Resumo: O estudo foi baseado em análises doutrinárias e no novo Código de Processo Civil, com foco na arguição de ilegitimidade passiva e as despesas pagas pelo polo ativo. No Código de Processo Civil de 1973, a regra disciplinada como arguição de ilegitimidade passiva era vista como causa extintiva do processo, sendo possível a emenda da inicial em apenas dois casos taxativos de nomeação à autoria. O CPC de 2015 promoveu modificação importante, permitindo a possibilidade de correção do vício por meio de emenda da petição, na hipótese de arguição de ilegitimidade passiva, disciplinando a questão nos artigos 338 e 339. Dentre os aspectos abordados neste artigo, estão a evolução histórica, a disposição da matéria no CPC/2015 com os motivos que levaram o legislador a tratar deste instituto e a possibilidade de correção dos vícios. Ainda, desejou-se demonstrar as consequências processuais quanto à arguição, características da decisão, além do recurso utilizado em face da decisão proferida. Salientou-se neste estudo que a arguição de ilegitimidade passiva, na qual permite a emenda da inicial, fornece às partes a possibilidade de ter o vício sanado e a solução de mérito de forma mais célere e eficaz, sem, contudo, reparar os prejuízos havidos por aquele substituído do polo passivo da causa.
Palavras-chave: Arguição. Ilegitimidade. Passiva. Despesas. Execução.
1. INTRODUÇÃO
O Estado tem o dever de fornecer tutela jurisdicional adequada e ágil para os cidadãos. Contudo, ocorre que durante a elaboração da ação, muitas vezes, a parte autora realizava a nomeação de um réu diverso daquele que, de fato, deveria compor a lide.
Sendo verificada a ilegitimidade da parte demandada, ocorria então a extinção do processo ou, em apenas duas hipóteses previstas no Código de Processo Civil (CPC) de 1973 era permitida a continuidade do processo com a nomeação à autoria.
A nomeação à autoria ocorria no caso de ações que discutiam detenção de coisa alheia e que desta demandava em nome próprio, ou se a parte que deveria figurar o polo passivo da demanda recebesse ordens ou instruções vindas a praticar atos que pudessem ensejar pedidos de indenização.
Neste diapasão, não se enquadrando em nenhumas das hipóteses, ocorria a extinção da ação, sem resolução do mérito, não sendo dada a oportunidade de emenda da petição à parte autora.
Tendo em vista a necessidade da distribuição do tempo do processo de forma adequada e célere, a observância do princípio da primazia do julgamento do mérito, bem como, o princípio da sanabilidade e da instrumentalidade, foi inserido nos artigos 338 e 339 do Código de Processo Civil de 2015, a possibilidade da emenda da petição inicial quando alegada a ilegitimidade passiva pelo réu.
Objetivando-se assim, primar pela celeridade, sanabilidade e eficácia do processo, o CPC 2015 passou a possibilitar ao autor emendar a petição inicial, substituindo ou acrescentando pessoas no polo passivo da demanda, sempre que arguida a ilegitimidade pelo réu inicialmente demandado.
Alegada a ilegitimidade é realizada a intimação da parte autora para que no prazo de 15 (quinze) dias úteis manifeste-se quanto à alegação, podendo realizar a substituição do polo passivo, excluindo o réu inicialmente demandado e, incluindo aquele porventura indicado por ele.
Sendo assim, nada impedirá, também, que o autor decida pela permanência do réu nos autos da ação, sozinho ou, quiçá, na condição de litisconsorte, incluindo o terceiro indicado por ele, caso em que o juiz deverá decidir acerca da ilegitimidade passiva outrora arguida, por ocasião do saneamento processual.
Se o autor optou por manter exclusivamente o réu inicialmente processado, rejeitando a arguição de ilegitimidade, mas o magistrado considere-o, porém, parte ilegítima, decretará a extinção do processo, proferindo sentença sem exame do mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC, impondo ao autor os ônus sucumbenciais.
