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[não] Referendo popular e desarmamento

Agenda 13/10/2005 às 00:00

A Constituição Federal prevê expressamente que uma das formas de exercício da soberania popular será através da realização direta de consultas populares, através de plebiscitos e referendos (CF, art. 14, caput), disciplinando, ainda, que caberá privativamente ao Congresso Nacional autorizar e convocar tais formas de participação popular (CF, art. 49).

A essência destes institutos é nobilíssima, como afirma José Álvaro Moíses [01]: "A tarefa de abrir canais de participação efetiva, de modo a permitir a articulação entre o mundo das instituições democráticas e o terreno das demandas sociais, é um aspecto central de qualquer estratégia de consolidação democrática."

Não obstante o tratamento constitucional da matéria, sua regulamentação veio a ocorrer 10 anos depois da promulgação da carta política através da Lei nº 9.709, de 18.11.1998, que estipula no seu art. 2º: "Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo, para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa". Passados outros cindo anos, o Estatuto do Desarmamento – Lei 10.826/2003 previu no seu art. 35 a primeira consulta popular após a regulamentação do assunto, versando sobre a proibição da venda legal e o porte de armas e munições por civis.

A questão do desarmamento é atual, mas não é inédita, pois diversos líderes mundiais já propuseram o desarmamento da população civil, e na maioria das vezes, o escopo era instituir regimes de governos ditatoriais, tais como Adolf Hitler; Mao Tse-tung, líder chinês; Stalin, chefe de governo soviético; Pol Pot, ditador cambojano.

Com relação ao kommandant alemão, pode-se afirmar que este, em companhia do ministro da propaganda, Joseph Goebbels, planejou o desarmamento de judeus alemães, em 7 de novembro de 1938. No dia seguinte, o New York Times anunciou: "Chefe da polícia de Berlim anuncia desarmamento de judeus". Na noite de 9 de novembro de 1938, foram enviadas as ordens: "Todas as lojas judias devem ser destruídas, imediatamente. Sinagogas devem ser queimadas. Nos dias seguintes, o mesmo órgão de imprensa noticiava: "Depois de invadir, nazistas usaram listas pré-guerra de proprietários de armas para confiscar armas e muitos proprietários de armas simplesmente desapareceram. Após o confisco, os nazistas estavam livres para descarregar sua maldade contra a população desarmada, tal como contra estes desamparados judeus do Gueto de Varsóvia."

Para os defensores do desarmamento, quando o "controle das armas" chegar, não haverá mais roubos de carros, acabarão os assaltos, não haverá mais crimes, cessarão os nascimentos ilegítimos, todos os traficantes desaparecerão e o mundo será bom. Mais isto não é uma verdade, pois, inegavelmente, os acidentes de trânsito matam muito mais que as armas e nem por isto o comércio de carros ou gasolina podem vir a ser proibidos.

Quem mata não são as armas, sim as pessoas e, enquanto estas forem imprudentes, irresponsáveis e, mais que isto, enquanto as leis não forem cumpridas e os cidadãos confiarem na impunidade - no desrespeito à vida dos outros -, mortes continuarão acontecendo, com ou sem comércio de armas, aliás, o próprio Papa João Paulo II declarou: "Quem mata é o homem, não a sua espada ou seus mísseis".

A mídia fala em desarmar a população, mas que população? A que religiosamente paga impostos, tem armas registradas e mantém o Governo? A que acredita no ideal positivista influenciado por Augusto Conte, que Benjamim Constant, deixou grafado na nossa bandeira de ordem e progresso ou a população de bandidos, assaltantes, criminosos e marginais que proliferam, transformando o Brasil num "Kaos" e colocando o cidadão de bem para viver trancafiado entre grades e portões de ferro.

Segundo o professor John Lott Jr., da Universidade de Chicago, em seu livro "Mais Armas, Menos Crimes", no qual analisou o efeito das leis do Porte de Arma não discricionário nos EUA, o fato de pessoas portarem armas ocultas mantém os criminosos incertos quanto às suas vítimas, pois não sabem se estão armadas ou não. A possibilidade de qualquer um poder estar carregando uma arma torna o ataque menos atrativo.

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Uma pesquisa realizada pela Associação Beneficente da Polícia da Geórgia, na foram ouvidos mais de 3.000 membros da força pública, identificou que mais de 90% dos entrevistados disseram que leis para o controle de armas não ajudam o trabalho policial, porque essas leis são dirigidas aos cidadãos honestos, ao invés de aos criminosos.

O marquês de Becaria, na sua consagrada obra Dos Delitos e das Penas, já advertia sobre as falsas idéias de utilidade, dentre elas a proibição do uso de armas por pessoas de bem, e esgrimava a valer a argumentação de que se deveria proibir o fogo, porque queima, e a água, porque afoga.

A experiência jamaicana de desarmar a população civil, a partir de 1974, demonstra a falácia do argumento de menos armas menos crimes, pois hoje se vê no citado país um mercado negro que tem substituído de forma ampla as armas legais - e diante da proibição geral não existem limites para tipos e calibres -, sendo as armas cada vez mais sofisticadas e em grande variedade disponível. As taxas de homicídios vistas na Jamaica se encontram entre as mais elevadas do mundo. Considere-se, finalmente, que o Estado Jamaicano conta com uma das piores polícias do planeta, ilustrada pelo dado concreto de que os confrontos armados letais da referida milícia atingem 5,38%, numa população de 100.000 habitantes, enquanto nos Estados Unidos, que têm armas liberadas, o índice é de apenas 0,11% .

