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Responsabilidade civil do estado por atos judiciais

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Agenda 27/06/2019 às 14:29

O presente artigo trata do posicionamento do Poder Judiciário e da Legislação vigente quanto à responsabilidade pelos atos praticados por esse poder, especificamente quando da ocorrência de erros.

INTRODUÇÃO

A Responsabilidade Civil da Administração Pública por erro judiciário não reveste de caráter absoluto, uma vez que tem sido objeto de divergência doutrinária. Se o juiz é um representante do Estado que administra a justiça, e o serviço judiciário é público, o magistrado seria um preposto e o Estado um comitente.

No entanto, os adeptos da teoria da Responsabilidade Patrimonial do Estado pelos danos causados em virtude de sentença judicial sustentarão que, sendo o Judiciário soberano e independente, diante da teoria da separação dos poderes consagrados na Constituição Federal, os magistrados não recebem ordem do Estado, razão pela qual não seria aplicável o previsto no art. 37, §6.º, segundo o qual as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros, reservado o direito de regresso.

Além da soberania, o princípio da presunção da verdade legal torna-se-ia excludente de responsabilidade: a decisão transitada em julgado traz em si a presunção da verdade.

O artigo 143, I e II do Código de Processo Civil vigente estabelece que o juiz responderá por  perdas e danos quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude e recusar,  omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva tomar de ofício, ou a requerimento da parte.

Conforme será demonstrado no presente trabalho, o disposto no diploma referido ficou superado pelo preceito constitucional, que é a ação contra o Estado e, contra o juiz, cabe apenas o regresso.

Atualmente, esse órgão enfrenta crises, tais como a morosidade de se processar e julgar um processo, o que acarreta acúmulos de processos. Assim, o judiciário não tem oferecido para a população aquilo de que realmente necessita. Dessa forma, são necessárias urgentes reformas, não só no Poder Judiciário Brasileiro, mas também noutros poderes que compõem o aparato governamental, para que se democratizem, ganhem eficiência e atuem com dinamismo exigido pelas condições de vida contemporânea.

Dessa forma, serão abordadas neste trabalho as teorias que tratam da responsabilidade do Estado, em especial a teoria do risco administrativo e suas implicações na responsabilidade civil do Estado pelos danos decorrentes da atividade judiciária, bem como os tipos de dano oriundos do mau funcionamento da justiça e as respectivas vias judiciais para se perquirir a indenização pelo ato ilícito Estatal praticado.

Como o tema delimita-se nos atos judiciais, buscar-se-á demonstrar que o juiz é agente público no sentido genérico do termo, sendo que os seus atos se submetem à responsabilidade estatal. Assim, se adentrará no foco principal da pesquisa que é a  responsabilização civil da Administração Público por atos judiciais.

DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JUDICIAIS

A antiga tese da irresponsabilidade do prejuízo causado pelo ato judicial danoso vem, aos poucos, perdendo terreno para a da responsabilidade objetiva, que independe de culpa do agente, consagrada na Constituição Federal Brasileira.

Durante muito tempo, entendeu-se que o ato do juiz é uma manifestação da soberania nacional. O exercício da função jurisdicional se encontra acima da lei e os eventuais desacertos do juiz não poderão envolver a responsabilidade civil do Estado. No entanto, soberania não quer dizer irresponsabilidade. A responsabilidade estatal decorre do princípio da igualdade dos encargos sociais, segundo o qual o lesado fará jus a uma indenização toda vez que sofrer um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço público.

A independência da magistratura também não é argumento que possa servir de base à tese de irresponsabilidade estatal, porque a responsabilidade seria do Estado e não atingiria a independência funcional do magistrado. Igualmente, não constitui obstáculo a imutabilidade da coisa julgada.

Cumpre distinguir as diversas atividades desenvolvidas no âmbito do Poder Judiciário. O gênero "funções Judiciais" comporta diversas espécies, como as funções jurisdicionais (contenciosas ou voluntárias) e as "administrativas". Neste último caso, o juiz ou o tribunal atua como se fosse um agente administrativo. É quando, por exemplo, concede férias a servidor, realiza concurso para provimento de cargos ou faz tomada de preços para a aquisição de materiais ou prestação de serviços. A responsabilidade do Estado, então, não difere dos atos da Administração Pública.

A atuação judiciária propriamente dita, a atividade jurisdicional típica de dizer o direito no caso concreto contencioso ou na atividade denominada de jurisdição voluntária sujeita o magistrado à responsabilidade de que trata o art. 143, II, do Código de Processo Civil, reproduzido, na sua essência e com pequena alteração de redação, no art. 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Nesse campo, cabe ainda outra distinção: saber se o ato foi praticado no exercício regular da função jurisdicional, ou se o juiz exorbitou dela.

