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Elementos para uma teoria da justiça por Amartya Sen

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Agenda 26/05/2019 às 20:28

CONCLUSÕES: A JUSTIÇA POR AMARTYA SEN

O que tende a "inflamar o espírito" da humanidade sofredora apresenta interesse imediato para a ação política e o diagnóstico da injustiça. 

(Amartya Sen)

Após a análise dos elementos e das críticas levantadas por Sen em sua obra A Ideia de Justiça, podemos compreender que ele delineia uma perspectiva intrigante de justiça, uma vez divergente - ou, ao menos, destoante - da proposta igualitária e contratualista que vigora na filosofia contemporânea. 

Sen entende que a justiça não pode se basear em um contrato original que seria impossível de se aplicar no mundo real, pois assim estaríamos frente a uma proposta inexequível. Não obstante ele enalteça o mérito da teoria da justiça como equidade de John Rawls, utiliza-a como base para demonstrar sua tese: a justiça não pode ser basear na construção de instituições perfeitamente justas pois elas não são possíveis. Ainda, questiona a ausência de previsão de uma revisitação a essas instituições para adequá-las ou corrigi-las caso elas desviem da proposta original. 

Para Amartya Sen, justiça pressupõe o respeito às liberdades e capacidades das pessoas, sendo que ambas estão interligadas, e que deve ser resguardado a todos a liberdade de escolha e oportunidades, para que, assim, levem a vida que desejem levar, sem que essa "vida boa" lhes seja imposta pelo Estado ou por um contrato original.

O bem-estar não é uma noção abstrata, mas inclui a análise concreta e todos os elementos e variáveis referentes às pessoas e às sociedades, incluindo-se suas necessidades, suas capacidades de transformação de recursos, suas liberdades e suas realizações - apesar de Sen entender que a justiça não pode pautar exclusivamente ou finalisticamente nas realizações, devendo focar primordialmente nas liberdades e capacidades, que permitiriam a realização do que as pessoas desejassem, sendo-lhes resguardadas oportunidades e escolhas. 

A importância da detecção e erradicação de injustiças está entre o que Sen entende como justiça. Não necessariamente instituições perfeitas, mas a observância de situações de grave injustiça e a intervenção para que tais situações não mais ocorram. O exemplo repisado durante toda a obra é a fome, considerada por Sen como uma das maiores injustiças globais. Para a indignação e resistência à injustiça, as pessoas precisam racionalizar e adotar as soluções eficazes para o seu fim. A justiça pressupõe a eliminação da grave injustiça, que pressupõe a argumentação racional para a adoção das medidas possíveis para tal. 

Talvez o foco mais relevante da justiça em Amartya Sen seja o reconhecimento do pluralismo e da diversidade. Ao aceitar que pessoas diferentes levam vidas diferentes, e que isso deve influenciar na perspectiva de um "acordo" sobre justiça, bem como na definição em si do que seria justo, Sen permite a inclusão da perspectiva das mais diversas sociedades em que a diversidade é o principal pano de fundo das vidas das pessoas. A possibilidade de que vários valores e princípios concorram entre si para um grau de importância não quer dizer que dessa pluralidade não se possa obter uma teoria de justiça possível globalmente. 

Sen prevê a formação de um ranking formado por diferentes razões de justiça, que se entrelaçariam para possibilitar decisões, mesmo que elas não sejam unânimes. Sen não identifica a unanimidade nas decisões como critério exclusivo de justiça, é possível que as decisões sejam parciais e que, ainda assim, elas sejam justas, desde que respeitem os elementos considerados. Nessa perspectiva, uma análise da justiça só pode ser feita por meio de comparações, o que rechaça o contratualismo como uma teoria forte para a justiça. 

