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A simetria conceitual existente entre a teoria de justiça de John Rawls e os consórcios públicos

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Agenda 27/09/2005 às 00:00

4. Conclusões

O exame do instituto do consórcio público, à luz da teoria de justiça como eqüidade proposta por John Rawls, possibilitou verificar a existência de uma incontestável simetria conceitual entre aludida teoria e o regime jurídico dos consórcios públicos, com especial destaque para o princípio da cooperação interfederativa norteador das atividades consorciais. E tal constatação deflui essencialmente da similitude existente entre os objetos da justiça proposta por Rawls e dos consórcios públicos brasileiros, organizados segundo a Lei 11.107/05.

Por sua vez, no exame dessa correspondência conceitual, estabelecida entre a teoria de Rawls e a essência principiológica do regime jurídico dos consórcios públicos, procurou-se evidenciar que os conceitos de sociedade, posição original e véu de ignorância formulados pelo professor norte-americano, no âmbito de sua teoria de justiça, se ajustam com elevado grau de adequabilidade ao regime consorcial brasileiro, daí resultando que a aludida exposição teórica, nos aspectos examinados no presente estudo, pode servir como fundamentação filosófica a consolidar a utilização e disseminação dos consórcios públicos em nosso país.

Importa destacar que não se objetivou afirmar que os consórcios públicos foram inspirados na teoria de Jonh Rawls. Ao contrário, intencionou-se buscar na Filosofia sólidos conceitos que pudessem robustecer o instituto consorcial, facilitando sua compreensão e utilização entre nós. E pensa-se que os pontos de convergência, identificados no exame comparativo levado a cabo no presente trabalho, possam ter alguma utilidade na continuidade do debate, reflexão e conseqüente aprofundamento desse importante tema.

Demais disso, a análise filosófica do regime consorcial possibilitou trazer ao debate, a importância de se instituir um controle ético das políticas públicas implementadas pelos Poderes Executivos brasileiros nos três esferas de governo (federal, estadual e municipal), pois a justiça social somente será alcançada se as ações governamentais, implementadoras das políticas públicas, forem éticas.

Por fim, como referido na introdução do presente ensaio, o exame filosófico de um determinado instituto jurídico deve preceder a própria análise do objeto de estudo, pois assim, o operador do direito poderá maximizar a utilidade da ferramenta jurídica em análise. É que dos fundamentos filosóficos, o intérprete poderá extrair a verdadeira essência e alcance da ferramenta que se dispôs a examinar ou utilizar.


REFERÊNCIAS

BREMAEKER, François E. J. de. Os consórcios na administração municipal. Rio de Janeiro: IBAM/APCM/NAPI/IBAMCO, 2001.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.

COMPARATO, Fábio Konder. Planejar o desenvolvimento: a perspectiva institucional, in Para viver a democracia, São Paulo: Brasiliense, 1989.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 2004.

SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (lei n.º 9.784/99). Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul. V. 27, n. 57 supl., Porto Alegre: Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, 2003.

SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei nº 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 705, 10 jun. 2005. Disponível em: jus.com.br/revista/texto/6872>. Acesso em: 06 set. 2005.

WEBER, Thadeu. Ética e filosofia política: Hegel e o formalismo kantiano. Porto Alegre: Edipucrs, 1999, p. 107.


NOTAS

01 Estas preocupações foram extraídas da Exposição de Motivos n.º 18/04, de 25/06/04, do Projeto de Lei n.º 3.884/04, de iniciativa da Presidência da República.

02 BREMAEKER, François E. J. de. Os consórcios na administração municipal. IBAM/APMC/NAPI/IBAMCO, 2001, p.4-5.

03 Dados colhidos do periódico Correio do Povo, de 1º/05/2005, que circula no Rio Grande do Sul. Referida edição, de n.º 213, publicou reportagem "Desperdício de R$ 15 bilhões em obras paradas", noticiando a existência de três mil empreendimentos parados atualmente no Brasil, por falta, dentre outras causas, de escassez de investimentos públicos.

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04 SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (lei n.º 9.784/99). Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul. V. 27, n. 57 supl., Porto Alegre: Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, 2003, p. 50.

05 SILVA, Almiro do Couto e. Op. Cit., p. 50. A fim de manter a integridade textual de Alexy, Almiro do Couto e Silva alcança ao leitor o escrito original que segue: "Der für die Unterscheidung von Regeln um Prinzipien entscheidente Punkt ist, dass Princizipien Normen sind, die gebieten dass etwas in einen relativ auf die rechtlichen und tatsiichlichen Moglichkeiten moglichst hohen Masse realisiert wird. Prinzipien sind demnach Optimierungsgebote, die dadurch charakterisiert sind, dass sie in unterschiedlichen Graden erfiillt werden kónnen und dass das gebotene Mass ihrer Erfiillun nicht nur von den tatstilichen, sondem auch von den rechtlichen Móglichkeiten wird durch gegenltiufige Prinzipien und Regelen bestimmt. (Theorie der Grundrechte., Frankfurt: Suhrkamp, 1996. p75-76)".

06 Em sua consagrada obra Du Contrat Social, Rosseau propugnava, em linhas gerais, a submissão do governo à uma Volonté Général, à vontade geral. Acreditava na idéia de que o súdito obrigado à obediência, tão comum nas monarquias absolutistas daqueles tempos, deveria dar lugar na sociedade do futuro - seguramente republicanas - ao cidadão fiel à patria, erigindo, assim, a figura do patriota. Assim, a pátria, e não mais o rei, é que seria a única merecedora da fidelidade e da devoção do homem moderno.

