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A sistemática da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS

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Agenda 10/11/2005 às 00:00

SUMÁRIO. I. Introdução. II. Das regras-matrizes do PIS e da COFINS. III. Do instituto da não-cumulatividade. IV. Da não-cumulatividade do PIS e da COFINS. IV.I. Na Constituição Federal de 1988. IV.II. Na legislação infraconstitucional. IV.II.I. Esboço dos descontos de créditos referentes ao PIS e da COFINS. IV.II.II. Vedações ao crédito. Mão de obra para a pessoa física. IV.II.III. Exclusão do Regime não-cumulativo para determinadas pessoas jurídicas. V. Conclusão. VI. Referências Bibliográficas.


            "A regra jurídica é um instrumento e a sua criação uma Arte. Hoje, ou o Estado quebra o instrumental jurídico que se tornou impraticável, ou é este instrumental obsoleto que fere as mãos do Estado. Para fugir a esta alternativa, o Estado constrói, atabalhoadamente, quantidade enorme de leis de tão péssima qualidade que revela ignorância de troglodita na arte de criar o instrumento apropriado." (Alfredo Augusto Becker)


I.INTRÓITO

            O presente trabalho tem como objetivo o estudo acerca da adoção, em nosso sistema tributário, da sistemática da não-cumulatividade estabelecida para o PIS e a COFINS.

            A exposição analisará, ainda, as regras-matrizes do PIS e da COFINS, o instituto jurídico da não-cumulatividade e, ao final, o alcance e a eficácia do regime não-cumulativo para essas contribuições.

            Assim, cremos poder oferecer alguma contribuição, ainda que modesta, ao estudo do Direito Tributário e à sistematização da matéria em exame, no que tange a não-cumulatividade estabelecida para o PIS e a COFINS, sob a égide da Constituição Federal de 1988 e dos princípios consagrados no ordenamento jurídico pátrio.


II.DAS REGRAS-MATRIZES DO PIS E DA COFINS

            A teoria da Regra-Matriz de Incidência Tributária, concebida por Paulo de Barros Carvalho, é de grande valia para os operadores do Direito Tributário, pois permite não só explicitar e identificar os critérios de normas instituidoras dos tributos, mas também verificar se esta norma está de acordo ou não com o Sistema Jurídico-Tributário.

            A norma jurídica, em sua estrutura lógica, é composta pelo antecedente e pelo conseqüente. O primeiro diz respeito à "uma previsão hipotética, relacionando as notas que o acontecimento social há de ter, para ser considerado fato jurídico ou a realização efetiva e concreta de um sucesso que, por ser relatado em linguagem competente própria, passa a configurar o fato na sua feição enunciativa peculiar". [01]

            O antecedente da Regra-Matriz é composto de três critérios, a saber: o critério material, onde há referência a um comportamento humano previsto na hipótese tributária, resultante de um verbo e seu complemento; o critério espacial, o qual consiste no local em que se reputa ocorrido o fato descrito na regra abstrata; e o critério temporal, que é o momento e/ou marco temporal do acontecimento deste fato.

            Já o conseqüente da imputação normativa é a "conjugação de critérios que tem por escopo dar-nos a identificar um vínculo jurídico que regerá comportamentos humanos". [02] Abrange dois critérios: o critério pessoal, identificado pelo sujeito ativo e passivo da relação jurídico-tributária, enquanto o critério quantitativo é a conjugação da base de cálculo com a sua alíquota, resultando na prestação pecuniária que o contribuinte deverá entregar ao Fisco.

            Resumidamente, essa é a compostura normativa da teoria da Regra-Matriz, que define e estabelece os critérios indispensáveis ao nascimento da obrigação jurídica tributária, tais como o critério material, critério espacial, critério quantitativo, critério temporal e critério pessoal, ambos explicitados acima.

