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Considerações acerca da constitucionalidade da Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (COSIP)

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Agenda 03/10/2005 às 00:00

6. Da contribuição para o custeio da iluminação pública

Diante das considerações doutrinárias deduzidas no presente estudo, acerca do tributo vinculado da espécie contribuição, pode-se, agora, examinar a fonte de custeio da iluminação pública, estabelecida constitucionalmente a partir do advento da Emenda Constitucional n.º 39/02, sob o prisma do rigorismo científico que o sistema tributário exige.

6.1. Da hipótese de incidência

Em primeiro lugar, cumpre verificar se o tributo criado encontra-se vinculado a uma atuação estatal. Na análise da hipótese de incidência, verifica-se a descrição de um serviço público, qual seja, a iluminação pública.

Nesse passo, cabe ressaltar que os legisladores municipais/distritais deverão lançar mão de exaustiva hermenêutica jurídica para estabelecer o limite do alcance da expressão constitucional iluminação pública na regulamentação desta contribuição, sob pena da norma regulamentadora local a ser criada vir a ser considerada inconstitucional, frustrando, mais uma vez, a expectativa arrecadatória dos municípios para adimplirem suas contas de iluminação pública.

Assim, caberá perquirir-se, por ocasião da instituição de tal tributo vinculado, se o conceito iluminação pública abarca tão-somente o serviço de iluminação pública de logradouros ou contemplará também a iluminação de bens públicos, a exemplo do que estabeleceu o Município de São Paulo através da Lei Municipal n.º 13.479, de 30/12/2002 [44].

Se o conceito contemplar a iluminação de bens públicos, as contas de energia elétrica de todos os imóveis de propriedade do Estado, poderão ser cobertas pela referida contribuição, o que, sem dúvida, aumentará consideravelmente o quantum debeatur do aludido tributo, onerando ainda mais os sujeitos passivos.

Ao contrário, se o conceito for utilizado de forma restritiva, albergando apenas a iluminação dos logradouros, então, as contas de energia elétrica dos imóveis do Estado deverão ser custeadas pelos tributos não vinculados, que, diga-se, foram instituídos justamente para atender as "necessidades administrativas de ordem geral" [45].

Retomar-se-á esta questão mais adiante no presente ensaio. Por ora, a despeito da questionamento hermenêutico levantado, verifica-se presente, nesta nova exação, o pressuposto jurídico de constituição dos tributos vinculados. Assim, de acordo com doutrina, pelo critério da exclusão, este tributo não poderá ser classificado, jamais, como um imposto.

Portanto, diante da constatação de que se trata de tributo vinculado (gênero), cumpre examinar a qual espécie (taxa ou contribuição) pertence a novel tributação para custeio da iluminação pública.

Nesse tocante, importa verificar se a hipótese de incidência do tributo em tela comporta fruição individualizada pelo obrigado, o que implicaria denominá-lo de taxa. Esta, portanto, é uma das questões nevrálgicas do presente estudo, cuja resposta já foi dada, em sentido negativo, pela pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como já se afirmou anteriormente.

Assim, pelo aspecto material da hipótese de incidência, já se pode concluir, com certeza, pela classificação do tributo vinculado, que irá custear a iluminação pública dos municípios brasileiros, como sendo uma espécie do gênero contribuição.

Ademais, por derradeiro, aplicando ao caso concreto o conceito firmado por Geraldo Ataliba, verifica-se – como que comprovando a validade da premissa da indivisibilidade que descartou a possibilidade de enquadrá-lo como taxa – que existe na hipótese de incidência uma circunstância medial entre a atuação estatal (prestação de serviço de iluminação pública) e o contribuinte, que é justamente a necessidade de seu custeio.

E parece ser esta uma das fundamentais diferenças entre o presente estudo e o respeitável trabalhado realizado por Luciano e Leonardo Loubet. Referidos estudiosos consideraram como hipótese de incidência da COSIP a prestação do serviço de iluminação pública. Com a devida vênia, diverge-se deste entendimento na medida em que a norma constitucional expressa de forma inequívoca a hipótese de incidência deste novel tributo: custeio do serviço de iluminação pública.

