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O direito talmúdico como precursor de direitos humanos

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Agenda 06/11/2005 às 00:00

Conclusões

O campo de estudos referido aos direitos humanos, é um dos mais vastos, oferecendo ao jurista dificuldades para seu enfrentamento metodológico. A de maior envergadura é a que relaciona o jushumanismo com as zonas normativas da ética, da moral – a cultura jurídica anglo-saxônica costuma reivindicar a expressão moral rights para designar aquelas normas que exigem correção das ações morais – e do direito natural, de maneira a que se entendam os direitos humanos como um dado prévio à experiência jurídico-positiva. Tudo isto embora, partindo de uma visão mais aprofundada das coisas, possamos radicar não apenas os direitos humanos nos princípios éticos e morais.

Compreendendo, portanto, os direitos humanos e os princípios que lhes dão corpo num plano metajurídico que trata, fundamentalmente, da dignidade, liberdade e igualdade, podemos, em primeiro lugar, concluir que eles não são criados pelo direito positivo, mas podem ser reconhecidos por esta esfera normativo-jurídica através de múltiplas expressões do direito (v.g., dos direitos constitucional-penal, penal e processual penal).

Descartamos, em segundo lugar, a posição que defende uma situação estática e intemporal para os direitos humanos, como se eles fossem depreendidos pela razão humana em contacto com uma ordem normativa superior – a do direito natural. Tais conceitos jushumanísticos são produzidos pela experiência histórica do homem, aqui visto como ser-em-sociedade. É a carga de circunstâncias – positivas ou negativas – acumuladas durante a existência, que provoca reações, criações e posturas críticas, que se traduzem em soluções jushumanísticas.

Em terceiro lugar, podemos referir que o direito hebreu, partindo do seu código ético-religioso e ético-social, traduz muito claramente a carga de circunstâncias que o povo judeu carregou durante a história. De maneira que as conquistas a que os judeus foram submetidos, as relações com povos vizinhos e povos dominadores, as circunstâncias político-sociais e até a vocação para os estudos, determinaram o reconhecimento em leis (especialmente as do direito talmúdico) de princípios jushumanísticos.

Em quarto lugar, apesar de não podermos, por um lado, confirmar o aparecimento original destas normas jushumanísticas entre os judeus, já será possível, por outro lado, referir que a cultura judaica permeou a cultura ocidental através do tronco comum judaico-cristão, que se desenvolveu a partir da Idade Média. Para além disto, é lícito inferirmos que o desenvolvimento da cultura judaica após sua diáspora pelo ocidente, pode ter influenciado para a radicação de vários dos conceitos do jushumanismo, contribuindo para o seu desenvolvimento.


Notas

01 Cf. MOSSÉ, Claude. Atenas. A história de uma democracia. 3ª ed. trad. de João Batista da Costa. Brasília: UnB, 1997, p. 23.

02 Cf. SABBÁ GUIMARÃES, Isaac. Habeas corpus. Crítica e perspectivas (um contributo para o entendimento da liberdade e de sua garantia à luz do direito constitucional). 2ª ed. ver. e ampl. 3ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2004, p. 139-151.

03 SÓFOCLES. Antígona. In Clássicos Jackson. Teatro grego, v. XXII. Prefácio e trad. de J. B. Mello e Souza, s/l., s/d., p. 137-138.

04 Citado por CUNHA, Paulo Ferreira da. O ponto de Arquimedes. Natureza humana, direito natural, direitos humanos. Coimbra: Almedina, 2001, p. 70-71.

05 Cf. MACHADO, J. Baptista. Introdução ao direito e ao discurso legitimador. Coimbra: Almedina, 1996, passim.

06 ORTEGA Y GASSET, José. História como sistema. Trad. Juan A. Gili Sobrinho e Elizabeth Hanna Côrtes Costa. Brasília: UnB, 1982, p. 27.

