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Controle de constitucionalidade em nível estadual e municipal

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POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 650898

Pôde-se ver acima que um dos grandes debates acerca do controle de constitucionalidade das normas municipais diz respeito à aferição da constitucionalidade de norma da Constituição Estadual que seja de repetição obrigatória por parte da Constituição Federal.

Durante muito tempo seguiu-se o posicionamento de que a afronta direta seria à Norma Constitucional Estadual e, de modo reflexo, ao Texto Federal. Sendo assim, o parâmetro a ser utilizado pelo Tribunal de Justiça local seria o Texto Constitucional Estadual.

Assim, ao se aprofundar na análise dos parâmetros de (in)constitucionalidade pode-se questionar se seria possível ao Tribunal de Justiça local, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta em face de lei ou ato normativo municipal, utilizar como parâmetro de análise a Constituição Federal. Com base em posicionamentos do Supremo Tribunal Federal, a resposta ao questionamento deveria ser negativa, haja vista que em diversas ocasiões – como, por exemplo, na ADI 347 - o Supremo decidiu não ser possível que os tribunais de justiça estaduais exerçam o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal.

Todavia, uma exceção pode ser levantada para a referida regra, qual seja: que, em se tratando de normas constitucionais federais de repetição obrigatória pelas constituições estaduais, as Cortes Estaduais de Justiça poderiam utilizar a Constituição Federal como parâmetro de constitucionalidade em face de lei ou ato normativo municipal.  

Com efeito, em recente posicionamento, o Supremo Tribunal Federal se manifestou no seguinte sentido:

Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados (STF. Plenário. RE 650898/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/2/2017 - repercussão geral).

Como já fora observado neste trabalho, é cabível, com base no artigo 125, § 2º da Constituição Federal, que uma lei ou ato normativo municipal seja impugnado perante a Corte de Justiça local por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

O interessante da decisão referida diz respeito ao parâmetro utilizado para o controle de constitucionalidade. Para melhor compreender a evolução jurisprudencial, é mister reforçar que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta no Supremo Tribunal Federal em face de uma lei estadual, por exemplo, terá como parâmetro de análise a Constituição Federal; isto é, a norma levantada afronta um conteúdo normativo constante na Carta Magna. Desse modo, ao analisar a demanda a Corte Suprema deverá observar se existe, ou não, violação do teor normativo constitucional.

Assim, quando o debate ocorre diante de uma norma ou ato municipal o parâmetro a ser investigado deverá ser a Constituição Estadual, conforme determina o artigo 125, § 2º da Constituição Federal. Ou seja, o campo de cognição processual será relacionado com a provável existência de uma violação à Constituição Estadual.

Não obstante, como já fora ponderado no presente estudo, as normas de reprodução obrigatória constituem trechos da Constituição Federal que devem ser repetidos nas Constituições Estaduais. Deve-se pontuar que tais normas, mesmo que não estejam material e formalmente contidas na Carta Estadual – em virtude de sua característica – serão consideradas insertas no Texto Estadual.

O Ministro Luis Roberto Barroso, na Rcl 17.954 Agr/PR já teve a oportunidade de se pronunciar no seguinte sentido:

"As disposições da Carta da República que, por pré-ordenarem diretamente a organização dos Estados-membros, do Distrito Federal e/ou dos Municípios, ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos. Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais – afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade na sua incorporação pelo ordenamento local."

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De fato, assim o impõe o princípio da supremacia da constituição, o grande problema desta temática é que inexiste no Texto Constitucional um artigo que elucide quais são as normas de reprodução obrigatória; dessa forma, toda a construção decorre da jurisprudência do STF, ou seja, em diversos julgados do Tribunal foi mencionando quais as normas seriam de reprodução obrigatória.

A título de exemplo, citem-seas normas da Constituição Federal que tratam sobre organização político-administrativa, competências, separação dos Poderes, servidores públicos, processo legislativo, entre outras.