Portanto, da leitura do Texto Constitucional não se pode considerar que a COSIP tenha por finalidade imediata a prestação de serviços de iluminação pública, mas sim o provisionamento do seu custeio. Esta é uma conclusão que se obtém da leitura atenta da regra-matriz constitucional do tributo em exame.

Aliás, o custeio da iluminação pública surge como elemento intermediário entre a atuação estatal e o contribuinte, confirmando o pressuposto de fato/circunstância medial entre a atuação estatal e o sujeito passivo.

Ademais, abordando a questão pelo prisma de sua evolução histórica, percebe-se que a única intenção do legislador constituinte, ao criar dito tributo, foi o de prover aos municípios e ao Distrito Federal específica fonte de receita para fazer frente aos custos da iluminação pública.

6.2. Da base de cálculo

Geraldo Ataliba, a partir das leituras da doutrina proposta por A. D. Giannini, assevera que "a base imponível é um atributo avaliável, dimensível, mensurável do aspecto material da hipótese de incidência. É a própria medida ou dimensão do aspecto material da hipótese de incidência, como o reconhecem todos os autores" [46]. Dessa forma, a base imponível, também denominada de base de cálculo, é determinada pelo legislador a partir da eleição de um ou mais determinados aspectos componentes da materialidade da hipótese de incidência.

In casu, diante do exame da h.i. da contribuição em comento, pode-se afirmar que o único aspecto material da hipótese de incidência passível de determinar o quantum debeatur devido pelo contribuinte da COSIP é o custeio do serviço de iluminação pública.

Nesse tocante, também é relevante considerar que o custeio, do qual surgirá a imprescindível base de cálculo do tributo em exame – considerada pelos Loubert como segundo e preponderante critério de classificação tributária, na acepção de Paulo de Barros Carvalho –, não se limita ao valor da energia elétrica consumida para tal fim, mas trata-se de base mais ampla, pois deverá contemplar todas as despesas inerentes ao serviço de iluminação pública como a aquisição de lâmpadas, fios, postes, sensores e todos os demais equipamentos, materiais e serviços necessários ao bom e contínuo funcionamento do dito serviço público.

Dessa forma, ainda que se pudesse admitir tratar-se de taxa, levando-se em conta o critério da base de cálculo para caracterização da natureza dos tributos, pensa-se que não se poderia concluir haver, no presente caso, base de cálculo coincidente com nenhum imposto, tampouco com a do ICMS, que seria idêntica a do tributo em exame, se o custeio da iluminação pública se restringisse às despesas de consumo de energia elétrica. Esta assertiva conduz à conclusão, portanto, de que a hipótese aventada estaria em absoluta consonância ao disposto no art. 145, § 2º da Carta Magna, não havendo falar em identidade de bases de cálculos entre a suposta taxa instituída pela EC n.º 39/02 e o ICMS.

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Assim, pretende-se reconhecer que a base de cálculo da aludida contribuição para custeio da iluminação pública haverá de ser igual ao somatório de todas as despesas envolvidas na criação e manutenção do serviço, como já referido. E esta base, a ser apurada pelo Estado, tal qual se faz para a contribuição de melhoria, guarda total pertinência com a COSIP.

Dessarte, diante de tais argumentos, pode-se afirmar que o novel tributo vinculado também se amolda à natureza jurídica de contribuição, quando examinado sob o critério da base de cálculo.

Portanto, ousa-se concluir, frente ao exame dos pressupostos jurídicos pertinentes às contribuições, que o constituinte derivado logrou absoluto êxito técnico ao classificar o tributo vinculado para custeio da iluminação pública como sendo mais uma espécie do gênero contribuição, integrativa, portanto, de nosso sistema tributário. Espera-se que o legislador municipal/distrital também seja bem sucedido na regulamentação local da nova modalidade de contribuição.

