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O direito autoral de textos e a proteção jurídica de imagens diante das novas tecnologias

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Agenda 15/12/2005 às 00:00

5. A Proteção Jurídica da Imagem19

Até o século retrasado, a "imagem da pessoa não era merecedora de proteção jurídica. Não se vislumbrava a hipótese – como hoje freqüente – de utiliza-la como meio de obtenção de vantangens".20 Mas segundo Pontes de Miranda: "Aos poucos foi-se revelando que a negação do direito de personalidade à própria imagem era atitude impertinente; mais: que se insistia em manter o direito debaixo do nível de cultura do nosso tempo".21

Com a sedimentação do conceito de que há um legítimo direito à imagem a doutrina passou a tentar demonstrar qual seria "a verdadeira natureza jurídica deste direito".22 Assim é que surgiram algumas teorias explicativas que informavam que a imagem deveria ser juridicamente protegida com base na:

a) teoria do direito à propriedade; b) teoria do direito à intimidade; c) teoria do direito do autor; d) teoria do direito à honra; e) teoria do direito à identidade pessoal; f) teoria do patrimônio moral da pessoa; g) teoria da autonomia do direito à imagem.23

A teoria do direito da propriedade entendia que "a pessoa, por ser proprietária do seu corpo, tinha o direito de ser proprietária de sua própria imagem, pois esta nada mais seria do que uma manifestação do corpo".24 Para a teoria do direito à intimidade, a imagem deve ser protegida porque representa "na proteção dada à vida íntima das pessoas, diante das indiscrições e intromissões alheias".25 Com este entendimento o direito à imagem fortaleceu-se ganhando a teoria do direito à intimidade boa recepção doutrinária e jurisprudencial.

Para a teoria do direito do autor, "o direito à imagem e o direito de autor são semelhantes. E, justamente por conta desta semelhança, na proteção à imagem tem sido aplicadas as regras jurídicas dos direitos autorais".26 No entanto esta teoria está superada por considerar como imagem passível de proteção aquela criada pelo intelecto humano, daí de pronto perceber-se que o Homem e a Natureza não são criações humanas, o que impediria a sua proteção como similares aos direitos autorais, vez que "a ninguém se atribui um poder jurídico autoral sobre a própria imagem".27 É de se ressalvar, contudo, que a mesma legislação que dá guarida aos direitos autorais, a Lei n.º 9.610/98, também ampara os direitos à imagem, pelo que particularmente entendemos válida a presente teoria.

Outra teoria que ganhou destaque fora a da teoria do direito à honra. Para esta teoria protegia-se o "direito à imagem como derivação do direito à honra, pois aquele estava inserido neste".28 Segundo Ferreira da Silva "em certas situações, o uso indevido da imagem serve de instrumento para ofender a honra".29

Já a teoria do direito à identidade pessoal não prosperou. O seu fundamento era de que "a imagem é um direito que identifica a pessoa. Assim, a publicação ou divulgação da imagem da pessoa resultaria no dever de indenizar, porque estaria violando o direito à identificação pessoal".30 Contudo, a diferença entre identificação e individuação sepulcraram a ampliação desta teoria.

A teoria do patrimônio moral da pessoa "considera que toda pessoa tem um patrimônio jurídico formado por bens patrimoniais e não patrimoniais. A imagem faz parte do patrimônio moral da pessoa e, por isso, requer proteção jurídica".31 Porém, assim como outras teorias que tomam o direito à imagem como um segmento de outro, também esta teoria não vingou no seio doutrinário.