Lado outro, caso o autor tenha decidido pela inclusão do terceiro indicado pelo réu, porém, mantendo-o na lide na condição de litisconsorte passivo, entendendo o magistrado pela ilegitimidade, proferirá decisão interlocutória saneadora, tão somente para excluir o réu da demanda, devendo a ação tramitar exclusivamente em face do legitimado. Neste caso, o autor também será compelido ao pagamento dos ônus sucumbenciais relativos à exclusão da parte ilegítima.
Ainda, vale ressaltar que se realizada a substituição do réu e durante o andamento dos autos for verificada que a substituição ocorreu de forma indevida, a ação também será extinta sem exame do mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC, justamente por força da ilegitimidade da parte.
Repita-se, portanto, que a decisão proferida em relação à ilegitimidade passiva, caso não implique em extinção do processo pelo reconhecimento de ilegitimidade passiva, não se tratará de sentença, mas sim decisão interlocutória.
Em que pese as variantes acima retratadas, busca-se, com o presente trabalho, a análise da aplicação dos artigos 338 e 339 do Código de Processo Civil de 2015 diante das demandas judiciais, conferindo às partes o direito a um processo eficaz e ágil, possibilitando a emenda da inicial diante da constatação da ilegitimidade da parte.
Ainda, analisando a primazia da resolução do mérito, a arguição de ilegitimidade passiva, bem como a condenação ao pagamento das despesas processuais, permite ao réu realizar a execução dos valores a título de reembolso, de modo que não prejudique o restante o processo.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Com o decorrer do tempo acentuou-se a carência de um processo ágil capaz de acompanhar o anseio social em relação ao julgamento dos conflitos. O Código de Processo Civil de 1973, fortemente carregado de normas voltadas à defesa do formalismo processual, deixava a desejar nos quesitos efetividade e celeridade, afastando-se dos anseios de uma sociedade sedenta de celeridade nos atos praticados (SANTOS, 1995, p. 14).
No Código de Processo Civil de 1973 era possível ao polo passivo arguir a sua ilegitimidade para compor a demanda. Essa manifestação era feita na apresentação da contestação. Todavia, uma vez alegada a ilegitimidade passiva, acolhendo a arguição, o juiz estava obrigado a decretar a extinção da ação, sem resolução do mérito, não sendo permitida a emenda da inicial pelo polo ativo. Rejeitada a arguição, o processo seguia seu curso normal para enfrentamento do mérito.
Examinando a questão sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, Marinoni e Arenhart (2008, p. 183) ensinavam que: “em regra, a ilegitimidade de parte conduz a vício insanável que determina a extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267, VI, do CPC).”
Portanto, a ilegitimidade da parte era vista como erro insanável. Tratava-se de defesa processual própria (ou peremptória) do polo passivo. Nesse sentido, cabe o entendimento de Wambiere e Talamini:
Como o objetivo do réu na defesa processual é retirar do autor o instrumento para a obtenção do pedido mediato (o processo), chama-se defesa processual própria (ou peremptória) aquela que, se reconhecida, tem o condão de extinguir o processo, sem gerar sentença de mérito. São exemplos às alegações de inépcia da petição inicial, ilegitimidade, litispendência, coisa julgada ou perempção. (WAMBIER; TALAMINI, 2013, p. 427).
Esse meio de defesa usado pelo polo passivo era visto como uma exceção processual, com incidência restrita. O objetivo da arguição era impedir ou dificultar o processamento dos autos, não sendo em momento algum analisado o mérito da causa.
Nos termos do CPC de 1973, sendo arguida a ilegitimidade do polo passivo e acolhida pelo juiz, o processo era extinto sem exame do mérito. Salvo na hipótese de nomeação a autoria. De acordo com Wambier e Talamini (2013, p. 325) a nomeação à autoria “trata-se de instituto por meio do qual se introduz no processo aquele que deveria ter sido originalmente demandado. Aquele que passa a integrar o processo assume a condição de réu, deixando, portanto de ser terceiro”.