6.3. Dos sujeitos ativos

Inquestionavelmente, os sujeitos ativos da referida contribuição são os municípios e o Distrito Federal, consoante dispõe a regra-matriz constitucional posta no art. 149-A da Constituição Federal. E não poderia ser diferente, tendo-se em conta que a atribuição de prestação de serviço de iluminação pública foi, como já mencionado, com o advento do Texto Constitucional de 1988, repassado aos aludidos entes federativos. Ademais, pode-se até inferir intuitivamente, que esta prestação de serviço, face à sua peculiaridade, apresenta-se, efetivamente, como assunto de interesse local, próprio de ser regulado, portanto, em nível das municipalidades e o do Distrito Federal, conforme disciplina o inciso I do artigo 30 da Carta Federal.

6.4. Dos sujeitos passivos

Neste ponto, reside uma grande dificuldade de subsunção da contribuição ora estudada ao seu arquétipo constitucional. De fato, quem é o sujeito passivo dessa contribuição? Como definir com precisão o obrigado ao pagamento desta espécie de tributo vinculado?

A solução da questão passa, mais uma vez, pela análise dos aspectos materiais que compõem sua hipótese de incidência, pois, como já aventado, reside nela o aspecto material definidor do tributo, qual seja, o custeio do serviço de iluminação pública. Portanto, a delimitação do universo das pessoas – que figurarão como obrigadas tributárias desta contribuição – deverá obrigatoriamente ser extraído deste aspecto material.

Quem se beneficia do serviço de iluminação pública? Parece que a resposta para tal indagação é de fácil elaboração. Todas as pessoas que vivem dentro dos limites territoriais do ente federativo instituidor do aludido tributo.

E aqui reside outra dúvida: as pessoas jurídicas estariam consideradas nesse contexto? Pensa-se que sim. Afinal, a iluminação pública está intrinsecamente ligada às questões de segurança pública. E este tema, evidentemente, alcança as pessoas jurídicas, passando, via de conseqüência, a ser assunto de interesse delas também.

Com efeito, a falta de iluminação nos logradouros municipais aumenta a possibilidade de arrombamentos e furtos em toda sorte de pessoas jurídicas (estabelecimentos de atividades empresárias, estabelecimentos públicos, escolas, igrejas, etc). Assim, pensa-se que as pessoas jurídicas também estejam abrangidas nesse conceito.

Contudo, voltando-se o foco de atenção para o outro tipo de pessoa, a física, constata-se que a população de um município caracteriza-se pela sua heterogeneidade. As pessoas que convivem em um dado município, são muito diferentes entre si, indicando a existência de uma diversidade, também, em termos de classificação dessas pessoas. Poder-se-ia elencar algumas formas classificatórias como a classificação por faixa etária, por renda, por grau de escolaridade, pela etnia, entre outras tantas possíveis. Entretanto, nenhuma delas terá valia no exame da presente questão, se não possuir um componente juridicamente relevante sob o ponto de vista tributário.

Quer-se colocar que a delimitação do universo dos sujeitos passivos da COSIP deve observar as características de sua hipótese de incidência. Assim, diverge-se de normas como o Art. 3º do Decreto 43.143, de 32/04/2003, regulamentadora da Lei Municipal n.º 13.479, do município de São Paulo, que instituiu a COSIP naquela cidade cosmopolita.

É que o citado artigo de lei estabelece que contribuinte da COSIP, no âmbito daquele executivo municipal, "é todo aquele que possua ligação de energia elétrica regular ao sistema de fornecimento de energia". Criticando-se respeitosamente o conceito de sujeito passivo estabelecido no aludido decreto, entende-se que os usuários do fornecimento de energia elétrica são também usuários do serviço de iluminação pública, mas não constituem a totalidade dos beneficiários de tal serviço, existindo ainda outras pessoas a serem consideradas no rateio do custeio da iluminação pública. E estas outras pessoas devem ser buscadas estritamente sob o viés classificatório do direito tributário.

