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Licença para matar

Agenda 01/05/2019 às 13:40

A ideia de é criar uma verdadeira licença para matar, que vai aumentar as relações belicosas que existem nos conflitos da terra.

I – O FATO

Segundo o jornal “A Folha de São Paulo, em sua edição de 30 de abril do corrente ano, “o presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou que enviará à Câmara dos Deputados projeto que isenta de punição proprietários rurais que atirarem em invasores de suas áreas.”

A afirmação foi feita pelo presidente na Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação), que foi aberta no dia 29 de abril de 2019 em Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo).

“Vai dar o que falar, mas umas das maneiras que nós temos de ajudar a combater a violência no campo é fazer com que, ao defender a sua propriedade privada ou a sua vida, o cidadão de bem entre na excludente de ilicitude. Ou seja, ele responde, mas não tem punição. É a forma que nós temos que proceder. Para que o outro lado, que desrespeita a lei, tema vocês, tema o cidadão de bem, e não o contrário”, disse o presidente à plateia formada por ruralistas.

Trata-se de uma verdadeira licença para matar e que vai aumentar, de forma sensível, as relações belicosas que todos sabem existem nos chamados conflitos da terra.

De acordo com o relatório da CPT, editado em maio de 2018, o número geral de assassinatos em conflitos de terra subiu 15% em 2017 em relação ao ano anterior. O órgão destaca ao menos quatro massacres no período, com suspeita de um quinto contra os "índios flecheiros" na fronteira do Amazonas com Colômbia e Peru. Dos 70 mortos de 2017, 28 ocorreram em chacinas, o que corresponde a 40%. O estado do Pará lidera o ranking dos estados com 21 mortes.

Desde 1985, quando a CPT passou a registrar os conflitos, houve 1.904 vítimas nas tensões da terra. Das 1.438 ocorrências do tipo, apenas 113 foram julgadas, apenas 8%, de acordo com o relatório de abril.

II - O BOLSONARISMO

Destaco importantes considerações com relação a esse governo feitas por Carlos Andreazza, em importante artigo publicado no jornal "O Globo", edição de 30 de abril do corrente ano:

"O bolsonarismo tem meios e códigos próprios. Como desdobramento do desprezo pela democracia representativa, despreza a instância partidária — descartada como base por meio da qual se aglutinar e financiar, ao contrário da relação entre PT e lulopetismo. A forma bolsonarista de lidar com o PSL é eloquente. O partido consiste numa estrutura para fins meramente utilitários, esvaziado da mais mínima chance de ter caráter e identidade, condição fundamental para futuro despejo. Em matéria de objetivo, porém, o bolsonarismo em nada difere daquele do lulopetismo: permanência no poder e controle do Estado.

Referi-me ao bolsonarismo como força antipolítica quepreside opaís.Esse motor dirigente não é, contudo, o presidente; mas a mentalidade, a gramática discricionária, que influencia — sem outra comparável — Jair Bolsonaro. O bolsonarismo não é, pois, o governo Bolsonaro, cindido em grupos precariamente arranjados, masaquiloqueocondicionaedetém.Umsistemaantidemocráticoeanti-intelectual,deíndole reacionária e têmpera para a revolução, que se funda em rara capacidade de mapear, acolher e manipular ressentimentos, e que opera sob o combustível da campanha permanente —doconflito constante—emprolde um projeto autoritário de poder, de vocação autocrática, cujo êxito depende da depredação progressiva das instituições republicanas sem, entretanto, prescindir do gatilho legitimador eleitoral."

Esse projeto autoritário de poder de vocação autocrática e antidemocrática está no sentido da proposta acima apresentada pelo atual chefe do Executivo federal.

III  – EXCLUDENTE DE ILICITUDE PENAL

O que há de se indicar para a análise de cada uma dessas mortes é se houve, a se investigar caso a caso, por parte da Justiça competente, se há incidência da legítima defesa.

A legítima defesa é posta ao lado do estado de necessidade, do estrito cumprimento do dever legal e do exercício regular de direito, como causa de exclusão da ilicitude. Estamos diante de causas de justificação que, quando incidem, o fato embora aparentemente típico, não será um crime, mas sim um lícito penal. Será o caso da legítima defesa, do estado de necessidade, por exemplo.

Exige-se para a legítima defesa:

  1.  repulsa a agressão atual ou iminente e injusta;
  2.  defesa de direito próprio ou alheio;
  3.  emprego moderado de meios necessários;
  4.  orientação de ânimo do agente no sentido de praticar atos defensivos.

São necessários os meios reputados eficazes e suficientes para repelir a agressão. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que o modo de repelir a agressão também pode influir decisivamente na caracterização do elemento em exame(RTJ 85/475-7). Nessa linha de pensar, o emprego de arma de fogo não para matar, mas para ferir ou para amedrontar(tiro fora do alvo) poderia  ser considerado, em certas circunstâncias, o meio disponível, menos lesivo, eficaz e, portanto, necessário. Tal solução merece sérios debates numa sociedade que precisa combater o uso de armas.

