5 - DANOS MORAIS OU PATRIMONIAIS DECORRENTES DA RELAÇÃO DE TRABALHO
A inclusão inserida com o inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal tem o condão de confirmar o entendimento manso e pacífico esposado pela moderna jurisprudência trabalhista. É um grande avanço e aprimoramento da competência material da Justiça do Trabalho.
O Ministro Sepúlveda Pertence, na condição de relator do Conflito de Jurisdição nº 6.959-6, entendeu que o fundamental é que a relação jurídica esteja vinculada à relação empregatícia. A partir desse julgamento, publicado no DJU 22.02.1991, p. 1.259, que a jurisprudência trabalhista passou a adotar o entendimento de ser da competência da Justiça do Trabalho os dissídios que versavam sobre reparação por danos morais.
Assim, ficou consagrado definitivamente o entendimento de que recaem na competência material da Justiça do Trabalho quaisquer lides por atos ilícitos civis causados pelo empregador ao obreiro, ou vice-versa.
O atual dispositivo em comento – cumpre-se ressaltar - com a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, não se dirige apenas ao contrato de emprego, mas a todas as relações de trabalho, seja a reparação por dano moral, seja por dano patrimonial. A novidade diz respeito à competência da Justiça Especializada para dirimir tais conflitos quando decorrentes da relação de trabalho, portanto, não exclusivamente decorrentes de relação de emprego.
O direito à indenização por danos morais possui o fundamento pelo qual é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, sendo invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, nos termos do artigo 5º da Constituição Federal, incisos V e X.
Com efeito, as ações indenizatórias decorrentes de litígios indiretos e imediatamente vinculados à relação do trabalho, envolvendo sujeitos dos respectivos vínculos de trabalho, serão da competência da Justiça do Trabalho em comando ao novo artigo constitucional.
5-1 – ACIDENTE DE TRABALHO
Até sobrevir a Emenda Constitucional nº 45/2004, a jurisprudência dominante negava a competência à Justiça do Trabalho para as causas entre empregado e empregador, tendo por objeto indenização proveniente de acidente de trabalho (Súmula nº 15 do STJ) e, igualmente, a Súmula 501 da Corte Suprema assim aduzida: "Compete à Justiça ordinária estadual o processo e o Julgamento em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista".
Com a interpretação do novo inciso VI do artigo 114, da Constituição Federal, uma radical modificação de competência aflorou, ao interpretar que, para os dissídios entre empregado e empregador por indenização patrimonial e moral decorrente de acidente de trabalho, é competente a Justiça do Trabalho.
Por via de conseqüência, as lides entre empregados e empregadores por indenização por danos morais e materiais causados pelo acidente de trabalho passaram a ser o juízo natural a Justiça do Trabalho, muito embora a solução do litígio operar-se, evidentemente, mediante a aplicação das normas do Direito Civil.
O acidente de trabalho é um mero desdobramento do labor pessoal e subordinado prestado a outrem e, em decorrência, gera uma causa assessória e conexa da lide trabalhista típica.
No Direito Comparado, a Alemanha determina, para da Justiça do Trabalho, a competência de "controvérsias de direito privado provenientes de conduta antijurídica, desde que esta esteja em correlação com o contrato de trabalho".
Assim sendo, as ações denominadas acidentárias, ou seja, as lides previdenciárias derivadas de acidente de trabalho, promovidas em desfavor do INSS, continuam tendo a competência perante a Justiça Comum dos Estados, nos termos do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal de 1.988 e o artigo 19, inciso II, da Lei nº 6.367, de 19.10.1976.
Nelson Nery Júnior relata que, com a atual redação do inciso VI, não subsiste a menor dúvida quanto à competência da Justiça do Trabalho para julgar qualquer ação de indenização que decorra da relação de trabalho, exceto a de acidente de trabalho fundada em seguro acidente movida contra o INSS, por expressa previsão de competência da Constituição Federal, artigo 109, norma que confere à Justiça Comum Estadual a tarefa de processar e julgar referidas ações. [06]
Em contrapartida, em recente decisão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria dos votos, julgou procedente o Recurso Extraordinário sob nº 438.639, como competência da Justiça dos Estados e do Distrito Federal, e não da Justiça do Trabalho, o julgamento das ações de indenização resultantes de acidente de trabalho.