Aliás, corroborando esta idéia, vale mencionar acórdão prolatado no Agravo de Instrumento n.º 70008289712, julgado em 25/08/04, pela Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no qual, por maioria (vencedor o voto do Redator, Des. Roque Joaquim Volkweiss), proveu-se o referido recurso para tornar definitiva a antecipação da tutela liminarmente concedida em favor de empresa que demandou contra município argüindo a inconstitucionalidade da norma local instituidora da COSIP. O provimento do recurso garantiu à empresa o direito de depositar em juízo os valores questionados até o deslinde final da contenda. Naquele aresto, um dos fundamentos do provimento do recurso foi justamente a indevida delimitação da sujeição passiva, que contemploutão-somente as pessoas cadastradas na empresa fornecedera de energia elétrica, desconsiderando a evidente existência de outros usuários da iluminação pública na comuna demandada.

Assim, sob o ponto de vista teórico, qualquer pessoa física que exteriorize sinais presuntivos de capacidade econômica, domiciliada no ente federativo instituidor da contribuição para o custeio da iluminação pública, preencheria os requisitos tributários para se transformar em sujeito passivo da COSIP. Sim, enfatiza-se o aspecto da exteriorização de sinais presuntivos de capacidade econômica porque não se pode cobrar o custeio da iluminação pública de quem não tenha condições para tal.

Nessa linha de raciocínio, estariam fora do universo dos sujeitos passivos da COSIP todas as pessoas físicas e jurídicas que demonstrassem sua incapacidade econômica. Pensa-se, por exemplo, que seria o caso dos insolventes civis, das empresas falidas, dos desempregados, das pessoas reconhecidamente pobres em razão de determinados indicativos legais, etc.

Dessa forma, considerando o amplo universo das pessoas que exteriorizam sinais presuntivos de capacidade econômica, pensa-se que o rateio do custeio da iluminação pública, efetivamente, abarcaria todas as pessoas suscetíveis de figurar como sujeito passivo da obrigação, dando, assim, atendimento ao princípio da isonomia no estabelecimento dos obrigados tributários desta espécie de contribuição.

E como se procederia a identificação destas pessoas? Através do estabelecimento de um sistema de cadastramento de contribuintes com suporte nos recursos disponíveis da tecnologia da informação. Os obrigados tributários seriam cadastrados, armazenando-se todas as informações necessárias à conferência dos requisitos necessários para figurar como sujeito passivo tributário, assim como os dados indispensáveis para o lançamento e cobrança da COSIP. Dessa forma, na data estabelecida para lançamento da obrigação tributária, referente a determinado período de tempo, o sistema teria condições de emitir automaticamente o documento hábil para pagamento do tributo que seria enviado via postal ao domicílio do contribuinte.

Afinal, como é que se cobram os serviços públicos latu senso de fornecimento de gás, água, telefone e energia elétrica na atualidade? Exatamente assim, através do envio postal das contas respectivas. Trata-se de adaptação e conscientização da sociedade a este novo tipo de tributo. Nesse sentido, frente ao permissivo constitucional do parágrafo único do art. 149-A, poder-se-ia, até, facultar a cobrança de tal contribuição na fatura da conta de energia elétrica para aqueles contribuintes que forem também como consumidores de energia elétrica a guisa de facilitar o processo arrecadatório do sujeito ativo.

Entende-se que a delimitação da sujeição passiva da COSIP deva respeitar estas considerações relativas à real amplitude do universo de contribuintes. As normas locais que tratarão do tema necessitarão regular o assunto da forma mais abrangente possível, criando espaço para o tratamento isonômico e, portanto, justo de todos que efetivamente se beneficiam e devam contribuir para o custeio da iluminação pública.

Mas como o município deverá proceder com as pessoas que não quiserem se cadastrar? Sugere-se que a lei tributária instituidora da COSIP, além de estabelecer a obrigação de cadastramento dos usuários do serviço de iluminação pública, com a previsão de penalidades pecuniárias compatíveis com as infrações cometidas, dentre elas, a ausência de cadastramento tempestivo, poderá determinar a criação de bancos de dados, em nível municipal, que possa ser verificado por ocasião da prática de determinados atos da vida civil e tributária dos munícipes (pessoas físicas e jurídicas), com o objetivo de restringir direitos e liberdades daqueles que resistirem ao cadastramento, no âmbito municipal, com fundamento no poder de polícia do Estado, tudo visando a assegurar o princípio da isonomia na cobrança deste tributo.

