Sumário:1.Introdução; 2.Fides – Uma concepção inicial; 3.Bonae fidei contractus; 4.Bonae fidei iudicia; 5.Conclusão; Bibliografia; Abreviaturas
1. Introdução
No direito contemporâneo, podemos constatar o princípio da boa-fé assente em uma dúplice função: em suas concepções subjetiva e objetiva.
A primeira "se reporta a um elemento intencional individual, exprimindo um estado ou situação de espírito que envolve o convencimento ou consciência de se ter um comportamento em conformidade com o direito." [01] Neste sentido, citamos sua presença no artigo 1260 do Código Civil português [02] que, conforme leciona Menezes Leitão, "pode ser definida como a ignorância de estar a lesar direitos alheios" [03].
Não obstante a importância da boa-fé em sentido subjetivo, a qual os romanos empregaram na posse de boa-fé (possesio bonae fidei), nos cingiremos a boa-fé objetiva, que consiste em um princípio norteador de importância ímpar para o direito das obrigações, e que permite a concreção de normas impondo que os sujeitos de uma relação se conduzam de forma honesta, leal e correta.
Neste contexto, a boa –fé exprime a idéia de que não é legítimo defraudar a confiança do outro. Exige-se que cada um dos contratantes tome em consideração o interesse da contraparte. Esta boa-fé, dita objetiva, está presente no Código Civil português bem como em seu congênere diploma brasileiro. [04]
Nossa intenção neste trabalho é deixar claramente demonstrado, ainda que de forma sucinta, a influência do direito romano no direito moderno, porque, conforme veremos, "a fides romana constitui a base linguística e conceitual da boa-fé no Direito Civil português." [05]
2. Fides – Uma concepção inicial.
Não tencionamos compilar entendimentos de diversos autores tão somente, entretanto é preciso ponderar para o fato de que vozes expressivas como as que passaremos a citar, em diversos trabalhos, procuraram desenvolver suas idéias de maneira a construir a origem da boa-fé, uma vez que, devido à escassez de documentos relativos ao período arcaico, muitas vezes tal reconstrução é assente em hipóteses. [06]
O direito romano arcaico exigia, para prestar validade a um ato jurídico, certas formalidades como a presença das partes, do objeto, de cinco testemunhas idôneas e do pronunciamento de certas fórmulas verbais. [07] Portanto, "a fides é invocada ou referida nos atos mais solenes da vida habitual – casamento, clientela, tutela, empréstimos, etc.". [08] / [09]
O sentido religioso é presente, por exemplo, na relação de clientela porque, conforme Gómez Acebo, "neste instituto o patrono tinha um dever de proteção e o cliente de submissão e fidelidade, sendo que a quebra de confiança conduziria o infrator a uma pena de caráter religioso." [10]
Apesar de ainda a boa- fé não pertencer ao mundo jurídico, os romanos têm na fides o elemento inaugural que permitirá este elo; o culto à deusa fides [11] principia esta evolução.
