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A impossibilidade de instituição ou majoração de tributo por meio de medida provisória

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Agenda 29/09/2005 às 00:00

6. CONCLUSÕES

Firme no conceito legal de tributo, fornecido pelo art. 3º do Código Tributário Nacional, ganha destaque o fato de a obrigação tributária de entregar dinheiro aos cofres públicos somente poder ser imposta em virtude de lei.

Por "lei", nas mais diversas searas do Direito, pode-se entender todo e qualquer comando normativo editado por autoridade competente, segundo o devido processo legislativo; interpretação que não pode ser seguida no Direito Tributário.

Face à disposição genérica do princípio da legalidade, estabelecida no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, reforçado pelo princípio da estrita legalidade tributária, tipificado no art. 150, inciso I, também da Constituição Federal, o vocábulo "lei", constante na definição legal de tributo, deve ser interpretado de forma a significar o fruto do trabalho do Poder Legislativo, tão somente, excluídos outros estatutos normativos, ainda que estabelecidos por autoridade competente, mesmo que sigam os respectivos trâmites de elaboração previamente estabelecidos.

Diante das disposições constitucionais acima referidas, o único instrumento introdutório de obrigação tributária principal em nosso ordenamento jurídico, com o condão de obrigar os administrados, é a lei, na acepção estrita que o termo deve encerrar. Nesse ponto, deve ser feita uma ressalva: as relações jurídico-tributárias que veiculam deveres instrumentais ou formais, chamadas de "obrigações tributárias acessórias", podem ser instituídas e disciplinadas por meio de instrumento normativo que tenha apenas força de lei, como a medida provisória.

Não obstante a estrita legalidade, a Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, alterando a redação do art. 62 da Constituição Federal, trouxe a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória, espécie normativa que não é lei, na acepção estrita do termo, uma vez que não resulta do trabalho do Poder Legislativo – que, em nosso País, tem a função típica de estabelecer regras de conduta gerais e abstratas – mas é editada pelo Presidente da República, irradiando efeitos tão logo seja publicada no órgão da Imprensa Oficial.

Diante de tal previsão constitucional, resultante de atividade constituinte reformadora, estabeleceu-se um conflito de normas constitucionais: de um lado a estrita legalidade (art. 150, inciso I), texto original da Constituição Federal; de outro, a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória (art. 62, § 2º), inserção feita pelo Poder Constituinte Derivado Reformador.

A função do intérprete não é questionar a falta de técnica legislativa, mas sim encontrar soluções para os conflitos normativos eventualmente existentes.

Sendo assim, há que se buscar, no sistema jurídico, uma solução para o conflito acima identificado. Essa solução vem apontada com a aplicação de princípios e de lições de constitucionalismo.

Num primeiro momento, há que se privilegiar o princípio da estrita legalidade em prejuízo da regra reformadora. Recorrendo-se à eficácia negativa dos princípios, lembre-se que decisões, regras, ou mesmo sub-princípios que se contraponham a princípios serão inválidos, por contraste normativo. Assim, a regra do art, 62, § 2º, deve ceder em função do princípio tipificado no art. 150, inciso I, ambos da Constituição Federal.

Como se não bastasse, necessário que se leve em consideração que a estrita legalidade consta na Constituição Federal desde sua edição ou seja, é fruto do Poder Constituinte Originário, poder ilimitado responsável pela elaboração de uma nova Constituição, ao passo que a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória foi inserida na Constituição Federal por obra do Poder Constituinte Derivado Reformador, poder que somente pode ser exercido de modo válido uma vez observados os limites previstos – explícita ou implicitamente – no texto constitucional do qual deriva.

E uma das limitações diz respeito aos direitos fundamentais, que não podem ser abolidos por emenda constitucional, ex vi o disposto no inciso IV do § 4º do art. 60, da Constituição Federal.

Considerada a estrita legalidade como um direito fundamental do contribuinte (art. 150, inciso I da Constituição Federal), tanto quanto a anterioridade, a malsinada Emenda Constitucional n. 32 não poderia prever a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória. Ao fazê-lo, contrariou dispositivo constitucional originário, o que permite concluir pela inconstitucionalidade do disposto no § 2º do art. 62, contrastado com a norma originária tipificada no art. 150, inciso I, ambos da Constituição Federal.

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Nunca é tarde relembrar que a medida provisória é medida excepcional para momentos de urgência, desde que relevante a matéria; não pode ela ser instrumento de instituição de impostos sem o debate dos cidadãos interessados por meio de seus representantes eleitos (no taxation without representation). E se já era assim compreendido desde a Magna Carta do João Sem-Terra no início do século XIII, quanto mais hodiernamente, quando se busca cada vez mais o fortalecimento do Estado Democrático de Direito!

No momento histórico em que está mergulhada toda a humanidade, amedrontada com ameaças terroristas capazes de abalar as mais sólidas estruturas, cabe a analogia feita por José Roberto Vieira ao comentar a Emenda Constitucional n. 32, no que se refere ao disposto no § 2º, do art. 62 [40]:

Aliás, promulgada em 11 de setembro de 2001, mesma data dos ataques terroristas a Nova Iorque e Washington, quiçá pudéssemos identificá-la, por analogia, como algo próximo de um ataque terrorista ao Estatuto Supremo.


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Notas

01 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.

