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A infidelidade partidária e seus reflexos negativos sobre a consolidação das instituições políticas democráticas no Brasil

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Agenda 19/09/2005 às 00:00

5.Identificação partidária e ideológica

A abordagem a respeito da identificação partidária e ideológica no Brasil é de fundamental importância neste trabalho, pois tende a confirmar nossa hipótese de que a infidelidade partidária descaracteriza o candidato eleito, correspondendo a uma violação do princípio democrático e, portanto, contribui para o enfraquecimento das instituições políticas democráticas, na medida em que rompe o pacto entre representantes e representados.

Tal associação deriva da confirmação de que, no momento da eleição dos governantes, os eleitores votam não só na pessoa do candidato, mas também no partido político pelo qual o candidato concorre ao pleito ainda que, muitas vezes, esta opção não ocorra por meio de uma associação direta entre ele, eleitor, e a legenda, mas através de uma vinculação à ideologia que ele expressa.

O papel da ideologia no comportamento eleitoral é tema polêmico e, embora tenha sido objeto de estudos sistemáticos na bibliografia internacional, foi pouco explorado e testado no Brasil.

Identificação ideológica corresponde à adesão a uma posição no contínuo esquerda-direita que, mesmo sendo cognitivamente desestruturada, sinaliza uma orientação política geral do eleitor.

A idéia de que a ideologia é uma das principais preditoras do voto foi sistematizada primeiramente por Lipset (1967) em Political Man, publicado em 1959. Ele concluiu que a ligação entre classes sociais e partidos é o elemento mais constante da história eleitoral, isto quer dizer que o poder aquisitivo do indivíduo inclina-o para determinada opção política. Assim, a ideologia funcionaria como um sinalizador da posição de classe dos partidos, desempenhando importante papel na direção do sufrágio. Trata-se, contudo, de uma tendência, e não de uma correlação necessária. É a ideologia que permitirá ao cidadão reconhecer os partidos pra além das políticas imediatas que defendem e, desse modo, saber o papel mais amplo que jogam no processo político [36].

Downs (1957), fundador da escola econômica de análise política, sustentou que o eleitor age racionalmente, sendo a escolha do voto uma relação de custo benefício. Dessa forma, como a ideologia promove uma diferenciação entre os partidos através de códigos simples, o eleitor diminui custos e aumenta benefícios ao se valer dela para definir o seu voto, haja vista que a posição ideológica dos partidos economiza custos de informação, dispensando-o de se inteirar sobre complexas discussões programáticas.

Em direção oposta, pesquisadores da Universidade de Michigan, na década de 1950, buscaram refutar a tese de que a ideologia fosse um elemento decisivo na determinação do voto da maior parte do eleitorado. Afirmavam a impossibilidade de se deduzir como o eleitor chegava à decisão do voto, sendo necessária a verificação empírica deste processo e, na prática, referida tese não se comprovava. Concluíram que a identificação partidária deveria ser considerada a determinante estrutural do voto, mas diferentemente do que propunha Lipset, para quem o eleitor escolheria o partido em função dos interesses sociais que este representava, a identificação partidária sugerida pela escola psicossociológica teria um sentido psicológico, afetivo, não estando necessariamente ligada a conteúdos programáticos ou ideológicos.Desse modo, a identidade do indivíduo como democrata ou republicano é que influenciaria, entre outros aspectos, sua percepção da ligação entre partidos e grupos de interesses não o contrário. [37] Sustentaram, ainda, posteriormente, que apenas a parcela mais educada da população opera com sistema de crenças de tipo ideológico, pois a massa sempre tem sistemas de idéias desestruturadas, ilógicas e concretas, desprovida de conteúdo e, portanto, disponível para a manipulação emocional.

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O pessimismo da Escola de Michigan foi atenuado por vários pesquisadores, dentre os quais Sartori, nas décadas de 1960 e 1970. Ele procurou demonstrar a necessidade de inclusão do "voto por imagem" do partido, o qual corresponde à idéia de que o indivíduo adere a um partido pela posição de classe que ele assume; trata-se de uma percepção genérica desse posicionamento, havendo também algo de afetivo nessa adesão. Assim, sugere, que a adesão a uma bandeira ideológica não requer alta sofisticação, estando os termos direita e esquerda, liberal e conservador, enraizados,de alguma maneira, na cabeça dos eleitores. [38] A ideologia desempenha um papel de sinalizadora de orientações e é exatamente porque o público é pouco sofisticado que a ideologia como simplificadora, assim como a identificação partidária, desempenha um papel importante. [39]

No Brasil, pouquíssimos trabalhos acadêmicos incorporaram o conceito de identificação ideológica, merecendo destaque o recente estudo de André Singer (2000), cuja análise verificou-se especialmente quanto aos pleitos de 1989 e 1994. Ao analisar a influência da identificação ideológica no comportamento eleitoral, verificou que a maior parte dos eleitores (60%) não sabem definir o que seja esquerda e direita, mas aparece como um sentimento, um conjunto de crenças que o eleitor sabe reconhecer, mas não verbalizar: uma intuição ideológica.