            A obrigação tributária somente nascerá se ocorrer a total subsunção de determinada situação fática a todos os critérios definidos na hipótese normativa. Ou seja, a subsunção do fato à norma deve ser plena, sendo que o fato escolhido pelo legislador deverá ocorrer na exata proporção dos critérios anteriormente delineados para irradiar efeitos jurídicos, em que o contribuinte deverá entregar, compulsoriamente, certa soma de dinheiro aos cofres públicos.

            O teorema da Regra-Matriz de Incidência Tributária é demarcado pela Constituição Federal, a qual descreve, minuciosamente, os arquétipos das regras-matrizes, vinculando o legislador ordinário na instituição de toda e qualquer regra concernente às espécies de tributos existentes no ordenamento jurídico.

            Portanto, é curial identificarmos as regras-matrizes do PIS e da COFINS, sob o pálio da Constituição Federal bem como da legislação infraconstitucional aplicável às referidas contribuições.

            No Texto Supremo, o PIS está previsto no artigo 239, enquanto a COFINS encontra abrigo no artigo 195, I, b, ou seja, ambas são contribuições que possuem como fundamento de validade destinações constitucionais específicas e distintas, mas incidentes sobre a mesma base de cálculo, como veremos adiante.

            As regras-matrizes da contribuição para o PIS e a COFINS podem ser esclarecidas pelos artigos 2° [03] e 3° [04] da Lei n° 9.718/98, em que o legislador elegeu como base de cálculo dessas contribuições a "totalidade das receitas auferidas", cujo critério quantitativo [05] das regras matrizes do PIS e da COFINS é o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante a atividade exercida e/ou a classificação contábil adotadas para essas receitas.

            Assim, se partimos do pressuposto de que a base de cálculo confirma o critério material da hipótese de incidência tributária [06], a materialidade do PIS e da COFINS é o comportamento "auferir receitas", que é justamente o verbo, acrescido do seu complemento.

            Em apertada síntese, a regra-matriz do PIS e da COFINS abrange o critério material, que é receber ou obter receitas, o critério espacial é o território nacional, o critério temporal diz respeito ao momento efetivo do recebimento da receita, o critério pessoal compreende a União Federal (sujeito ativo) e as empresas jurídicas de direito privado (sujeito passivo) e, por fim, o critério quantitativo é a totalidade das receitas auferidas, conjugadas com as respectivas alíquotas.

            As regras-matrizes do PIS e da COFINS são semelhantes [07], até porque ambas utilizam a mesma base de cálculo, correspondente a "totalidade das receitas auferidas". Cumpre ressaltar, ainda, que a existência de duas contribuições sobre esta base de cálculo não configura bis in idem, até porque essas contribuições possuem distintos fundamentos de validade na Constituição Federal, como já vimos.

            Por fim, cumpre ressaltar que a legislação instituidora da não-cumulatividade aplicável ao PIS e a COFINS, adotou a mesma base de cálculo e, obviamente, o mesmo critério material delineado na Lei n° 9.718/98, como prevêem as Leis n° 10.637/02 [08] e 10.833/03 [09].


III. DO INSTITUTO DA NÃO-CUMULATIVIDADE

            A hodierna Constituição Federal, em relação ao ICMS e IPI, faz menção ao instituto da não-cumulatividade nos artigos 153, IV, § 3°, II, e 155, II, § 2°.

            Ocorre, porém, que estes artigos denotam a existência de um comando constitucional que possui eficácia plena e imediata, instituindo a não-cumulatividade como regra ou princípio a ser observado, sem restrições, pelo legislador infraconstitucional.

            Como é sabido, o IPI e o ICMS são conhecidos como tributos que incidem sobre a circulação de bens e serviços em inúmeras etapas da cadeia econômica, ou seja, a tributação destes impostos pressupõe operações de uma mesma cadeia produtiva ou circulatória de bens e serviços.

            A não-cumulatividade visa justamente evitar o efeito "cascata" da tributação destes impostos. Quando há um ciclo econômico composto de várias etapas, a incidência de um imposto em uma operação servirá como base de cálculo do imposto incidente na etapa posterior, gerando a cumulatividade da tributação.