Há a análise da questão da proporcionalidade, na legítima defesa

 Nelson Hungria (Comentários ao código penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1955, volume I, t. 2, pág. 298 a 299) nos dá uma conclusão, a nosso ver radical, data vênia, quando embora entendendo que,  no caso do roubo de frutas, se  bastar a ameaça de arma, estaria excluída a legitimidade de disparas no ladrão. Destaca que, por mínimo que seja o mal ameaçado ou por mais modesto que seja o direito defendido, não há desconhecer a legítima defesa, se a maior gravidade da reação derivou da indisponibilidade de outro meio menos prejudicial, e posto que não tenha havido imoderação no seu emprego. Assim, para ele, à luz da doutrina alemã, abatendo o chamado sentimentalismo latino, qualquer bem jurídico pode ser defendido mesmo com a morte do agressor, se não há outro remédio para salvá-lo. Ora, data vênia, é brutal tal ponto de vista, pois a proporcionalidade da defesa deve ser condicionada não apenas a gravidade da agressão, mas ainda a relevância do bem ou interesse que se defende.

Ora, data vênia, não há direitos absolutos, pois não há falar em legítima defesa abusiva.

Pode-se falar em excesso doloso ou culposo na legítima defesa, assim como também há no estado de necessidade.

Aqui vem a ideia de excesso culposo, resultante de uma imprudente falta de compreensão, falta de contensão por parte do agente, quando isso era possível nas circunstâncias para evitar um resultado mais grave do que o necessário a defesa do bem agredido, que viria de um estado emotivo causado pela repulsa ao ato agressivo).

Esse estado emotivo pode-nos trazer uma imaginação em nosso subconsciente de situações que não condizem com a realidade fática.

É conhecido o surrado exemplo quando no auge de uma discussão áspera entre duas pessoas, uma delas leve a mão ao bolso, e a outra, supondo que ela ia sacar uma arma, ou coisa que o valha, atira primeiro, mas depois se descobre que a vítima estava desarmada. É a chamada legítima defesa putativa, que está inserida entre as discriminantes putativas, previstas no artigo 20, § 1º, do Código Penal.

Ainda é devido trazer outro exemplo quando certa pessoa, tarde da noite, caminha por uma rua mal iluminada, em situação que já seria bastante a preocupar, diante de assassinatos recentes que ali surgiram, ao desenvolver sua caminhada, encontra uma pessoa que caminhava em sua direção, e que tinha feições de um criminoso que se dava como perigoso assassino. O agente, em estado de tensão, saca a sua arma e dispara um tiro fatal contra  o suposto agressor. Ao seu aproximar se choca ao verificar que a pessoa atingida, na verdade, era um conhecido, que procurava a sua ajuda.

Na doutrina, para a chamada teoria limitada da culpabilidade, nota-se que as discriminantes putativas são divididas entre as que ocorrem em relação a pressuposto fático de uma excludente de ilicitude (para uns, erro do tipo permissivo) e quando relacionadas ao limite ou a existência de uma causa de justificação(erro de proibição indireto). Com o devido respeito penso que o erro na discriminante putativa é o erro de proibição.

Para aquela teoria limitada da culpabilidade, no erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação, ocorre um erro do tipo permissivo. No erro sobre a existência ou sobre os limites de uma causa de justificação, configura-se o erro de proibição, com a exclusão da culpabilidade. 

Entre as discriminantes putativas, além da legitima defesa putativa, existe ainda o estado de necessidade putativo, o exercício regular de direito putativo e o estrito cumprimento do dever legal putativo.

O  quadro de legítima defesa putativa assim foi conceituada por Nelson Hungria:

¨Dá-se a legitima defesa putativa quando alguém erroneamente se julga em face de uma agressão actual e injusta, e, portanto, legalmente autorizado à reação que empreende.¨( A legítima defesa putativa, Rio de Janeiro Livraria Jacinto, 1936)

O agente se imagina na presença de uma causa, que se realmente existisse, justificaria sua conduta, ou seja, uma causa de justificação.

Aquele que reage a uma suposta agressão, que se mostrou real apenas em sua imaginação, e que se existisse tornaria a sua ação legítima, age em legítima defesa putativa.

Repete-se o exemplo do agente que supõe que se encontra em meio a um incêndio, dada a quantidade de fumaça e os gritos dos circunstantes, ferindo alguém para safar-se do local e se apura que não havia incêndio(estado de necessidade putativo).

De outro modo, é conhecido o exemplo do policial, que munido de um mandado de prisão, recolhe à prisão A, supondo que este é B, irmão gênio daquele e objeto da ordem judicial (estrito cumprimento do dever legal putativo). 

