12. Situações em que não se aplicará a técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015
Nos termos do § 4º do art. 942 do CPC/2015, não se aplica a técnica de ampliação do colegiado ao julgamento:
I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;
II - da remessa necessária;
III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.
Por sua vez, os seguintes enunciados do FPPC preveem outras hipóteses em que não se aplica a regra do art. 942 do CPC/2015:
Enunciado n. 466. A técnica do art. 942 não se aplica aos embargos infringentes pendentes ao tempo do início da vigência do CPC, cujo julgamento deverá ocorrer nos termos dos arts. 530 e seguintes do CPC de 1973.
Enunciado n. 552. Não se aplica a técnica de ampliação do colegiado em caso de julgamento não unânime no âmbito dos Juizados Especiais.
Também entendemos ser pertinente esclarecer que, conforme bem observado por Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, a regra prevista no art. 942 do CPC/2015 “somente se aplica quando o resultado não for unânime. Se o resultado for unânime, não se aplica a regra, mesmo que haja divergência na fundamentação. A aplicação da regra depende de divergência no resultado, e não na fundamentação[23]”.
13. Questão intertemporal
Pela leitura dos arts. 14 e 1.046 do CPC/2015, constata-se ter o novo diploma processual, assim como o CPC/1973 (art. 1.211), adotado, como regral geral, a teoria do isolamento dos atos processuais, segundo a qual, sobrevindo lei processual nova, os atos ainda pendentes dos processos em curso sujeitar-se-ão aos seus comandos, respeitada, porém, a eficácia daqueles já praticados de acordo com a legislação revogada.
Desse modo, anunciado o resultado não unânime do julgamento na vigência do CPC/1973, o recurso cabível será previsto nesse diploma[24]. Contudo, se o resultado de julgamento não unânime for proclamado na vigência do CPC/2015, ainda que a interposição do recurso ou o início do julgamento tenha se dado sob a égide do CPC/1973, será o caso de incidência da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015.
A esse respeito, explica Leonardo Carneiro da Cunha:
Esta é a hipótese de incidência do dispositivo: colheita de votos. Sem unanimidade na conclusão. Se uma apelação tiver sido interposta ainda sob a vigência do Código revogado, mas seu julgamento chegou, já na vigência do novo Código, nesse momento de conclusão não unânime, não caberão embargos infringentes, mas será o caso de incidência do art. 942 do CPC. Como está explicado no Capítulp VIII, o direito ao recurso nasce com a conclusão do julgamento e o seu anúncio pelo colegiado. Se, nesse momento, não couberem mais embargos infringentes, estes não poderão mais ser interpostos. Mas, se os votos não forem unânimes, em vez de se anunciar o resultado, devem-se convocar, nos termos do referido art. 942, os outros julgadores para ampliar o colegiado e concluir o julgamento[25].
A Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1733820/SC, cuja ementa já restou transcrita acima, também assentou o entendimento de que a “técnica de julgamento prevista no CPC de 2015 deve ser observada logo que vigente o novo diploma processual”.
Ainda sobre o tema, é pertinente esclarecer que a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1720309/RJ, esclareceu que “o cabimento e o regime recursal devem ser regidos pela lei vigente ao tempo da proclamação do resultado do julgamento”. Ou seja, ainda que a publicação do acórdão tenha se dado na vigência do CPC/2015, caso a proclamação do resultado tenha se dado na vigência do CPC/1973, será este o diploma legal que irá reger o recurso.
Isso porque o marco definidor da lei que regerá o recurso é a data em que a decisão se tornou pública. Nos julgamentos colegiados, considera-se publicada a decisão na data da proclamação do resultado do julgamento e não a data da intimação do acórdão pela imprensa oficial[26].
Em significativo precedente a propósito desta questão, a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1762236 / SP, fixou as seguintes premissas:
a) Considera-se a data da proclamação do resultado do julgamento não unânime como marco temporal definidor da incidência da técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015;
b) Na hipótese em que a conclusão do julgamento tenha ocorrido antes de 18/03/2016, mas o respectivo acórdão foi publicado após essa data, haverá excepcional ultratividade do CPC/1973, devendo ser concedida à parte a possibilidade de oposição de embargos infringentes, observados todos os demais requisitos cabíveis (Precedente: REsp 1.720.309/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07/08/2018, DJe
09/08/2018);
c) Quando a proclamação do resultado do julgamento não unânime ocorrer a partir de 18/03/2016, deve ser observado o disposto no art. 942 do CPC/2015, a ser aplicado de ofício pelo órgão julgador.
Vê-se, portanto, que a Terceira e Quarta Turmas do STJ fixaram, como regra geral, a tese de de que é a data da proclamação do resultado do julgamento não unânime que define a incidência da técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015.
14. Consequência da não observância da regra prevista no art. 942 do CPC/2015
Levando-se em consideração que a técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC de 2015 não se configura como espécie recursal nova, tendo em vista que o seu emprego será automático e obrigatório, conforme indicado pela expressão "o julgamento terá prosseguimento", no caput do dispositivo, pensamos que a sua não observância enseja a nulidade do acórdão.