Em apenas duas hipóteses era possível à realização da nomeação à autoria, em vez da extinção do processo, se verificada a ilegitimidade do polo passivo. Sobre as hipóteses de nomeação à autoria, Marinoni e Arenhart (2008, p. 183), defendiam que:
São duas situações que autorizam a nomeação à autoria: a) a do detentor de coisa alheia, em relação ao proprietário ou possuidor, quando for demandado pela coisa em nome próprio (art. 62. do CPC); b) a daquele que for demandado em ação de indenização por dano à coisa, quando alegar que praticou o ato por ordem em cumprimento de instruções de terceiros (art. 63. do CPC). Em ambas as situações, o réu primitivo (detentor ou responsável pelo prejuízo) deverá, quando acionado em nome próprio, nomear ao autor aquele que, segundo seu entender, deveria figurar realmente no polo passivo da demanda, ao invés dele. (MARINONI; ARENHART, 2008, p. 183).
Eventualmente, enquadrada uma das duas hipóteses taxativas previstas no Código de Processo Civil de 1973, era possível a realização da substituição do polo passivo da demanda.
Ainda, tal ato era permitido pela lei visando à utilidade do mesmo processo, tendo o réu o prazo de 15 (quinze) dias para a apresentação da defesa (exceção), sob pena de preclusão.
Após a nomeação à autoria apresentada pelo réu, era dado a parte autora o prazo de 5 (cinco) dias para se manifestar, aceitando ou não a nomeação. Se aceita era realizada a citação da parte nomeada, se não aceita era dado continuidade no processo com as partes já existentes.
Ainda, conforme aponta Paula (2016, p. 218), a nomeação à autoria concebia-se como:
[...] incidente processual por meio do qual o detentor da coisa demandada, sendo erroneamente citado como réu na ação, indica o verdadeiro proprietário ou possuidor da coisa, a fim de que o autor dirija sua ação contra eles; ou também poderá haver a indicação por aquele que estiver sendo demandando quando a ação gerou prejuízo a outra pessoa (CPC revogado, arts. 62. e 63). (PAULA 2016, p. 218).
Conforme exposto acima, a nomeação à autoria só era permitida em casos específicos. Quando verificada a ilegitimidade da parte demandada não era concedida a parte autora a oportunidade de emenda da petição inicial.
Em síntese, somente era permitida a correção da inicial em duas exceções, devendo o réu da relação jurídica, indicar o sujeito que deveria compor a demanda originalmente. De acordo com Wambier e Talamini (2013, p. 326), poderia a ilegitimidade ser corrigida “[...] no caso de o réu ser detentor da coisa e de esta lhe ser demandada em nome próprio (art. 62, CPC)”. Além de provar a ilegitimidade era necessário distinguir detenção de posse, pois na detenção há a relação de subordinação do detentor ao possuidor.
Quando o detentor era citado quanto à ação, este deveria fazer a nomeação do possuidor ou proprietário do bem em questão, para que os nomeados assumissem o seu lugar na relação processual e o réu primitivo deixasse o processo.
Ainda, poderia o réu primitivo no ato da contestação informar o nome da pessoa que deveria ser o polo passivo, tendo em vista que o réu primitivo somente recebia ordens e instruções para prática de atos que ensejaram na causa de pedir da demanda.
Tendo o réu realizado nomeação à autoria, cabia ao autor no prazo de 5 (cinco) dias manifestar-se sobre a preliminar arguida. Se aceita a nomeação era realizada a exclusão do réu primitivo e a citação do réu nomeado. Quando não aceita a nomeação, ocorria o prosseguimento do processo com o réu primitivo informado.
Quando nomeado, a parte deveria reconhecer a sua competência para compor a ação. Reconhecida ou não a competência para compor a ação era estipulado prazo para a defesa. Caso a parte nomeada não se manifestasse quanto o arrolamento de seu nome, entedia-se a aceitação da nomeação à autoria.
