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Panorama histórico da filosofia política, da antigüidade ao período pós-revolucionário

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Agenda 16/10/2005 às 00:00

3.A FILOSOFIA POLÍTICA RENASCENTISTA

            3.1.As Cruzadas

            Com o advento das Cruzadas, um grande contingente de camponeses se dirigiu para o Oriente, em busca de novas oportunidades de vida. Como deixaram de produzir para se dedicar às lutas, precisaram de alguém que lhes fornecesse os produtos que outrora produziam. Começava a renascer, assim, lenta e progressivamente, a atividade comercial, e começaram a surgir pessoas que se dedicavam somente à sua prática, especializando-se cada vez mais e criando e aprimorando técnicas e instrumentos comerciais.

            Com o passar do tempo e o desenvolvimento da atividade comercial, esses primeiros comerciantes e seus descendentes começaram a acumular capital, o que possibilitaria a quebra de alguns privilégios políticos dos senhores feudais, tempos depois. Além disso, a diminuição do contingente de trabalhadores rurais fez com que os remanescentes passassem a exigir melhores condições de vida e mais liberdade. A classe média que emergia, então, com o intuito de desenvolver suas atividades, fez alianças com os reis, no sentido de enfraquecer os senhores feudais e promover a expansão de suas atividades comerciais.

            3.2.O Renascimento

            Concomitantemente, os artistas e pensadores começaram a resgatar os valores estéticos da Antigüidade Clássica, fazendo com que o homem olhasse mais para si mesmo, esquecendo-se um pouco de Deus, afastando-se um pouco da visão teocêntrica pregada pela Igreja Católica.

            Ademais, os pensadores começaram a buscar uma nova forma de conhecimento, que se despojasse dos dogmas escolásticos, e que fosse pautado unicamente na razão.

            Começou a surgir, assim, lentamente, uma nova Ciência independente da dogmática cristã, que se desenvolveu paulatinamente, até culminar, no século XIX, com a consolidação da Ciência Moderna.


4.MAQUIAVEL: UM CAPÍTULO À PARTE

            Nicolau Maquiavel (1469-1527), é um dos mais importantes pensadores de todos os tempos, especialmente para o campo da política, por um motivo bastante simples: ele foi o primeiro a dissociar a política da moral.

            A característica mais marcante da obra maquiaveliana reside justamente no fato de que Maquiavel, ao pensar e escrever sobre política, rejeitou completamente o idealismo dos clássicos e rompeu definitivamente com a velha moral católica.

            Enquanto Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e Thomas Morus, por exemplo, procuraram estabelecer as características de um Estado ideal, Maquiavel seguiu no sentido oposto: ao invés de se preocupar com o que o Estado deveria ser, procurou desenvolver uma teoria a partir do que o Estado era de fato.

            O pensamento maquiaveliano se baseia na análise da história, uma vez que
Maquiavel procurou aprender com as ações dos grandes homens nos grandes momentos da história, bem como na psicologia, já que quis compreender a natureza do homem na história, e como este se comportou ao longo dela.

            Essa "análise retrospectiva" dos fatos históricos levou Maquiavel à constatação de que, ao longo de toda ela, os homens mostraram-se sempre os mesmos: ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos por lucro. Por essa razão, um governante ("príncipe", na terminologia maquiaveliana) que pretendesse comandar o Estado deveria possuir duas características imprescindíveis: força e inteligência. A primeira, para conquistar o poder; a Segunda, para mantê-lo.

            Os expedientes utilizados pelo príncipe para a manutenção da ordem no Estado, ao contrário do que haviam preconizado todos os pensadores anteriores a Maquiavel, não deveriam ser previstos em nenhuma lei ou norma moral; ao contrário, era cada situação que determinaria o que seria certo ou errado, moral ou imoral, bom ou mal. Maquiavel inaugura, assim, a "moral de circunstância", que era completamente avessa à velha moral católica.

            Por conta disso, usa até mesmo hodiernamente, o termo "maquiavélico" para designar as pessoas malevolentes, astutas e impiedosas: a própria Igreja incumbiu-se de conspurcar a imagem de Maquiavel, pelo fato deste ir de encontro a seus interesses.

