7 CONCLUSÕES: A JUSTIÇA POR AMARTYA SEN
O que tende a "inflamar o espírito" da humanidade sofredora apresenta interesse imediato para a ação política e o diagnóstico da injustiça.
(Amartya Sen)
Após a análise dos elementos e das críticas levantadas por Sen em sua obra A Ideia de Justiça, podemos compreender que ele delineia uma perspectiva intrigante de justiça, uma vez divergente - ou, ao menos, destoante - da proposta igualitária e contratualista que vigora na filosofia contemporânea.
Sen entende que a justiça não pode se basear em um contrato original que seria impossível de se aplicar no mundo real, pois assim estaríamos frente a uma proposta inexequível. Não obstante ele enalteça o mérito da teoria da justiça como equidade de John Rawls, utiliza-a como base para demonstrar sua tese: a justiça não pode ser basear na construção de instituições perfeitamente justas pois elas não são possíveis. Ainda, questiona a ausência de previsão de uma revisitação a essas instituições para adequá-las ou corrigi-las caso elas desviem da proposta original.
Para Amartya Sen, justiça pressupõe o respeito às liberdades e capacidades das pessoas, sendo que ambas estão interligadas, e que deve ser resguardado a todos a liberdade de escolha e oportunidades, para que, assim, levem a vida que desejem levar, sem que essa "vida boa" lhes seja imposta pelo Estado ou por um contrato original.
O bem-estar não é uma noção abstrata, mas inclui a análise concreta e todos os elementos e variáveis referentes às pessoas e às sociedades, incluindo-se suas necessidades, suas capacidades de transformação de recursos, suas liberdades e suas realizações - apesar de Sen entender que a justiça não pode pautar exclusivamente ou finalisticamente nas realizações, devendo focar primordialmente nas liberdades e capacidades, que permitiriam a realização do que as pessoas desejassem, sendo-lhes resguardadas oportunidades e escolhas.
A importância da detecção e erradicação de injustiças está entre o que Sen entende como justiça. Não necessariamente instituições perfeitas, mas a observância de situações de grave injustiça e a intervenção para que tais situações não mais ocorram. O exemplo repisado durante toda a obra é a fome, considerada por Sen como uma das maiores injustiças globais. Para a indignação e resistência à injustiça, as pessoas precisam racionalizar e adotar as soluções eficazes para o seu fim. A justiça pressupõe a eliminação da grave injustiça, que pressupõe a argumentação racional para a adoção das medidas possíveis para tal.
Talvez o foco mais relevante da justiça em Amartya Sen seja o reconhecimento do pluralismo e da diversidade. Ao aceitar que pessoas diferentes levam vidas diferentes, e que isso deve influenciar na perspectiva de um "acordo" sobre justiça, bem como na definição em si do que seria justo, Sen permite a inclusão da perspectiva das mais diversas sociedades em que a diversidade é o principal pano de fundo das vidas das pessoas. A possibilidade de que vários valores e princípios concorram entre si para um grau de importância não quer dizer que dessa pluralidade não se possa obter uma teoria de justiça possível globalmente.
Sen prevê a formação de um ranking formado por diferentes razões de justiça, que se entrelaçariam para possibilitar decisões, mesmo que elas não sejam unânimes. Sen não identifica a unanimidade nas decisões como critério exclusivo de justiça, é possível que as decisões sejam parciais e que, ainda assim, elas sejam justas, desde que respeitem os elementos considerados. Nessa perspectiva, uma análise da justiça só pode ser feita por meio de comparações, o que rechaça o contratualismo como uma teoria forte para a justiça.