02 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 55.

03 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2a ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 256.

04 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997. p.89

05 A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental n.º 152676-0/PR, tendo como Relator Ministro Maurício Corrêa, enfrentou a questão envolvendo a convivência de diversos princípios no sistema constitucional, decidindo que "os princípios constitucionais que garantem o livre acesso ao Poder Judiciário, o contraditório e a ampla defesa, não são absolutos e hão de ser exercidos, pelos jurisdicionados, por meio das normas processuais que regem a matéria, não se constituindo negativa de prestação jurisdicional e cerceamento de defesa a inadmissão de recursos quando não observados os procedimentos estatuídos nas normas instrumentais. (Supremo Tribunal Federal, Rei. Min. Maurício Corrêa, Agravo Regimental n" 152676-0, PR, DJ 03.11.95, ementário n" 1807-02.)

06 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 112

07 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. pp. 84/85

08 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 1035.

09 Ibidem.

10 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997. p. 170.

11 SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais: proteção e restrição. Livraria do Advogado Editora: Porto Alegre, 2001. p. 43

12 BERNO, Cheryl. Medidas Provisórias em Matéria Tributária. Artigo publicado no Juris Síntese nº 22 – mar/abr de 2000. Porto Alegre: Síntese.

13 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 310.

14Manual de Direito Financeiro e Tributário. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 134

15Medidas Provisórias e o Direito Tributário. Repertório IOB de Jurisprudência – Tributário e Constitucional, n. 19, São Paulo: IOB, out., 1990, p. 323.

16Considerações sobre as medidas provisórias. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 33, São Paulo: Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, jun., 1990, p. 203.

17Medidas provisórias na Constituição Federal de 1988. Revista dos Tribunais n. 658. São Paulo: RT, ago. 1990, p. 241.

18Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 70.

19 VIEIRA, José Roberto. "Legalidade Tributária e Medida Provisória: Mel e Veneno". In: FISCHER, Octávio Campos (coord.), Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 175/215.

20Medidas Provisórias – sua Absoluta Inadequação à Instituição e Majoração de Tributos. Revista de Direito Tributário, n. 45. São Paulo: RT, jul/set., 1988, pp. 132/133.

21 LACOMBE, Masset Américo. "Medidas Provisórias". In: MELLO, Celso Antônio Bandeira (org.). Direito administrativo e constitucional. Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba 2ª. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 116.

22Elementos de Direito Constitucional. 12.ª ed. Malheiros, 1996. p. 152.

23 Constituição Federal Anotada. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 772.

24 Direito Constitucional. 6.ª ed. Atlas, 1999. p. 538.

25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 425, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19/12/03. No mesmo sentido: ADI 812-MC, voto do Min. Moreira Alves, DJ 14/05/93

26 GRECO, Marco Aurélio. Medidas provisórias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 24.

27 Casa Civil da Presidência da República - Subchefia para Assuntos Jurídicos. Secretaria Geral da Presidência da República - Secretaria de Assuntos Parlamentares. https://www.planalto.gov.br/ Capturado em 13.07.2005, 06h.

28 DERZI, Misabel Abreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 79 e ss.

29 Op. cit., p. 310.

30 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 176.

31 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 52

32 ATALIBA, Geraldo. Medida Provisória e tributos. RDT, Ano 13, jan-março - 1989, v. 47, p. 225-226. Seminário realizado no Auditório do Ministério da Fazenda, em 17/10/88.

33 AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 166.

34Op. cit. p. 54

35 BERNO, Cheryl. Medidas Provisórias em Matéria Tributária. Artigo publicado no Juris Síntese nº 22 – mar/abr de 2000. Porto Alegre: Síntese.

36 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1667 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO. Julgamento: 25/09/1997. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 21-11-1997 PP-60586 EMENT VOL-01892-02 PP-00315 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. NOVA REDAÇÃO DADA AO PARÁGRAFO 2º DO ART. 21 DA LEI Nº 8.692/93, PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.520/93. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 62; 150, I, III, B E § 6º; E 236, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Contrariamente ao sustentado na inicial, não cabe ao Poder Judiciário aquilatar a presença, ou não, dos critérios de relevância e urgência exigidos pela Constituição para a edição de medida provisória (cf. ADIs 162, 526, 1.397 e 1.417). De outra parte, já se acha assentado no STF o entendimento de ser legítima a disciplina de matéria de natureza tributária por meio de medida provisória, instrumento a que a Constituição confere força de lei (cf. ADIMC nº 1.417). Ausência de plausibilidade na tese de inconstitucionalidade da norma sob enfoque. Medida cautelar indeferida.

37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 939 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES. Julgamento: 15/12/1993. Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO. Publicação: DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755. Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em conseqüência, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.

38 VIEIRA, José Roberto. op. cit. p. 185.

39Comentários à constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, t. V, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 1.

40Op. cit. p. 212.

Sobre o autor
Renato Bernardi

procurador do Estado de São Paulo, professor das Faculdades Integradas de Ourinhos, professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná, professor da Pós-Graduação em Direito Tributário da Faculdade de Direito da Alta Paulista em Tupã (SP), mestre em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDI, Renato. A impossibilidade de instituição ou majoração de tributo por meio de medida provisória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 818, 29 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7357. Acesso em: 5 nov. 2024.

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