Há tempos atrás publicou-se em alguns portais jurídicos, um providencial artigo abordando a indigesta manifestação de incontinência de alguns “boyzinhos” na entusiasmada condução de seus chamativos veículos automotores, e que na ocasião, tiveram seus comportamentos figurativamente comparados aos patológicos efeitos de uma “síndrome”.
Pois bem. Rememorando aquela abordagem “também jurídica” dos impactos que esses “personagens” causam nas nossas vias e espaços públicos, sobressaltou a conclusão de que em tempos de carnaval, o sistema imunológico ‘deles’ se torna ainda mais fragilizado frente ao “vírus da ridicularidade”!
Como já dito em artigos posteriores, nada contra rodas e escapamentos esportivos, vidros fumês, carros rebaixados esmagando formigas no asfalto, dirigir deitado e com os pés e braços esticados ao ponto de mal alcançarem os pedais, mascar chicletes com a boca aberta, topetes espinhados a toneladas de gel, óculos escuro “sem sol”, apertos de mão cheios de firula, e tudo isso quase sempre na companhia de um amigo no banco da frente, e mais três ou até quatro “boys” a se roçarem no banco detrás, a assistirem ao mesmo tempo duas telinhas de DVD ao som dos chamados “bate estacas” e em tempos de carnaval, também ao som dos mais irracionais funks e letras musicais sem sentido de modo a não ser possível nem mesmo se distinguir à qual gênero musical pertenceriam – apesar do distúrbio sonoro se propagar por vários quarteirões.
Afinal, vivemos "em tese" num país livre e temos o direito de adotarmos o estilo de vida que quisermos, desde que, obviamente, exercitemos a nossa escolha sem interferir no livre arbítrio de terceiros também adotarem o estilo que lhes for conveniente, desde que, obviamente, suas atitudes e barulhos produzidos não venham a interferir na livre escolha terceiros à privacidade e ao sossego!
Na qualidade de operadores do Direito e independentemente da carreira jurídica escolhida, devemos ser os arautos da liberdade e defendermos o direito de cada um escolher o estilo de vida que lhe convier, sem jamais esquecer que por não ser absoluta esta liberdade de escolha, não significa que o que é bom e prazeroso para uns, tenha que ser para outros, e a quietação alheia, acima de tudo, deve sempre ser respeitada, como aliás preceitua Paulo José da Costa Jr. em seu referencial livro/tese "O Direito de estar só - A Tutela Penal da Intimidade".
É aí que reside o problema. Alguns "boys", representantes da classe (se é assim que podem ser definidos), talvez achando as espalhafatosas características acima insuficientes para chamarem a atenção, ou até mesmo na desesperada ânsia de impressionarem o sexo oposto em tempos de carnaval (se bem que na verdade é com carinho e sensibilidade que se conquista a "delicada" alma feminina), passam a demonstrar ainda com mais sofreguidão os sintomas daquilo que já vem sendo chamado de "Síndrome do Boy".
Como malfadado exemplo, temos aqueles “infectados” que estacionam seus veículos nos mais variados e inconveniente locais, despejando dezenas de decibéis nos incautos ouvidos de quem está conversando, trabalhando, ou simplesmente relaxando após um estafante dia de trabalho, atingindo muitas vezes até mesmo quem está “tentando” se divertir durante estes alegres dias, eis que são justamente os lugares aonde já estão ouvindo música, um dos locais prediletos para a curiosa manifestação de incontinência, já que o barulho dos autofalantes de um "boycar" pode se propagar por vários quarteirões!
E foi justamente daí que emergiu a comparação figurativa entre esse curioso comportamento humano com o processo patológico de epidemiologia viral! Sim, porque da mesma forma que ocorre com um vírus, tem também a Síndrome do Boy o agente hospedeiro (o próprio boy), o ambiente favorável à sua proliferação (portas de escolas, postos de gasolina, frentes de casas noturnas, etc.), e ainda os “involuntariamente” infectados (os que são furtados de seu sossego e tranquilidade). Isso sem falar nas épocas propícias à indigitada proliferação viral a qual emerge em relação ao carnaval, assim como o vírus da gripe emerge em relação ao inverno!