Os tribunais, nas mais diversas causas submetidas a julgamento, insiste em reconhecer a irresponsabilidade civil do Estado pelas falhas do aparelhamento judiciário. No seu entender, tem-se associado a responsabilidade civil do Estado à responsabilidade civil do juiz, quando é certo que aquela responsabilidade deve ser perquirida no contexto mais amplo, nele se inserindo a questão da responsabilidade pelos atos judiciais danosos.

Em princípio, o fato jurisdicional regular não gera a responsabilidade civil do Estado. Assim, o simples fato de alguém perder uma demanda e com isso sofrer prejuízo, sem que tenha havido erro, falha ou demora na prestação jurisdicional não autoriza a responsabilização do Estado pelo ato judicial.

A distinção entre a responsabilidade pessoal dos magistrados e a do Estado se, de uma parte, é bastante restrita a responsabilidade pessoal dos juizes, o que não exclui a responsabilidade civil do Estado, naquelas hipóteses em que se configure a responsabilidade do Estado, prescindindo-se da responsabilidade civil do juiz, de índole pessoal, é algo mais ampla. Na realidade, entende-se com doutrina corrente que o Estado há de ser responsável por atos dos juízes pelo que esses, pessoalmente, todavia também o sejam, nos casos expressos em lei.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] entende inadmissível afastar-se a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais danosos, porque podem existir erros flagrantes não só em decisões criminais, em relação às quais a Constituição adotou a tese da responsabilidade, como também nas áreas cível e trabalhista. Pode até ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo ou culpa. Mesmo em caso de inexistência de culpa ou dolo - acrescenta - poderia incidir essa responsabilidade, se comprovado o erro da decisão. Nem seria, no seu entender, obstáculo a essa solução o argumento de que o reconhecimento de responsabilidade do Estado por ato jurisdicional acarretaria ofensa à coisa julgada, pois o fato de ser o Estado condenado a pagar indenização decorrente de dano ocasionado por ato judicial não implica mudança na decisão judicial. A decisão continua a valer para ambas as partes, a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece intangível. É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência de erro judiciário.

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Verifica-se, em conclusão, que a doutrina brasileira aponta no sentido da admissão da responsabilidade civil do Estado pelos danos experimentados por particulares, decorrentes do exercício da atividade judiciária.

Contudo, entende-se que uma atividade judiciária danosa é suscetível, em tese, de engajar a responsabilidade do Estado, desde que um minimum necessário de requisitos esteja presente na situação que compõe a atividade lesiva.

Assim é que deve haver o dano, deve existir um nexo causal entre esse dano e a pessoa jurídica de Direito Público (o Estado) causadora do dano, nexo esse que consiste na qualidade do agente público lato sensu da pessoa que, diretamente, provocou o prejuízo com a sua atividade, e o elemento subjetivo (dolo ou culpa), que poderá ou não estar presente em cada caso.

O ato judicial típico, que é a sentença ou decisão, enseja responsabilidade civil da Fazenda Pública, nas hipóteses do art. 5°, LXXV da CF/88. Nos demais casos, tem prevalecido no STF o entendimento de que ela não se aplica aos atos do Poder Judiciário e de que o erro judiciário não ocorre quando a decisão judicial está suficientemente fundamentada e obediente aos pressupostos que a autorizam.[2] Ficará, entretanto, o juiz individual e civilmente responsável por dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado de providências de seu ofício, nos expressos termos do art. 143 do CPC, cujo ressarcimento do que foi pago pelo Poder Público deverá ser cobrado em ação regressiva contra o magistrado cobrado. Porém, nos casos do referido art. 5°, LXXV, a responsabilidade pelo dano é do Estado, não do juiz.[3] Quanto aos demais atos administrativos praticados por órgãos do Poder Judiciário, equiparam-se aos demais atos da Administração e, se lesivos, empenham a responsabilidade civil objetiva da Fazenda Pública.

Cada um dos poderes possui a sua função precípua, mas também é dotado de atividades distintas desta, a despeito de estarem em segundo plano. O poder Judiciário tem a função principal de entregar a prestação jurisdicional, ou seja, de compor as lides que por ventura venham a sua apreciação, promovendo, assim, a pacificação social. Entretanto, este também exerce atividades de cunho administrativo, bem como legiferante, quando da edição de portarias e regimentos internos.

