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Direito comparado: breves considerações acerca da formação dos contratos no sistema brasileiro e português

Agenda 24/06/2019 às 11:18

O presente artigo tem como escopo traçar um comparativo a respeito da formação do contrato no sistema brasileiro e no português.

O contrato é o fenômeno essencial nesta época pós-moderna. Além de um aspecto econômico relavante, possui até mesmo efeitos sociais, razão pela qual tanto se fala na função social do contrato.  É o instrumento pelo qual há uma transação de interesses entre os sujeitos envolvidos no negócio bilateral, além disso, é capaz de gerar nas partes “[...] a convicção da certeza e da segurança de que as obrigações assumidas serão cumpridas” (LOBO; 2017; p. 15).

Trata-se, no esquema clássico, de um negócio jurídico bilateral. Isto é, sob o esquema de oferta e aceitação, considerando manifestações livres e conscientes de pessoas capazes civilmente. E, acima de tudo, como destacava Pontes de Miranda, que ambas as partes estejam de acordo no negócio pactuado (1974; p. 7).

A formação dos contratos é regulada no Código Civil de 2002 pelos artigos 427 a 435. Por seu turno, o Código Civil Português regula a formação dos contratos ainda na sua parte geral, entre os artigos 217 e 235, no subtítulo refente aos fatos jurídicos.

Conforme ensina Paulo Lobo “O contrato se forma quando uma parte (ofertante) faz uma oferta de uma prestação à outra parte (aceitante) e esta a aceita, fundindo-se as duas manifestações de vontade em um acordo, que obriga ambas as partes” (2017; p. 75). Portanto, o autor considera três momentos essenciais para sua formação, isto é, oferta, aceitação e consenso entre as partes.

Terminologicamente, o direito português refere-se à proposta como uma declaração negocial. Trata-se daquele comportamento voluntário que se traduz em uma manifestação de vontade com conteúdo negocial.

Da mesma forma que no direito brasileiro, pode ser expressa ou tácita, sendo que o próprio código situa quando há cada situação. Expressa será a declaração negocial feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação de vontade. Por sua vez, tácita será aquela que se compreende de fatos, com toda a probabilidade que lhe revelam. Ainda, esta declaração negocial poderá ser dirigida a uma pessoa determinada, o que será nomemada recipienda ou indeterminada, isto é, não recipienda.

Pois bem. A formação do contrato, portanto, inicia com a oferta que uma parte faz à outra. Trata-se de uma declaração de vontade, a qual para valer e, consequentemente, ter força vinculante, deverá ser segura e concreta, mesmo quando ocorrer de modo verbal (GAGLIANO; FILHO; 2018; p. 134).

Essa seriedade deverá ser analisada de modo cristalino, de forma a não se confundir com mera negociação preliminar. Isso, em razão da vinculação jurídica decorrente do artigo 427 do Código Civil de 2002, com as ressalvas elencadas no artigo 428. Segundo esse último, deixará de valer a proposta:

[...]

I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;

II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;

III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;

IV – se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.

O dispositivo supra refere-se ao tempo de validade da proposta, elencando as situações nas quais a oferta perderá sua eficácia vinculativa. A vinculação no Direito Brasileiro então dependerá da situação concreta. Quando entre presentes, evidente que a resposta será imediata, não havendo flagelos para compreender o momento. Porém, quando ausentes, far-se-á necessário a análise à luz do caso concreto para interpretar o que o legislador quis dizer com “tempo suficiente”, encargo este do interprete. Com exceção de prazo certo e determinado especificado na proposta. E, por fim, quando há retratação, isto é, desistência do proponente, antes da parte adversa ter conhecimento da oferta.

Por seu norte, denota-se do artigo 224 do Código Civil Português o sistema da recepção quando o sujeito é determinado e da emissão quando indeterminado. Deste modo, a declaração negocial adquirirá eficácia, ou seja, deixará o proponente vinculado, quando chegar ao conhecimento do destinatária ou, não havendo destinatário, logo que emitir a oferta. Além disso, a legislação cumpre em asseverar que torna-se eficaz também aquela proposta que somente não chegou ao conhecimento do destinatário em razão de sua culpa.

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Nesse sentido, o prazo de vinculação do proponente a sua declaração negocial vem expressa no artigo 228, do Código Civil Português, in verbis:

[...]

1. A proposta de contrato obriga o proponente nos termos seguintes:

a) Se for fixado pelo proponente ou convencionado pelas partes um prazo para a aceitação, a proposta mantém-se até o prazo findar;

b) Se não for fixado prazo, mas o proponente pedir resposta imediata, a proposta mantém-se até que, em condições normais, esta e a aceitação cheguem ao seu destino;

c) Se não for fixado prazo e a proposta for feita a pessoa ausente ou, por escrito, a pressoa presente, manter-se-á até cinco dias depois do prazo que resulta do preceituado na alínea precedente.

Pode-se resumir o artigo supra da seguinte forma: a) se a proposta estipular prazo, haverá vinculação até o termo desse; b) se estipular resposta imediata, a vinculação permanecerá até o tempo que, em condições normais, demorem a proposta e aceitação; c) se não houver prazo, a vinculação durará até 5 dias após o que é considerado o tempo normal de aceitação.

Em regra, a proposta, tendo em vista seu caráter vinculativo, é irrevogável. Contudo, o legislado português cuidou de positivar exceção para tanto. É possível a revogação da proposta quando chegar a retratação antes ou ao mesmo tempo ao conhecimento do destinatário.