Posteriormente a fides ultrapassa sua origem de preceito moral e religioso e, mantendo sobretudo suas profundas raízes na moral, passa exprimir idéia de promessa, isto é, passa a ater as pessoas ao cumprimento da palavra. [12] De fato, a evolução da fides para a bona fides, é o momento em que no direito Romano o sistema legal foi renovado pela influência de idéias de equidade. [13]
Segundo Menezes Cordeiro, "o significado da transição agita a doutrina histórico – jurídica, sem que se possa falar em soluções definitivas" [14]; assim aporta para este sentido Luigi Lombardi. [15]
De qualquer forma para clarificar a questão basta, em termos gerais, sopesar que primordialmente se entendeu por fides como a fidelidade à palavra dada e vislumbrar que bona fides, nesta linha de raciocínio, passou a exercer uma função sindicante nas obrigações. Fidelidade à palavra é o princípio basilar da troca comercial e Cícero, portanto, a descreveu como fundamentum iustitiae. (De Officiis 1,23). [16]
3.Bonae Fidei Contractus
No direito Romano mais antigo, haviam dois tipos de contratos: o nexum e a stipulatio. [17]
Com o desenvolvimento comercial entre Roma e os estrangeiros, advindo da imposição do império romano sobre o mundo conhecido à época, já não era mais possível atender às exigências prementes. Havia evidente necessidade de serem aventadas normas jurídicas próprias. [18]
Sob a jurisdição do pretor peregrino, desenvolveu-se o sistema contratual romano que viu-se desvinculado das formalidades do ius civile, devido "a uma maior simplicidade e dutilidade do sistema, inspirado nos princípios do bonum et aequum e plenamente correspondente às necessidades da prática." [19] Formaram-se regras simples e flexíveis, baseadas na fides e desligadas das antigas formas solenes do ius civile. [20]
Destarte, por todo este desenvolvimento engendrado pelo ius gentile, após, já no período clássico, subsitem duas classes contratuais: os contractus bonae fidei e os contractus stricti iuris.
Nestes, os direitos do credor recaíam sobre um objeto taxativamente determinado; naqueles, a prestação deveria ser adimplida segundo a boa –fé e em vista das circunstâncias todas do caso [21]; os contratos de boa- fé possuem sua tônica na bilateralidade, quer dizer, não está uma parte adistrita ao cumprimento de uma obrigação sem que também esteja envolvida por um dever a parte contrária; há uma relação de reciprocidade de obrigações.
Assim, as obrigações nos contratos em sentido estrito são rigorosamente determinadas, recaindo, por tanto, geralmente, sobre prestações concretas e precisas, sobre um certum. Por seu turno, os contratos baseados na boa –fé, adstritos à fórmula processual quidquid dare facere oportet ex fide bona, permitiam um negócio cujo cumprimento do principal não era o único elemento essencial; era valorizado também o agir que se espera de pessoas honestas e honradas, a fidelidade ao pactuado embuída de regras morais.
O conteúdo dos negotia stricti iuris é fixado pela letra da lei, a qual é necessário atender-se ainda que em contraposição com os postulados da equidade, p. ex., em um contrato de mútuo o objeto é a devolução da soma emprestada; o pagamento de uma pena convencional por mora pode ser realizado por um pacto acessório (pacta adjecta) [22]; já, em se tratando de negotia bonae fidei, não há este rigor acentuado, é necessário observar-se menos à forma e mais à equidade, dando azo de o juiz, por exemplo, analisar eventual dolo na execução de um contrato sem que seja interposta uma exceptio doli.
Ou seja, estamos perante a flexibilidade dos bonae fidei contractus que, conduzidos pela boa-fé poderiam alterar a própria essencia da obrigação.
A fides, transformada em fides bona, passou a ser o vínculo que permitia a confiança das partes. Segundo Menezes Cordeiro, tem-se pretendido ver na fides um elemento capaz de, na antiguidade, suprir a carência da posterior constatação da doutrina do Direito Natural nos séculos XVII e XVIII, de que a manifestação de vontade livremente produzida vincula. A bona fides estabeleceu vinculos susceptiveis de consensualmente envolver cives e peregrinos. [23]
4.Bonae Fidei Iudicia
O sistema jurídico romano tutelava interesses que somente se qualificavam como direito subjetivo à medida em que existisse uma ação que os protegesse, isto é, o prisma processual romano é inverso ao do processo moderno.
O bonae fidei iudicia é a ação que sanciona o contrato de boa- fé [24], em caso de quebra da lealdade recíproca devida na relação jurídica (nos bonae fidei negotia ou actio bonae fidei) [25].