Certo que há, no direito penal, o  conceito de crime putativo ou crime imaginário, que se distancia da tentativa inidônea (crime impossível).

Adota-se o entendimento de que a lei penal adotou a chamada teoria objetiva na distinção entre inidoneidade absoluta e inidoneidade relativa de meios e de objeto. A tentativa absolutamente inidônea fica impune.

Por sua vez, o crime imaginário é um fato que o agente julga punível, mas que, na realidade, não é definido como crime pela lei. O crime existe apenas em sua imaginação e essa errônea opinião não bastaria para torná-lo punível. Para Aníbal Bruno (Direito Penal, 3ª edição, Rio de janeiro, Forense, 1967, tomo II, pág. 126) haveria atipicidade, ausência de tipicidade.

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Para Aníbal Bruno, ainda há erro no crime putativo. O agente erra em supor criminoso o ato que pratica, na realidade não definido na lei como crime. Mas, não seria erro do agente que excluiria o tratamento penal, pois não haveria crime, porque não haveria nenhum tipo legal a que o ato praticado correspondesse. O fato na sua expressão objetiva e na sua elaboração psíquica seria totalmente estranho ao direito punitivo. Isso porque a norma proibitiva só existiria no subjetivo do agente.

 Há, sem dúvida, um enorme abismo entre legítima defesa putativa e legítima defesa real. A primeira existe no conhecimento equivocado do agente em relação aos pressupostos objetivos da legítima defesa enquanto a segunda se configura com a existência concreta desses pressupostos.

Aliás, dispõe o artigo 20,§ 1º, do Código Penal: ¨É isento de pena quem, por erro, plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.¨

O agente supõe que está agindo licitamente ao imaginar que se encontram presentes os requisitos de uma das causas justificativas presentes na lei.

Estaríamos diante de um erro do tipo permissivo? Será caso de erro de proibição ou ainda um tipo intermediário?

Para isso, penso correto fazer uma divagação com relação a teoria da culpabilidade, desde a teoria normativa até a teoria finalista, para se verificar a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.

IV  -  EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE

Sem culpabilidade não é possível a aplicação da pena.

Dentro de uma concepção psicológica da culpabilidade, o dolo era representação e vontade, para que os que entendiam a culpabilidade como simples nexo psíquico. Assim a culpabilidade era ligação psicológica entre o agente e o seu fato e estaria no psiquismo do agente.

Posteriormente, com as ideias trazidas por Frank, em 1907, lançaram-se as bases da denominada ¨teoria normativa da culpabilidade¨, introduzindo-se no conceito de culpa a reprovabilidade do ato praticado.

Para ser culpável não bastava que o fato fosse doloso, ou culposo, mas era preciso que, além disso, seja censurável ao autor. Sendo assim o dolo e a culpa deixaram de ser espécies de culpabilidade e passaram a ser elementos dela. A culpabilidade era um juízo de reprovação ao autor do ato composto dos seguintes elementos: imputabilidade, dolo ou culpa stricto sensu(negligência, imprudência, imperícia); exigibilidade, nas circunstâncias de um comportamento conforme ao direito. O dolo era visto como voluntariedade, previsão e consciência atual do ilícito, que presentes possibilitam o juízo de censura de culpabilidade.

No entanto, Hans Welzel, professor da Universidade de Göttingen, e mais tarde da Universidade de Bonn, entendeu que o dolo faz parte da ação humana e não do juízo de culpabilidade. O dolo e a culpa stricto sensu foram extraídos da culpabilidade e inseridos no conceito de ação, incluídos no tipo legal do crime. Há, pois, tipos dolosos e tipos culposos.

Do dolo foi retirada a consciência da ilicitude, fazendo-se alteração no entendimento quanto  a consciência potencial da ilicitude,  ficando o dolo do tipo e a culpabilidade assim reduzidos:

dolo do tipo:

- intencionalidade, que é igual a finalidade da ação(elemento volitivo);

-previsão do resultado (elemento intelectual).

culpabilidade:

- imputabilidade;

- consciência potencial da ilicitude;

- possibilidade e exigibilidade, nas circunstâncias, de um agir de outro modo;

- juízo de censura do autor por não ter exercido, quando podia, esse poder-agir de outro modo.

Assim a culpabilidade é entendida como um juízo valorativo, um juízo de censura que se faz ao autor de um fato criminoso. Esse juízo terá por objetivo o agente do crime e sua ação criminosa enquanto que o dolo está no objeto da valoração, sendo um elemento necessário do tipo doloso.

