15- SÚMULA VINCULANTE
Outro ponto extremamente controvertido, e que com o controle externo constituem os mais polêmicos, é a adoção do precedente vinculante, ou da denominada súmula vinculante.
O instituto amealhou críticas ao argumento de que tolheria a liberdade de decisão e a independência funcional do magistrado e que poderia induzir a um "engessamento" do Direito.
Os defensores, por outro lado, lembravam que a grande massa de demandas versa sobre matérias estritamente de direito e normalmente pacificadas, não havendo sentido em se prolongar discussões estéreis, cujo deslinde é de antemão sabido.
De minha parte, manifestei-me favorável ao instituto desde que condicionado a periódica revisão dos paradigmas jurisprudenciais. [15] De fato, a revisão periódica evitaria a natural tendência dos órgãos jurisdicionais em manter suas soluções. Também assinalei pela possibilidade de que as súmulas vinculantes pudessem ser instituídas dentro de cada corte, para o fim de orientar suas decisões, sujeitas à adaptação frente aos precedentes de tribunais superiores.
As súmulas vinculantes foram adotadas, porém com amplitude bem menor. Destarte, consoante o novo artigo 103-A, somente o Supremo tribunal Federal poderá editá-las, mediante decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, a qual terá efeito vinculante em relação aos demais órgão do Poder Judiciário e administração direta e indireta nas três esferas.
Tanto a edição da súmula como sua revisão e cancelamento poderão se dar por provocação e de ofício.
No parágrafo primeiro são delineados os contornos do instituto. O objeto da súmula será a validade, eficácia e a interpretação de norma determinada na esfera de atribuições do STF, ou seja, a norma terá de ser constitucional ou terá de envolvera interpretação de norma constitucional. Para legitimar o incidente, há necessidade de controvérsia entre órgãos judiciários entre si ou destes com a administração a qual acarrete dois efeitos a saber: grave insegurança jurídica e relevante aumento do número de processos. Note-se que é usado o aditivo "e", de modo que uma só das circunstâncias não basta. O juízo acerca da presença destes elementos é feito primeiramente pelo suscitante, para legitimar o pedido, e, posteriormente, pelo STF, a fim de editar ou não o verbete sumular.
O parágrafo 2º estabelece que poderão provocar a aprovação, o cancelamento ou a revisão de súmula vinculante também os legitimados a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, independentemente do que venha a dispor a lei. Logo, eventual lei que venha regulamentar a legitimação e o procedimento da postulação de terceiros em relação a edição, revisão ou cancelamento deverá observar a obrigatoriedade da presença dos mencionados no artigo 103.
Da aplicação incorreta de súmula ou omissão de aplicação caberá reclamação [16] ao STF, que anulará o ato administrativo ou cassará a decisão, determinando que novos atos sejam efetuados.
Acredito que a adoção do instituto foi muito tímida e poderia ter sido estendida a todos os tribunais, ao menos com vigência dentro de cada corte, deixando-se livres os magistrados de primeiro grau para julgarem com plena liberdade. Assim os Tribunais, com base nas decisões do primeiro grau, poderiam aquilatar a realidade e ter elementos para análise acerca da manutenção, revisão ou cancelamento dos precedentes vinculantes.
Também poderia ter sido adotada a súmula vinculante com obrigatoriedade ampla em relação ao STJ, no que concerne à matéria infraconstitucional.
A inadmissão de recursos com base no precedente vinculante poderá reduzir significativamente os feitos em tramitação, contribuindo sobremaneira para a celeridade da tutela jurisdicional. O magistrado deve ter plena liberdade de julgar conforme a interpretação da lei, mas não há, sem dúvida, sentido em se proferir decisões, que sabidamente serão cassadas ou reformadas, por puro capricho pessoal, pois aplicação do Direito deve ser procedida com atenção à utilidade e razoabilidade.
Vale lembrar, por fim, que somente súmulas editadas posteriormente à emenda poderão ser revestidas de vinculatividade. Admitir também para as anteriores sem uma confirmação esta condição desatentaria para o fato de que quando foram editadas não se tinha em mira a vinculatividade.