O diploma civil brasileiro disciplina posteriormente as condições da aceitação, a qual, nas palavras de Arnaldo Rizzardo é o “ato pelo qual o destinatário manifesta o desejo de concluir o contrato, nos termos da proposta” (2017; p. 52). Em suma, o solicitante concorda com àquilho que lhe ofereceu o proponente.

A aceitação, se envolver partes presentes, tornar-se-á perfeita com a manifestação imediato. Por outro norte, se ausentes, deverá ocorrer no prazo fixado, ou inexistindo esse, em tempo suficiente para chegar ao conhecimento do proponente.

Assim, o contrato concretiza-se com tão logo haja a expedição da aceitação, sendo que, se ausentes, há exceções, elencadas no artigo 434 do Código Civil, quais sejam: a) retratação do aceitante antes do conhecimento do proponente; b) o proponente tiver se comprometido a esperar a resposta; c) a aceitação não chega no prazo convencionado.

Já no Código Civil Português a regulação da aceitação vem nos artigos 233 a 235. Essa, quando contém aditamentos, limitações ou outros modificações importará em rejeição da proposta. Contudo, se suficientemente precisa, poderá equivaler a contraproposta.

Dispositivo semelhante a aceitação tácita no Brasil é o 234. Esse assevera que, quando por cincunstâncias, usos ou costumes da oferta tornar dispensável a aceitação, ter-se-á concluído o contrato quando houver percebimento da mera intenção de aceitar a proposta pelo destinatário.

Finalmente, o artigo 235 trata da revogabilidade da aceitação, que obedece os mesmos moldes do exposto acima acerca da oferta. Há, ainda, o caso de inicial rejeição e posterior aceitação. Essa prevalecerá sobre aquela sempre que chegue antes ou ao mesmo tempo ao conhecimento do proponente.

Por fim, cumpre ressaltar o tema mais controverso da formação dos contratos, isto é, o tempo de formação. Caio Mário da Silva Pereira resume as teorias que tentar desvelar esse flagelo da seguinte forma:

A – A teoria da informação ou cognição considera perfeito o contrato quando o proponente toma conhecimento da aceitação do oblato. Difundida por Troplong, Merlin, Toulier, Gabba, Lomonaco, e adotada pelo Código austríaco e pelos Códigos Civil e Comercial da Argentina, tem o inconveniente de deixar ao arbítrio do proponente abrir a correspondência e tomar conhecimento da resposta positiva e geradora do ajuste. B – A teoria da recepção entende-o celebrado quando o proponente recebe a resposta, mesmo que não a leia (Laurent, Arntz). C – A teoria da declaração ou agnição dá-o como concluído no momento em que o oblato escreve a resposta positiva. Sustentada por Puchta, Scheul, Baudry-Lacantinerie, Colin et Capitant, Bufnoir, peca do defeito de imprecisão, por não haver um meio certo de determinar o policitante quando o fato ocorra. D – A teoria da expedição afirma a sua realização no instante em que a aceitação é expedida. Aprovada por Demolombe, Aubry et Rau, Savigny, Serafini, Boistel, Lyon-Caen, Girault, Mazeaud et Mazeaud, é perfilhada no BGB, como nos Códigos Comercial e Civil brasileiros. De todas, a melhor é esta, embora não seja perfeita. Evita, entretanto, o arbítrio dos contratantes e reduz ao mínimo a álea de ficar uma declaração de vontade, prenhe de efeitos, na incerteza de quando se produziu. De outro lado, afasta dúvidas de natureza probatória, pois que a expedição da resposta se reveste de ato material que a desprende do agente. (2018; p. 40).

O Código Civil de 2002 adotou a teoria da expedição mitigada. O mesmo autor assim explana a teoria compreendida na legislação brasileira:

Na verdade, recusando efeito à expedição se tiver havido retratação oportuna, ou se a resposta não chegar ao conhecimento do proponente no prazo, desfigura a teoria da expedição, admitindo um pouco a da recepção e um pouco a da informação, o que é um mal, já que a imprecisão doutrinária na fixação do conceito perturba a boa aplicação dos princípios.(Ibid; Ibidem; p. 40)

Portanto, o momento da perfectibilização do contrato dependerá se ocorrer entre ausentes ou presentes, razão pela qual, pode-se afirmar que, muito embora a regra seja a teoria da expedição da aceitação, há relativizações.

Por sua vez, o Código Civil Português, como regra, adotou a teoria da recepção, visto que a formação do contrato dependerá do conhecimento da aceitação por parte daquele que emitiu a declaração negocial inicial.

Dessarte, percebe-se muitas semelhanças entre as legislações, contudo, compreende-se uma legislação portuguesa mais detalhada nas hipóteses possíveis acerca do assunto. Exemplo disso é a própria regulação em caso de morte/incapacidade superveninente do proponente ou aceitante.

Bibliografia

GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos. 13ª ed. São Paulo. Saraiva. 2018;

LOBO, Paulo. Direito Civil – Contratos. 3ª ed. São Paulo. Saraiva. 2017;

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Contratos. 22ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2018;

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Vol 38. Rio de Janeiro. Borsoi. 1974;

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 17ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2017;

TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. 13ª ed. São Paulo. Saraiva. 2018.

Sobre o autor
Victor Bambinetti Gonçalves

Estudante de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE e da Faculdade de Direito da Universidade do Porto - FDUP. Com pesquisas no Direito Civil, mais especificamente Direito Civil Constitucional e Direito Digital.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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