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O império do tráfico de drogas: a arma apontada para a cabeça dos inocentes

Ainda que as drogas sejam algo indiscutivelmente prejudicial à saúde, a guerra contra o tráfico mata muito mais do que o seu uso.

De acordo com a Legislação Brasileira (BRASIL, 2006), consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência. Segundo o United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), escritório das Nações Unidas (ONU) sobre drogas e crimes, são substâncias químicas que afetam o funcionamento normal do corpo em geral ou do cérebro. Já no entendimento de Sérgio Calvieri Filho (2003, p. 56), substância entorpecente é aquela capaz de produzir não apenas torpor, mas também prazer físico e psíquico. Para os especialistas, mostra-se como um fator pelo qual os dados mortais crescem gradativamente (G1, 2018). Mas não se enganem: a proibição das drogas mata mais do que o consumo destas.  

No Brasil, a cada nove minutos, em média, uma pessoa é morta. No ano de 2017, o país registrou 59.103 vítimas assassinadas, com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal. Tais dados levam em consideração os homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, ou seja, os chamados crimes violentos letais e intencionais. Para os especialistas, essas mortes geralmente possuem relação com o tráfico de drogas, devido à rivalidade entre facções criminosas (G1, 2018).

O demasiado julgamento vindo da população justifica-se pela falta de informação e conhecimento, pois não são capazes de visualizar como, de fato, se dá este mecanismo. Os pontos de vendas de drogas, que se espalham até mesmo pelos municípios mais remotos do país, são chamados de ‘’bocas de fumo’’, que operam como verdadeiras empresas, onde os criminosos se organizam com hierarquia e disciplina para garantir dois importantes pilares: o abastecimento constante dos entorpecentes para distribuição e a proteção contra a polícia e, principalmente, contra grupos rivais, tendo em vista a acirrada disputa por território.

Diversas pessoas são cooptadas para que este sistema funcione, e isto quer dizer que muita gente morre. A extrema competição por território e o temor da prisão faz com que inocentes percam suas vidas todos os dias. O traficante do lado norte da favela, ao saber que seu rival do lado sul está fazendo comércio em seu território, irá revidar. Moradores e usuários circulam pela favela sendo avaliados sem que percebam e, sob a menor suspeita de serem policiais ou investigadores, acabam mortos. As trocas de tiros que ocorrem entre criminosos e policiais culminam nas manchetes dos principais jornais: "mais um inocente morre por bala perdida". Há crianças, idosos, gestantes, deficientes e "pessoas do bem" entre estes inocentes.

Traficantes existem (aos montes) porque existe comércio, porém, não se trata de um mercado qualquer, mas sim da atividade ilícita mais rentável do mundo inteiro (BBC BRASIL, 2016), que chega a gerar US$ 320 bilhões por ano. No Brasil, os usuários aumentam gradativamente, com números assustadores, e não há lei ou medida que os pare. Do contrário, a matemática seria bastante simples: sem consumidores, o comércio de drogas cairia, porém, usuários sempre existirão: há de cessar a atitude de jogar-lhes a culpa, pois esta está no sistema, está no tráfico. O tráfico mata.

Políticas públicas de enfrentamento ao tráfico e ao consumo de drogas, leis mais severas e até mesmo o reforço de policiamento são alternativas válidas, porém, ao que se percebe, ineficazes. Para combater o império que gira bilhões de dólares no planeta é necessário que se aja com medidas à altura. Estimativas apontam que a maior facção criminosa, agora não só do Brasil, mas sim da América do Sul, considerando o lucro sobre o tráfico, o chamado Primeiro Comando da Capital (PCC), é composta por, pelo menos, 30 mil membros (UOL, 2018), brasileiros e estrangeiros.

Além disso, o Comando Vermelho conta com, pelo menos, 20 mil membros e a Família do Norte possui 200 mil, devidamente cadastrados em um sistema informatizado com senhas (ISTO É, 2017). Existem, pelo menos, outras 80 facções no país (Carta Capital, 2017). O objetivo destas organizações é liderar as rotas internacionais do tráfico de drogas. Imaginem todo o sangue que será derramado. Agora, tente relacionar estes números com a segurança sucateada que nos é oferecida no Brasil. O tráfico sempre vence e, com o mínimo de enfrentamento frente à magnitude do problema, continuará a vencer.

Isto não se trata das suas crenças, do que dita a sua religião. Isto se trata da chacina que o tráfico de drogas causa à sociedade. É inadmissível que o país continue cego (ou se fazendo parecer) frente à única solução plausível. Ora, o álcool não é uma droga que mata mulheres indefesas dentro dos seus lares e inocentes no trânsito? Porém não é visto como tal, pois o Estado permite o uso. É preciso permitir que as pessoas possam comprar entorpecentes com segurança, sem que isso tenha de gerar a morte de centenas e milhares de inocentes. Ainda que seja algo indiscutivelmente prejudicial à saúde, a guerra contra as drogas mata (muito) mais do que o seu uso. Além disso, seres humanos capazes e maiores de 18 anos possuem discernimento sobre as suas escolhas. Precisamos parar o tráfico, e a única maneira de derrubar um império de magnatas é extinguindo-o. Sem proibição, sem traficantes, sem matança.

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REFERÊNCIAS

BBC BRASIL. As cinco atividades do crime organizado que rendem mais dinheiro no mundo. 2016. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160331_atividades_crime_organizado_fn. Acesso em 20 jan. 2019.  

CARTA CAPITAL. Brasil tem pelo menos 83 facções em presídios. 2017. Disponível em https://www.cartacapital.com.br/sociedade/brasil-tem-pelo-menos-83-faccoes-em-presidios/. Acesso em 20 jan. 2019. 

FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Sociologia Jurídica. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003.  

G1 GLOBO. Brasil registra quase 60 mil pessoas assassinadas em 2017. 2017. Disponível em https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/brasil-registra-quase-60-mil-pessoas-assassinadas-em-2017.ghtml. Acesso em 20 jan. 2019. 

ISTO É. Os donos do Crime. 2017. Disponível em https://istoe.com.br/os-donos-do-crime/. Acesso em 20 jan. 2019. 

UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. Saiba mais sobre as drogas. Disponível em https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_drugs/Campanha-global-sobre-drogas/getthefacts11_PT_.pdf. Acesso em 20 jan. 2019. 

UOL. 25 anos de PCC: Nascida nas cadeias de SP, maior facção criminosa do país enfrenta hoje disputa interna e grupos rivais. 2018. Disponível em https://www.uol/noticias/especiais/25-anos-de-pcc.htm#25-anos-de-pcc. Acesso em 20 jan. 2019.

Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POZZER, Marina Giacomini; DIAS, Eduardo S. Becker. O império do tráfico de drogas: a arma apontada para a cabeça dos inocentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5850, 8 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74838. Acesso em: 5 nov. 2024.

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