            Portanto, a sistemática da não cumulatividade concebida para o IPI e o ICMS possui como finalidade a neutralização da incidência em cascata, através da técnica de compensação de débitos com créditos.

            Dada estas características do sistema da não-cumulatividade dos impostos sobre a circulação econômica, como fica a implantação deste sistema operacional em relação às contribuições sociais incidentes sobre o faturamento ou receita?

            É o que passaremos a analisar.

            O critério quantitativo do PIS e da COFINS diz respeito à "totalidade das receitas auferidas", que é fenômeno relacionado à pessoa do contribuinte (empresa jurídica), não possuindo qualquer identidade com algum fenômeno circulatório, traço característico originário do IPI e do ICMS.

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            No caso das contribuições em exame, estas incidem sobre o faturamento ou receita, diferindo dos moldes do IPI e do ICMS, que incidem sobre uma cadeia econômica.

            Como veremos adiante, a não-cumulatividade do PIS e da COFINS é operada mediante redução da base de cálculo, com a respectiva dedução de créditos relativos às contribuições que foram recolhidas sobre bens e/ou serviços objeto de faturamento em etapas anteriores.

            A sistemática da não-cumulatividade, tal como existe para o IPI e o ICMS é distinta daquela estabelecida para o PIS e a COFINS, até porque as matrizes constitucionais de incidência destes tributos são diferentes.

            De qualquer sorte, a não-cumulatividade deve compatibilizar com o pressuposto de fato eleito para deflagrar a incidência da espécie tributaria.

            Assim, a sistemática da não-cumulatividade concebida para o PIS e a COFINS configura-se totalmente legítima, pois permite minorar os efeitos resultantes da tributação sobre o faturamento ou receita do contribuinte, desde que haja, é claro, o respeito às regras e princípios previstos na Constituição Federal de 1988.

            Não é possível estabelecer uma sistemática de não-cumulatividade similar àquela aplicável ao IPI e ao ICMS, até porque o pressuposto de fato é diferente, como reconhece Marco Aurélio Greco, em brilhante estudo:

            "Embora a não-cumulatividade seja uma idéia comum a IPI e a PIS/COFINS, a diferença de pressuposto de fato (produto industrializado versus receita) faz com que assuma dimensão e perfil distintos. Por esta razão, pretender aplicar na interpretação das normas de PIS/COFINS critérios ou formulações construídas em relação ao IPI é:

            a)desconsiderar os diferentes pressupostos constitucionais;

            b)agredir a racionalidade da incidência de PIS/COFINS; e

            c)contrariar a coerência interna da exigência, pois esta se forma a partir do pressuposto de "receita" e não "produto".

            Além disso, a constatação de que o ponto de partida constitucional é outro implica em o sentido das normas que compõem o subordenamento do PIS/COFINS, ainda que eventualmente utilizem as mesmas palavras utilizadas no âmbito do IPI, serem também diferentes.

            O significado não é algo que se agregue indissociavelmente à palavra – como já o demonstrou Alf Ross no seu clássico Tû-Tû. O significado é evocado no interlocutor e determinado pelo contexto em que utilizada a palavra. No caso, o significado das palavras utilizadas nas leis examinadas é definido pelo respectivo pressuposto de fato constitucionalmente qualificado. A palavra utilizada num contexto cujo pressuposto de fato é a receita assume sentido e alcance diferente do que resulta do contexto em que o pressuposto de fato é o produto industrializado ou a circulação de mercadoria."

[10]

            O cerne da questão é que o regime não-cumulativo da base de cálculo das contribuições em exame é distinto do modelo de não-cumulatividade do IPI e do ICMS.

            Mas a função primordial da não-cumulatividade é evitar o "efeito cascata" da tributação, que independe da materialidade da espécie tributária sujeita sob esta sistemática. A operacionalidade da não-cumulatividade poderá ser facilmente empregada em alguns tributos e encontrar resistência noutros, mas o fim é sempre o mesmo: neutralizar a cumulatividade.