Impende ressaltar a distinção existente entre atos jurisdicionais e atos judiciais. Os atos jurisdicionais são aqueles atinentes à própria função julgadora do Estado, enquanto os judiciais são os atos de administração, sendo ambos espécies do gênero atos judiciários.[4] Essa distinção também se faz relevante na medida que há grande reserva da jurisprudência em aceitar a responsabilização do estado por atos jurisdicionais em situações diversas do erro em matéria penal.

Importante analisar o enquadramento da prestação jurisdicional como serviço público ou não, haja vista parte da doutrina ainda hesitar em considerar a atividade judiciária como tal, bem como a figura do juiz como agente público, ainda que em sentido amplo.[5]

Indubitável que a função jurisdicional trata-se de serviço público, apesar de suas peculiaridades, monopolizado pelo Estado e indelegável. Não é outra a lição de Cretella Júnior:

A responsabilidade do Estado por atos judiciais é espécie do gênero responsabilidade do Estado por atos decorrentes do serviço público, porque o ato judicial é, antes de tudo, um ato público, ato de pessoa que exerce o serviço público judiciário. Equipara-se o magistrado ao funcionário público para efeitos de responsabilização e o serviço de justiça ao serviço público, numa relação de gênero (público) a espécie (judicial).[6]

Outra questão fundamental e que não se pode olvidar é a relativa a responsabilidade do Poder Público por ato lícito, vez que a entrega da prestação jurisdicional aqui se insere e, considerando que quanto aos atos ilícitos é indiscutível a obrigação de indenizar. É plenamente reconhecida na doutrina a possibilidade de indenização por conta de dano oriundo de ato lícito do Estado.

Nessa esteira apenas nos resta aclarar o pensamento para verificar qual o âmbito dessa responsabilidade, quando ela estaria efetivamente presente? Em se tratando de dano causado por ato lícito da Administração, a doutrina tem entendido que, somente são passíveis de reparação aqueles que estejam enquadrados nos requisitos específicos: dano anormal e especial.[7]

Não obstante a ausência de delimitação firme acerca desses requisitos Bandeira de Melo[8] assevera que dano especial: “corresponde a um agravo patrimonial que incide especificamente sobre certo ou certos indivíduos, e não sobre a coletividade ou genérica e abstrata categoria de pessoas”, enquanto o dano anormal “(...) é aquele que supera os meros agravos patrimoniais pequenos e inerentes às condições de convívio social”.

O principal dispositivo normativo que cuida da responsabilidade civil do Estado é o § 6 do art. 37 da Constituição Federal, estabelecendo a regra da responsabilidade objetiva, com base na teoria do risco administrativo. Contudo, em sede de responsabilidade da Administração, o ordenamento jurídico pátrio não se desenvolveu completamente, vez que em relação aos atos jurisdicionais, a obrigação de reparar o dano nem sempre é admitida.[9]

Assim reza o dispositivo acima referenciado:

Art. 37. (...) omissis

§ 6 – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Observe-se que não há no texto qualquer distinção atinente aos atos do judiciário, portanto, seria possível a responsabilização, vez que o magistrado é um agente público como qualquer outro.

Diante de todas as questões que circunscrevem a responsabilidade objetiva da Administração no ordenamento jurídico brasileiro, mister se faz algumas considerações em relação ao alcance da norma insculpida na Constituição. O art. 37, § 6 abrangeria somente as atividades administrativas do Estado, qual seria o fundamento para um tratamento diferenciado da atividade jurisdicional? Uma vez ocorrido dano decorrente da prestação da tutela jurisdicional, o prejudicado deveria dirigir-se diretamente ao juiz, nos casos previstos no art.143 do Código de Processo Civil, ou contra o Estado, tendo esse direito regressivo?

Destaca-se que o Supremo Tribunal Federal, infelizmente, tem entendido que o Estado é civilmente responsável pelos atos do Poder Judiciário apenas nos casos expressamente declarados em Lei.[10] Salientando que, a orientação do STF refere-se à atividade típica do judiciário, vez que a responsabilidade por atos judiciais (administrativos) já está pacificada.

A atividade jurisdicional é serviço público e os danos que advierem de seu mau funcionamento, até quando não se identifique falta pessoal de agente judiciário, deverão ser indenizados. Ademais, prestando com exclusividade esses serviços, o Estado assumiu os riscos de arcar com eventuais danos oriundos, quer da falta pessoal do agente judiciário, quer da falta anônima dos referidos serviços.[11]

Frente a esse arcabouço normativo e também às discussões doutrinárias e jurisprudenciais é necessário que situemos a posição do magistrado nesse cenário extremamente controvertido e de conotação jurídico – política.