Para Mezger, citado por Francisco de Assis Toledo, , a culpabilidade é juízo de reprovação ao autor do fato, assim composto: imputabilidade, dolo ou culpa stricto sensu (negligência, imprudência, imperícia); exigibilidade de conduta diversa, nas circunstâncias de um comportamento conforme ao direito. Assim, a censura de culpabilidade pode ser feita ao agente de um injusto típico penal se ele, ao praticar a ação punível, não agiu de outro modo, conformando-se às exigências do direito, quando, nas circunstâncias, podia tê-lo feito, isto é: estava dotado de certa dose de autodeterminação e de compreensão(imputabilidade) que o tornava apto a frear, reprimir, ou a desviar sua vontade ou o impulso que o impelia para o fim ilícito(possibilidade de outra conduta) e que, apesar disso, consciente e voluntariamente(dolo) ou com negligência, imperícia ou imprudência, desencadeou o fato punível.

O que falar do dolo normativo? Que falar do criminoso habitual, alguém  nascido de família desajustada, criado num ambiente agressivo, onde viu unicamente a criminalidade?

Como exigir-se dessas criaturas uma exata compreensão da consciência atual da ilicitude? Logo ele que jamais soube ou compreendeu o que é ilícito diversamente do que é licito?

Mezger elaborou um adendo à culpabilidade normativa, culpabilidade pela  condução de vida,

Uma corrente majoritária  de penalistas entende pela culpabilidade do fato. A censurabilidade de culpabilidade recai sobre o fato do agente, sobre o comportamento humano, dentro de ação e omissão, que realiza um fato-crime. A tônica estaria no fato do agente, não no agente do fato. O agente sendo dotado de certa capacidade de compreensão e escolha é culpável por um fato ilícito, na medida em que se concretiza o injusto, podendo, nas circunstâncias, ter agido de outro modo.

De outro modo, entende-se que censurável não seria o agente pelo seu comportamento, pelo seu justo típico, mas, sim, por sua conduta de vida, pelo seu caráter, pela sua personalidade, pelo seu modo de ser e viver. Assim, a leitura dos tipos penais que descrevem um modelo de conduta proibitiva e não um tipo criminológico de autor. Mas, e os tipos, que se circunscrevem a contravenção penal, como vadiagem, mendicância? E o  tipo penal do rufianismo?

Vai-se ao direito penal de autor e a culpabilidade de autor.

Fala-se na culpabilidade do caráter onde quem vive da deslealdade é responsável por ser um injusto. Estão aí causa e consequência, numa linha aristotélica.

Fala-se na culpabilidade pela conduta de vida, contribuição trazida por Mezger ao direito penal. Aqui se observa que o agente forma o seu caráter, em certas circunstâncias, de modo a alcançar uma posição censurável de inimizade ao direito. Ele tem uma cegueira jurídica, em face de seus maus hábitos. Ora, muitos doutrinadores a criticam entendendo que estamos diante de condenação de determinados agentes sem a exigência da consciência atual da ilicitude.

Para Bockelmann,  a culpabilidade não está na condução de vida, mas antes na seguinte e importante decisão vital: o agente, podendo ser outro, isto  é, podendo ser reto e bom, decide-se pelo seu eu mau.

Mesmo Welzel, partidário da culpabilidade pelo fato, admite uma culpabilidade de caráter, ou da personalidade, ao falar em delinquente por tendência, do delinquente passional, do leviano.

No entanto, na doutrina majoritária, predomina a tese da culpabilidade pelo fato. A uma, porque o crime surge como um fato causado por um ser humano, podendo-se se identificar o fato e o autor; a duas, a comprovação dessa assertiva se faz pelo exame das leis penais; a três, o direito penal moderno é um direito penal de culpa(nulla poena sine culpa), de vez que o direito penal do fato e a culpabilidade do fato alinham-se numa sequência e implicação lógicas.

Como bem concluíram Günther Jakobs e Manoel Câncio Meliá(Direito penal do inimigo, sexta edição, pág. 114)  o direito penal do inimigo constitui não uma regressão a meros mecanismos defensivistas, mas um movimento degenerativo no campo simbólico-social do significativo de pena e do sistema penal.

Em síntese, na matéria, disse Miguel Reale Jr(Teoria do delito, São Paulo, RT, 1988, pág. 86) que a culpabilidade é um juízo de reprovação relativo à formação dessa vontade enquanto que  a antijuridicidade é o caráter de comportamento dotado de sentido axiológico negativo, de forma que este  deflui da vontade axiológicamente negativa.

O Código Penal brasileiro, na estrutura da culpabilidade, enumerou três elementos que são: a) a imputabilidade, que é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento; b) a potencial consciência da ilicitude que é a possibilidade de que o agente tenha o conhecimento do caráter injusto no momento da ação ou omissão; c) a exigibilidade de conduta diversa, que consiste na expectativa de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente.

Ensina Miguel Reale Jr. que a culpabilidade é um juízo de reprovação relativo à formação dessa vontade enquanto que  a antijuridicidade é o caráter de comportamento dotado de sentido axiológico negativo, de forma que este  deflui da vontade axiológicamente negativa.