            Em relação ao PIS e a COFINS, a não-cumulatividade em questão deve ser vista como uma forma de atenuar a incidência dos efeitos destes tributos sobre a receita ou o faturamento, que são altamente nefastos aos contribuintes.

            Ora, o legislador empregou este signo lingüístico justamente para simbolizar a intenção de reduzir os efeitos da tributação sobre o faturamento ou receita das pessoas jurídicas, o que explica o surgimento da não-cumulatividade para o PIS e a COFINS. Trata-se, pois, de um conteúdo semântico que não pode ser desconsiderado, seja pelo legislador constituinte, seja pelo legislador infraconstitucional.

            A Carta Magna sempre vinculou a não-cumulatividade a tributos que recaem sobre a circulação de bens e serviços, mas o simples fato de o legislador ter estabelecido para tributos que recaem unicamente sobre a pessoa do contribuinte (faturamento ou receita), não suprime a essência desta e/ou aniquila a ineficácia do regime não-cumulativo para as contribuições em exame.

            No caso do IPI e ICMS, a Carta Magna emprega o símbolo "compensando-se", como forma de identificar a sistemática da não-cumulatividade para estes impostos. Embora o legislador constituinte tenha sido omisso quanto à forma de concretização da não-cumulatividade para o PIS e a COFINS, a "não-cumulatividade" é princípio que norteia o sistema tributário nacional.

            Neste sentido, é o ensinamento esclarecedor de José Eduardo Soares de Mello:

            "A não-cumulatividade significa um sistema operacional objetivando minimizar a carga tributária incidente sobre as operações realizadas com produtos, mercadorias e serviços, tendo por finalidade diminuir o preço que repercute na diminuição do custo de vida, possibilitando a geração de emprego, realização de investimentos empresariais e outras medidas benéficas ao desenvolvimento econômico.

            O foco central da produção, circulação e prestação de serviços é o consumidor final, sendo evidente que as atividades dos produtores, industriais, comerciantes e prestadores de serviços direcionam-se à população, sendo considerados os princípios diretivos da economia, como a defesa do consumidor de modo a permitir-lhe existência digna e justiça social (art. 170 da CF)"

            Teleologicamente, a não-cumulatividade deverá ser observada em todo o ciclo operacional, que não pode sofrer supressão parcial, face aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva de cada um dos agentes empresariais. Se em uma determinada fase operacional for estabelecida a proibição (ainda que parcial) do direito do contribuinte de abater o ônus tributário incidente nas operações e prestações anteriores, ocorrerá efeito cumulativo, implicando no aumento de preços. Esta situação ocasionará efeito confiscatório em razão de no mesmo preço do produto estar se verificando dupla incidência tributária.

            Qualifica-se como um princípio constitucional, balizando a estrutura econômica sobre o qual foi organizado o Estado. Não se trata de simples técnica de apuração de valores tributários ou mera proposta didática, mas diretriz constitucional imperativa, sendo obrigatória para os destinatários normativos (poderes públicos e particulares).

[11]

            O regime não-cumulativo das referidas contribuições não pode ser restringido, pois os contribuintes têm direito ao crédito das contribuições exigidas anteriormente, como forma de minorar a carga tributária sobre o faturamento, tão prejudicial para as empresas instaladas no País. [12]

            Em suma, a não-cumulatividade da contribuição ao PIS e a COFINS, com os propósitos então inseridos, teve em mente incentivar determinadas atividades econômicas e desonerar os efeitos da incidência sobre o faturamento. Não podemos esquecer, também, que o regime não-cumulativo para o PIS e a COFINS estabeleceu a aplicação única de uma alíquota nominal mais elevada, se comparada com o regime cumulativo dessas contribuições.

            Se o objetivo da não-cumulatividade estabelecida para as contribuições em estudo foi a diminuição da tributação sobre o faturamento, certamente o legislador infraconstitucional deverá obedecer rigorosamente este princípio nos casos definidos em lei. O problema está na concessão e aplicação de uma sistemática que na verdade não revela ser mais benéfica a determinados contribuintes, como parecia à primeira vista, sob pena de mácula à inúmeros princípios constitucionais.