            Para Maquiavel, toda sociedade poderia passar por três estados ("estado" com letra minúscula, querendo significar "situação"): anarquia, principado e república. A Itália, naquele momento, estava gravada pela anarquia; precisava de um príncipe virtuoso, que reorganizasse e unificasse o Estado Italiano, e depois deixasse o governo e instaurasse a República.

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            Pelo fato de ter atribuído ao estudo da política um caráter de independência, Maquiavel é considerado por muitos o "Pai da Ciência Política", embora esta somente tenha se firmado efetivamente como a concebemos hoje, a partir do século XIX.


5.A FILOSOFIA POLÍTICA CONTRATUALISTA

            O desenvolvimento das idéias acerca da origem do mundo e das coisas, advindas do distanciamento entre a produção do conhecimento e a moral católica, engendrou a procura por novas explicações acerca do surgimento da sociedade civil. Como surgiram as primeiras sociedades? Foram famílias que cresceram e formaram os primeiros agrupamentos humanos, que mais tarde deram origem às vilas e, posteriormente às cidades? E o Estado? Como surgiu? O Estado antecedeu a sociedade, ou a sociedade veio antes do Estado? Qual o fundamento que explica o surgimento do Estado e, conseqüentemente, por quê as pessoas devem obedecer às ordens emanadas no âmbito do Estado? Como poder-se-ia justificar e legitimar o poder do Estado sobre os indivíduos?

            A doutrina contratualista procurou responder a algumas dessas perguntas. Apesar das divergências existentes entre cada autor contratualista, há um liame que "amarra" suas teorias, e que por fim, acaba por caracterizá-los como tal, como contratualistas.

            Para os contratualistas, a sociedade antecedeu o Estado. Primeiramente, os indivíduos se uniram em grupos, que eram a princípio desorganizados do ponto de vista do poder político, e onde imperava, diante da ausência de uma autoridade geral e de regras de convivência, a lei do mais forte. Nesse momento, ao surgir um conflito de interesses entre dois ou mais indivíduos, satisfaria sua pretensão aquele que fosse forte o suficiente para subjugar os demais. A esse estágio, os contratualistas chamam de estado de natureza. Vive aí, o homem, em estado de absoluta natureza, em que predomina a força, e a violência é a única forma de solução de conflitos. O estado de natureza caracteriza-se pela insegurança, pela incerteza e pelo medo.

            Os contratualistas pregavam que, em determinado momento, desejando os homens instaurar a segurança e a paz social, reuniram-se todos e celebraram um contrato, a que chamaram de contrato social, ou pacto social. Através desse contrato, todos concordaram em abrir mão de parte ou de toda sua liberdade, transferindo-a para um soberano, que teria por incumbência organizar a sociedade e manter a paz, solucionando os conflitos, diminuindo assim as desigualdades relacionadas à força física.

            É a partir desse ponto que os autores começam a divergir: cada um acredita em uma forma de governo, e defende um projeto político, com as conseqüências advindas de sua eventual instauração. Dentre os contratualistas, três merecem destaque, embora não sejam os únicos autores importantes: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

            5.1.Thomas Hobbes

            Para Thomas Hobbes (1588-1679), o homem era naturalmente mau, mesquinho, invejoso e egoísta. Seu grande objetivo na vida era obter mais vantagens do que os outros.

            Assim, segundo Hobbes, vivendo no estado de natureza, a humanidade tendia a viver sempre em conflito, guerras e disputas entre si. Dessa forma, seria difícil para o homem preservar seu bem maior – a vida, uma vez que, por exemplo, mesmo os mais fortes são vulneráveis quando dormem.

            Para acabar com esse clima de "guerra eterna", os homens se reuniram e celebraram um pacto social, através do qual abdicavam de parte de sua liberdade, em favor do soberano, que passaria a ter plenos poderes para organizar a sociedade e dirimir os conflitos, impondo aos indivíduos a sua decisão.

            Hobbes foi, dessa forma, um ferrenho defensor do absolutismo. Para ele, apenas dispondo de plenos poderes (já que fora o único a não participar do pacto), o soberano poderia manter a paz e a ordem na sociedade. Poderia, se julgasse necessário, matar, mentir, não manter a palavra empenhada, etc., sem dever quaisquer satisfações a quem quer que fosse.