Na vigência da constituição de 1967, com as alterações propostas em 1969, havia uma disposição expressa de quais as normas que deveriam ser repetidas nos Textos Estaduais. Contudo, no Texto Federal de 1988 o constituinte adotou uma estruturação genérica, com o escopo de permitir uma maior liberdade organizacional aos Estados.

Todavia, esta falta de enumeração – apesar de permitir uma maior autonomia estrutural aos Estados-membros – trouxe a possibilidade de interpretações livres, sem qualquer limite constitucional.

Nesta linha de raciocínio, podem-se dividir as normas de reprodução obrigatória em três níveis: os princípios constitucionais sensíveis, os princípios constitucionais extensíveis e, por fim, os princípios constitucionais estabelecidos.

Entende-se como sendo princípios constitucionais sensíveis os elementos essenciais para a organização do sistema federativo pátrio, que estabelecem os limites organizacionais dos Estados-membros (art. 34, VII da CF). Para José Afonso da Silva, o termo sensível significa que esses princípios são evidentes[19] e continua o autor, uma coisa dotada de sensibilidade – como ocorre no citado artigo constitucional - ao ser contrariada provocará uma reação; por exemplo, uma representação do Procurador-Geral da República requerendo a autorização para intervenção federal.

Já os princípios constitucionais extensíveis são normas voltadas à organização da União, as quais serão extensíveis aos Estados-membros de forma expressa (CF, arts. 28 e 75) ou de forma implícita (CF, art. 58, § 3.°; arts. 59 e seguintes). Segundo José Afonso da Silva, em virtude do federalismo, o atual Texto Constitucional praticamente eliminou tais princípios, existindo apenas raros exemplos – conforme citado.[20]

Nas palavras de Léo Leoncy, apesar da extinção desses princípios, existem normas constitucionais voltadas direta e exclusivamente para a organização da União, porém que implicitamente são aplicadas aos Estados-membros. Como a Carta de 1988 não enumera essas possibilidades de aplicação, o Supremo Tribunal Federal vem exercendo um papel ativo na solução dessas questões.[21]

Por fim, os princípios constitucionais estabelecidos são aqueles que têm como escopo limitar a capacidade organizacional dos Estados-membros; a qual ocorrerá de modo expresso (CF, art. 37) ou de modo implícito (CF, art. 21).

José Afonso da Silva demonstra esses princípios com base nas classificações das formas e das funções das normas de observância obrigatória. Dessa forma, alguns princípios estabelecidos ofertaram uma limitação expressa[22]; já outros, limitações implícitas[23] e – por fim – limitações decorrentes.[24]

Para Raul Machado Horta, esses princípios versam sobre o sistema tributário, repartição de competências, organização dos Poderes, direitos políticos, nacionalidade, direitos e garantias individuais, direitos sociais, ordem econômica, educação, família e cultura. Arremata o autor afirmando que quanto maior for a expansividade do Texto Constitucional, maior será a elencação dos princípios estabelecidos.[25]

Como se pode observar, em diversas situações o intérprete estará diante de normas contidas no Texto Federal que servirão de fundamentação para a produção de leis municipais. Sendo assim, como a Corte Suprema poderá se pronunciar nesse caso se inexiste regulamentação normativa?

Vê-se, portanto, a nítida dependência dos posicionamentos cristalizados na jurisprudência da Corte Suprema, pois, como acima pontuado, pois inexiste na Carta Magna uma nítida separação e classificação dos diferentes tipos de princípios, de forma a tornar clarividente o (in)cabimento da atuação do STF no controle de constitucionalidade das normas emanadas no exercício da autonomia municipal.

Destarte, com base nessa inexistência de um rol dispondo sobre essas normas de repetição obrigatória, de forma que qualquer entendimento nesse sentido deve sempre observar os posicionamentos externados pelo STF, tem-se que a tese formada pela Corte Maior no supramencionado recurso extraordinário também poderá ser aplicada no caso de uma representação de inconstitucionalidade ser direcionada contra uma norma estadual. Isso porque entendemos não haver vedação para a extensão do teor do julgamento em análise, posto que ao se tratar de uma norma estadual que tenha como parâmetro de análise um trecho de reprodução obrigatória não há como entender de modo diverso.