Entretanto, de todas as teorias acima destacadas, a que mais tem despertado interesse e se sedimentado na doutrina é a teoria da autonomia do direito à imagem. Para esta teoria o direito à imagem possui autonomia. "Existe, por si só, sendo independente dos outros direitos da personalidade".32 O professor Fachin cita Notaroberto Barbosa que leciona que:

No atual estágio, não mais se permite o enquadramento do direito à imagem, de forma simplista, no âmbito de outros direitos da personalidade. Ao contrário, deve-se enquadrar o direito à imagem como direito autônomo, merecedor de disciplina própria.33

Esta teoria é relevante, eis que ao se considerar a autonomia do direito à imagem está-se impondo deveres de responsabilidade também independentes, ou seja, como leciona o douto constitucionalista "o dever de indenizar impõe-se pelo simples fato de ter sido violado o direito à imagem".34 E para exemplificar esta autonomia o professor Zulmar Fachin destaca um célebre julgamento do Superior Tribunal de Justiça em que jogadores de futebol, da seleção do tricampeonato ajuizaram ações de indenização por terem suas imagens estampadas em álbum de figurinhas intitulado "Heróis do Tri", lançado pela Editora Abril S/A e Confederação Brasileira de Futebol-CBF. O relator do processo, Min. Ruy Rosado de Aguiar, entendeu, juntamente com os demais pares à unanimidade, que foram violados os direitos à imagem dos jogadores, eis que não teriam autorizado a edição de suas imagens no álbum e este fora editado com o intuito comercial.35

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Sabe-se pela imprensa36 que as indenizações foram vultosas: US$800 mil ao Pelé, US$100 mil para Didi, US$50 mil para Garrincha, Carlos Alberto Torres, Brito, Jairzinho, dentre outros.37 Verifica-se, pois, a sedimentação da autonomia do direito à imagem, que também possui amparo nos artigos 5º, V e X da Constituição Federal, sendo que este último inciso é cristalino ao ditar que: "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Esta autonomia e a consagração do direito à imagem como um direito fundamental tem autorizada até mesmo atenuações de sanções penais quando na legítima defesa da própria imagem. O professor Fachin traz uma ementa jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que assim decidiu:

"Responsabilidade civil – Fotografia tirada contra a vontade do interessado e com fim visivelmente malicioso – reação excessiva determinando a concorrência de culpa de ambas as partes – Indenização ao proprietário somente pela metade. O retrato é uma emanação da pessoa, a sua representação por meio físico ou mecânico. Ninguém pode ser fotografado contra sua vontade, especialmente para ser pivô de escândalos".38

Observa-se, ainda, que também as crianças e adolescentes possuem particular proteção ao seu direito à imagem. O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao tratar do respeito à dignidade como pessoa humana das crianças e adolescentes estabelece que: "O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais." E o parágrafo único do artigo 143 ainda dita que: "Qualquer notícia do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência."

Segundo Fachin,

As normas insertas no artigo 143 e parágrafo único, bem como a do art. 17, são de ordem pública. Não podem ser derrogadas pela vontade dos particulares. Deste modo, a autorização fornecida pelos pais ou responsáveis é nula, mesmo que tenha sido fornecida mediante pagamento. O pacto firmado entre particulares não tem o condão de afastar o preceito legal e, face à imperatividade da norma de ordem pública, não se impõe a vontade das partes declarada em sentido contrário.39

O artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente ainda preconiza que produzir, dirigir ou contracenar cenas de sexo explícito com crianças e adolescentes enseja em pena de reclusão de um a quatro anos. E o artigo 241 dita que: "Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfico envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de um a quatro anos."

A imagem também guarda proteção no âmbito comercial. A lei n.º 9.279/96 que trata da propriedade industrial, em seu artigo 124, inciso III estatui que:

Não são registráveis como marca: III – expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou a imagem de pessoas ou atente contra a liberdade de consciência, crença, culto religioso ou idéia e sentimento dignos de respeito e veneração.