Exemplificando, por ocasião de um requerimento para averbação em matrícula de uma compra e venda de imóvel, este banco de dados poderia ser consultado pelo cartório de imóveis que, diante da constatação da inexistência de cadastramento do aludido comprador, franquear-lhe-ia a possibilidade de realizar o imediato cadastro e na eventualidade de sua recusa, a dita averbação não poderia ser feita até que a situação de contribuinte da COSIP do adquirente do imóvel fosse regularizada.

E adota-se tal entendimento, de estabelecimento de formas de definição e cadastramento dos contribuintes do custeio do serviço de iluminação pública porque não se afigura justo, como referido anteriormente, que a lei indique como único sujeito passivo de tal contribuição a pessoa (física e jurídica) consumidora de energia elétrica da municipalidade, pois é evidente que existem outros usuários deste serviço que também teriam condições econômicas para participar do rateio das despesas com a iluminação pública municipal.

Destaca-se que a dificuldade, sob o ponto de vista prático, em se determinar este amplo universo de obrigados tributários – que, ressalta-se, não é insuperável –, não pode merecer relevância a ponto de se constituir em inescusável fator restritivo da real delimitação do universo dos sujeitos passivos, pois, assim sendo, estar-se-ia violando princípios constitucionais como o da impessoalidade e da igualdade, o que redundaria em indevidos prejuízos à órbita patrimonial dos eleitos como sujeitos passivos em razão da excessiva onerosidade resultante da existência de um número menor, do que de fato existe, de contribuintes indicados para o rateio da COSIP.

Ainda, como fundamento da necessidade de considerar todos as pessoas que apresentem sinais presuntivos de capacidade econômica como sujeitos passivos da COSIP, cumpre analisar a questão sob o viés filosófico-jurídico, apontando-se a teoria de justiça proposta por John Rawls, fundada na eqüidade, na qual o ilustre professor da Universidade de Harvard pontua que "uma sociedade é bem-ordenada não apenas quando está planejada para promover o bem de seus membros, mas quando é também efetivamente regulada por uma concepção pública de justiça. Isto é, trata-se de uma sociedade na qual (1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e (2) as instituições sociais básicas geralmente satisfazem, e geralmente se sabe que satisfazem, esses princípios" [47].

É necessário, consoante a mencionada teoria de justiça elaborada pelo memorável filósofo político norte-americano, que as normas locais instituidoras da COSIP estejam afinadas com os elevados princípios de justiça, orientadores maiores de qualquer ordenamento jurídico fundado sob a tutela de um Estado Democrático como o nosso. Restringir, portanto, o universo de sujeitos passivos da COSIP por mera e indevida liberalidade do legislador, visando a facilitar sua tarefa legislativa de estabelecer a base de cálculo do tributo em exame, não pode ser atitude admissível entre nós, pois fere os mais rudimentares conceitos de justiça.

Vale lembrar que, na dicção de Rawls, o "objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social" [48]. Portanto, no que tange à contribuição para o custeio da iluminação pública, é dever do Estado (assim entendidos os sujeitos ativos do tributo em estudo), não poupar esforços na real delimitação do universo de contribuintes da COSIP, pena de cometimento de ato atentatório à justiça que ele mesmo tem o dever de assegurar à sociedade que o integra.

6.4.1. Do poder de polícia administrativa

No que toca aos atos coercitivos praticados sob o império do poder de polícia administrativa dos agentes ativos da COSIP, visando a forçar o cadastramento de todos os contribuintes do aludido tributo, Hely Lopes Meirelles ensina que, no âmbito municipal, dito poder "incide sobre todos os assuntos de interesse local, especialmente sobre as atividades urbanas que afetem a vida da cidade e o bem-estar de seus habitantes" [49]. Ora, incontestável admitir que o serviço de iluminação pública relaciona-se diretamente aos aspectos ligados à vida da cidade e o bem-estar de seus habitantes, haja vista sua direta conexão com as políticas locais de segurança pública, como já referido.