As causas excludentes da culpabilidade(exculpantes, dirimentes ou eximentes) devem ser estudadas. As exculpantes, também denominadas de dirimentes ou eximentes, são as causas excludentes da culpabilidade e são, portanto, assim agrupadas: por ausência de imputabilidade, por ausência de potencial conhecimento da ilicitude e por ausência da culpabilidade por  inexigibilidade de conduta diversa.

Com relação a imputabilidade são excludentes: doença mental que é a perturbação mental (esquizofrenia, psicose, paranoia) ou psíquica(álcool, entorpecentes, estimulantes e alucinógenos) de qualquer ordem capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do crime do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendimento;  desenvolvimento mental incompleto e o desenvolvimento que ainda não se concluiu; desenvolvimento mental retardado; embriaguez acidental completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

No Brasil, há excludente de culpabilidade, quando o agente estiver submetido a menoridade penal(menor de dezoito anos), for portador de doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado, estiver em embriaguês completa por caso fortuito ou força maior, por ele desconhecer o efeito inebriante de substância que ingere ou quando desconhecendo uma particular condição fisiológica, ingere substância que contém álcool, ficando embriagado. Na chamada embriaguês preordenada, actio libera in causa, onde o agente, com o fim precípuo de cometer o crime, embriaga-se para buscar para buscar coragem para executar o ato criminoso, não há que se falar em exclusão da imputabilidade ou diminuição da pena. Em verdade, como advertiu Fabbrini Mirabete, não há fato típico na ocorrência de resultado lesivo em decorrência de caso fortuito ou força maior. Fortuito é aquilo que se mostra imprevisível , quando não inevitável, é o que chega sem ser esperado e por força estranha à vontade do homem que não o pode impedir. Assim com a ocorrência do caso fortuito, não deixa de existir conduta, mas não será ela atribuída ao agente por ausência de dolo ou culpa em sentido estrito. Na mesma situação estão os casos de força maior.

Fala-se em excludentes da potencial consciência da ilicitude: erro de proibição inevitável, o erro de proibição que exclui a atual consciência da ilicitude; a discriminante putativa, por erro de proibição inevitável.

O erro é a falsa percepção da realidade, que pode recair tanto sobre elementos constitutivos do tipo como da ilicitude do comportamento.

Ilicitude de um fato é a correlação de contrariedade que se estabelece entre esse fato e a lei, norma escrita elaborada pelo Parlamento, órgão legislativo no Brasil.

O certo é que, a teor do artigo 21 do Código Penal, é inescusável o desconhecimento do injusto. Assim são erros inescusáveis:

  1.  Erros de eficácia, que são os que versam sobre a não aceitação da legitimidade de um determinado preceito legal, na suposição de que contraria outro preceito;
  2.  Erros de vigência: quando o autor ignora a existência de um preceito legal, ou ainda não teve tempo de conhecer uma lei;
  3.  Erros de subsunção: quando o erro faz com que o agente se equivoque sobre o enquadramento legal da conduta;
  4.  Erros de punibilidade: quando o agente sabe ou podia saber que faz algo proibido, mas imagina que não há punição para essa conduta.

A falta de consciência de ilicitude não pode ser confundida com ignorância da lei.

A partir disso é mister fazer a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.

Abordou-se que o erro pode recair sobre um elemento constitutivo de um fato típico como ainda sobre a ilicitude de um comportamento.

Quando o erro incide sobre um elemento constitutivo do tipo legal ele é um erro do tipo. Se ele incide sobre a ilicitude da ação há o que se chama de erro de proibição.

Afasta-se a dicotomia do erro sobre o fático e o jurídico, mudando-se o foco para a solução do problema.

É mister citar a lição de Francisco de Assis Toledo(obra citada) quando coloca-se a distinção entre tipo e antijuridicidade (ou ilicitude).  O erro ou recai sobre elementos ou circunstâncias integrantes do tipo legal do crime (fático ou jurídico normativos, ora recai sobre a ilicitude da ação. Assim, no primeiro caso, tem-se erro sobre elementos ou circunstâncias do tipo, o erro do tipo. Na segunda hipótese, tem-se erro sobre a ilicitude do fato real, o erro de proibição.

É correto fazer a distinção entre tipo e ilicitude com a correspondente distinção entre erro do tipo(artigo 20 do CP) e erro de proibição.