Ao julgar o recurso, o relator ministro Carlos Ayres Britto ressaltou tratar-se de interpretação do artigo 114 da Constituição Federal, alterado pela reforma do Judiciário – Emenda Constitucional nº 45/2004, e, segundo o relator, a jurisprudência do Supremo orientava-se no sentido de que a competência para acolher ação indenizatória por danos morais decorrentes da relação de emprego é da Justiça trabalhista, bem como a Suprema Corte tem excluído dessa regra as ações de indenização por danos morais fundamentadas em acidentes de trabalho.
Todavia, o Ministro Cézar Peluso divergiu do relator, ressaltando que, na teoria, a ação de indenização baseada na legislação sobre acidente de trabalho é da competência da Justiça Estadual. E assim fundamentou: "Se nós atribuírmos à Justiça do Trabalho a ação de indenização baseada no Direito comum, mas oriunda do mesmo fato histórico, temos uma possibilidade grave de contradição". César Peluso foi acompanhado pelos Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim. Vencidos na votação, os Ministros Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio de Melo.
Ocorre que, revendo a decisão acima, o plenário do Supremo Tribunal Federal reformulou seu próprio entendimento anterior e decidiu pela competência da Justiça do Trabalho para julgar ações por dano moral e/ou material decorrentes de acidente de trabalho.
Os demais ministros acompanharam o voto do relator Carlos Ayres Britto, que consideraram que o inciso I do artigo 109 da Constituição não autoriza concluir que a Justiça Comum Estadual detém a competência para apreciar as ações que o empregado propõe contra seu empregador, pleiteando reparação por danos morais e patrimoniais.
O teor do voto salientou que o caso é diferente para as ações em que a União, autarquias ou empresas públicas federais são partes interessadas nas causas entre o INSS e pessoas que buscam o recebimento de benefício previdenciário decorrente de acidente de trabalho, pois, nesse caso, o julgado ressaltou que a competência é da Justiça Comum dos Estados, conforme estabelecido na Súmula nº 501 do Supremo.
No entanto, Ayres Britto afirmou que, no caso de ação acidentária reparadora de danos que envolva um empregado contra o empregador, onde não há interesse da União, nem de autarquias e ou de empresa pública federal, a competência deve ser indubitavelmente da Justiça Trabalhista. Haja vista que, nesse tipo de ação, o interesse diz respeito, apenas, ao empregado e seu empregador, sendo desses dois únicos protagonistas a legitimidade processual para figurar nos pólos ativo e passivo da ação.
Com este entendimento, ficou externado que se a vontade objetiva do texto constitucional fosse excluir a competência da Justiça do Trabalho teria feito isso no âmbito do artigo 114 da Constituição Federal.
Assim, como a situação não se encaixa no inciso I do artigo 109, tais ações devem ser regidas pelo artigo 114, ambos da Carta Magna, que trata das atribuições da Justiça Especial do Trabalho.
Entretanto, termina a controvérsia no que tange aos julgamentos das ações de acidente de trabalho ao reconhecer o Supremo Tribunal Federal a competência da Justiça do Trabalho para julgar tais demandas.
Situação complexa e preocupante é examinar a estrutura do Poder Judiciário Trabalhista, tendo em vista o alto número de processos que receberão repentinamente, bem como que a quantidade de Varas e Magistrados do Trabalho são nitidamente em números inferiores aos da Justiça Estadual.
Sob a ótica de outros Estados, acarretará prejuízos aos trabalhadores ante a distância física entre as comarcas onde tramitam as ações e o local onde residem.
Walter Cenevida explica que, a título exemplificativo, o Estado de Minas Gerais possui aproximadamente 850 municípios, sendo que a Justiça do Trabalho está presente apenas em 120 Varas Especializadas, ou seja, não há Varas do Trabalho em número suficiente para garantir a satisfatória prestação jurisdicional. [07]
Em conclusão, são da competência da Justiça Especial do Trabalho os julgamentos das ações de acidentes do trabalho de cunho não-previdenciário, ou seja, fundadas no inadimplemento do contrato de trabalho, por dolo ou culpa do empregador e contra estes movidas.
6 - PENALIDADES ADMINISTRATIVAS IMPOSTAS AOS EMPREGADORES
Outra relevante inovação introduzida pela Emenda Constitucional nº 45, que amplia a competência da Justiça do Trabalho, assenta-se no artigo 114, inciso VII, que outorga, à Justiça Especializada, o alcance para julgar "as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho".