A grande contribuição de Sen em sua ideia de justiça está no realismo de sua proposta comparativa, na perseguição de uma igualdade gradual e que seja obtida por meio do reforço das capacidades e respeito às liberdades, que proporcionariam às pessoas viverem a vida desejada por elas e o desenvolvimento econômico. O convite ao debate público, mesmo que Sen deixe de considerar os motivos que muitas vezes levam à inexistência desses debates até mesmo em países de tradição democrática, e a ênfase à argumentação racional como formas de construção da justiça e erradicação da injustiça, o papel atribuído à informação e à mídia, bem como a responsabilização de todos por uma sociedade justa estão entre as ideias que precisam ser aproveitadas de Amartya Sen, e que certamente podem servir de reflexão para outros debates. 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Amartya Sen - Biographical. Nobelprize.org.Nobel Media AB 2014. Web. 5 Sep 2015. <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/laureates/1998/sen-bio.html>

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4 ed. São Paulo: Martin Claret, 2010. 

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

SEN, Amartya. A ideia de justiça[versão Kindle]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Controle de constitucionalidade e democracia: algumas teorias e parâmetros de ativismo. In SARMENTO, Daniel (coord). Jurisdição Constitucional e Política. Rio de Janeiro: Forense, 2015. pp. 73 a 113.


Notas

[3]ARISTÓTELES, 2010.

[4]Rabindranath Tagore é um escritor indiano vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1913. Ele gerenciava o campus de Visva-Bharati, que era uma escola e universidade ao mesmo tempo, onde Sen teve basicamente toda a sua formação escolar de base.

[5]Em tradução livre, Escolha Coletiva e Bem-estar Social.

[6]SEN, 2011, pos. 84.

[7]SEN, 2011, pos. 491.

[8]SEN, 2011, pos. 504.

[9]SEN, 2011, pos. 504.

[10]SEN, 2011, pos. 711.

[11]SEN, 2011, pos. 723.

[12]SEN, 2011, pos. 185.

[13]SEN, 2011, pos. 1440.

[14]SEN, 2011, pos. 1451.

[15]SEN, 2011.

[16]SEN, 2011, pos. 1610.

[17]SEN, 2011, pos. 1636.

[18]SEN, 2011, pos. 1660

[19]SEN, 2011, pos. 1699.

[20]SEN, 2011, pos. 447.

[21]SEN, 2011, pos. 458.

[22]SEN, 2011, pos. 939.

[23]SEN, 2011, pos. 951.

[24]SEN, 2011, pos. 960.

[25]SEN, 2011, pos. 972.

[26]SEN, 2011, pos. 998.

[27]SEN, 2011, pos. 1023.

[28]SEN, 2011, pos. 1083.

[29]SEN, 2011, pos. 1171.

[30]SEN, 2011, pos. 2126.

[31]SEN, 2011, pos. 2399.

[32]SEN, 2011, pos. 2448.

[33]SEN, 2011, pos. 3735.

[34]SEN, 2011, pos. 3817.

[35]Mary Wollstonecraft elabora uma crítica a Edmund Burke, que posicionou-se contrário às revoluções na França e a turbulência causada pelo domínio britânico na Índia, porém apoiou a independência dos Estados Unidos. Wollstonecraft entendia que não era possível defender a liberdade de uns e não a liberdade de outros, e também criticou a omissão de Burke quanto aos escravos americanos, já que defendia a liberdade dos que não eram escravos (SEN, 2011).

[36]SEN, 2011, pos. 2604.

[37]SEN, 2011, pos. 2617.

[38]SEN, 2011, pos. 2771.

[39]SEN, 2011, pos. 2833.

[40]SEN, 2011, pos. 3074.

[41]SEN, 2011, pos. 3345.

[42]SEN, 2011, pos. 3430.

[43]SEN, 2011, pos. 4652.

[44]SEN, 2011, pos. 4711.

[45]SEN, 2011, pos. 4758.

[46]Idem. 

[47]SEN, 2011, pos. 4782.

[48]SEN, 2011, pos. 5021-5022.

[49]SEN, 2011, pos. 5289.

[50]SEN, 2011, pos. 5627.

[51]SEN, 2011, pos. 5745.

[52]SEN, 2011, pos. 6030.