Alguns, não satisfeitos, perdem completamente a noção do ridículo e chegam a abrir o porta-malas para amplificar o distúrbio sonoro, e depois de alguns minutos tentando estourar os tímpanos de quem esteja por perto, passam a circular dezenas de vezes pelo mesmo quarteirão, quase sempre consumindo bebidas alcóolicas (sem qualquer moderação e ao arrepio das disposições do art. 306. do Código de Trânsito Brasileiro), sincronizando os vidros à meia altura ao ponto de se avistarem somente seus chamativos topetes gelificados ou as latinhas e garrafinhas de bebidas alcoólicas. E tudo isso após a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal já ter consolidado o entendimento de que a “embriaguez ao volante” é crime, ainda que não venha a colocar em risco a vida de terceiros, sedimentando assim, a repressão legislativa inaugurada no nosso país com o advento da vigência da Lei 11.705, de 19 de junho de 2008, que na época ficou conhecida como “Lei Seca”.
Ao contrário do que se pensa, a síndrome do boy não causa um incontrolável impulso de se ouvir música ou de se “pular” carnaval. Mesmo porque, a maioria do que é ouvido não merece ser assim classificado e o que alguns chamam de “pular carnaval”, mais se parece com cenas do seriado de terror “The Walking Dead”. Na verdade, o "boy" infectado é acometido por um intenso desejo de aparecer, de ser notado! Sabe ele de sua insignificância e inconformado, tenta de tudo para chamar a atenção, no entanto, ignorando o fato de que o preço a ser pago possa se refletir num efeito completamente inverso.
Sabemos, obviamente, que música é uma questão de preferência pessoal, sendo portanto insuscetível de discussão. No entanto, justamente por isso é que deveria se resumir aos ouvidos de quem dela realmente goste, e queira ouvir.
Felizmente, da mesma forma que ocorreu com a Lei Seca, e legislação de trânsito também vem evoluindo no sentido de salvaguardar a tranquilidade social. E nessa vertente, se antes tínhamos o artigo 228 da Lei n.º 9.503 de 23 de setembro de 1.997, a qual instituiu o atual Código de Trânsito Brasileiro a considerar “infração grave” o uso no veículo de equipamento de som em volume ou freqüência não permitidos pelo CONTRAM, prevendo, além da "salgada" multa, a possibilidade de “retenção” do veículo pela polícia para fins de regularização; agora teremos, a partir de sua publicação no Diário Oficial da União, também a “novíssima” Resolução n. 624, aprovada pelo mesmo Conselho Nacional de Trânsito no dia 19/10/2016 e que veio a permitir a autuação por som automotivo que simplesmente se possa ouvir do lado de fora do veículo, com punição refletida em “falta grave” com anotação de 05 pontos na respectiva CNH, além da correspondente multa pecuniária.
O que se salva, praticamente, é apenas o som da buzina e do alarme; e para a nossa infinita alegria, inserindo-se na indigitada repressão até mesmo as espalhafatosas propagandas por auto falantes externos, escapamentos barulhentos ou quaisquer outros ruídos automotivos que estejam fora de seus padrões originais.
E diante dessa óptica, e sob a inspiração do Prof. Paulo José da Costa Jr. em sua referencial doutrina acima suscitada, devem, dessa forma, serem acionadas as autoridades competentes para fazerem cumprir a Lei, por qualquer um do povo que se sinta prejudicado, aborrecido, ou simplesmente incomodado.
Portanto, Srs. “Boyzinhos”, vacinem-se contra a síndrome do boy. Não é necessário extrapolar e expor-se ao ridículo para se assumir um estilo! Antes de pensarem que estão abafando no pedaço, pensem na vergonha de serem multados e terem seus veículos retidos pela polícia na frente daqueles que vocês tanto vêm incomodando; ou serem “resgatados” mediante fiança, na manhã seguinte, de dentro de uma cela da delegacia mais próxima de onde vocês protagonizaram o vexame na noite anterior.