07 SABBÁ GUIMARÃES, Isaac. Direito penal sexual: fundamentos & fontes. Curitiba: Juruá, 2003, p. 76.

08 Estes e outros dilemas éticos são discorridos por FULLER, Lon L. O caso dos exploradores de cavernas. 10ª reimp. Trad de Plauto Faraco de Azevedo. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999.

09 Cf. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, s/d.

10 NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. e notas de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 73.

11 Cf. SANTO AGOSTINHO. Diálogo sobre a felicidade. Edição bilíngüe com trad. de Mário A. Santiago de Carvalho. Lisboa: Edições 70, s/d., passim. O pensamento filosófico do Bispo de Hipona parte da raiz platônica de filosofia, considerando o conhecimento e a sabedoria os grandes eixos formadores da felicidade.

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12 Cf. a Torah, com tradução, comentários e explicações pelo Rabino Meir Masliah Melamed, s/l, s/d, p. 135.

13 Sempre grafado por nós desta forma, em respeito ao Santo Nome, ברוך חשם

14 Op. cit., p. 36.

15 Op. cit., p. 42.

16 Op. cit., p. 47.

17 Op. cit., p. 51.

18 FARIÑAS DULCE, María José. Los derechos humanos desde una perspectiva sociojurídica. Derechos y Libertades. Revista del Instituto Bartolomé de las Casas. Madri, año III, n.º 6, p. 355- 375, feb. 1998, p. 356-357.

19 Ibidem, p. 357.

20 FALK, Ze’ev W. O direito talmúdico. São Paulo: Perspectiva, 1988, p. 11.

21Direito Talmúdico refere-se a תלמוד (Talmud) que significa conhecimento, estudo. Trata-se de um conjunto de livros elaborado pelos sábios judeus a partir do estudo da תורה (Torah), o Pentateuco, além de incluir estudos sobre as normas práticas da vida judaica (הלכות – halachot, preceitos) e sobre ensinamentos éticos (que integram a הגדה, hagadá ). Sua sistematização transcorreu ao longo de muitos anos, editando-se o Talmud de Israel no ano 400 e o da Babilônia somente no ano 500.

22 Cf. Falk, op. cit.

23Torah, cit., p. 330

24 MAIMÔNIDES. Mishné Tora. O livro da sabedoria. Trad. do Rabino Yaacov Israel Blumenfeld. Rio de Janeiro: Imago, 1992, p. 102.

25 FALK, op. cit., p. 80.

26 MAIMÔNIDES, op. et loc. cit.

27 Ibidem, ibidem.

28 MAIMÔNIDES. Os 613 mandamentos. Trad. de Giuseppe Nahaïssi. 3ª ed. São Paulo: Nova Arcadia, 1990, p. 316.

29 Apud FALK, cit., p. 86.

30 MAIMÔNIDES. Comentário da Mishná ética dos pais Snahedrin. Trad. de Alice Frank. São Paulo: Maayanot, 1993, p. 19.

31 Ibidem, p. 22.

32 Ibidem, p. 33.

33 MAIMÔNIDES. Mishné Tora, cit., p. 102.

34 Ibidem, ibidem.

35 BELKIN, Samuel. A filosofia do Talmud. O caráter sagrado da vida humana na teocracia democrática judaica. Trad. de Beatriz Telles Rudge e Derval Junqueira de Aquino Neto. São Paulo: Sêfer, 2003, p. 16.

36 BELKIN, op. cit., p. 72-73.

37 Cf. MAIMÔNIDES. Mishné Tora, cit., p. 102.

38 MAIMÔNIDES. Os 613 mandamentos, cit., p. 314.

39 Ibidem, p. 315.

40 Cf. MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem. Trad. de Afrânio Coutinho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967, maxime p. 32.

41 FALK, op. cit., p. 41.

42 Ibidem, p. 42.

Sobre o autor
Isaac Sabbá Guimarães

promotor de Justiça em Santa Catarina, professor de Direito na UNISUL e na Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina, mestre em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Isaac Sabbá. O direito talmúdico como precursor de direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 856, 6 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7470. Acesso em: 21 nov. 2024.

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