Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Proposta a respeito de um projeto de lei que objetiva equiparar a falsa acusação de estupro a crime hediondo

Agenda 19/03/2019 às 23:29

O seguinte artigo busca responder de forma clara e fundamentada a proposta a respeito de um projeto de lei que objetiva equiparar a falsa acusação de estupro aos crimes hediondos.

O seguinte artigo busca responder de forma clara e fundamentada a proposta a respeito de um projeto de lei que objetiva equiparar a falsa  acusação de estupro aos crimes hediondos. Nesse sentido, é preciso primeiramente caracterizar tanto os crimes tidos como hediondos quanto o estupro.

Os crimes considerados hediondos são apresentados na lei 8072/90 do código penal. Analisados como aqueles delitos que possuem uma grande reprovabilidade social e jurídica de maneira que no universo dos variados tipos de infrações eles se encontram no topo da pirâmide, pois são considerados os mais graves e sórdidos dos delitos.

Nesse viés, possuem um tratamento mais diferenciado e severo e por isso com maior rigor ao acesso de benefícios e a progressão de pena, são ainda inafiançáveis, e não cabíveis de anistia, graça ou induto que são formas de renúncia estatal ao direito de punir, ou seja, é o ato de perdoar a pena.

O estupro por sua vez é uma dos diversos tipos de abusos sexuais, sendo considerado um dos mais violentos ,pois gera uma profunda dor para as vítimas e aqueles que a cercam ,afetando-as física e emocionalmente. Trazendo-lhes, assim, uma série de transtornos que iram acompanha-las durante toda sua vida como vergonha, depressão, baixa autoestima, transtornos de sono dentre outros.

 Nesse sentido, ele é tipificado na Lei nº 12.015/09 no artigo 213 que afirma ser o estupro qualquer ato a “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. “ .

Partindo disso, é possível perceber por meio dos diversos casos relatados pela mídia que as vítimas de estupro tendem a serem em regra mais vulneráveis que seus agressores e a desenvolverem após o ataque uma característica de introspecção, passando a terem medo de expor o que lhes aconteceu. Isso é fortalecido ainda mais durante o iter victimae, qual seja, o caminho da vítima, aspecto estudado pela criminologia que ao avalia-lo constatou a ocorrência de um processo que leva a vítima a sofrer ainda mais violência.

Nessa perspectiva, a pessoa que sofreu a agressão além de passar pela vitimização primária se refletindo como sendo o cometimento do crime em si. Ela também passa pela denominada vitimização secundária quando o aparelho estatal que deveria dar suporte e acolhê-la acaba fazendo-a reviver a situação de violência e o pior a discriminando. Muitas vezes banalizando, duvidando ou desprezando até mesmo o delito que ela padeceu partindo de preconceitos e de uma cultura machista. Isso gera uma grande descrença nas autoridades e no direito diminuindo ainda mais o número de denúncias e as repelindo, pois existe um temor por parte da pessoa que passou pela agressão.

Há ainda a vitimização terciária empreendida pela sociedade que acaba segregando, humilhando e culpando a pessoa que foi estuprada. Isto reflete também sobre os indivíduos que estão ligados ao sujeito violentado como a própria família, caracterizando dessa forma uma vitimização indireta.

Todos esses conjuntos de violências sofridas terminam reproduzindo no individuo o processo chamado de revitimização, ou seja, a ideia reiterada por todos esses meios de que a culpa do crime ocorrido foi da vítima acaba levando ela mesma  a acreditar e a se ver como culpada pelo que aconteceu ,fugindo inclusive a lógica racional .

Tudo o que foi exposto faz com que as vitimas desista ou várias vezes nem chegue a cogitar fazer alguma denúncia, eles acabam caindo então  nas cifras negras para se ter uma ideia segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública  uma mulher é estuprada no Brasil a cada 11 minutos, mas apenas 30% casos  de estupro são registrados e em  2014, mais 47 mil mulheres foram estupradas no Brasil.

Todavia o número de queixas tem mudado gradualmente por causa da exposição que se deu em face aos casos cada vez mais revoltantes de estupro e do crescimento desse ato. Tais como o caso da jovem de 16 anos  violentada por, pelo menos, 30 homens, em uma comunidade da Zona Oeste no Rio de Janeiro em 2016.Isso gerou uma maior visibilidade o que levou o Estado a se atentar para essa questão, não só ele mais também a mídia que começou a apresentar cada vez mais pesquisas a respeito do assunto. As universidades passaram a ensejar uma reflexão  sobre o tema por meio de debates possibilitando o crescimento de estudos um pouco mais profundos .

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A partir daí foi sendo construída uma maior conscientização por parte da população e, por conseguinte das vítimas que passaram a tomar consciência do próprio estado e a se sentirem mais seguras agora, tomando aos poucos a coragem para relatar a violência sofrida e a buscar ajuda do poder estatal. Por isso se a proposta for aprovada iremos regredir com as conquistas até então alcançadas, por que ela irá acabar gerando uma barreira para as vítimas que agora estão passando a denunciar nessa onda de expor as violências que estavam por debaixo dos panos.

É bem verdade e é preciso reconhecer, que existe uma supervalorização da palavra da vítima, isso acontece por que a maioria dos crimes de estupro não ocorre em público pelo contrário, possuem somente a palavra da suposta pessoa que sofreu o ataque contra a palavra do aparente agressor.

