será visto adiante.

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1.2. Diferenças entre Justiça Restaurativa e o Sistema Penal Tradicional

Enquanto a Justiça Restaurativa é vista como um instrumento de pacificação social que busca o equilíbrio perdido entre as partes envolvidas em determinados atos ilícitos[5] a justiça penal tradicional visa a punição do ofensor como o meio mais apropriado de dissuadir o ofensor a reiterar a prática delitiva sendo a punição um fim em si próprio[6].

A base do sistema penal tradicional é, portanto, de que o castigo advindo da punição inibe o cometimento de novos delitos, e, centraliza as atenções do processo no criminoso e em sua punição, sendo o crime, portanto, uma ofensa à toda sociedade e que o Estado necessita intervir e dar sua resposta em forma de punição.

Esse sistema de punição estatal não permite, ou melhor, não incentiva a participação da vítima no deslinde do processo[7], eis que esta é relegada a um segundo plano em que, como observado, o principal foco do processo penal acaba por ser o ofensor e sua consequente punição.

Não está a se afirmar, no entanto, que o sistema penal português ou brasileiro desconsideram a vítima no processo, já que ambos os sistemas penais permitem a possibilidade de a vítima ver-se representada no processo por assistente, porém, mesmo nessas condições o fim buscado continua a ser a punição daquele que transgrediu as normas trazendo a impressão de que ainda assim a vítima não é a principal preocupação do sistema penal português e brasileiro[8].

Assim, enquanto no sistema punitivo (ou retributivo) o crime é tratado como uma ofensa ao Estado com ênfase em estabelecer a culpa para em consequência impor uma punição ao infrator, na justiça restaurativa o crime é tido como uma ofensa de um indivíduo a outro e busca-se resolver a origem dos problemas através do diálogo em que as partes estabelecem a melhor forma para reparar os danos causados pelo ofensor com o objetivo de reconciliação.

Caetano Duarte[9] arremata afirmando que “o direito criminal deixa de estar centrado no criminoso e na sua punição para passar a encarar como primordial a posição da vítima e a reparação do mal que lhe foi infligido”.

Essas diferenças básicas entre os sistemas permitem concluir que a justiça restaurativa estimula o perdão e o arrependimento entre as partes, já que insere os atores do processo como protagonistas enquanto a justiça punitiva desencoraja o perdão e o arrependimento, já que as partes são marginalizadas do processo[10].

2. O instituto da mediação

Tendo conceituado e demonstrado os objetivos da justiça restaurativa e as principais diferenças existentes com a justiça tradicional é necessário definir o instituto da mediação, cujo conceito é, como exposto anteriormente, mais amplo que o de justiça restaurativa.

A mediação assume um papel de bastante relevância em casos em que se verificam danos psicológicos ou morais contra a vítima. Invariavelmente as vítimas sentem-se compensadas ao terem a possibilidade de se expressar num ambiente neutro bem como sentem a diferença em poder ouvir do ofensor a assunção da culpa e o compromisso de um futuro sem conflitos[11].

Por tais premissas é que a resolução alternativa de conflitos é estimulada por várias entidades governamentais e não governamentais, dentre ela, a ONU, que incentiva a aplicação de mecanismos informais destinados a resolução de conflitos:

7. os meios extrajudiciários de solução de diferendos, incluindo a mediação, a arbitragem e as práticas de direito consuetudinário ou as práticas autócnes de justiça, devem ser utilizados, quando se revelem adequados, para facilitar a conciliação e obter a reparação das vítimas[12].

Como os preceitos da justiça restaurativa podem assumir várias formas o presente trabalho visa análise de um dos meios mais efetivos para se alcançar seus objetivos, ou seja, através da mediação. Por tal razão é necessário o estudo de suas características, vantagens, e, ainda, o papel do mediador na solução de conflitos para, em seguida estudar a mediação penal como meio de resolução alternativa de conflitos.

A mediação tem sua base nos princípios gerais do direito e também em princípios próprios. Em Portugal a Lei nº. 29/2013, de 19 de abril estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação enquanto no Brasil os princípios são estabelecidos na Lei 13.140, de 26 de junho de 2015.

Em especial, destacam-se a autonomia da vontade, em que deve ser preservada a liberdade das partes para se submeterem à tentativa de resolução do conflito através mediação por um terceiro, o mediador, que deverá atuar de maneira neutra e imparcial[13].