[53]SEN, 2011, pos. 6504.

[54]SEN, 2011, pos. 6672.

[55]SEN, 2011, pos. 6684.

[56]SEN, 2011.

[57]SEN, 2011, pos. 6899. 

[58]SEN, 2011.

[59]SOUZA NETO; SARMENTO, 2015, pp. 104-105.

[60]SEN, 2011, pos. 6995.

[61]SEN, 2011, pos. 7145.

[62]Idem. 

[63]SEN, 2011, pos. 7269.

Sobre os autores
Tatiana Mareto Silva

Doutora em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV, Mestre em Políticas Públicas e Processo pela FDC/UNIFLU, Pós-graduada em Processo Civil pela FDV, Professora do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES.

Aloisio Krohling

Aloísio Krohling é Pós-Doutor em Filosofia Política pela UFRJ e em Ciências Sociais pela PUC-SP. Doutor em Filosofia pelo Instituto Santo Anselmo em Roma, Itália em 1969, reconhecido como titulação de PH.D em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo, da qual é aposentado. Mestre em Teologia e Filosofia pela Universidade Gregoriana - Roma, Itália. Mestre em Sociologia Política pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Graduado em Filosofia pela Faculdade Anchieta - São Paulo. Graduação em Ciências Sociais pela Loyola University, Chicago, USA. Foi professor de Filosofia na PUC-SP e da Universidade Federal do Espírito Santo. A sua área de maior interesse é Filosofia Política, Sociologia Política, Teoria do Estado, Ciência Política, Direitos humanos e Segurança Pública, e Teoria Política. Foi professor por 15 anos do curso de Relações Internacionais da UVV das disciplinas de Ciência e Teoria Política e professor do Mestrado em Sociologia Política na UVV durante 04 anos, com a linha e pesquisa Estado e Sociedade. Foi professor de Filosofia do Direito do Mestrado e Doutorado em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), Linha de pesquisa da FDV: Cidadania, Democracia e Direitos Humanos Fundamentais juntamente com J. M. Adeodato e Ricarlos Almagro, com registro no CNPQ, sublinha de pesquisa: múltiplo dialético na história do pensamento grego, ocidental e brasileiro aplicado à democracia brasileira e latinoamericana sob a perspectiva ética e intercultural dos direitos humanos fundamentais. Coordenador do Grupo de Pesquisa Biogepe: Políticas Públicas, direito à saúde e Bioética desde 2017. Professor colaborador da disciplina História do Direito e dos Direitos Humanos do curso de Direito da Faculdade Novo Milênio. Autor e coautor de livros sobre Direitos Humanos Fundamentais, Justiça e Libertação,Ética da alteridade e da Responsabilidade,Teoria do Estado, Filosofia do Direito, teoria política. Orienta várias teses de Mestrado e Doutorado em Direitos e Garantias Fundamentais na FDV e participou de bancas do Mestrado na FDV e na UFES em História Social, Relações Políticas, Direito e Ciências Sociais. Participou de vários seminários internacionais na área de Filosofia e Direitos Humanos e participou da Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU em Viena em 1993. O Professor Krohling atuou na área pedagógica e curricular como chefe de departamento e coordenações de curso na PUCSP e Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), onde também foi Diretor do Centro de Estudos Gerais da UFES e participou de vários colegiados universitários. Foi subsecretário da Secretaria de Educação do Espírito Santo. É assessor e consultor em projetos de pesquisa educacional. É membro Conselho editorial da editora Juruá, Curitiba, Paraná e revisor de livros e revistas. Foi avaliador do INEP, MEC. É membro do Conselho editorial da editora Juruá, Curitiba, Paraná e revisor de livros e revistas. O último livro foi publicado pela editora FI, Florianópolis: Ensaios filosóficos e Direitos Humanos: Modernidade, pós-modernidade e transmodernidade (link de acesso: https://www.editorafi.org/342ensaios).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo elaborado para a disciplina ministrada pelo Prof. Aloísio Krohling no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV).

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