Outrossim, quando a parte passiva deixava de nomear à autoria ou realizava a nomeação de pessoa diversa da que de fato deveria compor a lide, sujeitava-se à condenação de pagamento de perdas e danos em decorrência da conduta realizada.
3. DA DISPOSIÇÃO DA MATÉRIA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
Repaginando a regra, no novo Código de Processo Civil o que fez o legislador foi extinguir a nomeação à autoria, conferindo ao réu, contudo, o direito de insurgir-se quanto à sua legitimidade para responder à ação, como questão preliminar ao mérito da causa.
Segundo Paula (2016, p. 220), a finalidade da intervenção de terceiros, prevista no CPC de 1973, era a correção do polo passivo ilegítimo. Com a reforma da lei o Código de Processo Civil de 2015:
[...] eliminou essa espécie de intervenção de terceiro, porém admitindo que o autor possa corrigir o polo passivo da ação quando o réu alegar na contestação a sua ilegitimidade ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado na petição, momento em que o autor poderá emendar a petição inicial para corrigir o vício (art. 338). (PAULA, 2016, p. 220).
Foi criado, então, no Código de Processo Civil de 2015, no Livro I (Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença), no Título I (Do Procedimento Comum), no Capítulo VI (Da Contestação), contendo o artigo 338, parágrafo único e 339, §1º e §2º, no qual é permitida a alegação de ilegitimidade passiva, bem como a substituição do réu, com a condenação do autor ao pagamento de despesas e custas da parte arrolada indevidamente.
Art. 338. Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu.
Parágrafo único. Realizada a substituição, o autor reembolsará as despesas e pagará os honorários ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este irrisório, nos termos do art. 85, § 8º.
Art. 339. Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação.
§ 1º O autor, ao aceitar a indicação, procederá, no prazo de 15 (quinze) dias, à alteração da petição inicial para a substituição do réu, observando-se, ainda, o parágrafo único do art. 338.
§ 2º No prazo de 15 (quinze) dias, o autor pode optar por alterar a petição inicial para incluir, como litisconsorte passivo, o sujeito indicado pelo réu. (BRASIL, 2015).
A arguição de ilegitimidade passiva, bem como a possibilidade de emenda da inicial zela pelos princípios da primazia do julgamento do mérito, sanabilidade, instrumentalidade, efetividade, celeridade, entre outros, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 338. (CPC 2015).
A nomeação à autoria se restringia a determinados casos, sendo o processo totalmente formalista. Com a extinção do processo, tendo em vista a ilegitimidade da parte, o tempo de análise do mérito era maior, pois era necessária a instauração de outro processo judicial, com outras pessoas (físicas ou jurídicas) no polo passivo para a resolução do mérito.
Contudo, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe como princípio fundamental a instrumentabilidade dos atos praticados, isso quer dizer que, mesmo tendo sido praticado o ato em desacordo com o previsto no processamento, é analisada a efetividade do ato praticado.
Ainda, dentro do princípio da instrumentabilidade é possível se analisar o princípio da sanabilidade, o qual permite a correção de vícios presentes no processo pelas partes, podendo ser dado prosseguimento ao feito sem a necessidade de extinção do processo.
Arrimado nesses princípios, o CPC de 2015 abarca a busca pelo julgamento do mérito como principal finalidade dos processos judiciais. Merecendo destaque, neste ponto, o disposto o art. 488, do referido Código: “Art. 488. Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485. (BRASIL, 2015).
Observam-se ainda os princípios do julgamento do mérito, efetividade e celeridade diante da possibilidade de correção do polo passivo da demanda. Aproveitam-se os mesmos autos para que seja realizado o julgamento do mérito da causa, não ocorrendo de forma imediata à sua extinção. Observa-se a finalidade do ato praticado, e se este teve efetividade.
Sobre a correção do polo passivo, Wambier et al. (2016, p. 338) defendem que:
A medida excepciona o princípio da perpetuatiolegitimationis, mas se mostra coerente com o princípio da sanabilidade, consagrado não só nesses dispositivos, mas em vários outros no NCPC. 1.1. De acordo com esse princípio, que decorre de outro fundamental, que é o princípio da instrumentabilidade, os atos processuais, mesmo que eivados de vício, devem ser aproveitados, de maneira a permitir que se chegue à resolução do mérito. (Grifo dos autores). (WAMBIER et al., 2016, p. 338).