Comprovou que, dentre as variáveis de longo prazo, como renda e escolaridade, a identificação partidária relou estar associada de modo muito forte à escolha do candidato, seguida pela identificação ideológica. Contudo, embora a identificação partidária tenha sido uma excelente preditora do voto, ela teve abrangência sobre uma parte restrita do eleitorado, mesmo porque esta constitui também um índice de politização. Assim, a identificação ideológica mostrou-se a melhor preditora do voto dentre as demais variáveis testadas, na medida em que atinge grande parcela do eleitorado.

Diante disso, temos confirmada nossa hipótese, tendo em vista que, ao mudar de partido, o candidato eleito se descaracteriza, pois deixa de apresentar um dos componentes que influíram para sua eleição, notadamente o aspecto ideológico que, juntamente com a sua pessoa, o fez lograr êxito na disputa eleitoral. Assim, não é verdadeiramente ‘o mesmo’ candidato eleito como representante do povo.


6.Análise qualitativa e quantitativa da movimentação partidária na Câmara dos Deputados e no Senado Federal

6.1.Câmara dos Deputados

Neste item, serão apresentadas as conclusões extraídas da análise dos gráficos e tabelas elaborados a partir de dados sobre movimentação partidária na Câmara dos Deputados [40], durante as cinco últimas legislaturas, englobando desde o ano 1987 até os dias atuais. Os partidos políticos estudados são os que foram selecionados para apresentação de seu percurso histórico, sendo utilizado o mesmo critério, qual seja maior representatividade na Câmara do Deputados durante a 52º legislatura, acrescentando-se o PC do B.

No desenvolvimento do trabalho, verificou-se que na 48º e 49º legislaturas haviam vários partidos além dos que integravam a amostra, mesmo porque, o Brasil possui uma vasta gama de partidos políticos em constante junção e alteração de nome. Por tudo isso, decidiu-se por não incluir na análise, os partidos incorporados ou que mudaram seu nome, salvo o Partido Progressista, o qual, por este motivo, apenas é analisado na 52º legislatura.

52ª legislatura

Os partidos políticos que apresentam maior número de deputados deixando o partido são respectivamente PFL, PSDB e PMDB. Possuem menor índice: PC do B, PT, PP e PL/PSL.

Por sua vez, PTB, PMDB e PL/PSL são os partidos que mais recebem novas filiações de deputados durante o cumprimento de seu mandato. Os menos procurados são: PC do B, PT e PDT.

A maior parte das mudanças de partidos ocorreram no primeiro (40%) e segundo (36%) semestres desta legislatura, ou seja, logo após tenham sido os deputados eleitos e tomado posse de seus lugares na Câmara.

51ª legislatura

Neste período, verificou-se que os partidos políticos que apresentam maior número de deputados se desvinculando são respectivamente PFL, PSDB e PMDB. Possuem menor índice: PC do B, PT e PPS.

Quanto ao ingresso de novos filiados, PMDB, PSDB e PL são os que mais recebem deputados durante o cumprimento de seu mandato. Os menos procurados são: PC do B, PDT e PT.

A maioria das mudanças de partido ocorreram no primeiro (38%) e terceiro (39%) anos de exercício do mandato. Tais dados reforçam a afirmativa de que a infidelidade partidária, no que se refere à mudança de legenda, ocorre mais intensamente em dois períodos: naquele subseqüente às eleições, onde muitas vezes os deputados aderem aos partidos vitoriosos na busca por cargos e verbas, e no final do mandato, quando os políticos procuram filiar-se aos partidos com maior potencial de elegibilidade.

Vale lembrar que o terceiro ano do mandato é o prazo final para aqueles que se interessam em concorrer a um novo mandato eletivo filiarem-se a um outro partido, visto que "para concorrer a um mandato eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias ou proporcionais" (art.18 da Lei nº 9.096/1995 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos).

50ª legislatura

Os partidos políticos que possuem maior número de saídas são respectivamente: PMDB, PFL e PSDB. Os menores índices são do: PC do B, PPS e PT.

PSDB, PFL e PMDB são os partidos a que se destinam a maior parte dos deputados no exercício de seu mandato. As menores taxas pertencem ao PC do B, PT e PDT.

Esta legislatura confirma a tendência apresentada na 51ª e 52ª legislaturas, evidenciando que a maior parte das mudanças de partido na Câmara dos Deputados aconteceram no momento logo após as eleições – 41% no primeiro ano – e no penúltimo ano de exercício do mandato – 40%.