São exemplos de erro do tipo:

  1.  no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a autoria de um fato definido como crime porque acredita, de forma sincera, que tenha sido o mesmo praticado. O agente desconhece a elementar típica falsamente, uma condição do tipo. Assim se o agente não sabia que a imputação era falsa, não agiu com dolo de caluniar, excluindo-se a tipicidade;
  2.  no delito de corrupção ativa(artigo 333 do CP), ser o agente passivo ¨funcionário público¨ constitui elemento essencial do tipo, constando o conceito de funcionário público da lei(artigo 327). Quem oferece propina, para a prática de ato de ofício, a um empregado de entidade autárquica, ou paraestatal, supondo que essa espécie de empregado não se reveste da qualidade de funcionário público, incorre em erro do tipo;
  3.  No crime de furto(artigo 155 do CP) dois elementos do tipo são a coisa e a circunstância de ser alheia. Quem se apodera de um cheque ao portador, seja por supor que não se trata de coisa ou ainda por entender que lhe pertence, incorre em erro do tipo;
  4.  No crime de desacato, se o agente desconhece que a pessoa contra a qual está agindo com desrespeito é funcionária pública, imaginando tratar-se de pessoa comum, não pratica o desacato, por não haver dolo de desacatar, podendo incidir no crime de injúria verbal;
  5.  Em crime previsto na lei de drogas, se o agente tem cocaína em casa, supondo-se tratar de outra substância inócua, pratica erro do tipo;
  6.  Em crime de homicídio, se um caçador dispara uma arma sobre um objeto escuro, imaginando-se tratar-se de um animal, e atinge uma pessoa, incide em erro do tipo;

O dolo, sabe-se, compreende a vontade e a consciência em realizar o tipo penal e se o agente errou sobre algum dos elementos do tipo, desaparece o dolo, há causa de exclusão da tipicidade.

O erro do tipo essencial exclui o dolo, mas permite a punição pelo crime culposo, se previsto em lei, não se falando em culpabilidade.

O erro do tipo essencial é o que recai sobre algum elemento do tipo, sem o qual o crime deixa de existir. Quem se apodera de coisa alheia móvel, pensando ser um objeto que lhe pertence, erra sobre um elemento do tipo, sem o qual o crime deixa de existir. Não comete furto algum. O erro é escusável.

Diferente é aquele que supondo matar A, mata B, por engano. É erro acidental, sendo irrelevante ser a vítima A ou B, bastando matar um ser humano, sendo que o crime não deixa de existir.

Fala-se num erro do tipo permissivo, que ocorre quando o objeto do erro for um pressuposto de uma causa de justificação. Para os adeptos da teoria limitada da culpa essa é a hipótese a tratar no que concerne às discriminantes putativas, do que se lê do artigo 20, parágrafo único, do Código Penal.

Por sua vez, o erro de proibição, na redação que foi dada ao artigo 21, caput, e parágrafo único, do Código Penal, pela Lei 7.209/84, Parte Geral, assim está previsto: ¨O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena: se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.¨

Correto o entendimento de que no erro de proibição há três elementos fundamentais: a lei, o fato e a ilicitude. A lei como proibição, o ente abstrato; o fato como ação, entidade material; a ilicitude como relação de contrariedade entre o fato e a norma.

O erro de proibição exclui a culpabilidade.

O projeto do Código Penal, voltando-se para um pluralismo que inexistia, por certo, à época do Código Penal de 1940, erigido no Estado Novo, e a reforma de sua Parte Geral, de 1984, ao final da ditadura militar, no caso de crimes de índios, defende que se trata de erro de proibição, quando o índio pratica o fato agindo de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo(artigo 36). Seria um erro de proibição culturalmente condicionado, que exclui a culpabilidade. Assim disseram Zaffaroni e Pierangeli: 

¨Muito embora existe delito que o silvícola pode entender perfeitamente, existem outros cuja ilicitude ele não pode entender, e, em tal caso, não existe outra solução que não a de respeitar a sua cultura no seu meio, e não interferir mediante pretensões de tipo etnocentrista, que escondem, ou exibem, a pretendida superioridade da nossa civilização industrial, para destruir todas aas relações culturais a ela alheias.¨

Correto o entendimento dos que entendem que ou seria reconhecida uma exculpação por fato de consciência ou ainda por reconhecimento da figura do autor por convicção.

É sabido que o autor comum é aquele que está normalmente em contradição consigo mesmo e reconhece, desta forma, a norma que viola. Por sua vez, o autor por convicção e o autor de consciência não estão em contradição consigo próprios, uma vez que agem segundo as suas convicções, a sua consciência, consoante a sua visão de mundo, e assim rejeitam a ordem jurídica, por entenderem ser contrária aos seus entendimentos, às suas crenças e aos seus princípios éticos e morais. Sendo assim o autor por convicção tem consciência do caráter proibitivo do ato, mas em nome de uma certaconvicção política, religiosa ou social, nega a natureza criminosa do comportamento que leva a cabo, substituindo à sua a valoração legal, como ensina Eduardo Correia (Direito criminal, volume II, Coimbra, Almedina, 1965, pág. 331).

Seja como for, a mensagem do projeto parece ser de que os índios devem ter a sua forma de organização social, política e jurídica respeitadas, mas coloca a oposição entre o índio e o homem branco, o que se distancia do direito penal liberal, em sua tradição, que se afirma cega a determinadas características contingenciais.

