Os pais do direito tributário brasileiro, isto é, da sistematização deste ramo do Direito, a saber: Rubens Gomes de Souza, Gilberto de Ulhôa Canto, Alcides Jorge Costa, Carlos da Rocha Guimarães, Aliomar Baleeiro, Amílcar de Araújo Falcão e outros, na década de 50 e 60, sempre tiveram o princípio da legalidade, ou seja, da estrita legalidade, como o mais relevante do direito tributário.
Entendiam que tudo o Fisco pode, dentro da lei, mas nada fora dela. Para alguns deles, que participaram da elaboração do Código Tributário Nacional, a legalidade é a própria essência da tributação.
Tanto é assim que, desde a E.C. n. 18/65, a C.F. 67, a E.C. n. 1/69 e a Constituição de 88, no capítulo das limitações ao poder de tributar, o referido princípio aparece em primeiro lugar, entre as vedações impostas aos entes tributantes: nada podem fazer fora da lei.
É interessante relevar que o "princípio da legalidade" não aparece como um direito do Fisco, mas como limitação a sua ação, pois o artigo 150, na seção "Os limitações ao Poder de Tributar", principia com o seguinte discurso: "Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I. exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça...".
Em outras palavras, a legalidade, isto é, a produção de lei com todo o perfil da imposição bem definido, tipificado, sem generalidades ou abrangências convenientes ou coniventes, é uma garantia do contribuinte contra a voracidade fiscal, que, no Brasil, o tempo, infelizmente, não consegue atenuar, mas exacerbar.
Por esta razão, a analogia não é admitida para criar tributos (108, inc. II, do CTN), nem, na dúvida, é possível a adoção de interpretação pró-Fisco, pois o CTN impõe que ela só possa beneficiar o contribuinte (art. 112 do CTN).
Não permite, por outro lado, o CTN, que os institutos do direito privado sejam alterados pelas leis tributárias (arts. 109 e 110) para ampliar competências tributárias, visto que devem ser respeitados pelas autoridades fiscalizadoras e pelo legislador.
A própria tentativa do Fisco de criar hipóteses de substituição do princípio constitucional da estrita legalidade pelo palpite fiscal, instituindo a "norma anti-elisão" -uma norma não escrita e definida, em cada caso, pelos humores da fiscalização (L.C. 104)- está tendo sua constitucionalidade questionada perante o STF e a MP reguladora (MP 66, arts. 13 a 19) foi rejeitada pelo Congresso Nacional, por entendê-la maculadora da lei suprema brasileira.
É neste quadro que causam espécie as inúmeras autuações que tem o Fisco Federal perpetrado, alterando conceitos próprios do direito civil. Pretende que pessoas jurídicas constituídas por profissionais liberais, para prestação de serviços e que paguem, nesta qualidade, todos os tributos federais e municipais, sejam, para efeitos do imposto sobre a renda desqualificadas –e só para estes efeitos- impedindo que seus titulares gozem do regime do lucro presumido. Esse regime foi, inteligentemente, criado por Everardo Maciel, para trazer para a formalidade trabalhadores e prestadores de serviços que se encontravam no regime da informalidade tributária, além de trazer inúmeras vantagens para a atividade de fiscalização. Ora, com a desconsideração deste regime legal, deseja o Fisco tributar a pessoa física, mais pesadamente, e não a pessoa jurídica prestadora, como determina a lei.
O curioso nas autuações é que os agentes fiscais desqualificam, para efeitos de imposto sobre a renda, tais empresas, mas mantém a sua personalidade para fins de COFINS, PIS não compensando o que foi recolhido a esse título. Já os municípios não as desqualificam, entendendo que o ISS deve ser recolhido como pessoa jurídica e não como pessoa física!!!
Esta conformação tributária -que violenta a Constituição e gera o caos e descrença na população sobre a possibilidade de justiça tributária no país, nada obstante alertadas as autoridades de sua inconsistência, ilegalidade, violação a princípios comezinhos das relações entre Fisco e contribuinte- não tem sensibilizado a Receita Federal, que continua, apesar da rejeição dos artigos 13 a 19 da MP 66, a manter "desconsiderações parciais" para efeitos de arrecadar mais e ilegalmente.
Creio que valha a pena o STF não retardar o julgamento da ADIN proposta em face da LC 104, examinando a matéria para evitar que as relações entre Fisco e contribuinte se agravem, em nível de desconfiança. Mais do que isto, para permitir que a "segurança jurídica" seja restabelecida, em matéria tributária, e não se viva de "incertezas legais". Corre-se. hoje, o risco, de ver qualquer atuação do contribuinte realizada, dentro da lei, desconsiderada, se o agente fiscal entender que aquela relação tributária legal não lhe agrada e que outra conformação permitiria maior arrecadação.
Parece-me, pois, urgente o restabelecimento do princípio da estrita legalidade, no direito tributário brasileiro, tisnado pela ação "pro domo sua" da Receita Federal, sem alicerce na Constituição.