            5.2.John Locke

            A importância de John Locke (1632-1704) para o desenvolvimento do pensamento político ocidental parece não ter, à primeira vista, tanto relevo. O que chama a atenção, em verdade, é o fato de Locke haver representado, talvez pela primeira vez, o ideal político de uma classe, naquele momento em franca ascensão no cenário político e econômico europeu: a burguesia.

            Locke, avesso ao ideal político hobbesiano, foi o defensor por excelência da manutenção do poder político do Parlamento inglês, em contraposição ao absolutismo do rei.

            À semelhança de Hobbes, Locke foi um contratualista. Este, porém, preconizava que o pacto social tinha por fim a proteção da propriedade privada pelo Estado.

            Locke acreditava que cabia ao Estado proteger a propriedade privada, a ordem e a paz, e que, na medida em que não o estivesse fazendo a contento, seria perfeitamente possível e lícito desfazer o pacto, já que o mesmo não cumpria sua finalidade.

            5.3.Jean-Jacques Rousseau

            Rousseau (1712-1778) foi um iluminista. Seu pensamento influenciou toda a geração posterior de poetas, romancistas e contistas. Seu ideal político serviu de mote para a Revolução Francesa de 1789.

            Rousseau também foi um contratualista. Porém, ao contrário de Hobbes, acreditava que o homem era essencialmente bom: vivendo no "estado de natureza", não era capaz de fazer o mal, exceto para se defender; sendo tudo acessível a todos, não havia motivo para disputas interpessoais.

            Tudo começou a dar errado, segundo Rousseau, quando surgiu a propriedade privada. Sobre como isso se deu, afirma ele:

            O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer

isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: "Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!"

            Portanto, para Rousseau, os homens seriam naturalmente bons, e seria a sociedade a lhes corromper. Para o iluminista suíço, o estado de natureza seria, portanto, melhor do que a sociedade civil. Não sendo, entretanto, possível voltar ao estado de natureza, busca desenvolver um sistema político que minore as diferenças entre os homens, criadas pela sociedade civil. Rousseau se referia, principalmente, ao falar em "diferenças", da propriedade privada, para ele, a mãe e rainha de todas as misérias humanas.

            Os homens, assim, na concepção rousseauniana, firmaram um pacto, o contrato social, segundo o qual todos governariam juntos, em prol do bem comum. Rousseau pregava, portanto, que o Estado existia não para defender interesses particulares, e sim para defender a "vontade geral". Isso foi tão enfatizado por Rousseau, que ele chamou a vontade geral, ou seja, a opinião comum de todos os cidadãos de "soberano". Ao contrário de Hobbes, por exemplo, para quem soberano era o rei.


6.A GÊNESE DA CIÊNCIA MODERNA

            6.1.Contexto histórico do surgimento da Ciência Moderna

            No século XIX, os pensadores enfrentaram um grande desafio: compreender e explicar as mudanças pelas quais passava a sociedade européia, desde as revoluções burguesas na Inglaterra e na França.

            Surgiu uma nova classe social – a burguesia – que foi ao longo do tempo acumulando capital e poder, levando à derrocada da ordem social reinante (que Marx chamaria mais adiante de "modo de produção);

            o contato com outras culturas fez com que as explicações acerca dos fenômenos naturais e sociais proferidas pela Igreja perdessem a credibilidade, suscitando no homem o desejo de buscar o conhecimento por meios puramente racionais;

            a-Igreja Católica perdeu parte de seu poder devido ao protestantismo;

            b- Revolução Industrial trouxe como conseqüências o êxodo rural, a miséria, a fome, e o aumento da criminalidade, prostituição, etc.

            Num período de oitenta anos, entre 1780 e 1860, a Inglaterra havia mudado de forma marcante a sua fisionomia. País com pequenas cidades, com uma população rural dispersa, passou a comportar enormes cidades, nas quais se concentravam suas nascentes indústrias, que espalhavam produtos para o mundo inteiro.