Entende a doutrina que o juiz apenas pode ser alcançado pessoalmente pela obrigação de reparar o dano naquelas hipóteses previstas no art. 143 do CPC, nunca fora delas, sob pena de ter afetada sua função judicante, conforme acentua Yussef Said Cahali: “A independência funcional, inerente à Magistratura, tornar-se-ia letra morta se o juiz, pelo fato de ter proferido decisão neste ou naquele sentido, pudesse ser acionado para compor perdas e danos”.[12]

Apesar de existirem aqueles que pregam a revogação do dispositivo infraconstitucional após o advento da Carta de 1988, o posicionamento que nos parece mais acertado é o que visa uma interpretação harmoniosa entre o art. 143 do CPC e o art. 37 § 6 da Constituição Federal, já que são dispositivos que se complementam.

Neste caso, os danos resultantes da atividade jurisdicional seriam suportados pelo Estado, conforme preceitua o dispositivo constitucional, não se falando em responsabilidade pessoal do juiz. Todavia, o Estado apenas poderia acionar o magistrado regressivamente se houvesse a comprovação de que o ato praticado subsumiu-se àquelas hipóteses previstas no art. 143 do CPC, vale dizer, quando tiver agido com dolo, fraude, ou ainda, quando tiver recusado, omitido ou retardado, injustificadamente, providência que deveria ordenar de ofício ou a requerimento da parte.[13]

É sabido que a responsabilização do Estado por atos jurisdicionais é terreno árido e que ainda reserva muitas discussões acerca de sua admissibilidade ou não, sendo válido ressaltar que ambas as correntes possuem notáveis e árduos defensores. Registre-se também, que diante do Estado de Direito atualmente vivenciado em nosso ordenamento jurídico, entendemos não haver espaço para a irresponsabilidade da Administração nesse tocante.

É fundamental ter claro, que a aceitação da responsabilidade por atos jurisdicionais, não desaguaria em uma responsabilização absoluta, ao revés está apenas poderia surgir diante de determinados pressupostos. Enfatizando-se que não se deseja e nem ocorrerá o tolhimento da imprescindível independência funcional do magistrado. 

O longo caminho para se chegar a um efetivo Estado Democrático de Direito necessariamente passa pela responsabilização estatal pelos danos causados pela ação ou omissão de seus agentes. Partindo-se da unidade da soberania, que é tripartida em funções distintas a fim de potencializar a defesa do interesse público, forçoso admitir que independentemente do Poder que esteja causando o dano a obrigação de restituir o administrado ao statu quo ante é do Estado, que não pode se furtar desse dever.

A caracterização da atividade judiciária como espécie de serviço público, bem como da condição de juiz como agente público, valida sua submissão aos ditames do art. 37, § 6º da Constituição da República de 1988. A despeito disso em nosso ordenamento jurídico ainda há hesitação em reconhecer a responsabilização por esse tipo de atividade, mas já houveram tímidos avanços no sentido de mitigar o retrogrado entendimento de total irresponsabilidade do Estado-juiz.

Hodiernamente há uma conjugação de dois regimes: o da responsabilidade pessoal do juiz, com base no art. 143 do Código de Processo Civil e a responsabilidade objetiva do Estado, cabendo ao lesado a escolha de qual expediente pretende se utilizar. Sendo a norma prevista no Código de ritos complementar em relação ao dispositivo constitucional, pelo que não se cogita de antinomia. O que ocorre é a possibilidade do prejudicado acionar diretamente o magistrado, nos casos especificados em lei.

Enfim, tem-se portanto que é o jurisdicionado que está obrigado a assumir o risco da atividade jurisdicional danosa, ao revés, quem avoca esse ônus para si é o Estado, legítimo detentor do monopólio do serviço judiciário, que nesse sentido também assume as possíveis mazelas do sistema.

CONCLUSÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representa a lei suprema no Estado Democrático de Direito, consagrando os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, além da própria estrutura e funcionamento do Estado e organização de todos os seus órgãos. Assim, ressalta-se que tal garantia da supremacia da Carta Magna caracteriza-se como principal instrumento a assegurar aos cidadãos a efetiva tutela da justiça e segurança tanto nas relações interpessoais, quanto nas relações entre Estado e cidadão.

Nesse sentido, há a consagração, após um longo processo evolutivo no ordenamento jurídico brasileiro, desde a Constituição de 1946 e, atualmente, prevista no art. 37, § 6º, da CRFB/88, do instituto da responsabilidade objetiva do Estado, fundada na teoria do risco administrativo, em decorrência de atividades danosas que os agentes públicos, nessa qualidade, ao realizarem as atividades e funções estatais, possam ocasionar a terceiros. No final de tal dispositivo constitucional, há, ainda, a previsão do direito de regresso do Estado contra o agente público responsável por ter causado o dano. Essa análise deve, porém, ser baseada na responsabilidade subjetiva (dolo ou culpa).