Dados recentes apontam que no Brasil existem cerca de 20 milhões de armas em poder da população civil e apenas 10% destas fazem parte do Sinarm - SISTEMA NACIONAL DE ARMAS. Outro dado relevante é que apenas 3,7% entre cada 100 mortes causadas por armas de fogo vêm de armas legalizadas. Em outro diapasão, veja-se que a campanha do Ministério da Justiça, em mais de seis meses de arrecadação de armas, conseguiu apenas receber 350 mil armas, ou seja, a população não está se desarmando em níveis que possam ser considerados relevantes para a redução da violência.

Um outro dado comparativo aponta no Brasil que estados que adotaram uma política mais severa para concessão de portes de arma tiveram aumento nas suas taxas de violência. No Rio de Janeiro, os portes de arma estaduais começaram a ser restringidos no primeiro governo Brizola e isso coincidiu com a explosão da criminalidade no Estado. Antes da edição do Estatuto do Desarmamento, mais precisamente no ano de 2003, existiam no Rio de Janeiro apenas 129 portes de arma ativos para uma população de 14,4 milhões de pessoas. À guisa de comparação, no Rio Grande do Sul, no mesmo período, mais de 40 mil gaúchos tinham autorização para portar armas de fogo e, mesmo assim, a taxa de homicídios do Sul representava 25% das taxa do Sudoeste (12,5 versus 50 casos por 100 mil habitantes).

Pesquisas de opinião apontam que a Sociedade Civil manifesta-se contra o desarmamento em proporções superiores a 60% ( Cf. Jornal do Brasil - 16/jun/2003; Diário de Maringá 17/jun/03; site Editora Abril 30.09.2005)

O debate se acirra na esfera legislativa, onde duas frentes contrapõem idéias contra e a favor do desarmamento, a primeira encabeçada pelo deputado federal Alberto Fraga (PFL/DF), Frente Parlamentar pela Legítima Defesa, defende a idéia de que proibir a venda legal de armas não vai desarmar os bandidos, d’outra banda, a Frente Parlamentar Brasil Sem Armas é composta pelos parlamentares que defendem a proibição do comércio de armas, e tem como principal articulador o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

Bem pontuou sobre o tema a Deputada Federal Denise Frossard, ex-magistrada Flumimense, e com grande experiência no combate ao crime organizado: "O que se pretende com a proibição? Reduzir a criminalidade é a resposta, tão imediata quanto impensada, que nos vem à cabeça. Mas é uma resposta equivocada. A proibição do comércio legal de armas não fará recuar nem um milímetro a ousadia do crime (organizado), não baixará a taxa de delinqüência das ruas, nem mesmo trará o conforto de diminuir a sensação de insegurança que, hoje, atinge em graus variados a sociedade brasileira. "

Assim, ante todas as luzes, vemos que se trata de uma verdadeira incoerência a proibição do comércio de armas e munições e para finalizar socorro-me do pensamento popular de Piriska Grecco [02] que enfatizou:"

" Seu Delegado eu vim trazer meu revorvinho,
Que eu ganhei do meu padrinho
Quando me tornei rapaz.
Há 30 anos mora na minha cintura,
Escorando a lida dura
De tropero e capataz.
Com esse revórve nessas volta do destino
Já salvou muito teatino de apanhar sem merecer,
Botou respeito sem precisar falar grosso,
Com ele muito arvoroço não deixei acontecer.
Mas deu no rádio
Que ninguém pode andar armado,
E no rumo do povoado
Eu vim tirando a conclusão,
Que eu fiquei louco ou
não entendi a notícia,
Pois pensei que a polícia
Desarmava era ladrão.
"Ô mundo véio, que tá virado,
Seu Delegado, preste atenção:
Vê se devorve o revórve do tropero,
Vai desarmar desordeiro
E deixe em paz o cidadão!"
Seu delegado, se um ladrão bater na porta
Devo fugir pela outra?
Me "arresponde", sim senhor!
E se um safado me desrespeitar uma filha,
Quem vai defender a família
Do homem trabalhador?
É muito fácil desarmar quem é direito,
Quem tem nome e tem respeito,
Documento e profissão,
Muito mais fácil que desarmar vagabundo,
Desses que anda pelo mundo
Fazendo mal-criação.
Pra bagunceiro
O País tá encomendado,
povo tá "desdomado"
E quem manda faz que não vê,
Nosso governo,
Quem tem que prender não prende,
Não vigia, não defende
Nem deixa se defender!
"Ô mundo véio, que tá virado,
Seu Delegado, preste atenção:
Vê se devorve o revorve do tropero,
Vai desarmar desordeiro
E deixe em paz o cidadão!"


Notas

01 Cidadania e Participação: Ensaio sobre o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular na nova Constituição. Ed. Marco Zero, São Paulo, 1990, p.33.

02 Disponível in http://www.inf.ufsc.br/

Sobre o autor
Luiz Augusto Coutinho

advogado criminalista em Salvador (BA), especialista em Direito Público pela UFPE, mestre em direito público pela UEFS/UFPE, vice-presidente da Associação Baiana dos Advogados Criminais, coordenador do Núcleo de Direito Penal da FABAC, professor de Direito Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Luiz Augusto. [não] Referendo popular e desarmamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 832, 13 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7388. Acesso em: 5 nov. 2024.

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