Outro interessante elemento que se pode abordar com base na tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal é a disposição de que quando se utilizar comoparâmetro de análise uma norma de reprodução obrigatória, da decisão do Tribunal de Justiça local, será possível a interposição de recurso extraordinário para a Corte Suprema. A Corte já teve oportunidade de se manifestar neste sentido no Recurso Extraordinário nº 246903-AgR, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski.[26]

Em suma, a Corte Local de Justiça poderá exercer o controle abstrato de constitucionalidade das normas municipais, as quais utilizará como parâmetro de verificação uma norma constitucional de reprodução obrigatória pelos Estados-membros.

No entanto, a decisão do Tribunal de Justiça Local poderá ser questionada via recurso extraordinário, uma vez que o parâmetro de análise foi uma norma constitucional de reprodução obrigatória.[27] O interessante é que a decisão do Supremo Tribunal Federal em sede recursal terá eficácia erga omnes, haja vista que tal decisão fora proferida em sede de processo objetivo de controle de constitucionalidade.


4. CONCLUSÃO

Os aspectos do controle de constitucionalidade aqui tratados não são de ordem meramente acadêmica, sem expressão prática. Isso porque, além da autonomia constitucionalmente conferida aos Municípios, é inegável a forte expressão destes em áreas chaves da sociedade, como por exemplo, na economia, o que faz com que a atuação legislativa desses entes seja de grande relevância.

Verificam-se, assim, diversos posicionamentos do STF, não raro completamente diferentes entre si, tratando do controle de constitucionalidade tendo como parâmetro a Constituição da República. É de se ressaltar o recente posicionamento da Corte que colocou em evidência os princípios de repetição obrigatória com fins de chegar-se a uma definição sobre quais atos legislativos de competência dos entes estaduais e municipais (especialmente dos Municípios) poderiam ter sua constitucionalidade auferida tendo como parâmetro a própria Constituição da República, de forma que, considerou-se, acertadamente, a autonomia dos Estados-membros e Municípios no que concerne a sua capacidade autolegislativa, aliada à supremacia da Constituição Federal sobre todo o ordenamento jurídico pátrio.

Diante disso, a observância aos preceitos constitucionais cumulada ao respeito à autonomia dos entes federados constitui tarefa complexa, pelo que deve ser exercida sem que se desrespeite, de um lado, os principais aspectos do nosso sistema federativo, e de outro, normas basilares de competência que devem ser por todos observadas. Nesse diapasão, o fato de ser omissa a Constituição no que concerne à apreciação da constitucionalidade de atos normativos municipais, acaba por demandar maiores cuidados sobre os pré-requisitos, para que se evite imiscuir-se sobre assuntos meramente locais (Súmula 280 STF).

Desta maneira, é de suma importância a análise do que seriam as normas/princípios de repetição obrigatória por parte dos demais entes, o que demanda, como ressaltado, um constante acompanhamento do que entende o Supremo Tribunal Federal acerca do tema; todavia, não se pode olvidar da importância que têm a doutrina e os operadores do direito no estabelecimento daquilo que efetivamente seria de observância obrigatória, com o fito de que seja conferida mais segurança às tratativas hoje dadas à essa questão.

Sobre os autores
Luís Carlos Santos da Cruz Junior

Advogado Tributarista (OAB n° 49.627/PE), formado pela Faculdade Imaculada Conceição do Recife (FICR). Amante dos debates e temas relacionados aos ramos constitucional e tributário.

Pedro de Menezes Carvalho

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Advogado e Parecerista. Professor Universitário da Faculdade Imaculada Conceição do Recife (FICR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ JUNIOR, Luís Carlos Santos; CARVALHO, Pedro Menezes. Controle de constitucionalidade em nível estadual e municipal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5794, 13 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73371. Acesso em: 5 nov. 2024.

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