            Nessa esteira, é de suma importância analisarmos especificamente a legislação instituidora da não-cumulatividade para a contribuição ao PIS e a COFINS, levando-se em conta as regras e os princípios da Carta Política de 1988.


IV. DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO PIS E DA COFINS

            IV.I. Na Constituição Federal de 1988

            A Emenda Constitucional n° 42, de 16.12.03, introduziu o § 12° no artigo 195 [13], mas a adoção do regime da não-cumulatividade, no âmbito dessas contribuições, já havia sido veiculada pela legislação infraconstitucional (Leis n° 10.637/02 e 10.833/03).

            O legislador constituinte, através do § 12° do art. 195, atribuiu status constitucional à não-cumulatividade destas contribuições.

            A única limitação imposta no dispositivo constitucional é permitir a legislação infraconstitucional [14] definir os setores da atividade econômica em relação aos quais haverá cobrança não-cumulativa, apenas isso.

            A Constituição Federal não está impondo ou vedando para essas contribuições a sistemática da não-cumulatividade, tanto que a cumulatividade ainda permanece em vigor, tanto no texto constitucional quanto na legislação ordinária, conforme artigos 8° da Lei n° 10.637/02 [15] e 10° da Lei n° 10.833/03. [16]

            Diferentemente do que ocorre com o ICMS e o IPI, o legislador constitucional não instituiu obrigatoriamente a não-cumulatividade, tanto que não estamos diante de uma norma de eficácia plena e imediata, mas sim programática. [17] A norma constitucional que veicula a não-cumulatividade para a COFINS possui característica programática, pois vincula o legislador infraconstitucional quanto a operacionalização da sistemática não-cumulativa para determinados setores da atividade econômica.

            O Texto Supremo autorizou, portanto, a existência de 2 [18] (dois) regimes para a COFINS, o cumulativo e o não-cumulativo, o que foi observado pela legislação ordinária, que também abarcou o PIS.

            Ainda que o legislador ordinário tenha certa flexibilidade para estabelecer a não-cumulatividade para determinados contribuintes, utilizando como critério diferenciador o setor de atividade econômica, a concessão desta deve obedecer rigorosamente o princípio da isonomia e o da capacidade contributiva.

            Com efeito, a utilização do benefício da não-cumulatividade por determinados contribuintes em detrimento de outros em situações equivalentes, é critério discriminador que esbarra nos referidos princípios. É inconstitucional a edição de qualquer regra discriminatória que colide com as regras e princípios do Texto Supremo.

            Se o legislador constituinte nada dispôs a respeito de limitações a não cumulatividade estabelecida para essas contribuições, não pode o legislador infraconstitucional fazê-lo sem qualquer autorização para tanto.

            O § 12° limitou-se apenas a prever a não-cumulatividade das contribuições sobre receita ou faturamento, sem qualquer indicação quanto ao conteúdo, limites e extensão da não-cumulatividade, isto é, há uma maior flexibilidade legislativa em relação à sistemática do PIS e da COFINS do que para o IPI e o ICMS.

            Claro que esta maleabilidade legislativa não é absoluta, pois o legislador infraconstitucional deve observar as regras e princípios previstos na Constituição Federal, como já dito.

            Embora a não-cumulatividade da contribuição ao PIS e à COFINS tenha alcançado força constitucional, acreditamos que a Constituição não impôs a não-cumulatividade, até porque esta não guarda correlação com o traço característico das contribuições sociais em estudo, que independem da adoção ou não da não-cumulatividade, o que não ocorre com o ICMS e o IPI, que a Constituição Federal determina expressamente.

            A Emenda Constitucional n° 42, ao alterar a redação do artigo 195, admitiu tão somente a edição de lei infraconstitucional para definir os setores da atividade econômica para os quais será aplicada a não-cumulatividade.