Não é pacífica a origem desta ação. Menezes de Cordeiro, em sua investigação sobre o tema, nos informa que a primeira explicação global dos bonae fidei iudicia pertenceu a Krüger (em Zur Geschichte der Entstehung der bonae fidei iudicia – de 1890), segundo o qual liga o nascimento dos bonae fidei iudicia, designadamente, aos contratos consensuais. Por outro lado, o mesmo autor salienta para o fato de que anteriormente, Bernhöft, em 1882, em sua obra Germanische und moderne Rechtsideen im rezipirten römisch Recht, explica apenas, com brevidade, que, no início, os contratos bonae fidei eram exigíveis tão só com base na honestidade mútua; depois de se tornarem judicialmente reconhecidos, a boa- fé manteve-se, como regra de interpretação.
Encontramos em Kaser que, as bonae fidei iudicia surgem no direito clássico, pertencendo ao direito formulário [26], onde o postulante possuia uma intentio assente na boa –fé. Portanto, esta ação é nascida à partir da Lex Aebutia que instituiu o procedimento formulário.
Apesar de não possuir a intentio assente no ius civile, normalmente em uma lex, e sim na bona fides, eram consideradas ações in ius conceptae e não honorárias, motivo pelo qual, posteriormente os compiladores designaram para as outras ações a denominação de ações de direito estrito, justamente para compor esta diferença. [27]
Porque referimos anteriormente os contractus strict iuris, é salutar mencionarmos também que estes contratos são exigíveis através das actiones stricti iuris. [28]
Os bonae fidei iudicia permitiram que o juiz utilizasse da boa –fé alargando sua bitola de decisão; a exemplo disto, conforme a liberdade do juiz em apreciar o caso concreto, estas ações permitiam - no que apreciasse elementos estranhos ao pedido e à causa de pedir. [29]
Neste interim, Kaser explicita os fatores que o juiz poderia e deveria atender no âmbito do bonae fidei iudicia: a) prestações acessórias, como juros, frutos, etc., podem ser incluídas em maior extensão do que nas ações estritas; b) pactos acessórios não formais, nos quais as partes se reservam ou concedem faculdades especiais, valem como conteúdo do contrato e são apreciados na ação contratual sempre que tenham sido celebrados ao mesmo tempo que o contrato principal (Ulp. D. 2,14, 7,5 e Pap. D. 18, 1,72 pr.; c) se o devedor infringiu deveres acessórios que a relação obrigacional lhe impõe, em especial deveres de proteção e fidelidade; d) dolo (dolus malus) e coação ilícita, cometidos pelo credor ou pelo devedor, tem o juiz de os incluir imperativamente na apreciação. Com os bonae fidei iudicia, não existe necessidade de se exigir, em verificando-se o dolo, uma actio de dolo independente porque as exceptiones doli e metus estão implícitas nos bonae fidei iudicia. [30]
5.Conclusão:
Por todos estes elementos, não se torna tarefa árdua perspectivar o grande contributo do Direito Romano, através da fides, no desenvolvimento da boa-fé objetiva presente em praticamente todas as grandes compilações hodiernas e que permite, à medida que envolve uma cláusula geral de controle, alcançar uma valoração de conduta das partes nas relações obrigacionais através da justiça. [31]
Nos antigos bonae fidei iudicia o juiz estava obrigado a analisar se o devedor infringiu deveres acessórios que a relação obrigacional assente na bona fides lhe impunha; pois bem, à partir desta visão do direito romano, a doutrina alemã alargou os limites da relação obrigacional e, como corolário do princípio da boa-fé, aplicado em nosso direito atual, vislumbrou a complexidade intra-obrigacional ou relação obrigacional complexa. [32] "Certos deveres laterais (de fidelidade, de cooperação com a outra parte, etc.) podem sobreviver à extinção dos deveres de prestação." [33]
Portanto, pondere-se que no desenrolar de toda e qualquer obrigação a boa -fé é o preceito paradigma na estrutura do negócio jurídico.