Assim, tendo em vista a nova visão e finalidade do processo buscada com a reforma do Código de Processo Civil de 2015, com a retirada da intervenção de terceiros do Código, o legislador optou pela inserção de dois artigos específicos para a correção da ilegitimidade passiva.
3.1. A arguição de ilegitimidade passiva
Conforme aponta Wambier et al. (2016, p. 338), a arguição de ilegitimidade passiva ocorre:
Quando o réu, em preliminar de contestação, alegar a sua ilegitimidade passiva, o juiz possibilitará ao autor o prazo de 15 (quinze) dias, proceder à substituição do demandado, alterando a petição inicial. (WAMBIER et al., 2016, p. 338)
A arguição de ilegitimidade tem como base a observância da preliminar apresentada pelo réu na contestação, bem como a análise do sujeito indicado por este para substituí-lo no polo passivo da relação jurídica.
Conforme dispõe o artigo 339 do Código de Processo Civil, alegando o réu a sua ilegitimidade perante a relação jurídica, deve ser indicada por ele a pessoa (jurídica ou física) que deve compor o polo passivo.
Alegada preliminar na contestação é concedido ao polo ativo o prazo de 15 (quinze) dias para se manifestação quanto à arguição de ilegitimidade e a aceitação do sujeito indicado.
Neste contexto, pode o autor recusar a indicação e dar continuidade aos autos com o réu indicado na inicial, aceitar a indicação do polo passivo e por meio de emenda da inicial realizar a substituição do réu. Tendo, ainda, a faculdade de aceitar o sujeito indicado, mantendo, contudo, o réu primitivo, formando assim um litisconsórcio passivo.
Por ocasião do saneamento processual, o juiz deverá examinar a questão preliminar referente à ilegitimidade passiva, mantendo ou não o réu insurgente no polo passivo da demanda.
4. DAS CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS QUANTO À ARGUIÇÃO
Neste tópico serão analisadas as consequências processuais diante da alegação do polo passivo quanto a sua ilegitimidade, as mudanças no processo e os atos praticados pelas partes diante da alegação.
4.1. Momento para a arguição da ilegitimidade passiva
A ilegitimidade da parte trata-se de uma preliminar ao mérito, conforme dispõe o art. 337, IX do CPC de 2015. As preliminares de mérito devem ser suscitadas junto da contestação, tendo o polo passivo, a princípio, o prazo de 15 (quinze) dias úteis para fazê-lo, observadas as exceções descritas no art. 335. do CPC.
Conforme dispõe o artigo 339 do Código de Processo Civil de 2015, o réu, quando alega ser parte ilegítima da demanda, deve de imediato apresentar nos autos o nome da parte que deveria compor a relação jurídica. Logo, não basta apenas alegar a sua ilegitimidade na ação. Quando souber, o réu tem o dever de indicar aquele que deveria compor o polo passivo do processo, retirando-se assim do processo judicial.
Wambier et al.(2016, p. 340) dispõem sobre o assunto:
O art. 339. trata de situação em que o réu não deve se limitar a alegar sua ilegitimidade para a causa, mas deverá indicar aquele que deveria compor a lide em seu lugar. Isso ocorre quando, pelas circunstâncias do caso, o réu tem o conhecimento de quem seria o legitimado passivo. (WAMBIER et al.,2016, p. 340)
Neste ponto, o disposto o art. 339, do referido CPC/15:
Art. 339. Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação (BRASIL, 2015).
De acordo com o Código de Processo Civil, doutrina e jurisprudência, quando alegada a ilegitimidade pelo réu, este deve realizar a nomeação da parte que deve compor a lide em seu lugar. Ainda, se o réu alega ser parte ilegítima da ação e injustificadamente deixa de nomear quem deveria ocupar o polo passivo, poderá ser condenado ao ressarcimento dos prejuízos causados ao autor em decorrência de sua omissão.