No ponto, é lapidar a lição de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha:
Percebe-se, então, que a existência da divergência é fato que leva à mudança na composição do órgão julgador. Assim, caso não seja observada a técnica do art. 942, CPC, o acórdão será nulo, por vício de competência funcional[27].
Importante destacar que esse também foi o entendimento firmado pelo STJ no julgamento dos REsps nºs 1733820/SC e 1762236/SP.
Em ambos os precedentes acima mencionados, o STJ declarou a nulidade do acórdão e determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que fosse convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento do recurso, nos moldes do art. 942 do CPC/2015.
15. Conclusão
Diante de todo o exposto, percebe-se que a técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015, a qual foi idealizada para qualificar os debates e produzir julgados mais consistentes, contribuindo para a uniformização da jurisprudência, foi regulamentada de forma bastante simplista pelo legislador, o que fez surgir inúmeras dúvidas sobre a sua correta aplicação nos primeiros anos de vigência do CPC/2015.
As considerações acima são produzidas com base nas primeiras impressões da doutrina e jurisprudência acerca da técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015, com o escopo de estabelecer qual seria a correta interpretação e abrangência do referido dispositivo.
Portanto, trata-se de considerações iniciais, abertas a novas reflexões.
Notas
[2] Eduardo José da Fonseca Costa (“Pequena história dos embargos infringentes no Brasil: uma viagem redonda”. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. “Novas Tendências do Processo Civil”. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014, p. 399) é um dos poucos que discorda desse posicionamento. Para ele, a ampliação do colegiado em caso de divergênia tem natureza recursal, consistindo, na verdade, num recurso de ofício.
[3] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal - 16 ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2019, pp. 95/96.
[4] ZANETI JR., Hermes. Comentários ao novo Código de Processo Civil / coordenação Antonio do Passo Cabral, Ronaldo Cramer. - 2ª ed. - Rio de Janeiro, Forense, 2016, p. 1.371.
[5] Medina, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado: 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 1.372.
[6] Parecer do Deputado Paulo Teixeira, p. 60. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios/parecer-do-relator-geral-paulo-teixeira-08-05-2013. Acesso em 21/05/2019.
[7] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., pp. 97/99.
[8] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 925 ao 975. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, v. 15, p. 243.
[9] José Miguel Garcia Medina (Op. cit., pp. 1.372/1.373) e Daniel Amorim Assumpção Neves (in: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado – 3 ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 1.594) fazem parte da doutrina minoritária que defende não fazer sentido que as restrições previstas no art. 942 do CPC/2015 para a rescisória (rescisão da sentença) e o agravo de instrumento (reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito) não sejam observadas em se tratando de apelação. Para eles, a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 somente deverá ser observada nos casos em que se der provimento à apelação interposta contra sentença de mérito.
[10] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., pp. 99/101.
[11] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. cit. p. 661.
[12] ZANETI JR., Hermes. Op. cit., p.1.372.
[13] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 243.
[14] PEIXOTO, Marco Aurélio; BECKER, Rodrigo. O artigo 942 do CPC (técnica de ampliação do colegiado) em xeque. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/o-artigo-942-do-cpc-tecnica-de-ampliacao-do-colegiado-em-xeque-01022018. Acesso em 21/05/2019.
[15] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., pp. 103/104.
[16] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p. 105.
[17] Nesse mesmo sentido: ZANETI JR., Hermes. Op. cit., p. 1.373.
[18] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p.107.
[19] PEIXOTO, Marco Aurélio; BECKER, Rodrigo. O artigo 942 do CPC (técnica de ampliação do colegiado) em xeque. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/o-artigo-942-do-cpc-tecnica-de-ampliacao-do-colegiado-em-xeque-01022018. Acesso em 21/05/2019.
[20] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p.98.
[21] PEIXOTO, Marco Aurélio; BECKER, Rodrigo. O artigo 942 do CPC (técnica de ampliação do colegiado) em xeque. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/o-artigo-942-do-cpc-tecnica-de-ampliacao-do-colegiado-em-xeque-01022018. Acesso em 21/05/2019.
[22] Nesse mesmo sentido, o enunciado 683 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis: “A continuidade do julgamento de recurso de apelação ou de agravo de instrumento pela aplicação do art. 942 exige o quórum mínimo de cinco julgadores”.
[23] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p.109.
[24] Nesse sentido, o enunciado nº 466 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A técnica do art. 942 não se aplica aos embargos infringentes pendentes ao tempo do início da vigência do CPC, cujo julgamento deverá ocorrer nos termos dos arts. 530 e seguintes do CPC de 1973”.
[25] CUNHA, Leonardo Carneiro da. Direito intertemporal e o novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 78.
[26] Nesse sentido, o enunciado nº 616 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Independentemente da data de intimação ou disponibilização de seu inteiro teor, o direito ao recurso contra as decisões colegiadas nasce na data em que proclamado o resultado da sessão de julgamento”.
[27] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., p. 99.