Ademais, fica nítido no Projeto, quando se estuda esses crimes praticados pelos índios, sob o enfoque de um erro de proibição, a questão, para muitos perigosa, do chamada culpabilidade da personalidade ou de pessoa. Para Figueiredo Dias (Liberdade – Culpa – Direito Penal, pág. 118),  considerado o pai do código penal português, culpa da pessoa é a violação pelo homem do dever de conformar o seu existir por forma a que, na sua atuação de vida, não viole ou ponha em perigo bens juridicamente protegidos.

Assim a falta de consciência da ilicitude do fato irá excluir a culpabilidade. Porém, quem agir sem a consciência da ilicitude, quando podia e devia ter essa consciência, age com culpa.

Há o erro de proibição direto que ocorre quando o agente desconhece a norma proibitiva ou a conhece mal ou ainda por desconhecer a sua verdadeira incidência.

Ainda temos como erro de proibição escusável, o erro de mandamento (erro mandamental), quando o agente se encontra em posição de ¨garantidor¨, diante de situação de perigo de cujas circunstâncias fáticas tem perfeito conhecimento, omite a ação que lhe é determinada pela norma preceptiva, envolvendo um dever jurídico de impedir um resultado, supondo que não tem o dever jurídico de agir para impedir o resultado, por erro inevitável. O tutor, supondo já ser um pesado ônus ter aceitado os encargos da tutela, pensa não estar obrigado a arriscar a sua própria vida para salvar o irrequieto pupilo que está se afogando, num exemplo trazido por Francisco de Assis Toledo.

No erro de proibição indireto o agente erra sobre a existência ou sobre os limites de uma causa de justificação. Ele sabe que pratica um fato em principio proibido, mas supõe, por erro inevitável, que, nas circunstâncias, milita a seu favor uma norma permissiva prevalente.

Veja-se a diferença: no erro de proibição indireto, o engano incide sobre o entendimento da norma excludente da ilicitude, seja quanto à existência dela, seja quanto aos seus limites jurídicos. É o exemplo da chamada legítima defesa da honra, no que concerne ao erro de proibição sobre os limites objetivos e subjetivos de uma causa de justificação. Há caso do exemplo da ultrapassada e censurável ideia da defesa da honra, quando o agente mata o cônjuge ao surpreendê-lo em flagrante adultério

Há ainda exemplo de erro de proibição quanto a existência ou sobre os limites de causa de justificação quando há a prática de um furto, supondo estar o agente da subtração em estado de necessidade, uma vez que está desempregado e com dificuldades financeiras. Ora, estado de precisão não é estado de necessidade.

São hipóteses de erro sobre a ilicitude do fato.

A eles poderemos somar como casos de erros de proibição:

  1.  matar uma pessoa gravemente enferma, a seu pedido, para livrá-la de um mal incurável, supondo o agente que a eutanásia é permitida;
  2.  vender o relógio que recebeu para conserto depois de escoar-se o prazo em que o proprietário deveria apanhá-lo,supondo o sujeito que a lei permite a venda para pagamento dos serviços dos reparos;
  3.  vender mercadoria do empregador para se pagar de salários atrasados;
  4.  a exibição de um filme pornográfico quando o agente supõe lícita sua conduta por ter sido liberado pela censura.

O Projeto do Código Penal manteve o erro do tipo como estava na Lei 7.209/84.

O Projeto, outrossim, extirpa a redação que era dada ao artigo 21 que ainda proclama a vigência do vetusto brocardo error iuris nocet, dificultando o reconhecimento prático da figura do erro de proibição.

Todavia, na redação que é dada ao artigo 35, § 1º, do Projeto, onde se observa que no erro de proibição evitável, o agente responderá pelo crime, sem dúvida, uma expressão coloquial que se distancia da definição científica que se deve dar ao texto da lei penal. Correto afirmar que no erro de proibição evitável, a pena será reduzida de forma obrigatória, diferentemente do que se lê na redação atual do artigo 21, ¨poderá¨.

Aliás, essa evitabilidade do erro de proibição deverá ser levada  em conta de acordo com as qualidades e defeitos do sujeito, sem considerar um padrão médio que se dê de comportamento.

Como bem advertiu Júlio Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, 7ª edição, parte geral, volume I, pág. 197) diante dos termos do que reza a parte geral do Código Penal, com a redação dada pela Lei 7.209/84, há controvérsia séria sobre a sua natureza jurídica. Para a teoria limitada da culpabilidade, as discriminantes putativas constituem-se em erro do tipo permissivo, excluindo o dolo, isto é, ocorrendo quando o objeto do erro for pressuposto de uma causa de justificação, que excluem a antijuridicidade, excluem o crime. Para essa teoria, não age dolosamente quem supõe, justificadamente, pelas circunstâncias de fato, que esta praticando um ato típico, em legítima defesa, em estado de necessidade, etc. Para a teoria extremada da culpabilidade(normativa pura), trata-se de um erro de proibição, razão pela qual se exclui a culpabilidade.