Com o atual mandamento constitucional em análise, insurge o tradicional entendimento sedimentado pela mansa jurisprudência, consistente em atribuir referidas causas à Justiça Federal.
A competência para julgar multas da fiscalização do trabalho, em razão da pessoa, era de competência da Justiça Federal. Em assim sendo, não havia razão para ser de competência da Justiça Federal as matérias anunciadas no inciso VIII do Artigo 114 da Constituição Federal, pois, tais penalidades estão previstas na Consolidação das Leis do Trabalho e se manifestam no descumprimento de normas cogentes incidentes sobre a relação de emprego.
Cumpre ressaltar que há diferença entre autuação e multa – aquela o primeiro estágio que comporta defesa administrativa; esta, a decisão administrativa final que permite recurso administrativo, a competência, agora transferida, é para ambos os atos, porque quem pode julgar a multa pode, pelas mesmas razões julgar a autuação. [08]
Com a existência da modificação em apreço, a Súmula nº 114 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual cabia à Justiça Estadual processar e julgar as causas entre sindicatos e seus associados, passa a ser revogada pela atual legislação constitucional.
A competência em estudo é para qualquer ação, seja a execução de título extrajudicial proposta pela Fazenda Pública Federal, ou qualquer demanda intentada pelo empregador visando invalidar a sanção administrativa que haja infligido a fiscalização das Delegacias Regionais do Trabalho. Referida competência abrange, a título exemplificativo, entres outras, a ação anulatória e também o mandado de segurança impetrado contra ato da autoridade administrativa do Ministério Público.
Situação complexa diz respeito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço por constituir-se um misto de vantagem trabalhista e tributo. Alguns sustentarão pelo argumento que o acessório segue o principal, a concluir que a competência para cobrança dos depósitos do FGTS e das penalidades é da Justiça Federal e, em contrapartida, pela atual redação do artigo 114, ao definir que compete à Justiça do Trabalho a cobrança do principal e do acessório, considerando sua competência mais especial para as ações relativas às penalidades, o que atrairia as ações de cobrança do principal, o que parece ser mais razoável.
Para Editon Meireles, em suma, em qualquer ação em que se discute a aplicação de penalidade administrativa, inclusive a de embargo ou interdição do estabelecimento (artigo 161 da CLT), passa a ser da competência da Justiça do Trabalho, tendo a União como um dos pólos da relação processual. [09]
7 - EXECUÇÕES DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS
Com a atual Reforma Constitucional, preceitua o inciso VIII do artigo 114 da Constituição Federal que compete a Justiça do Trabalho "a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir".
Vale lembrar que a competência da Justiça Obreira para execução de contribuições sociais decorrentes de seus julgamentos já estava abarcada no parágrafo 3º do artigo 114, introduzido pela Emenda Constitucional nº 20.
Nos moldes dos artigos 46 da Lei nº 8.541/92, 43 e 44 da Lei nº 8.212/92, compete à Justiça do Trabalho determinar a incidência dos descontos previdenciários e fiscais resultantes das decisões e conciliações.
O objetivo de tal medida é velar pelo cumprimento da legislação previdenciária, bem como impedir a sonegação dos recolhimentos quando os débitos surgirem de acordos judiciais ou julgamento de mérito, ou seja, insta-se consignar que o atual texto constitucional não faz menção apenas às sentenças condenatórias. Entretanto, nas sentenças meramente declaratórias será possível a execução previdenciária.
Neste sentido, a Lei nº 10.035/2000 estabeleceu regras atinentes à execução das contribuições, quais sejam, pelo Juiz do Trabalho, de ofício e com acompanhamento do INSS, conforme introduzido no artigo 878-A da Consolidação das Leis do Trabalho.
Assim, a execução previdenciária recairá sobre as seguintes contribuições sociais:
"Artigo 195.. ..
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a)a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer titulo, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vinculo de empregatício;
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o artigo 201 da CF."
O artigo 195 acima transcrito não cuida das contribuições previdenciárias devidas pelo servidor público vinculado a regime previdenciário próprio, mas apenas e tão-somente das contribuições devidas ao Instituto Nacional de Previdência Social (INSS).
Desta forma, a reforma veio concretizar no aspecto constitucional tal pronunciamento referente à competência da Justiça do Trabalho quanto às contribuições sociais, todavia, como dito alhures, não acrescentou qualquer novidade.