Cumpre ressaltar, ainda que, assim como no tocante a utilização sem autorização de obras intelectuais, também a imagem obtida, reproduzida ou utilizada por qualquer forma sem autorização enseja indenização, dado que representa um ato ilícito nos termos do artigo 186 do Código Civil, e que importa num dever de indenizar conforme o caput do artigo 927 do referido Codex já transcrito acima. Nesta senda, a reprodução sem o consentimento do titular da imagem representa uma violação que poderá ser reprimida judicialmente. E esta reprimenda pode consistir na busca e apreensão de textos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível, conforme autoriza o artigo 102 da Lei n.º 9.610/98. E também respondem pela indevida reprodução, nos termos do artigo 104 da referida Lei, tanto quem reproduziu, como quem vende, oculta, distribui, adquire, mantém em depósito ou a utiliza com o objetivo de algum proveito, mesmo que a divulgação tenha ocorrido no exterior. Também as sanções do artigo 184 do Código Penal são aplicáveis ao direito à imagem, punindo-se os infratores que utilizarem imagem sem a devida autorização.


6. Limitações ao Direito à Imagem

Assim como ocorre com as obras intelectuais escritas, que circulam na forma de textos, também a imagem possui restrições. Segundo Fachin o direito à imagem possui algumas restrições segundo as seguintes hipóteses:

a) no interesse da segurança nacional; b) no interesse da investigação criminal; c) no interesse da História; d) no interesse da saúde pública; e) no interesse sobre figuras públicas; f) no interesse sobre eventos públicos; g) no interesse da informação; h) pelo consentimento do interessado.

Destas restrições algumas merecem destaque. O Estado para fins de segurança nacional poderá restringir os direitos à imagem. Assim, "no interesse da segurança nacional, também é admissível a invasão da privacidade, quer pela obtenção da imagem, quer pela colheita de elementos de prova por meios acústicos ou de outra natureza".40 Por razões de interesse da saúde pública também é admissível limitar o direito à imagem como:

No caso hipotético de um indivíduo que sofre doença transmissível gravíssima, e da qual ele não tem conhecimento, pondo em risco toda a sociedade. Neste caso ele não pode impedir ou pretender indenização se o órgão de saúde pública afixar cartazes noticiando tal fato.41

As pessoas públicas também possuem uma diminuição no excessivo amparo à sua imagem. Citando Silma Mendes Berti o professor Fachin esclarece que:

Às pessoas públicas não é dado o poder de exercer rígido controle de sua imagem, que, em princípio, pode ser livremente captada e reproduzida. Deve-se, porém, considerar que a imagem doméstica, ou seja, captada em recinto privado, como o domicílio do sujeito, ou seu local de trabalho, depende, para a lícita publicação, do consentimento do retratado.42

Já quanto ao interesse sobre eventos, há de ser considerado o contexto em que a imagem é focada. Para Fachin:

Pode haver a divulgação da imagem de pessoa, sem que exsurja o direito à indenização. Se o que predominou foi a divulgação de evento público e a imagem da pessoa fazia parte dos fatos e não houve interesse comercial na divulgação, tudo foi legítimo.43

Por fim, o interesse da informação representa em verdadeiro colisão de direitos constitucionais, de um lado o direito de ver assegurada a imagem e intimidade dela decorrente, e de noutro pólo a liberdade de informação e o direito coletivo à informação. Em tais casos, assim como direta ou indiretamente em todos os demais, deve prevalecer o interesse público e coletivo, dada a relevância da informação para a democracia. A Constituição Federal, no artigo 220 e seu parágrafo primeiro assim estabelecem:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Como se verifica constam os incisos V e X do artigo 5º que estabelecem a proteção da imagem como direito a ser observado diante da liberdade de informação jornalística. Em todos os casos será o bom senso, a proporcionalidade e razoabilidade que decidirão onde está o direito e o abuso do direito.


7. Responsabilização dos Provedores de Internet

As potentes ilicitudes praticadas na internet clamam pelo respaldo legal do ordenamento jurídico pátrio para que se possa imputar sanções criminais, civis e administrativas a todos quanto lesarem o direito do autor. Como não há legislação específica para a matéria, o nosso legislador previu a seguinte hipótese para tais casos, segundo dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 4º: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".

No mesmo sentido o nosso Estatuto Processual Civil disciplina, em seus artigos 126 e 335, assim disciplinam, respectivamente: "Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito", e "Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial."