4.2. Consequências da substituição do polo passivo
Arguida a ilegitimidade passiva, é realizada a intimação do autor da ação para que no prazo de 15 (quinze) dias se manifeste se aceita ou não a ilegitimidade alegada.
Neste caso, o autor terá três caminhos a seguir. Diante da alegação de ilegitimidade, pode o autor se negar a emendar a inicial e optar por dar continuidade no processo, mantendo o réu primário quando as alegações feitas na contestação não o convencerem da ilegitimidade. Acerca dessa ilegitimidade o juiz decidirá por ocasião do saneamento processual.
O autor poderá, no entanto, efetuar a substituição do réu. Conforme parágrafo único do art. 338, ocorrendo à substituição do réu na relação jurídica, o autor passa a ter obrigação de ressarci-lo de todas as despesas processuais relacionadas ao processo, compelindo-se, ainda, ao pagamento de honorários sucumbenciais ao advogado da parte contrária.
Advindo a substituição, é designada nova audiência de conciliação, promovendo-se a citação do novo réu para que compareça à audiência e se habilite no processo. Realizada a audiência de conciliação ou dispensada pelas partes, é aberto prazo para que o réu apresente contestação.
Outrossim, se realizada a substituição do réu, porém, por ocasião do saneamento processual o magistrado se convencer de que a substituição ocorreu de forma errônea, os autos serão extintos e arquivados sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC. Neste caso, o autor arcará com os ônus sucumbenciais, ocasião em que os honorários serão calculados tomando-se como base o art. 85. do CPC.
Além da substituição do réu, pode o autor aceitar a indicação do réu primitivo, porém discordar quanto a sua exclusão dos autos, formando assim, um litisconsórcio passivo, vejamos:
Todavia, se para averiguar a ilegitimidade passiva seja necessário ingressar na fase instrutória do processo, não se estará diante de caso de manifesta ilegitimidade, mas sim de possível ilegitimidade material, da qual só pode ser detectada mediante produção e análise de provas.
Por isso poderá ainda o autor requerer a integração ulterior de litisconsórcio passivo quando, simultaneamente, não se mostrar convencido dos argumentos do réu, mas acolher a indicação feita sobre quem deveria compor o polo passivo (CPC, art. 339, §2º). (PAULA 2016, p. 220).
Sendo assim, nota-se que o autor possui diversas formas de dar continuidade ao processo, diferente do que era previsto no Código de Processo Civil de 1973.
4.3. Das custas e despesas pagas pelo autor
Realizada a substituição do réu na relação jurídica, de acordo com o art. 338, parágrafo único, o autor tem o dever de reembolsar as despesas, bem como realizar o pagamento de honorários ao procurador do réu excluído:
Art. 338. Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu.
Parágrafo único. Realizada a substituição, o autor reembolsará as despesas e pagará os honorários ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este irrisório, nos termos do art. 85, § 8º (BRASIL, 2015).
De acordo com Park e Guillaumon (2016, p. 76) custas “é a quantia correspondente ao gasto pelos atos praticados no processo e às despesas necessárias a sua realização, especificadas nas tabelas das Corregedorias”. Por sua vez, despesa engloba todas as custas processuais descritas no conceito acima, bem como todos os gastos que não estão regidos por lei ou tabelas da Corregedoria.
Nesse diapasão, as despesas reembolsadas pelo autor devem ser comprovadas pelo réu ilegítimo, podendo este juntar aos autos todas as provas de pagamentos realizados em procedimentos desempenhados para a busca do polo passivo legítimo, como por exemplo, o pagamento para emissão de documento em cartório, obtenção de cópia de contrato social de empresa, etc...