Bibliografia:
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Abreviaturas:
Fonte:
D. – Digesto (GARCÍA DEL CORRAL, D. Ildefonso L.. Cuerpo del Derecho Civil Romano, Editorial Lex Nova/ Barcelona, 1889).
Revistas:
R.D.P. – Revista de Derecho Privado
Stvdia Ivridica – Stvdia Ivridica – Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra.
Notas
01
ALARCÃO, Rui, Direito das Obrigações, (Coimbra, policopiada, 1983), p. 9002
No Código Civil brasileiro, encontramos também a boa –fé subjetiva como requisito para aquisição da propriedade imóvel, através da Usucapião, no artigo 124203
LEITÃO, Luis Manuel Telles de Meneses, Direito das Obrigações 2, (Livraria Almedina - Coimbra, 2002), p. 5204
Conforme menciona Mário Júlio de Almeida Costa, a boa –fé objetiva surge como princípio tutelado nas três fases do negócio jurídico: no pré- contrato (artigo 227º, n. 1); na integração dos negócios (artigo 239) e na execução contratual (artigo 762º, n. 2). Além disto está denunciada também nos artigos relativos ao valor jurídico dos usos (artigo 3º, n. 1); ao comportamento na pendência da condição (artigo 272º e 275º, nº 2); na admissibilidade da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias (artigo 473º, n. 1) e sobre o abuso do direito (artigo 334º). Direito das Obrigações 8, (Coimbra, 2000), p. 100No direito civil brasileiro é consagrada pelo artigo 422.
05
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes, Da Boa –fé no Direito Civil, (Livraria Almedina, Lisboa 1997),5306
CRUZ, Sebastião, Direito Romano I 4, (Ius Romanum), (Ed. do autor /Coimbra, 1984), p. 4407
MARKY, Thomas, Curso Elementar de Direito Romano 8, (Ed. Saraiva, São Paulo,1997), p. 4708
CRUZ, Sebastião Cruz, Da Solutio I, (ver edição, 1962), p.21, ainda prossegue o autor chamando a atenção para o fato de a fides não constituírse ainda um um conceito jurídico, "pois não há nenhuma legis actio que sancione a fides; e, se os laços, provenientes da fides, são regulamentados, isso provém de normas sociais e não de normas jurídicas. A fides, até cerca de fins do século III a. C., pertence ao domínio do pré-jurídico; pertence à sociologia, e mais rigorosamente, à sociologia religiosa. Mais tarde, o conceito evolucionará, entrando no domínio do jurídico, e, sem abandonar este, até conquistará outros domínios, tornando-se multiforme."O mesmo autor, com a clareza que lhe é peculiar aduz, em sua obra Direito Rom., op. cit., pg. 44, para o fato de que uma característica da época arcaica reside na imprecisão: não se vê ainda bem o limite do jurídico, do religioso e do moral; estes três mundos formam como que um todo, um só mundo; as instituições jurídicas surgem sem contornos bem definidos, como que num estado embrionário.
09
Segundo Franz Wieacker, haveria, na base da fides, uma adstrição de comportamento, inicialmente não jurídico, que se tornou primeiro mágica, então religiosa e finalmente moral. In, Ursprung der bonae fidei iudicia, apud António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa fé..., op. cit., p. 5810
ACEBO, F. Gómez, La buena y la mala fe en la teoria general del Derecho privado: su encuadramiento en la teoria general del derecho y su eficacia en el Codigo Civil. in RDP (Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid, 1952), p. 104.Neste mesmo sentido, Max Kaser, Direito Privado Romano, (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1999) p. 104 que ensina: O poder do patronus, é nos tempos antigos, um poder pleno, que apenas é atenuado pelo dever de lealdade do patrono, assegurado por direito sacral; as XII tábuas determinam: patronus si clienti fraudem facerit,sacer esto, i. e., a quebra de lealdade contra o seu cliente expõe o patrono à vingança dos deuses. Nesta mesma perspectiva, o estrangeiro, que se coloca como hópede sob a proteção de um Romano ou do Estado Romano, goza como cliens (dependente) de uma maior proteção, porque seu patrono (patronus) está obrigado à fidelidade (fides) que lhe deve por direito sacral, p. 114.