            Tais modificações não poderiam deixar de produzir novas realidades para os homens dessa época.

            6.2.Auguste Comte e o Positivismo

            Auguste Comte (1798-1857), analisando todos esses aspectos, concluiu que as ciências que existiam não conseguiam explicar as mudanças que ocorriam na sociedade: era preciso surgir uma nova ciência, que sistematizasse os estudos dos fenômenos sociais, no intuito de descobrir as leis que os regiam. Criou, assim, a Sociologia.

            Comte explicou o conturbado contexto social que a Europa vivia naquele momento da seguinte maneira:

            Ao lado de um regime feudal em franca decadência, comandado por uma lógica teológico-militar, surgia uma nova ordem social, comandada por uma lógica científico-industrial; assim, para Comte, a Europa estava em crise porque, naquele momento, as duas ordens sociais coexistiam. A partir do momento em que o regime feudal fosse totalmente eliminado, a crise seria solucionada pela Ciência.

            Comte concluiu que a sociedade passaria por três estágios (Lei dos Três Estados):

            a)Teológico: O homem buscava as explicações para os fenômenos em agentes sobrenaturais, através da mitologia ou da religião;

            b)Metafísico: O homem buscava o sentido de algo em uma energia abstrata, inerente e exterior a esse objeto;

            c)Positivo: O homem deixaria de se preocupar com a origem dos fenômenos, limitando-se a qualificá-los e quantificá-los, estabelecendo conceitos gerais a respeito do mesmo.

            E, após apresentar os três "estágios evolutivos" das sociedades, Comte conclui: (...) a primeira é o ponto de partida necessário da inteligência humana, a terceira, seu estado fixo e definitivo; a segunda está destinada unicamente a servir de transição (...).

            (...) A sociologia sintética de Auguste Comte sugere, aliás, tal competência: ciência do todo histórico, ela determina não só o que foi e o que é, mas também o que será, no sentido da necessidade do determinismo

.

            Comte acreditava no caráter redentor da Ciência: através dela, a humanidade teria acesso à cura de todos os males, de todos os problemas, de todos os desvios.

            6.3.Karl Marx

            Ao contrário de Comte, Karl Marx (1818-1883) percebia que a sociedade estava dividida em duas classes sociais, essencialmente antagônicas, e em ininterrupto conflito entre si: o proletariado, de um lado, e a burguesia, de outro.

            Enquanto no positivismo os conflitos entre trabalhadores e empresários são fenômenos marginais, imperfeições da sociedade industrial cuja correção é relativamente fácil, para Marx esses conflitos entre os operários e os empresários, (...) são o fato mais importante das sociedades modernas, o que revela a natureza essencial dessas sociedades, ao mesmo tempo que permite prever o desenvolvimento histórico

.

            Para Marx, as eventuais classes intermediárias tendiam a desaparecer, ou ascendendo para a burguesa ou caindo para a proletária.

            Marx reconhecia na burguesia uma classe que era, segundo ele, revolucionária por excelência. Primeiramente, por provocar a substituição do modo de produção feudal pelo capitalista; em segundo lugar, por haver destituído os proprietários de terras de seu papel de dominadores exclusivos do poder político e econômico, assumindo seu lugar; finalmente, ao plantar as bases de sua própria destruição, no futuro.

            A doutrina política de Marx é revolucionária (...) pelo fato de que ela passa pela expulsão de uma classe possuidora e sua substituição por outra. E este é um processo que pode claramente requerer um grande espaço de tempo para ser levado a efeito. Podemos observar aqui a característica peculiar do socialismo: o fato de que ele envolve a chegada ao poder da classe trabalhadora, que ao fazer isso cria as condições para a abolição de todas as classes.

            Quando isso acontecesse, segundo Marx, não haveria mais a necessidade de existir o Estado, pois este só existia para garantir a dominação de uma classe favorecida diante das outras.

Sobre o autor
Rodrigo Andrade de Almeida

bacharelando em Direito pelas Faculdades Jorge Amado, em Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Rodrigo Andrade. Panorama histórico da filosofia política, da antigüidade ao período pós-revolucionário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 835, 16 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7417. Acesso em: 26 dez. 2024.

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