Nesse raciocínio, é possível ocorrer o que nomeado pela vitimologia de Síndrome de Potifar, nome baseado na narrativa bíblica ocorrida no livro de gêneses que retrata a história da esposa de Potifar e José um escravo que trabalhava para o seu esposo Ela logo se agradou dele, mas ao tentar seduzi-lo não teve nenhum êxito. Em um dos dias os dois estavam a sós é então que ela faz sua última tentativa pedindo para que ele se deita-se com ela ,não aceitando no entanto o escravo que por ser leal ao seu senhor foge deixando sua túnica quando Potifar chega a mulher acusa José de tê-la estuprado então ele é preso.

Abstraísse, portanto, o fato de que muitos dos sujeitos que denunciam a prática de estupro nunca o sofreram realmente, tais agem desse modo com o objetivo a se vingar ou prejudicar o individuo acusado, seja por alguma rejeição sofrida ou por qualquer outro motivo. Assim se evidência a necessidade de analisarmos também o ponto de vista de quem sugeriu este projeto, pois tal pessoa provavelmente esteja preocupada com as consequências sofridas pelos que tiveram os seus direitos fundamentais violados, mesmo sendo inocentes e dos consecutivos resultados produzidos por isso.

Os efeitos originados por uma falsa a acusação de estupro são devastadores. Pois além da supressão de direitos essenciais como a própria liberdade do individuo, na cadeia eles sofrem violentas e sucessivas agressões físicas e morais que deixam sequelas profundas que eles iram carregar por toda a vida de forma que vários chegam a ficar com as marca psicológicas provocadas pelos sucessivos insultos e humilhação passadas ou mesmo a contrair doenças tais como o HIV resultado do período que passaram presos. Ademais ainda é notável que tais ao serem expostos, principalmente pela mídia são rotulados e sofrem com o ódio e o preconceito da população sendo alvos muitas de agressões, mesmo que estejam fora da prisão por serem considerados inocentes. Eles também perdem a sua credibilidade frente a sociedade, por conseguinte não conseguem arrumar trabalho para assim se sustentarem .

Além de terem seus relacionamentos pessoais destruídos tais como os  amorosos, amizades dentre outros ,ainda podem ser vitimas de constrangimentos em ambientes educacionais como  em faculdades ,são afetadas ainda  a vida de seus familiares abaladas por uma mentira inventada.  Tudo isso pode levar um individuo que não seria criminoso a delinquir, por isso essa situação deve ser encarrada pelo estado e pela sociedade. Entretanto a saída para esse problema não é tornar a falsa acusação de estupro em crime hediondo, por motivos como a  crise do sistema penitenciário e a existência de resposta que já se encontram previstas na lei para esse tipo de conduta.

Primeiramente é preciso lembrar que o sistema presidiário brasileiro possui a quarta maior população carcerária do mundo, segundo a Super Interessante. Nesse contexto, há uma superlotação de selas, pois elas não possuem infraestrutura suficiente para comportar tantos encarcerados Fatos comprovados, ainda pela a mesma revista ao afirmar que para cada cela que deveria acolher seis pessoas vivem na verdade treze, prevalecendo as péssimas condições de saúde e um ambiente cheio de precariedades.

Além disso, esse sistema gera um gasto por demasiado oneroso para o Estado, conforme o site Estadão relata cerca de 60%  da receita dos estados são gastos com o sistema carcerário, para se ter uma percepção se consome mais com um presidiário do que com a própria educação. Pois o O globo afirma que cada preso custa quase o triplo do valor que se gasta com um aluno.

A partir disso, constata-se que seria falta de lógica por em prática no Brasil as ideias do direito penal máximo, pois é grandemente dispendioso em todos os sentidos. Até por que esse pensamento já foi superado prevalecendo na sua grande maioria o que é denominado de direito penal mínimo, ou seja, os doutrinadores no geral consideram o direito penal como sendo a ultima ratio, ou seja, o recurso final usado somente quando os demais ramos não conseguem responder a situação apresentada.

Mas ao olharmos para o ordenamento jurídico é perceptível que já existem aparatos normativos suficientes que podem suprir a conduta relativa à falsa acusação de estupro. E isso se dá tanto nos ramos do direito civil ,como até mesmo no próprio direito penal, pois ambos trazem textos em abstratos que dão a possibilidade de serem enquadrados nesse tipo de comportamento defesos na lei não havendo, portanto, a necessidade de impor essa ação como crime hediondo.

Tais para citar a titulo de exemplo se dão através processo cível por danos morais com base nos artigos 186, 187 e 927 podendo a pessoas acusada injustamente ser indenizada. Ainda pode ser inserido como denúncia caluniosa tipificada no código penal artigo 339 cuja texto diz : “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:

“Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.”. Assim diante de tudo o que foi avaliado reitero o que já foi defendido no texto acima, qual seja, a afirmativa de que não seria viável a aprovação da proposta, me posiciono ,portanto contra o pedido de tornar em crime hediondo a falsa acusação de estupro.

Bibliografia:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-com-pessoal-consome-60-da-receita-dos-estados,70001939477

https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/brasil-gasta-com-presos-quase-triplo-do-custo-por-aluno-3283167

Sobre os autores
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!