11
CRUZ, Sebastião, Direito Rom., op. cit, p. 241: "a deusa fides (fé), divindade reconhecida por cives (cidadãos romanos) e por non –cives (peregrinos), era invocada na celebração dos negócios de peregrinos entre si e dos negócios entre peregrinos e cidadãos romanos. Ela velava pelo cumprimento desses negócios, castigando os faltosos e protegendo os cumpridores.Tinha a sua sede na palma da mão direita (cf. Cicero, De Off. 1,7,23 e Tit. Livius, Historia 1,21,4; 23,9,3). Por isso, os contraentes davam um aperto das mãos direitas (dexteararum porrectio) para imprimir solenidades à promessa. Desaparecido o culto da deusa fides, ficou o aperto das mãos direitas como sinal de confiança mútua."
12
Conforme leciona A. Santos Justo, Direito Privado Romano I2(Parte Geral) em Stvdia Ivridica 50 (Ed. Coimbra/Coimbra, 2003), p. 22: "A fides, cujo significado originário terá sido o acto por que uma pessoa se vinculava a outra, adquiriu, mais tarde, o sentido de razão ou causa justificativa desse vínculo: "ter confiança", "ter fé" e, reciprocamente, "merecer a fé de alguém". Depois, passou a significar "responsabilidade", o "cumprimento fiel da palavra" e dos contratos, o sentimento de lealdade contratual. Porém, embora não fosse exigível juridicamente (equivalia a honorabilidade, probidade, honradez, confiança), a fides constituía uma força moral que se impôs no mundo do direito, onde desempenha uma função importante: nas relações entre o Estado e magistrado e entre Roma e os povos submetidos; na obrigação de o magistrado respeitar as normas fixadas no seu Edictum; no reconhecimento e na sanção jurídica dos contratos não formais; na recusa da faculdade de resolução de contratos; na força vinculativa do juramento; na sanção de numerosos contratos que têm por base a fiducia (mancipatio e coemptio fiduciae causa, usureceptio fiduciae, fiducia propriamente dita, etc) e nos negotia iudicia bonae fidei.13
SCHERMAIER, Martin Josef, Bona fides in Roman contract law, in Good Faith in European Contract Law (Ed. Cambridge University Press, 2000), p. 65.14
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes, op. cit., p. 7115
LOMBARDI, Luigi. Dalla fides alla bona fides, Luigi Lombardi, (…..?, 1961), p. ????16
SCHERMAIER, Martin Josef, op.cit., p. 7817
MARKY, Thomas, op. cit., p. 119: Nexum era um empréstimo, realizado por um ato formal per aes et libram, isto é, ato em que, na presença das partes, do objeto e de cinco testemunhas, de balança e seu portador, se pronunciavam certas fórmulas verbais e se praticavam outros atos simbólicos. O ato é semelhante à Mancipatio. Dela difere porque o nexum, além da transferência da propriedade do objeto, normalmente dinheiro emprestado, cria para o devedor a obrigação de devolver outro tanto do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Ele responde pessoalmente, inclusive com seu corpo, por esse pagamento. A Stipulatio era a promessa solene de uma prestação, pronunciada em resposta à pergunta do credor, ambos com o uso do verbo spondere, que tinha, claramente, caráter sacramental. Daí a sua força obrigatória.18
Veja, por todos, SOHM, Rodolfo, Instituciones de Derecho Privado Romano I 17 (Historia y Sistema), tradução de W.Roces (Biblioteca de La Revista de Derecho Privado/Madrid, 1928), p. 57: "Los innumerables peregrinos que afluyen a los mercados de Roma carecen de capacidad civil. Esta especial situación de los peregrinos y la naturaleza de sus tratos dentro de Roma, privados como están de toda protección por parte de ius civile, hacende ellos un mundo jurídico aparte, en el seno de la ciudad, con usos y negocios jurídicos propios – no formales -, completamente distintos a los del Derecho Civil."19