Essa a melhor concepção, que tem apoio de Júlio Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, 7ª edição, parte geral, volume I, pág. 197).

Apesar disso considera-se a teoria limitada como dominante no direito brasileiro, como se lê da redação da Exposição de Motivos, item 17.

Nessa linha de  pensar trago o entendimento de Francisco de Assis Toledo:

¨Embora a sede das discriminantes putativas seja o § 1º do art. 20  inicialmente citado (¨......que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias impõe situação de fato que, se existisse tornaria a ação legítima¨) pensamos que tal preceito não é exaustivo, não esgota as hipóteses das discriminantes imaginárias. Percebe-se, com efeito, claramente, que esse preceito, completado pela parte final do parágrafo(¨não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa o fato é punível como crime culposo¨), aplica-se apenas ao erro do tipo permissivo excludente do dolo, não ao erro excludente da censura da culpabilidade, tanto que se permite a punição a título de culpa stricto sensu (esta é, aliás, a posição da teoria limitada da culpabilidade, que adotamos).¨

No entanto, o próprio Francisco de Assis Toledo, observa que as discriminantes putativas(erro que recai sobre uma causa de justificação) não se limitam às hipóteses de exclusão do dolo, mas apresentam-se, por vezes, com pretensão à exclusão da censura da culpabilidade. Disse ele: “ Considere-se que o erro sobre uma causa de justificação pode recair sobre os pressupostos fáticos dessa mesma causa(supor situação de fato), mas também – isso é inegável e aceito em doutrina – recair não sobre tais pressupostos fáticos, mas sobre os limites, ou à própria existência, da causa de justificação(supor estar autorizado)”. É trazido o exemplo de alguém, para defender-se de um tapa no rosto, supõe estar autorizado a desferir um tiro fatal no agressor, em legítima defesa, excedendo-se no emprego dos meios necessários. Realmente não seria razoável confundir-se “supor situação de fato” com “supor estar autorizado”.

Correta a posição de Alcides Munhoz Neto (A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, Rio de Janeiro, Forense, 1978, pág. 112) para quem o erro nas discriminantes putativas é sempre erro de proibição. Disse ele:

¨A ausência do dolo por não representação da tipicidade não pode ser afirmada nos casos de invencível erro sobre circunstâncias de fato, que tornaria a ação legítima, isto é, nas hipóteses das discriminantes putativas fáticas. Quem, v.g, lesa corporalmente outrem, porque se imagina por ele injustamente agredido, tem representação da tipicidade de seu proceder; sabe que está a praticar a ação correspondente à definição típica de lesão corporal, ou seja, que ofende a integridade corporal e saúde de outrem; supõe, porém, que sua conduta é lícita, porque a tem como amparada por uma causa legal de exclusão da antijuricidade(legítima defesa). Desta forma, a eficácia do erro de fato só pode ser atribuída à ignorância da antijuridicidade.¨

Guilherme de Souza Nucci (Manual de direito penal, 4ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008) defende a teoria extremada da culpabilidade.

Assim para a teoria extremada da culpabilidade todo e qualquer erro que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição.

O agente, em decorrência da situação de fato, supõe que sua conduta é lícita, mas age com dolo, que é a mera vontade de concretizar os elementos do tipo, não se fazendo indagação a respeito da antijuridicidade da conduta. O sujeito age com dolo, mas sua conduta não é considerada como reprovável por não ter consciência da ilicitude de sua conduta.

Se o erro do tipo exclui sempre o dolo, quer seja inevitável ou evitável; se o erro do tipo é evitável, mas não se evitou, há que se investigar a possibilidade de um crime culposo. Por sua vez, o erro de proibição exclui a culpabilidade somente quando inevitável.

Luiz Flávio Gomes (Erro do tipo e erro de proibição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, pág. 114.) justifica o tratamento do erro do tipo permissivo, nas chamadas discriminantes putativas, em separado, do artigo 20, § 1ª, afirmando ser ele um erro sui  generis, situado entre o erro do tipo e o erro de proibição indireto. Assim o erro não afeta o conhecimento do tipo, mas leva o autor supor que a norma proibitiva é afastada excepcionalmente diante de uma norma permissiva.

V  – CONCLUSÕES

Veja-se a complexidade da matéria que não pode ser explicada ou resolvida por uma mera decisão de descriminalizar tal conduta narrada.

O governo federal persegue na sua trilha do erro, perseverando em afrontar o sistema jurídico.

A proposta, se assim vier a ser apresentada, é de uma inconstitucionalidade nítida, por se opor à razoabilidade e à proporcionalidade exigidas.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Licença para matar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5782, 1 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73618. Acesso em: 22 dez. 2024.

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