            Entretanto, a faculdade conferida ao legislador infraconstitucional, para prescrever o regime não-cumulativo para alguns setores econômicos, não altera e/ou desnatura a essência da não-cumulatividade propriamente dita, que somente produz efeito se for oportunizado o abatimento do valor exigido na operação anterior com o montante devido na operação posterior.

            Ou seja, o legislador ordinário definirá as hipóteses normativas em que o contribuinte terá o direito de crédito das contribuições incidentes sobre as receitas decorrentes do exercício de suas atividades.

            Dessa forma, os contribuintes que atuam em setores de atividade econômica que estejam sob a égide do princípio da não-cumulatividade aplicável ao PIS e a COFINS, de acordo com a lei infraconstitucional, não podem sofrer restrições ao direito de créditos das contribuições exigidas anteriormente.

            O legislador constituinte, portanto, não estabeleceu nenhuma restrição a aplicação desse princípio, o que ocorre com determinados dispositivos legais previstos nas Leis n° 10.637/02 e 10.833/03, cujas limitações não foram recepcionadas pela aludida Emenda Constitucional, como analisaremos adiante.

            Ao contribuinte é assegurada a não-cumulatividade plena, vedada qualquer limitação, restando ao Poder Judiciário a salvaguarda dos seus direitos.

            IV.II. Na legislação infraconstitucional

            Convém atentar que o presente trabalho destacará alguns pontos, digamos, controvertidos, da legislação ordinária instituidora do regime não-cumulativo da contribuição ao PIS e da COFINS.

            Analisaremos aqui algumas vedações e/ou limitações à não-cumulatividade, bem como as exceções quanto ao regime não-cumulativo em decorrência de fatores como a forma de apuração do imposto de renda, setor da atividade econômica, dentre outros.

            De plano, chama a atenção o fato de que na legislação de regência da não-cumulatividade, a alíquota do PIS aumentou de 0,65% para 1,65 [19] e a da COFINS de 3% para 7,6% [20], em que o contribuinte tem o direito de deduzir da base de cálculo as contribuições incidentes sobre os bens e serviços adquiridos.

            Ocorre, porém, que esses créditos autorizados pela legislação são relativos e parciais, fazendo com que a espalhada não-cumulatividade seja limitada, implicando em verdadeiro aumento da carga tributária para determinados contribuintes.

            De fato, para alguns contribuintes a exclusão destes do regime não-cumulativo foi benéfica, enquanto outros contribuintes sujeitos a esta nova sistemática foram severamente penalizados, eis que as atividades destes não permitem a geração de créditos suficientes para neutralizar a majoração das alíquotas aplicadas pelas Leis n°s 10.6237/02 e 10.833/03.

            Além disso, a novel legislação não pode beneficiar poucos segmentos econômicos, em detrimento de outros, que ficaram sujeitos ao brutal aumento das alíquotas, em clara ofensa a inúmeros princípios, em especial o da isonomia tributária.

            Seguem discussões sobre alguns dispositivos legais previstos na novel sistemática em estudo.

            IV.II.I. Esboço dos descontos de créditos referentes ao PIS e a COFINS

            Do exame atento do art. 3° caput e parágrafo 1º das Leis n° 10.637 [21] e 10.833 [22], verificamos que estas leis adotaram uma sistemática em que as contribuições incidem sobre a totalidade da receita auferida pela pessoa jurídica, com o desconto de créditos através da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo, relativamente a determinados custos, encargos e despesas estabelecidos taxativamente.

            No entanto, as deduções permitidas não alcançam a totalidade dos custos, despesas e encargos do contribuinte. A legislação apresenta um rol taxativo dos créditos que podem ser aproveitados, mas não é admitido, a título de ilustração, o crédito do valor de serviços de reposição e substituição de peças prestadas por pessoa jurídica, despesas com vale-refeição, vale-transporte e convênio médico, despesas financeiras não decorrentes de empréstimos, etc.