A grande contribuição de Sen em sua ideia de justiça está no realismo de sua proposta comparativa, na perseguição de uma igualdade gradual e que seja obtida por meio do reforço das capacidades e respeito às liberdades, que proporcionariam às pessoas viverem a vida desejada por elas e o desenvolvimento econômico. O convite ao debate público, mesmo que Sen deixe de considerar os motivos que muitas vezes levam à inexistência desses debates até mesmo em países de tradição democrática, e a ênfase à argumentação racional como formas de construção da justiça e erradicação da injustiça, o papel atribuído à informação e à mídia, bem como a responsabilização de todos por uma sociedade justa estão entre as ideias que precisam ser aproveitadas de Amartya Sen, e que certamente podem servir de reflexão para outros debates.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Amartya Sen - Biographical. Nobelprize.org.Nobel Media AB 2014. Web. 5 Sep 2015. <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/laureates/1998/sen-bio.html>
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4 ed. São Paulo: Martin Claret, 2010.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
SEN, Amartya. A ideia de justiça[versão Kindle]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Controle de constitucionalidade e democracia: algumas teorias e parâmetros de ativismo. In SARMENTO, Daniel (coord). Jurisdição Constitucional e Política. Rio de Janeiro: Forense, 2015. pp. 73 a 113.
Notas
[3]ARISTÓTELES, 2010.
[4]Rabindranath Tagore é um escritor indiano vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1913. Ele gerenciava o campus de Visva-Bharati, que era uma escola e universidade ao mesmo tempo, onde Sen teve basicamente toda a sua formação escolar de base.
[5]Em tradução livre, Escolha Coletiva e Bem-estar Social.
[6]SEN, 2011, pos. 84.
[7]SEN, 2011, pos. 491.
[8]SEN, 2011, pos. 504.
[9]SEN, 2011, pos. 504.
[10]SEN, 2011, pos. 711.
[11]SEN, 2011, pos. 723.
[12]SEN, 2011, pos. 185.
[13]SEN, 2011, pos. 1440.
[14]SEN, 2011, pos. 1451.
[15]SEN, 2011.
[16]SEN, 2011, pos. 1610.
[17]SEN, 2011, pos. 1636.
[18]SEN, 2011, pos. 1660
[19]SEN, 2011, pos. 1699.
[20]SEN, 2011, pos. 447.
[21]SEN, 2011, pos. 458.
[22]SEN, 2011, pos. 939.
[23]SEN, 2011, pos. 951.
[24]SEN, 2011, pos. 960.
[25]SEN, 2011, pos. 972.
[26]SEN, 2011, pos. 998.
[27]SEN, 2011, pos. 1023.
[28]SEN, 2011, pos. 1083.
[29]SEN, 2011, pos. 1171.
[30]SEN, 2011, pos. 2126.
[31]SEN, 2011, pos. 2399.
[32]SEN, 2011, pos. 2448.
[33]SEN, 2011, pos. 3735.
[34]SEN, 2011, pos. 3817.
[35]Mary Wollstonecraft elabora uma crítica a Edmund Burke, que posicionou-se contrário às revoluções na França e a turbulência causada pelo domínio britânico na Índia, porém apoiou a independência dos Estados Unidos. Wollstonecraft entendia que não era possível defender a liberdade de uns e não a liberdade de outros, e também criticou a omissão de Burke quanto aos escravos americanos, já que defendia a liberdade dos que não eram escravos (SEN, 2011).
[36]SEN, 2011, pos. 2604.
[37]SEN, 2011, pos. 2617.
[38]SEN, 2011, pos. 2771.
[39]SEN, 2011, pos. 2833.
[40]SEN, 2011, pos. 3074.
[41]SEN, 2011, pos. 3345.
[42]SEN, 2011, pos. 3430.
[43]SEN, 2011, pos. 4652.
[44]SEN, 2011, pos. 4711.
[45]SEN, 2011, pos. 4758.
[46]Idem.
[47]SEN, 2011, pos. 4782.
[48]SEN, 2011, pos. 5021-5022.
[49]SEN, 2011, pos. 5289.
[50]SEN, 2011, pos. 5627.
[51]SEN, 2011, pos. 5745.
[52]SEN, 2011, pos. 6030.
[53]SEN, 2011, pos. 6504.
[54]SEN, 2011, pos. 6672.
[55]SEN, 2011, pos. 6684.
[56]SEN, 2011.
[57]SEN, 2011, pos. 6899.
[58]SEN, 2011.
[59]SOUZA NETO; SARMENTO, 2015, pp. 104-105.
[60]SEN, 2011, pos. 6995.
[61]SEN, 2011, pos. 7145.
[62]Idem.
[63]SEN, 2011, pos. 7269.