Não bastasse isso, o réu também poderá reclamar ressarcimento das despesas que teve com sua defesa até o instante de sua exclusão, como, por exemplo, gastos com alimentação e viagem, salvo a aquela relativa aos honorários, eventualmente contratados com o advogado constituído para a defesa, porque inerente ao exercício regular dos direitos constitucionais do contraditório, ampla defesa e acesso à justiça.
Nesse sentido, calha citar precedente do egrégio Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. 1. AFRONTA AOS ARTS. 389, 395 E 404, TODOS DO CC. HONORÁRIOS CONTRATUAIS. RESSARCIMENTO PELA PARTE ADVERSA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. 3. RECURSO IMPROVIDO. 1. A contratação de advogado para defesa judicial de interesses da parte não enseja, por si só, dano material passível de indenização, porque inerente ao exercício regular dos direitos constitucionais de contraditório, ampla defesa e acesso à Justiça. Incidência do enunciado n. 83. da Súmula desta Corte. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1539014/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 17/09/2015)
Os honorários sucumbenciais serão fixados entre 3 (três) e 5 (cinco) por cento do valor corrigido da causa. Caso o magistrado entenda que o percentual estipulado no parágrafo único do art. 338. (CPC 2015) seja irrisório, diante do trabalho realizado pelo procurador nos autos, poderá estipular o pagamento em percentual maior, nos termos do art. 85, §8º do CPC de 2015.
Data venia, caso a substituição do réu não seja formulada pelo autor, mas reconhecendo a ilegitimidade passiva o juiz decida pela extinção da ação ou exclusão do réu primitivo (caso o autor tenha tão somente incluído o terceiro indicado por ele na condição de litisconsorte passivo), os honorários sucumbenciais serão fixados, tomando-se como premissa o disposto no art. 85, § 2º do CPC, portanto, entre o mínimo de 10 (dez) e o máximo de 20 (vinte) por cento.
4.4. Recurso cabível contra a substituição da parte ilegítima
Mesmo a decisão proferida pelo juízo se tratando de uma decisão interlocutória, o CPC de 2015 não trouxe no art. 1.015. a aplicação de agravo de instrumento no caso de arguição de ilegitimidade passiva.
Não obstante o art. 1.009, §1º do CPC dispõe que as decisões interlocutórias que porventura não forem passíveis de enfrentamento por meio de agravo de instrumento, não sofrerão preclusão, podendo ser atacadas mediante preliminar de apelação ou nas contrarrazões.
Tendo em vista o contido no art. 1.009. do CPC, entende-se que o recurso cabível quanto à decisão interlocutória referente à arguição de ilegitimidade passiva seria o recurso de apelação, aguardando-se a prolação da sentença e o prazo para a interposição do recurso.
Esse entendimento, contudo, mostra-se incoerente diante das consequências advindas da substituição processual, já que o réu substituído não mais figurará no polo da lide. Imagine-se, por exemplo, que diante da substituição do réu efetivada pelo autor, este não concorde com o percentual dos honorários arbitrados pelo juízo.
Considerando tratar-se de uma decisão interlocutória, em tese, o recurso cabível seria o agravo de instrumento, contudo, essa hipótese não consta expressamente no rol contido no art. 1.015, do CPC, forçando, por consequência a interpretação de que a decisão somente poderia ser guerreada via recurso de apelação, por ocasião da sentença, mediante preliminar, nos termos do art. 1.009, § 1º, do CPC.
Data venia, nos termos do art. 339, § 1º, do CPC, uma vez acolhida a arguição de ilegitimidade passiva, o autor está obrigado a proceder a alteração da petição inicial para substituição do réu, devendo, ainda, observar o disposto no parágrafo único do art. 338, ou seja, deverá ressarcir o réu das despesas e pagar os honorários sucumbenciais arbitrados pelo juízo.
Se o réu foi excluído do processo, é de se concluir que o autor deverá indenizá-lo das despesas e ainda pagar os honorários do seu advogado no prazo de quinze dias úteis estabelecidos no art. 339, § 1º, do CPC, não havendo qualquer razão para que tenha que aguardar o trânsito em julgado da causa.