            Como a tributação ocorre pela totalidade das receitas e o crédito restrito a determinados bens e serviços, a conclusão não pode ser outra: a não-cumulatividade estabelecida para essas contribuições não é plena, pois sempre haverá um resquício de cumulatividade. Ora, todos os custos, encargos ou despesas que resultaram na receita, devem ser considerados para fins de dedução da contribuição a ser paga, com o escopo de evitar a incidência em cascata, o que não é o caso.

            Contudo, inexiste "meia" não-cumulatividade, como quer fazer parecer a legislação em comento. Uma vez definido o setor de atividade econômica, o contribuinte tem o direito irrestrito de compensar todos os custos que culminaram na obtenção da receitas auferidas.

            Estes créditos enumerados pela legislação parecem atender o princípio da não-cumulatividade, mas alguns deles não podem ser utilizados por contribuintes para reduzir o valor das contribuições devidas, resultando em restrições que não se coadunam com a sistemática em questão.

            IV.II.II. Vedações ao crédito. Mão-de obra paga a pessoa física

            A legislação instituidora da não-cumulatividade das contribuições em estudo aplicou um aumento das alíquotas de ambas as contribuições, do patamar de 3,65% (PIS/COFINS no sistema cumulativo) para 9,25% (PIS/COFINS no sistema não cumulativo).

            O problema é que existem segmentos econômicos que não possuem volume de aquisição de bens e serviços suficientes para gerar créditos que possam atenuar esta majoração tributaria.

            A título de exemplificação, a mão-de-obra paga a pessoa física [23], que não gera credito ao contribuinte que esteja no regime não-cumulativo, em claro prejuízo às empresas prestadoras de serviços.

            No caso das empresas comerciais e industriais, toda a matéria prima adquirida ensejará direito ao crédito de PIS e COFINS. Entretanto, setores econômicos como o da prestação de serviço, este aumento da alíquota resultou em excessivo acréscimo da carga tributária.

            Isso porque, no setor de prestação de serviços, grande parte da matéria prima utilizada decorre de mão-de-obra paga à pessoa física, custo este que não é permitido para fins de creditamento de PIS e COFINS, eis que vedado expressamente por lei.

            Se assim não fosse, a permanência no regime da cumulatividade seria bem mais interessante para as empresas prestadoras de serviços, dada a natureza de seus custos e despesas, tais como a mão-de-obra, que não geram direito de crédito descontável do débito de PIS/COFINS apurado.

            Temos aqui clara discriminação entre os setores industrial e comercial e o setor de prestação de serviços, acarretando uma grave violação ao Princípio da Isonomia entre os contribuintes, já que a não-cumulatividade deve ser aplicada a todos os contribuintes, até porque não podemos falar em "não cumulatividade" parcial.

            Igualmente, esta vedação ao crédito afronta o Princípio da Capacidade Contributiva, na medida em que as prestadoras de serviços estarão sujeitas a um custo tributário altíssimo, com risco de inviabilidade das atividades por elas desempenhadas.

            Nem mesmo o art. 195, §9° [24], do Texto Supremo, autorizou esta distinção e tampouco deu respaldo a privilégios ou discriminações odiosas entre contribuintes do mesmo setor de atividade econômica.

            Ademais, é notório que o Governo Federal, quando da instituição da sistemática não-cumulativa, garantiu que não haveria aumento da carga tributária e que esta incentivaria o desenvolvimento econômico das empresas. O que ocorreu, exatamente, é que esta legislação beneficiou poucos segmentos econômicos e ao mesmo tempo prejudicou outros, sem falar na majoração da carga tributária e, obviamente, da arrecadação das receitas tributárias da União.

            O legislador, ao desconsiderar que a mão-de-obra assalariada é uma despesa preponderante das prestadoras de serviços, sem o devido crédito do seu principal insumo, tratou desigualmente ao promover elevação da carga fiscal, colidindo com o princípio da livre iniciativa consagrado no artigo 170 [25] do Texto Supremo.

            Por fim, a Emenda Constitucional n° 42/03, posterior a sistemática não-cumulativa criada pela legislação infraconstitucional, não estabeleceu qualquer vedação quanto ao aproveitamento dos créditos, em especial a mão-de-obra paga a pessoa física.