07 RAWLS, John. Uma teoria de justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002 p. 3.

08 É sabido que não é função da lei conceituar. Todavia, em certos casos, a fim de evitar controvérsias, o legislador houve por bem emprestar função definidora à lei. Este é o caso do conceito de tributo, que se encontra determinado na Lei n.º 5.172/66 (CTN), cujo art. 3º expressa que "tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

09 Nesse sentido, parece relevante indicar a existência de indiscutível nexo entre a implementação das políticas públicas e o atendimento do princípio da proporcionalidade para fins de aferição do grau de eficácia da utilização dos recursos públicos destinados à implementação de ditas políticas. E, pensa-se, que os órgãos de controle interno e externo, bem como o Ministério Público sejam personagens importantes na avaliação do atendimento deste importante princípio. Por fim, quer-se trazer à reflexão do leitor que a proporcionalidade existente entre o recurso empregado e a política implementada (via de regra, através da prestação de um serviço público) pode estar diretamente relacionada com princípio constitucional da eficiência da Administração Pública insculpido no caput do artigo 37 da Constituição Federal, fundamento este que poderia legitimar a necessária atuação dos referidos órgãos e instituições estatais já referidos no controle do bom uso do dinheiro público nas inúmeras políticas públicas implementadas pelos Poderes Executivos de nosso país.

10 RAWLS, John. Uma teoria de justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002 p. 3-49.

11 WEBER, Thadeu. Ètica e filosofia política: Hegel e o formalismo kantiano. Porto Alegre: Edipucrs, 1999, p. 107.

12 RAWLS, John. Op. Cit., p. 4.

13 Rawls comenta na nota de rodapé n.º 9 do Capítulo I – Justiça como Equidade – da obra em estudo, que considera "a obra de Henry Sidgwick, The Method of Ethics, 7ª. Ed. (Londres, 1907), como síntese do desenvolvimento da teoria moral utilitarista", ressaltando em seguida que "aparentemente Hutcheson foi o primeiro a formular claramente o princípio da utilidade", ao colocar que o aludido autor, em sua obra Inquiry Concernig Moral Good and Evil (1725) nação III, § 8,assevera que "melhor é aquela ação que produz a maior felicidade para o maior número [de pessoas]; e pior é aquela que, de igual maneira, ocasiona a miséria", p. 659.

14 RAWLS, John. Op. Cit., p. 25.

15 WEBER, Thadeu. Op. Cit., p. 109.

16 WEBER, Thadeu. Op. Cit., p. 109.

17 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 252.

18 COMPARATO, Fábio Konder. Planejar o desenvolvimento: a perspectiva institucional, in Para viver a democracia, São Paulo: Brasiliense, 1989, p.102.

19 A expressão utilizada pela autora significa governo pelos homens.

20 BUCCI, Maria Paula Dallari. Op. Cit., p. 252.

21 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36.

22 A autora, em sua obra Direito administrativo e políticas públicas (São Paulo: Saraiva, 2002), examina detalhadamente a necessidade de o direito administrativo encampar o conceito de políticas públicas.

23 Cita-se como exemplos de políticas públicas que implementam direitos fundamentais o Sistema Único de Saúde SUS), regulado pela Lei Federal 8.080/1990, e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF) criado pela Emenda Constitucional n.º 14/96.

24 RAWLS, John. Op. Cit., p. 4.

25 RAWLS, John. Op. Cit., p. 4.

26 RAWLS, John. Op. Cit., p. 5.

27 RAWLS, John. Op. Cit., p. 19.

28 Nesse sentido, vide artigo "Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros", de nossa autoria, publicado na página eletrônica Jus Navegandi, a. 9, n. 705, 10 jun. 2005. Disponível em: jus.com.br/revista/texto/6872>. Acesso em: 06 set. 2005.

29 RAWLS, John. Op. Cit., p. 143-156.

30 Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

31 O princípio da autonomia federativa está insculpido no caput do art. 18 da Carta Federal que determina, verbis: "A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição".

32 Dispõe o mencionado dispositivo do PL n.º 3.884/04: "protocolo de intenções: contrato preliminar que, ratificado mediante lei pelos entes da Federação interessados, converte-se em contrato de consórcio público".

33 RAWLS, John. Op. Cit., p. 6.

34 RAWLS, John. Op. Cit., p. 7-8.

Sobre o autor
Cleber Demetrio Oliveira da Silva

Sócio da Cleber Demetrio Advogados Associados, da RZO Consultoria e Diretor Executivo do Instituto de Desenvolvimento Regional Integrado Consorciado (IDRICON21), Especialista em Direito Empresarial pela PUCRS, Especialista em Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pelo INEJE, Mestre em Direito do Estado pela PUCRS, Professor de Ciência Política no curso de graduação da Faculdade de Direito IDC, de Direito Administrativo em curso de pós-graduação do IDC e Professor de Direito Administrativo e Direito Tributário em cursos de pós-graduação do UNIRITTER da rede Laureate International Universities.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Cleber Demetrio Oliveira. A simetria conceitual existente entre a teoria de justiça de John Rawls e os consórcios públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 816, 27 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7344. Acesso em: 22 dez. 2024.

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