Norteiam ainda a mediação a independência do mediador bem como sua credibilidade, já que as partes tem a faculdade de escolher a mediação como meio de solução de conflitos e, para garantir a eficácia de tais princípios o mediador deve sempre agir de forma transparente , coerente e independente[14].

O processo de mediação é marcado ainda pela confidencialidade, já que todas as informações do litígio e das partes devem ser mantidas sob sigilo, não sendo lícito utilizar quaisquer informações em proveito próprio ou de terceiros. Fundamental é, portanto, a diligência do mediador que deve ter a habilidade de administrar a mediação com cautela, prudência e eficácia devidas além do fato de que o mediador somente pode aceitar a atribuição de aceitar o encargo quando possuir aptidão necessária para buscar o fim proposto na mediação[15].

Destacam-se ainda os princípios da isonomia das partes na mediação. Ainda.  a lei Portuguesa estabelece a executoriedade (artigo 9.º da lei 29/2013, de 19 de abril) como característica fundamental da mediação enquanto a Lei brasileira estabelece ainda como princípios que regem a mediação a informalidade, a oralidade, a boa-fé das partes bem como a busca pelo consenso na mediação (art. 2.º, incisos I a VII da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015).

Outra característica importante na mediação é a interdisciplinaridade uma vez que tendo em vista a complexidade dos casos em que a mediação penal pode ser aplicada, muitas vezes é necessário uma equipe de mediação com capacidade de difundir e convergir diferentes pontos de vista[16].

Todos os elementos da mediação nos levam a reflexão de que esta se revela como uma justiça horizontal e não vertical, uma vez que oferece condições e elementos que propiciam a restauração entre as partes, incentivando a participação efetiva dos cidadãos para a efetivação da justiça[17].

Assim, tendo definido as principais diretrizes e objetivos da mediação, importa-nos adentrar no campo da mediação penal como verdadeira alternativa ao sistema penal tradicional.

3 Mediação Penal

Em Portugal o conceito de mediação penal está contido no artigo 4º, nº 1 da Lei 21/2007 de 12 de junho, que cria um regime de mediação penal, sendo estabelecido como “um processo informal e flexível, conduzido por um terceiro imparcial, o mediador, que promove a aproximação entre o arguido e o ofendido e os apoia na tentativa de encontrar activamente um acordo que permita a reparação dos danos causados pelo facto ilícito e contribua para a restauração da paz social”.

Além das características próprias da mediação o processo de mediação penal obedece ainda outros aspectos próprios, e, tendo em vista que o tópico anterior tratou das principais características quando da abordagem da mediação, devemos tratar, ainda que de forma superficial, as duas últimas características não abordadas e que são afetas à mediação penal, quais sejam, a informalidade e interdisciplinaridade.

A informalidade da mediação penal se dá devido a liberdade das partes em agir e também pela amenidade das formas nas fases desse processo que se contrapõem ao rigor existente no processo penal tradicional. Muito embora a mediação penal seja menos rígida, há também fases processuais a serem respeitadas com o fim de atingir o objetivo conciliatório da mediação[18], conforme será tratado no capitulo seguinte.  

É conveniente destacar que o disposto no nº 2, 3, 4 e 5 do artigo 4.º[19] da Lei 21/2007 de 12 de junho, que cria um regime de mediação penal em Portugal, acaba por destacar expressamente vários dos princípios da mediação penal quando prevê a possibilidade de as partes revogarem o consentimento para a participação da mediação (voluntariedade), bem como quando estabelece que terceiros interessados podem intervir para a resolução do conflito. Ainda, o nº 5 do artigo 4.º estabelece a confidencialidade dos atos, inclusive, que o teor das sessões não poder ser utilizados como meio de prova em processo judicial (nas hipóteses em que a mediação penal não é bem sucedida) .

No Brasil, por sua vez, a mediação recebeu impulso por meio da Resolução nº 125 de 29 de novembro de 2010[20] do Conselho Nacional de Justiça, que estabeleceu diretrizes para implantação de uma política nacional de tratamento de conflitos de interesses que visa, naturalmente, assegurar o direito à solução dos litígios por meios adequados à natureza e peculiaridades de cada caso em concreto.

Desta feita, como não há uma legislação específica que regulamente a mediação penal no Brasil, esta vem sendo aceita e permitida em alguns institutos, como, por exemplo, no Juizado Especial Criminal, Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995, porém, ainda forma tímida. Mais recentemente foi promulgada a Lei 13.140 de 26 de junho de 2015 que trata no art. 1º os objetivos e conceito da mediação, no entanto, com enfoque para relações contratuais cíveis e autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública :

Art. 1º: “Esta lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública”.