            IV.II.III. Exclusão do regime-não cumulativo para determinadas pessoas jurídicas

            O novo regime de apuração do PIS e da COFINS, elegeu inúmeras pessoas jurídicas que foram excluídas da sistemática não-cumulativa do PIS e da COFINS, tais como instituições financeiras, entidades de previdência privada, pessoas jurídicas tributadas pelo imposto de renda com base no lucro presumido, pessoas jurídicas optantes pelo SIMPLES, pessoas jurídicas imunes a impostos, conforme artigos 8°, da Lei n° 10.637/02 [26] e 10°, da Lei n° 8.333/03 [27].

            Não obstante, receitas auferidas por determinados contribuintes também foram excluídos do regime não-cumulativo.

            Porém, estes critérios eleitos pelo legislador, no que diz respeito a determinados contribuinte e tipos de receitas auferidas por pessoas jurídicas, não guarda correlação com o critério constitucionalmente autorizado pelo § 12° do art. 195 da CF/88 (setor de atividade econômica).

            Citamos como exemplo, pessoas jurídicas tributadas pelo imposto de renda com base no lucro presumido ou arbitrado, como constam nos artigos 8°, II, da lei n° 10.637/02 e 10°, II, da Lei n° 10.833/03.

            Realmente, a Constituição deu prerrogativa ao legislador ordinário para definir as atividades econômicas para as quais a contribuição será não-cumulativa, mas desautorizou a exclusão do regime não-cumulativo em face do regime de tributação escolhido [28].

            Embora o art. 195, § 9º da Constituição Federal tenha dito que o legislador ordinário poderia diferenciar alíquotas ou bases-de-cálculo do PIS e da COFINS com base na atividade econômica desenvolvida pela empresa e/ou utilização intensiva de mão de obra, não autorizou critério diferenciador com base no regime de tributação adotado.

            O regime de pagamento do imposto de renda não guarda correlação com o setor de atividade econômica mencionado pelo § 12° do art. 195 da Carta Magna.

            Por acaso existe autorização legal para vedar empresas optantes pelo lucro presumido a adotarem o regime não-cumulativo, enquanto as empresas optantes pelo lucro real terão que suportar a apuração da base de cálculo de acordo com o regime não-cumulativo, de forma mais gravosa?

            Certamente que não. Obrigar contribuintes que pertençam a determinado segmento econômico para pagar PIS/COFINS à ordem de 3,65% (sistema cumulativo), enquanto outros deste mesmo segmento estão sujeitos à alíquota de 9,25% (sistema não cumulativo), em função do regime de Imposto de Renda, contraria a isonomia tributária. Por exemplo, não é toda pessoa jurídica que pode adotar o regime de apuração do IR pelo lucro presumido, revelando tratamento tributário diferenciado.

            Na legislação do Imposto de Renda, o art. 14, da Lei n° 9.718/98 [29] elege um rol de empresas que são obrigadas a adotarem a apuração do IR pelo lucro real. Ainda que estas empresas possam usufrir da não-cumulatividade, não podemos vedar esta sistemática para as empresas que adotam a forma de tributação pelo lucro presumido, até porque isso não possui relação com o setor de atividade econômica previsto pelo legislador constituinte.

            A adoção de um determinado regime de apuração do IR, como justificativa para que alguns contribuintes tenham direito ao crédito calculado sobre os insumos e outros não, ou ainda, que uns contribuintes sofram com a majoração da carga tributária majorada e outros não em virtude da forma contábil de apuração do IR, não é critério discriminador que encontra respaldo na legislação constitucional.

            Trata-se, portanto, de regra manifestamente inconstitucional que colide com a Constituição Federal de 1988, em descompasso com o princípio basilar da isonomia que norteia o ordenamento jurídico.

Sobre o autor
Fernando Bicca Machado

advogado em Porto Alegre (RS), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Fernando Bicca. A sistemática da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 860, 10 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7513. Acesso em: 7 nov. 2024.

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