Considerando tais determinações legais temos, analogicamente, que a Lei de Imprensa se presta como subsídio legal dada as similitudes dos direitos envolvidos e mesmo de algumas práticas operacionais.

Por certo uma plausível defesa dos provedores será a assertiva de que estes não podem ser responsabilizados pelo que divulgam, pois não possuem ou exercem crivos editoriais, mas agem como meros prestadores de serviços, tais como os jornais impressos, rádios e televisão aberto a todo tipo de anunciante, ressalvadas às limitações legais.

O doutor Oliveira afirma que "o provedor de acesso é um intermediário técnico. Não é editor. Assim sendo, a priori, não é responsável pelo conteúdo do que se encontra em rede".44 Neste diapasão temos que nos atentar então ao que dispõe a lei n.º 5.250/67, que de fato abre grande margem para os meios de manifestação de pensamento e informação. Inclusive o seu artigo 1º engloba a divulgação pela internet, conseqüentemente os seus provedores ao afirmar que: "É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da Lei, pelos abusos que cometer".

Mas no seu capítulo VI, "Da Responsabilização Civil", o mesmo texto legal, no parágrafo 2º do artigo 49, ministra que:

Se a violação de direito ou prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico, ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação (artigo 50).

Como estamos em sede da analogia, lícito induzir que tal disposição também se aplique ao mundo virtual. E mais, o artigo 50 da referida disposição legislativa é muito clara em prescrever que:

A empresa que explora o meio de informação ou divulgação terá ação regressiva para haver do autor do escrito, transmissão ou notícia, ou do responsável por usa divulgação, a indenização que pagar em virtude da responsabilidade prevista nesta Lei.

Ora, se haverá direito à ação regressiva, evidente que a própria lei é explicita em dizer que o jornal, a rádio, os periódicos, a agência noticiosa,... ou analogicamente, o provedor de internet são solidariamente responsáveis pelo prejuízo que cometerem aos direitos do autor. Neste escólio Bernardo Rucker afirma que "parece que por tal visão responde o provedor de internet pelo conteúdo ali disponibilizado por seus clientes, considerando ainda que possui o controle sobre a locação de seu espaço e seu material publicitário",45 mas enfatiza que:

Se admitirmos com total frieza a aplicação de citada norma, teremos uma responsabilidade sem limites imputada ao provedor, sob todos os produtos e serviços negociados, ainda que sem sua participação direta, condição que poderia tornar impraticável a atividade.46

E o bom senso clama para que a questão seja averiguada com clareza. De fato não é lógico imputar a responsabilidade a um provedor que apenas possibilita o acesso do usuário à rede mundial de computadores, onde, uma vez na rede, o internauta poderá realizar inúmeras atividades lícitas ou ilícitas sem o controle do provedor. Nem mesmo os conteúdos dos e-mails são alvo de censura editorial pelos provedores. Desta forma, somos pela isenção de responsabilidade daquele provedor que apenas dá acesso ao usuário à rede mundial de computadores.

Entendemos, contudo, que em sentido diverso ocorre com os provedores hospedeiros de sites, onde sua atividade primordial não é dar acesso à rede mundial de computadores, mas sim, alocar espaço na rede para a divulgação de conteúdos de interesse do usuário, seja pessoa física ou jurídica. Este provedor, ao que nos parece, possui ampla capacidade de exercitar fiscalização do conteúdo que está sendo disseminado no espaço onerosa ou gratuitamente locado. Razão pela qual ensejará tal provedor ser responsabilizado pelas violações aos direitos autorais e ao direito à imagem.

Sobre o autor
Alexandre Sturion de Paula

advogado em Londrina (PR), especialista em Direito do Estado, mestrando em Direito Negocial pela UEL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Alexandre Sturion. O direito autoral de textos e a proteção jurídica de imagens diante das novas tecnologias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 895, 15 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7702. Acesso em: 18 nov. 2024.

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