Por absolutamente pertinente, cabe reproduzir a definição de polícia administrativa enunciada pelo saudoso jurista, verbis:

"Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado." [50]

Aliás, por oportuno, o próprio CTN, em seu artigo 78, define poder de polícia como "a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos".

Portanto, o uso do poder de polícia administrativa, em conformidade com as regras, valores e princípios formadores de nosso ordenamento jurídico, atentando, portanto, para uma genuína interpretação sistemática do direito, no ensino de Juarez Freitas [51], constitui-se em instituto imprescindível na adequada identificação e cadastramento de todos os sujeitos passivos da COSIP por parte da autoridade tributária local.

Assim, através da criação de mecanismos legais que restrinjam direitos, interesses ou liberdades individuais, com a finalidade de impor o aludido cadastramento a todos os usuários tributariamente relevantes da mencionada contribuição, o ente federativo disporá de meios efetivos para obrigar que todas as pessoas, que satisfaçam os requisitos legais, a se cadastrarem como contribuintes da COSIP. Reconhece-se que tal tarefa exigirá muita criatividade e conhecimento técnico-jurídico dos legisladores locais, mas que, por sua vez, está longe de ser considerada como algo impossível de ser implementado.

O importante, ressalta-se, é criar uma definição legal de sujeito passivo bastante ampla, que se aproxime ao máximo do verdadeiro perfil de usuário do serviço de iluminação pública, que seja relevante em termos tributários. Assim, ainda que não se consiga, na prática, a completa adesão de todos os potenciais contribuintes, em razão de limitações procedimentais que venham a surgir, a norma local estará perfeitamente ajustada aos preceitos constitucionais vigentes, impedindo que se cogite em decretar-lhe judicialmente sua inconstitucionalidade. Ademais, o aprimoramento e evolução das formas de controle e cadastramento de contribuintes da COSIP se encarregarão naturalmente de aumentar o número de cadastrados, levando o número de contribuintes cadastrados a tender ao longo do tempo para a totalidade do universo estabelecido pela lei.

6.4.2. Da interpretação restritiva da expressão "iluminação pública"

Diante dessas considerações, pode-se retomar a questão do alcance interpretativo da expressão iluminação pública, para afirmar que a iluminação de imóveis da Administração Pública não restaria albergada pela hipótese de incidência da COSIP porque inexistiria, neste caso, um reflexo mediato ao contribuinte, decorrente do pagamento de tal tributo. Com efeito, nenhum retorno, em termos de prestação de serviços, teria o sujeito passivo, pela contribuição paga, pois a iluminação de prédios públicos não diz respeito ao particular. Aliás, como já mencionado, o sujeito passivo paga impostos ao Estado para que ele possa custear despesas gerais como esta.

Portanto, se ausente a referibilidade (direta ou indireta) da atuação estatal ao obrigado, ou seja, se o sujeito passivo não recebe imediata ou mediatamente uma prestação de serviço por parte do Estado pela paga do aludido tributo vinculado, inviável se mostra ampliar dito conceito para custear a iluminação dos imóveis públicos.

Sobre o autor
Cleber Demetrio Oliveira da Silva

Sócio da Cleber Demetrio Advogados Associados, da RZO Consultoria e Diretor Executivo do Instituto de Desenvolvimento Regional Integrado Consorciado (IDRICON21), Especialista em Direito Empresarial pela PUCRS, Especialista em Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pelo INEJE, Mestre em Direito do Estado pela PUCRS, Professor de Ciência Política no curso de graduação da Faculdade de Direito IDC, de Direito Administrativo em curso de pós-graduação do IDC e Professor de Direito Administrativo e Direito Tributário em cursos de pós-graduação do UNIRITTER da rede Laureate International Universities.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Cleber Demetrio Oliveira. Considerações acerca da constitucionalidade da Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (COSIP). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 822, 3 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7342. Acesso em: 22 nov. 2024.

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