Parágrafo único: “Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”

Muito embora a resolução nº 125 do CNJ vise incorporar as conciliações nos procedimentos processuais penais e cíveis[21], para fins do presente trabalho reitera-se a ênfase da resolução para as tratativas menos agressivas na seara criminal que a mediação proporciona ao possibilitar a composição do dano por parte do ofensor (artigos 72 e 89 da Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995).  

3.1. Etapas da mediação penal

A fim de buscar a efetivação da mediação penal como forma de se atingir os objetivos restaurativos existem procedimentos a serem observados. Nesse sentido, sobre as etapas existentes no procedimento da mediação penal, é adequado trazer o contido no Portal Europeu da Justiça[22] que explicita que após a realização de uma triagem para que se saiba quais casos devem ou não ser levados para a mediação penal ocorre a abertura do processo de mediação o mediador deve explicar às partes seu papel e a finalidade da mediação fixando as regras pelas quais as partes devem seguir e aceitar.

Em seguida o mediador permite que cada uma das partes exponha suas razões e administre essas informações de forma a demonstrar a necessidade e receios de cada um dos envolvidos fixando em seguida as questões a serem debatidas e mediadas.

O mediador ajuda então as partes a procurar opções e soluções para a situação posta para discussão e, na sequência o mediador contribui para que as partes possam chegar a algum acordo viável e aceitável pelas partes com base nas propostas expostas.

Por fim, se as partes compuserem acordo, lavra-se um acordo claro e circunstanciado em que os representantes legais das partes por analisar para garantir que se produzam todos os efeitos jurídicos decorrentes do acordo. Na hipótese de não se chegar a um acordo o mediador deve resumir as questões debatidas e os eventuais progressos alcançados para que as partes decidam se prosseguirão ou não com uma ação judicial.

Nesse sentido, é importante destacar mais um pressuposto fundamental para que haja a possibilidade de tentativa de mediação: a necessidade de confissão formal por parte do agressor quanto ao lhe é imputado[23], já que de outra forma, ou seja, sem o reconhecimento por parte do ofensor de que praticou algo contrário à lei, seria necessária uma investigação policial e valoração de provas, que não são os objetivos buscados pela mediação penal.

3.2. Crimes passíveis de aplicação da mediação penal

Fixadas as principais fases da mediação penal passa-se a estabelecer também quais são os crimes passíveis de aplicação do instituto da mediação penal uma vez que impedir o cometimento de novos crimes oriundos da desavença inicial é um dos pilares da mediação penal, razão pelas quais questões menos complexas como desacordos comerciais, divergências entre vizinhos, crises familiares, acidentes de trânsito dentre outros de menor potencial ofensivo e que são de ação penal pública condicionada, em muito responsáveis por abarrotar o sistema judiciário, são o alvo da mediação penal tendo em vista a possibilidade que se abre para que as partes envolvidas possam dirimir seus conflitos de forma ágil, simples e efetiva.

Não por acaso a lei que institui a mediação penal em Portugal busca não restringir as situações passíveis de mediação em processo penal, pelo contrário, especifica no artigo 2.º[24] os casos de impossibilidade de sua aplicação, de modo a permitir ao máximo a efetividade da lei. Ainda, o artigo 2.º estabelece como passível de aplicação da mediação penal crimes semipúblicos contra pessoas ou contra patrimônio e a crimes particulares.

Portanto, ao limitar a aplicação de mediação penal a crimes cuja pena máxima seja igual ou menor a cinco anos para casos de crimes particulares se conclui que todos os crimes particulares estão abrangidos pela lei de mediação penal, uma vez que não há previsão legal de penas superiores a estas para crime dessa natureza[25], no entanto, há que se atentar para as exceções legais, como por exemplo a que existe para o crime de furto (passível de aplicação da mediação penal por ser um crime semipúblico) mas que em sua forma qualificada, como, por exemplo, em que a coisa furtada é de valor elevado, ou seja, que exceda 50 unidades de conta, o crime de furto passa a ser um crime de natureza pública deixando de ser admitido a submissão à mediação penal.

No Brasil, por sua vez, em havendo acordo na mediação penal restaurativa para crimes de menor potencial ofensivo (aqueles que a pena máxima não ultrapasse dois anos), a Lei 9.099/95, lei dos Juizados Especiais Criminais, permite o arquivamento do processo.  Quanto aos crimes de médio ou grave potencial ofensivo a mediação penal é trabalhada em paralelo com o processo criminal, buscando, ainda sim, as práticas restaurativas e recuperação do ofensor e o fortalecimento de vínculos.