Todavia, conforme se viu ao longo da presente pesquisa, a responsabilidade civil do Estado por atos judiciários danosos, ainda que esteja defendida majoritariamente pela doutrina nacional, encontra-se ainda com forte resistência na jurisprudência, que entende, em regra, pela irresponsabilidade do Estado. São apontados diversos argumentos que visam justificar tal posicionamento, tais como a soberania do Poder Judiciário, a independência do juiz, a falibilidade humana e a inexistência de lei específica e a autoridade da coisa julgada. Segundo a jurisprudência majoritária, o Estado apenas possui o dever de indenização, de maneira excepcional, nas hipóteses expressamente previstas em lei (art. 5º, LXXV, CRFB/88 e art. 630, CPP).

Ora, ao contrário do entendimento jurisprudencial dominante, a doutrina predominante defende que a responsabilidade civil do Estado por atos danosos do Poder Judiciário não pode, de forma alguma, ser afastada pelos argumentos citados acima. Isso porque: (i) o artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, abrangeu em seu rol os atos lesivos praticados pelos agentes públicos, em sentido amplo, que inclui os magistrados; (ii) adotar posicionamento diverso, significaria ir contra a própria condição de Estado Democrático de Direito, que é consagrada pela República Federativa do Brasil, no art. 1º, na Carta Magna de 1988; e (iii) o princípio da unicidade do poder afirma que, independente da atividade ser desenvolvida pelo Poder Executivo, Poder Legislativo ou Poder Judiciário, nas hipóteses que venham causar danos a terceiros, o Estado deve ser responsabilizado objetivamente, cabendo o direito de regresso contra o agente público causador do dano, nas hipóteses de dolo ou culpa.

Destarte, a responsabilidade dos que exercem o Poder Judiciário caracteriza-se como uma das notas básicas do ideário republicano, sendo indispensável em qualquer organização política que almeje a condição de Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, deve-se questionar com maior intensidade a tradicional orientação da jurisprudência majoritária, que toma a irresponsabilidade do Estado por danos decorrentes da prestação jurisdicional como regra e a responsabilidade como exceção, uma vez que ela fragiliza as garantias do cidadão e desconfirma o texto expresso no artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, que não encontra ressalva alguma quanto aos danos provocados pela atividade jurisdicional.

Além disso, não se pode descuidar que é monopólio do Estado a prestação jurisdicional, não sendo possível admitir a irresponsabilidade do Poder Público pelos danos antijurídicos e prejudiciais que venham a ser produzidos no exercício desse monopólio.

Assim, sustenta-se aqui que o Estado tem o dever de indenizar o particular pelos prejuízos decorrentes da atividade judiciária danosa como um todo, com a ressalva da responsabilidade subjetiva do agente público (Juiz ou servidor público do serviço judiciário), que será apurada em via de direito regressivo. Esse direito regressivo será proposto pelo Estado, nos termos e nas hipóteses previstas na lei, além de, embora haja divergência jurisprudencial e doutrinária, ser ajuizado em ação ordinária autônoma, por ser mais benéfica ao administrado, não sendo possível a denunciação da lide.

É imperioso, por fim, ressaltar que a prática (jurisprudência) também deve caminhar no mesmo sentido que a doutrina (teoria), pois não adianta somente essa buscar melhorar os conceitos e delinear os contornos e limites dos institutos jurídicos, se aquela não concretizar os direitos e garantias dos cidadãos previstos constitucionalmente.

Conclui-se desta feita que a Administração Pública no exercício da prestação judiciária, tem o dever de atender aos princípios constitucionais assecutarórios dos cidadãos, fornecendo com eficiência e de maneira eficaz a prestação perquirida, sob pena de não o fazendo e identificados os requisitos que configuram o ato falho que guarde nexo de causalidade com o dano sofrido pelo particular, ser responsabilizado civilmente para compensação da ofensa, conforme o caso concreto, na proporcionalidade de sua culpabilidade.

CITAÇÕES

Sobre o autor
Leonardo Rubim

Possui graduação em Direito pela Universidade Veiga de Almeida (2006). Pós-graduado em Direto Público pelo Centro Educacional Damásio de Jesus (2015). Advogado privado desde 2009 - inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, Direto do Trabalho, Direito Previdenciário e Direito Empresarial. Conselheiro da 20 Subseção da OAB/RJ (Cabo Frio/Arraial do Cabo) triênio 2019/2021.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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