CORREIA, Alexandre e Gaetano Sciascia, Manual de Direito Romano I 2 (Saraiva – São Paulo, 1953) p. 27720
MARTINS, Flávio Alves, A boa –fé objetiva e sua formalização no direito das obrigações brasileiro, (Lumen Juris – Rio de Janeiro), p. 3621
22
SHOM, Rodolfo, op. cit., p. 34123
CORDEIRO, António Manuel de Menezes, idem, p. 7924
D´ORS, Álvaro, Elementos de derecho privado romano, (Pamplona, Madrid, 1960), p. 33225
Ensina-nos Max Kaser, op. cit., p. 200, que os bonae fidei iudicia, que estavam no centro da vida jurídica, têm a sua origem, por um lado, nas relações dos cidadãos romanos entre si, por outro, no comércio jurídico com os peregrinos, porque a fides, o dever de respeitar a palavra dada, é fundamento de obrigatoriedade jurídica para todos os homens sem distinção da sua nacionalidade.26
Kaser, op. cit., p. 37, que menciona que os bonae fidei iudicia eram invocáveis apenas no processo formulário.27
Conf. António Manuel de Menezes Cordeiro, op. cit., p. 72: As fórmulas de direito civil têm sua base das actiones in ius conceptae (sua intentio se funda no ius civile, normalmente em uma lex). As fórmulas honorárias, adstritas ao império do pretor eram, por seu turno, ditas in facto conceptae, quando não buscassem qualquer recurso ao ius civile; utiles, quando se alicerçassem no ius civile mas fossem, pelo pretor, usadas em situações diversas das propriamente previstas e ficticiae quando, nelas, o pretor recorresse a ficções para obter, no respeito formal do ius civile, objetivos por este não visados diretamente.28
Conforme Santos Justo, op. cit., p. 254, que leciona que nas primeiras (actiones stricti iuris) o juiz limita-se a apreciar a existência ou inexistência da obrigação e, na sentença, deve observar rigorosamente o pactuado sem considerar alguma circunstância que possa ter influenciado o conteúdo da obrigação. Nas segundas (bonae fidei iudicia), deve precisar em que consiste "quidquid dare facere oportet ex fide bona" transformando o incertum no certum: terá, portanto, de ponderar e apreciar todas as circunstâncias que tenham ocorrido.Ainda, este mesmo autor, traz como sempre o faz em sua obra de maneira didática, remissão em português do termo citado em latim: "quidquid dare facere oported ex fide bona", i.e, "aquilo que deve dar ou fazer, segundo a boa-fé"
29
CORDEIRO, António Manuel de Menezes, op. cit., p. 89 - O mesmo autor, através da citação de exemplo de Koschembahr –Lyskowski, in Quid veniat in bonae fidei iudicium, ensina que nessa linha de extensão de efeitos fidei bonae informa igualmente a possibilidade de o juiz, nos iudicia, respectivos, atentas as circunstâncias da causa, condenar na prestação de juros.30
KASER, Max, op. cit., p. 20131
ALARCÃO, Rui, Direito das Obrigações, (Coimbra - policopiada, 1983), p. 94: "Há um certo deslocamento do eixo-legislador para o eixo-juiz, o que significa uma cada vez maior valorização da jurisprudência nos sistemas jurídicos de base legislativo – doutrinária, como é o caso da família romanista. À tarefa do legislador junta-se assim a tarefa autônoma e decisiva do julgador, "súdito" da lei mas "senhor" dela, na medida em que ajuda a descobrir todo o seu sentido, a tirar dela todas as suas virtualidades – a fazer a lei, no fim de contas."32
Idem, p. 51 - 5233
Ibidem, p. 53