Diante da peculiaridade do caso, por certo, essa hipótese também deveria figurar no rol do art. 1.015. do CPC, porém, não foi o que aconteceu. Por certo, esse caso não é isolado, havendo outras situações similares, nas quais a decisão interlocutória demandaria intervenção imediata das cortes, porém, sem previsão expressa no dispositivo supracitado.
Buscando sanar a lacuna processual, há em trâmite no Supremo Tribunal de Justiça o Recurso Especial nº 1.704.520/MT, afetado ao rito do art. 1.036. e seguintes do CPC (recursos repetitivos), no qual é analisado se o rol do art. 1.015, que contempla as hipóteses de admissibilidade do agravo de instrumento, é ou não taxativo.
Segue o julgado:
PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036. E SS. DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA. NATUREZA. ROLDO ART. 1.015. DO CPC/15.1. Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art. 1.015. do CPC/15 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC. 2. Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036. e ss. do CPC/2015.
(STJ – REsp: 1.704.520 MT 2017/0271924-6, Relator Ministra NANCY ANDRIGHI, Data do Julgamento: 20/02/2018, Data da Publicação: DJe 28/02/2018).
De acordo com análise da decisão, é possível que o Tribunal permita a interposição de agravo de instrumento diante de decisões interlocutórias referentes à ilegitimidade do polo passivo, sendo afastada a taxatividade do disposto no art. 1.015.
5. CONCLUSÃO
A possibilidade de alteração da petição com substituição do réu, sempre que acolhida pelo autor a arguição de ilegitimidade passiva, representa grande avanço na busca da satisfação e efetividade processual, evitando a extinção prematura da ação, seguida do provável ajuizamento de outra, buscando o mesmo fim.
A inovação normativa confere, portanto, eficácia aos princípios processuais que garantem, principalmente, o aproveitamento dos atos processuais praticados, a eficiência, economia, celeridade e solução do mérito ao sistema de prestação jurisdicional brasileiro e a continuidade do julgamento da demanda, chegando, assim, à solução do mérito.
Não bastasse isso, o novo regramento processual também protege o réu e o patrono por ele constituído, obrigando o autor a ressarcir as despesas da parte substituída, além de pagar honorários sucumbenciais ao advogado constituído para a causa.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui código de processo civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869impressao.htm>. Acesso em: 04 jul. 2018.
______. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Código de processo civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 04 jul. 2018.
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.704.520 – MT. Parte Recorrente Quim Comercio de Vestuários Infantil Limitada, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 20 de fev. 2018. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=80669450&num_registro=201702719246&data=20180228&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 21 ago. 2018.
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.539.014 – SP. Parte Recorrente Amauri Francisco Machado, Relatora Ministro Marcos Aurélio Bellizze, 03 de set. 2015. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1437933&num_registro=201501464416&data=20150917&formato=PDF>. Acesso em: 02 out. 2018.
WAMBIER, L. R.; TALAMINI, E. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
______. Curso avançado de processo civil II: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória). 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
WAMBIER, T. A. A. et al. Primeiros comentários ao novo código de processo civil artigo por artigo: de acordo com a Lei 13.256/2016. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C. Processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MEDINA, J. M. G. Código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
______. Direito processual civil moderno. 2. ed. São Paulo: Revisa dos Tribunais, 2016.
NERY JUNIOR, N.; NERY, R. M. A. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
NEVES, D. A.; FREIRE, R. C. L. Código de processo civil: para concursos. 5. ed. Bahia: Juspodivm, 2014.
PARK, T. H. B.; GUILLAUMON, T. H. S. B. P. Dicionário jurídico: nova reforma ortográfica. Leme: Cronus, 2016.
PAULA, J. L. M. Curso de processo civil: procedimento de conhecimento no novo CPC (Lei nº 13.105/2015 e Lei 13.256/2016). 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.
SANTOS, A. J. S. S. A tutela antecipada e execução específica: a análise dos Artigos 273, 461 e 632 da reforma do CPC. Campinas: Copala Livros, 1995.