16- CONCLUSÕES
A reforma, pelo que dela se falava antes de ocorrer, foi bastante limitada. Ainda assim, algumas medidas importantes foram tomadas, em especial o controle externo e a adoção da súmula vinculante.
O controle externo, nos moldes em que aventado, apresenta alguns pontos de duvidosa constitucionalidade na medida em que interfere em situações onde está em voga a autonomia dos Estados Federados. Mas não represente em si um mal.
A tripartição de poderes-funções que caracteriza o Estado contemporâneo de feição ocidental, escuda-se na premissa de que cada um deles tenha a possibilidade de interagir com os demais, formando uma posição de equilíbrio. A supremacia de um gera o desequilíbrio e é a semente da tirania. Mecanismos de controle interna corporis não asseguram uma fiscalização democrática e completa por parte da sociedade. O legislativo tem seus atos-fim fiscalizados pelo Poder Judiciário, que pode lhes negar aplicação se inconstitucionais. Também pode se dizer que o Pode Executivo pode exercer esta fiscalização, desde que se lhe outorgue a possibilidade de sponte propria deixar de aplicar lei inconstitucional. [17]
O executivo pode ter seus atos contratados pelo Poder Judiciário. Mas e este último, quem pode questionar seus atos? Ora, a sua atuação somente sofre restrição pelo legislador na medida em que estabelece as feições ordinárias do exercício do poder sub especie jurisdicionis. Mas não há um controle permanente externo. Claro que existem órgãos internos, como as corregedorias, cuja atuação deve ser presumida como, legal, imparcial e absolutamente idônea. Porém, havia o clamor popular pelo controle externo, que não tolhe a liberdade e autonomia do magistrado, verdadeiras pilastras do Estado de Direito.
Assim, o controle externo, se bem dimensionado e conduzido, não representa em si um mal, mesmo porque o Poder Judiciário nada tem a temer. Há problemas? Sim, todas as construções humanas os têm. Mas o controle externo será apenas mais uma forma, juntamente com a atuação dos órgãos internos, de os detectar e corrigir, e estes problemas não devem ser ocultados. Pelo contrário, devem ser revelados a bem da credibilidade do Poder Judiciário, onde os erros eventualmente cometidos são assumidos e corrigidos, buscando-se a transparência, que é fundamento da legitimidade, e que deve nortear todas as atividades do Estado.
As súmulas vinculantes, de seu turno, constituem uma inarredável necessidade. Há um déficit de jurisdição que poderia ser ainda maior se as pessoas, exercendo plenamente sua condição de cidadão, conhecessem melhor seus direitos e a forma de os fazer valer. Boa parte deste déficit se deve ao vultoso número de processos, cujo peso se faz sentir, sobretudo, nos tribunais. Não é racional, neste contexto, prolongar contendas com discussões inúteis quando já se conhece o resultado. O direito federal deve ter, respeitadas as peculiaridades de cada região e de cada caso, uma interpretação-aplicação uniforme, pois o destino da demanda não pode depender fundalmentalmente do juízo em que proposta. Os temas já pacificados não podem ficar rendendo gastos e perda de precioso tempo.
Desta forma, a súmula vinculante é uma solução que se bem aplicada poderá trazer excelentes resultados. Mas há que se assegurar que não sirva de mecanismo para comodismo. Acredito inclusive, que poderia ter sido adotada com muito maior amplitude.
De qualquer forma, legem habemus, e temos de retirar a máxima eficácia e o melhor resultado possível dela em vista do objetivo maior do Direito: a justiça.
Finda-se aqui, esta singela contribuição para o conhecimento e debate destas modificações, debates este que, espero, apenas principie.
