4. PROBLEMATIZAÇÃO JURÍDICA DA SIMULTANEIDADE FAMILIAR
Destarte, é importante destacar que diante da ausência de previsão legal acerca do tema, bem como o entendimento de (FERRARINI, 2010, p. 92), temos: “que a simultaneidade familiar é definida apenas como situação de fato, possuindo apenas poucas discussões pela jurisprudência, mesmo com a relevância do assunto para a sociedade.”
A simultaneidade, levando-se em conta a ausência de ato normativo que a defina, é caracterizada como situação de fato. Nesse questionamento, a simultaneidade familiar é uma situação relevante para o direito, uma vez que se trata de uma relação entre indivíduos que precisam de regulamentação a ser esculpida pelos ordenamento jurídico, perante as possíveis consequências que podem ser trazidas aos particulares. Não há justificativa para ausência de regulamentação jurídica diante da situação apresentada, uma vez que trata-se de situação de fato que envolve direitos fundamentais do cidadão. (OLIVEIRA, 2014).
Vale-se ressaltar que os requisitos da continuidade, afetividade e publicidade foram observados pelo Tribunal de Justiça de Pernambucoao se reconhecer famílias simultâneas, entendendo ainda que pessoas casadas podem manter união estável paralelamente ao casamento, em decorrência do princípio constitucional de proteção à família, disposto no art. 226, § 3º da CF/88, vejamos:
DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO DE FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS. 1.Atendidos os requisitos da lei, é de se reconhecer a união estável, respeitada a publicidade, a continuidade do relacionamento e o intuito de se constituir família; 2.Quanto ao fato de pessoas casadas, na constância do casamento, poderem manter união estável, não há impedimento, em decorrência do princípio constitucional de proteção à família (artigo 266, § 3º CF); 3.As famílias previstas na Constituição não são numerusclausus. 4.A presença da afetividade, como fundamento, e a finalidade da entidade, além da estabilidade, com comunhão de vida, e a ostensibilidade, levam ao reconhecimento de famílias simultâneas; 4."O caput do art. 226 é, consequentemente, cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade";TJ-PE - APL: 7001246 PE 176862-7, Relator: Francisco Eduardo Goncalves Sertorio Canto, Data de Julgamento: 08/03/2012, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 53.
Assim como existem posicionamentos favoráveis ao reconhecimento de uniões estáveis simultâneas, a posição da maioria dos Tribunais é contrária ao seu reconhecimento, vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR MILITAR. SEPARAÇÃO DE FATO. INOCORRÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. INEXISTÊNCIA DAS “FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS”. ANÁLISE DE PROVA. IMPROVIMENTO. 1.O tema em debate diz respeito à suposta condição de pensionista em razão da morte de ex-militar na condição de companheira. O militar era casado e, consoante as provas produzidas nos autos, ainda mantinha de fato seu casamento. 2. Após o advento da Constituição Federal de 1988, mormente diante da regra expressa contida no artigo 226, § 3º, finalmente foi reconhecida oficialmente a família constituída entre companheiros, inclusive para fins de proteção estatal. 3. O companheirismo, ou “união estável” (na terminologia adotada pelo legislador constituinte) é a união extramatrimonial monogâmica entre o homem e a mulher desimpedidos, como vínculo formador e mantenedor da família, estabelecendo uma comunhão de vida e d'almas, nos moldes do casamento, de forma duradoura, contínua, notória e estável. 4. Um dos requisitos objetivos para a configuração do companheirismo (ou “união estável”, na terminologia constitucional) é a ausência de impedimentos matrimoniais, ressalvada a possibilidade de o companheiro que tem o estado civil de casado encontrar-se separado de fato de seu cônjuge (CC, art. 1.723, § 1º). 5. No julgamento do Recurso Especial nº 397.762/BA, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal concluiu, por maioria de votos, que não há como reconhecer as denominadas “famílias simultâneas” no sistema jurídico brasileiro. A hipótese era de concubinato (CC, art. 1.727), e não de companheirismo (CC, art. 1.723, caput) e, por isso, não reconheceu direito à pensão em favor de concubina (e não companheira). 6. A hipótese é análoga à presente, não havendo qualquer sentido em se admitir o concubinato para fins de produção de efeitos jurídicos, mesmo no campo previdenciário lato sensu. 7. Recurso conhecido e improvido, para o fim de manter a sentença. TRF-2 - AC: 200651140003940 RJ 2006.51.14.000394-0, Relator: Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, Data de Julgamento: 21/06/2010, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: E-DJF2R - Data::06/08/2010 - Página::289/290.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do presente trabalho, e após observar as evoluções no direito e da sociedade, é possível afirmar que este não acompanhou a evolução no direito de família, contudo, a passos lentos temos notado alguns posicionamentos de reconhecimento, entretanto, essa mecanização do direito brasileiro concorre para a ausência de proteção legal dos novos modelos de famílias, e essas ficam desamparadas perante a justiça.
Não há dúvidas que a Constituição possui um mecanismo que possibilita o surgimento de novas entidades familiares, baseadas no afeto. O não reconhecimento destas famílias deixam aqueles que mais precisam de proteção jurídica desamparados, violando o princípio da igualdade, solidariedade, dignidade da pessoa humana e afetividade. É importante frisar que a temática foi proposta a fim de que a sociedade se conscientize e consiga visualizar a existência dessa simultaneidade, no ambiente familiar com o objetivo em evitar seu desamparo. Além disso, se a proteção do Estado é para toda e qualquer forma de família, isso não exclui as famílias simultâneas, devendo, ao contrário ser regrado pelo Estado apenas as questões patrimoniais.
Por fim, é válido observar que não se está a defendera instituição da poligamia no Direito e na sociedade brasileira, ou a multiplicidade de relações afetivas. Defende- se, no entanto, a liberdade de escolha das relações de afeto que melhor satisfaça a busca da realização pessoal de cada umdos integrantes da família, e os conseqüentes efeitos jurídicos que daí resulte, inclinando-se sempre ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS
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