49ª legislatura

Os partidos políticos que apresentam maior número de deputados deixando o partido são respectivamente PFL, PMDB e PSDB. Possuem menor índice: PC do B, PSB e PT.

Os partidos que mais recebem novas filiações de deputados durante o cumprimento de seu mandato são PFL, PTB, PSDB e PMDB. Os menos procurados são: PC do B, PPS e PSB.

Diferentemente das demais legislaturas, as mudanças de partido distribuíram-se de maneira bastante uniforme nos quatro anos de mandato, havendo, contudo, uma maior concentração no quinto (19%) e sexto (20%) semestres da legislatura, somando 39% de toda a movimentação.

48ª legislatura

Os partidos políticos que apresentam maior número de deputados deixando o partido são respectivamente PMDB, PFL e PL. Possuem menor índice: PC do B, PT e PSB.

Por sua vez, PSDB, PDT e PFL são os partidos que mais recebem novas filiações de deputados durante o cumprimento de seu mandato. Os menos procurados são: PC do B, PT, PMDB e PSB.

Não houve registro de qualquer movimentação partidária nos dois primeiros anos da 48º legislatura, ou seja, em 1987 e 1988, ficando as mudanças de legenda concentradas nos três últimos semestres do mandato.

6.2. Senado Federal

A análise da movimentação partidária no Senado Federal por não se encontrar disponível uma base de dados completa sobre o tema, restringiu-se ao exame da 48ª, 49ª e 50ª legislaturas Os resultados abaixo apresentados resultam da observação de gráficos e tabelas por nós elaborados com base em informações fornecidas pela Sub-Secretaria de Arquivos do Senado Federal.

Os partidos políticos que compõem esta amostra, diferem-se dos selecionados para o mesmo fim na Câmara dos Deputados. Isto decorre do fato de alguns daqueles partidos não terem representantes no Senado ou não figurarem nos quadros sobre movimentação partidária.

As mudanças de legenda de senadores do PDS (Partido Democrático Social), PP (Partido Progressista), PPR (Partido Progressista Reformador) e PPB (Partido Progressista Brasileiro) não foram analisadas como os outros partidos (entrada/saída) em razão da dificuldade gerada pelas constantes mudanças de nome por que passaram. Lembre-se que o PDS passou a chamar-se PPR, o qual em 25 de outubro de 1995 fundiu-se ao PP, dando origem ao PPB. Este, por sua vez, alterou recentemente sua denominação, respondendo hoje pela sigla PP (Partido Progressista). Contudo, tais legendas são bastante recorrentes nos dados analisados e, por isto, optou-se por incluí-la na análise, genericamente, constando o número de vezes que elas figuram nos quadros sobre migração, não se distinguindo se corresponde a entradas ou saídas de senadores dos partidos.

50ª legislatura

Neste período, PMDB, PSDB e PDT são os que apresentam maior número de senadores deixando o partido. PFL e PL apresentam os menores índices de desfiliações. De outro lado, as maiores recepções são do PFL, PSDB e PMDB; as menores, do PTB e PDT. Aparecem 8 vezes nos dados PP/PPB/PPR.

Quanto ao período em que ocorreram as mudanças, mais de metade se deu no primeiro ano da legislatura (54%); o fluxo migratório do terceiro ano também apresentou elevação em relação aos demais (25%).

49ª legislatura

Os partidos políticos que mais tiveram senadores se desfiliando foram PTB, PFL e PRN; os menores índices couberam ao PMDB, PSDB e PDT. Em relação à recepção de novos filiados, PMDB e PFL foram os campeões; PSDB, PDT e PRN obtiveram menos entradas. PDS/PP/PPR figuram 17 vezes dentre as modificações observadas.

Novamente, as migrações concentraram-se, principalmente, na primeira (37%) e na terceira sessões legislativas (45%).

48ª legislatura

PMDB, PSDB e PFL forma os partidos que apresentaram maior número de senadores deixando a legenda, tendo o primeiro sido responsável por quase 60% das desfiliações, o que pode decorrer, em grande parte, da fundação do PSDB, que sabidamente surge de uma dissidência do PMDB. PTB, PDT e PRN não perderam senadores no período. No que se refere a novas filiações, PSDB, PRN e PDT foram os mais procurados, estando o PL, PFL no extremo oposto. PDS aparece apenas 2 vezes nos quadros de movimentação partidária.

Não foi possível analisar quando ocorreram as mudanças durante a 48ª legislatura por não haverem dados disponíveis para tanto.

Sobre a autora
Lívia Matias de Souza Silva

bacharelanda em Direito pela UFMG e pesquisadora bolsista do CNPq

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Lívia Matias Souza. A infidelidade partidária e seus reflexos negativos sobre a consolidação das instituições políticas democráticas no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 808, 19 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7297. Acesso em: 22 nov. 2024.

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