NOTAS
01
Ver Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 5a edição, São Paulo. Atlas, 1999, p. 518.02
Habeas Corpus nº 1999.03.00.046911-1/SP, 5ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Juiz Johonsom di Salvo, j. 08.05.2001, Publ. DJU 15.06.2001, p. 1253.03
Ad exemplum, Habeas Corpus nº 70002798239, 19ª Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior. j. 28.08.2001.04
Dentre eles Estados Unidos, China, Cuba, Rússia, Coréia do Norte e Israel.05
Embora ainda se questione acerca do enquadramento do Ministério Público, se verdadeiro poder independente ou não, o certo é que está vinculado ao Pode Executivo.06
A hipótese de normas constitucionais inconstitucionais, embora controvertida, é admitida por setores da doutrina e teria ensejo quando normas oriundas do pode constituinte derivado afrontam normas estabelecidas pelo poder originário e pertinente ao cerne da Constituição.07
As taxas, como cediço, são cobradas opor serviço específico e divisível, o que é o caso.08
O fato de os tratados ingressarem no ordenamento a partir da Emenda nº 45/04 na condição de emendas à Constituição não afeta a possibilidade de que sejam inconstitucionais, pois conforme se observa na nota supra, é possível a inconstitucionalidade de norma constitucional, gerando a denominada inconstitucionabilidade.09
A respeito já tinha se manifestado o Supremo Tribunal Federal: "As decisões consubstanciadoras de declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive aquelas que importem em interpretação conforme à Constituição e em declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, quando proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de fiscalização normativa abstrata, revestem-se de eficácia contra todos (erga omnes) e possuem efeito vinculante em relação a todos os magistrados e Tribunais, bem assim em face da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, impondo-se, em conseqüência, à necessária observância por tais órgãos estatais, que deverão adequar-se, por isso mesmo, em seus pronunciamentos, ao que a Suprema Corte, em manifestação subordinante, houver decidido, seja no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade, seja no da ação declaratória de constitucionalidade, a propósito da validade ou da invalidade jurídico-constitucional de determinada lei ou ato normativo." (Rcl 2.143-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 06/06/03)10
A respeito, cita-se o Conflito de Competência nº 37154/RJ (2002/0149212-7), 3ª Seção do STJ, Rel. Min. Laurita Vaz. j. 25.06.2003, unânime, DJU 04.08.2003, p. 220, em cuja ementa consta: "1. Compete à Justiça Federal processar e julgar ação ordinária proposta por ex-servidor público federal, contratado por prazo determinado nos termos da Lei nº 8.745/93, que disciplina a contratação temporária para atender excepcional interesse público, em conformidade com o art. 37, inciso IX, da Constituição Federal, porquanto vinculado ao regime estatutário. Precedentes do STJ. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da 1ª Vara Federal de Itaboraí, Seção Judiciária do Rio de Janeiro, ora suscitado."11
A primeira tem sido considerada obrigatória, ao passo que a segunda carece de autorização de assembléia ou de inexistência de cobrança da contribuição sindical por sindicato na base considerada.12
Ad exemplum, cita-se o Conflito de Competência nº 35670/SP (2002/0066124-9), 3ª Seção do STJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido. j. 11.09.2002, DJU 10.02.2003, p. 169, em cuja ementa se lê: compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar crime de homicídio praticado por policial militar em atividade contra outro policial militar em idêntica situação (artigo 9º, inciso II, alínea "a", do Código Penal Militar). 2. Precedentes do STJ e do STF. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, o suscitante. " No mesmo diapasão o Conflito de Competência nº 31977/RS (2001/0061637-6), 3ª Seção do STJ, Rel. Min. Felix Fischer. j. 18.02.2002, Publ. DJ 11.03.2002 p. 163, em cuja ementa consta: "É da competência da Justiça Militar julgar homicídio praticado por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação, ex vi art. 9º, II, a do Código Penal Militar. Conflito conhecido, competente o Juízo Suscitante. "13
3ª Seção do STJ, Rel. Min. Felix Fischer. j. 09.02.2000, Publ. DJU 08.03.2000, p. 4514
Ver o meu "Vinculação ao Precedente. Problemas e Soluções", disponível nos sites http://www.mundojuridico.adv.com.br e http://www.jurid.com.br.15
O instituto é regulado pelo Regimento Interno do STF.16
A hipótese de o executivo deixar de aplicar lei inconstitucional suscita vívido debate, mas é admitida mesmo quando a norma origina-se de proposição deste poder, alegando-se que o interesse público deve prevalecer.