Nas ações penais privadas e nas ações condicionadas à representação do ofendido estatuídas na Lei 9.099/95 a mediação pode ser oferecida às partes como oportunidade de autocomposição dos danos evitando as medidas judiciais, conforme, inclusive, prevê o artigo 74[26], parágrafo único da Lei nº 9.099/95.

Ainda, o artigo 89[27] da Lei 9.099/95 estabelece a suspensão condicional do processo, que permite a possibilidade de implementação da mediação penal nos casos de crimes de menor potencial ofensivo desde que haja a reparação integral do dano por parte do ofendido.

Quanto aos crimes mais graves a mediação pode ocorrer não visando o direito da ação ou das penas a serem aplicadas, já que nesses casos pertence ao Estado, mas sim como meio me permitir o diálogo entre as partes visando restaurar o que foi destruído pelo crime. Exemplo dessa aplicabilidade ocorreu recentemente no Estado de Tocantins, no Brasil, onde o autor confesso de uma tentativa de homicídio, punido com dez anos de reclusão, teve a oportunidade de se desculpar e pedir o perdão à família da vitima em sessão restaurativa envolvendo os familiares da vítima e também do ofensor[28].

Conclusão

Há muito se buscam alternativas mais adequadas para se responder aos efeitos do crime do que a punição e o encarceramento daquele que ofende a norma penal, proposta pelo sistema penal tradicional.

Nesse sentido nasce a justiça restaurativa baseada em preceitos que defendem que a prioridade nos crimes não deve ser a punição do ofensor, mas sim definir as necessidades da vítima e garantir que o ofensor tenha consciência de que causou um mal injusto e prejuízos à vítima evitando, ainda, a reiteração criminosa. Com o exercício da justiça restaurativa é possível buscar a reconstrução das relações e diálogos entre vítima e ofensor, de modo a evitar o cometimento de novos crimes e atingindo a causa que originou o conflito.

Uma das principais formas para se alcançar a justiça restaurativa é através da mediação penal, instituto que permite que as partes, por intermédio de um terceiro imparcial e de forma mais flexível que o processo penal tradicional permite que as partes possam alcançar e restaurar a paz social.

Muito embora no Brasil o instituto da mediação penal anda não exista no ordenamento jurídico já se observam esforços do Conselho Nacional de Justiça (através da resolução n.º 125) para implantação do instituto no país bem como a edição da Lei n.º 13.140 de 26 de junho de 2015 que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias, sem, contudo, abranger ainda a mediação penal.

Vale destacar ainda as tentativas – bem sucedidas - de juristas em busca da aplicação mais humana dos dispositivos legais já existentes com a aplicação da mediação penal à crimes, tanto os de menor potencial ofensivo como aqueles mais graves, que tem, no entanto, objetivos diferentes a serem alcançados.

De se destacar que muito embora a mediação penal já seja realidade em Portugal com a edição da Lei 21/2007 de 12 de junho observa-se que ainda são dados os primeiros passos para a efetivação desse instituto de modo a fazer parte da vida dos Portugueses e ser admitida como verdadeira alternativa ao sistema penal tradicional.

O que se nota é que a mediação penal é instrumento eficaz não somente do ponto de vista jurídico, já que contribui para desafogar o judiciário, mas também, e principalmente, do ponto de vista social já que visa a reintegração e solução da origem dos problemas como meio alternativo ao processo tradicional. A bem da verdade é que o acordo visado na mediação penal não é o seu fim, mas sim todas as oportunidades e benefícios alcançado pelas partes através da utilização do instituto da mediação.

Sobre o autor
César Godoy

Advogado na empresa Cesar Godoy Advocacia Mestrando em Ciências Jurídico-Criminais na Universidade Autônoma de Lisboa Especialista em Direito Processual Penal e Direito Penal na UNICURITIBA - Centro Universitário Curitiba Especialista em Direito Civil e Empresarial na PUC-PR Graduado em Direito na Univille - Universidade da Região de Joinville

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, César. Justiça restaurativa e a mediação penal como meio de resolução de conflitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6374, 13 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72113. Acesso em: 27 dez. 2024.

Mais informações

Relatório apresentado para a disciplina de Resolução Alternativa de Conflitos no curso de Mestrado em Ciências da Universidade Autônoma de Lisboa, Portugal.

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