5 CONCLUSÃO
Uma vez atingido o ponto culminante desta pesquisa, podemos compreender alguns de seus aspectos mais relevantes.
Face à realidade contratual contemporânea, é inegável o papel que o princípio da boa-fé objetiva desempenha ao flexibilizar o dogma da autonomia da vontade. Se em outros tempos a manifestação volitiva representava algo intangível e absoluto, suficiente para justificar todos os fins buscados com a celebração dos negócios jurídicos, o desenvolvimento econômico alcançado pela sociedade impôs ao Direito a necessidade de concretizar os anseios em torno da realização de uma justiça contratual efetiva.
Assim, a partir de uma realidade social que o País pouco a pouco também passou a experimentar, e a exemplo do que já era reconhecido pelo ordenamento de diversos outros países, o legislador pátrio viu-se na incumbência de disciplinar normativamente o instituto. Embora esta realidade já esboçasse seus primeiros contornos a partir da promulgação da Constituição da República, este intuito só veio a se materializar mais nitidamente com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, no início da década de 90. À época, houve quem entendesse que os princípios contratuais reconhecidos pelo CDC restringiam-se tão somente às relações de consumo, de modo que a ausência um dispositivo expresso a esse respeito no âmbito do Direito civil, tornava sua aplicabilidade um tanto quanto prejudicada.
Neste sentido, a edição do Código Civil de 2002, que a incluiu na previsão da cláusula geral do art. 422, sem dúvida, veio a contribuir sobremaneira para a sua aplicação em situações que reclamam soluções justas.
A percepção, a partir de meados da década de 70, de que a relação jurídica obrigacional em verdade se comporta como algo flexível e dinâmico, tornou possível o reconhecimento da existência de diversos deveres de conduta. Ditos deveres, que têm origem na observância ao mandamento da boa-fé objetiva, têm como algumas de suas características mais marcantes o fato de que devem ser observados por todos aqueles que de algum modo contribuem para o atingimento das finalidades buscadas pelo contrato, além da possibilidade de estarem presentes durante todo o desenrolar da relação jurídica, desde os mais tênues contatos iniciais entre as partes, até mesmo após adimplidas as prestações que constituem o objeto principal do negócio.
O desenvolvimento da teoria da culpa in contrahendo em 1861, por IHERING, abriu espaço para o estudo de uma nova espécie de responsabilidade civil, a responsabilidade civil pré-contratual.
Porém com o passar do tempo percebeu-se que dita teoria se mostrava um tanto quanto limitada, uma vez que restringia a incidência do instituto apenas às hipóteses de nulidade do contrato, quando esta tinha origem na não-comunicação de circunstâncias invalidantes à outra parte.
Felizmente, este problema foi percebido por alguns estudiosos, que vislumbraram a necessidade de inclusão de uma nova hipótese: a do elemento da boa-fé como fonte de responsabilidade pré-contratual.
Admitida esta nova forma de responsabilidade, a doutrina passou então a se debruçar sobre uma nova e importante questão: como qualificar juridicamente o instituto. Surgiram adeptos de ambas as correntes: tanto os que defendiam o seu caráter contratual, quanto aqueles que a equiparavam às hipóteses de responsabilidade aquiliana, havendo também até mesmo aqueles que entendessem se tratar uma nova e distinta espécie. Não obstante a importância das opiniões a respeito, entendemos não ser necessária a criação de uma nova espécie em face das já existentes. Detendo-nos sobre estas questões, constata-se que em realidade não há como equiparar os casos em que um dever de diligência genérico se impõe a toda uma coletividade àqueles em função dos quais há a violação da confiança despertada unicamente no âmbito da relação travada entre as partes. Entendemos, portanto, que o instituto possui natureza contratual, uma vez que eventuais prejuízos experimentados não possuem outra origem senão aquela decorrente do início das negociações em torno de um mesmo objeto.
Finalmente, ao se atentar para a técnica legislativa empregada por diversos países e também pelo Brasil, verifica-se que as claúsulas gerais constituem de fato a forma mais adequada. E sob este aspecto, a figura do intérprete assume vultuosa importância, pois somente a partir da consideração das peculiaridades de cada caso e com vistas à realização do justo-concreto, é que julgador poderá conferir a solução mais adequada para cada hipótese.
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