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Estatuto do Idoso:

em direção a uma sociedade para todas as idades?

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Agenda 18/12/2005 às 00:00

INTRODUÇÃO

            O Brasil está envelhecendo, principalmente, em consciência e participação, pois a cada dia aumenta o número de cidadãos preocupados com a saúde, crescimento cultural e reivindicando mais espaço na sociedade. Por outro lado, as transformações advindas do avanço tecnológico trouxeram uma expectativa de vida superior àquela esperada por muitos. Deste modo, cada vez mais os idosos passam a somar uma porcentagem ainda maior e representa uma parcela significativa da população e necessitam manter o seu espaço.

            Salienta-se que este processo de envelhecimento se inscreve na temporalidade do indivíduo, sendo composto de perdas e ganhos, não se tratando de apenas um ciclo de vida mas sim, a construção de um processo contínuo. Contudo, a população assiste estas transformações e as autoridades não se preocupam com a defesa e o bem estar daquelas pessoas com mais idade.

            Registra-se que a sabedoria possui o seu valor, mas muitos não sabem aproveitar esta capacidade e experiência vinda dos idosos. Surge daí a necessidade de reflexão e planejamento de ações que propiciem mais qualidade de vida para os idosos a fim de que sejam aproveitadas as suas potencialidades, experiências e sabedoria.

            Analisando o direito comparado, constatamos que vivemos num País carente de ações sociais destinadas às pessoas com mais idade, bem como não se vislumbra qualquer espécie de preservação de sua história. Assim, o idoso é tratado como um problema e não como parte da sociedade, ao contrário de outros Países, como, por exemplo, a Espanha, onde existe esta valorização, ideal não cultivado no Brasil.

            Deste modo, surgem legislações que buscam modificar a base da sociedade e, dentre estas, o Estatuto do Idoso se torna o resultado das mudanças históricas, políticas e sociais que o Brasil vem atravessando e exalta as conquistas almejadas e, por muitos, esquecidas. Contudo, deve se ter em mente que devemos possuir a capacidade de integrar esta camada da sociedade, ou seja, o idoso, no sistema social, não só valorizando conquistas de direitos e sim, elaborando mecanismos de controle que garantam a sua aplicação.


1 O QUE É SER IDOSO?

            O envelhecimento possui uma dimensão existencial e se modifica com a relação do homem e o tempo, com o mundo e sua própria história, revestindo-se não só de características biopsíquicas como também sociais e culturais. Groisman (1999, p. 48) afirma que "a velhice não é uma variável fixa, que podemos analisar antes e depois da modernização, mas uma realidade culturalmente construída, inclusive pelas disciplinas científicas que a tomaram como alvo". Acrescentando-se a esta idéia, convém salientar os posicionamentos de Neri e Cachioni (199, p. 121) quando mencionam:

            O modo de envelhecer depende de como o curso de vida de cada pessoa, grupo etário e geração é estruturado pela influência constante e interativa de suas circunstâncias histórico-culturais, da incidência de diferentes patologias durante o processo de desenvolvimento e envelhecimento, de fatores genéticos e do ambiente ecológico.

            Destarte, a classificação etária se torna complexa na medida em que são seus princípios que vão fixar o "status" e, por conseguinte, a prescrição de condutas, atitudes e sentimentos.

            Portanto, o processo de envelhecimento ocorre de maneira diferente para cada pessoa pois depende de seu ritmo, época da vida, entre outros fatores, não se caracterizando um período só de perdas e limitações e sim, um estado de espírito decorrente da maneira como a sociedade e o próprio indivíduo concebem esta etapa da vida.

            Morhy (1999, p. 26) considera que envelhecer pode ser conceituado como:

            O processo de acumular experiências e enriquecer a vida por meios de conhecimento e habilidades físicas. Essa sabedoria adquirida proporciona o potencial para tomar decisões razoáveis e benéficas a respeito de nós mesmos. O grau de independência que dispomos na vida está diretamente relacionado à atividade maior ou menor em nosso corpo, mente e espírito [...] o envelhecimento pode ser definido como uma série de processos que ocorrem nos organismos vivos, e com o passar do tempo, leva a perda da adaptabilidade, a alteração funcional e, eventualmente a extinção.

            Saad (1990, p. 4) entende que "a pessoa é considerada idosa perante a sociedade a partir do momento em que encerra as suas atividades econômicas" e, acrescenta também que "o indivíduo passa a ser visto como idoso quando começa a depender de terceiros para o cumprimento de suas necessidades básicas ou tarefas rotineiras".

            Completando as idéias acima, convém salientar o entendimento de Debert (1999, p. 20), que considera:

            A velhice tem sido vista e tratada de modo diferente, de acordo com períodos históricos e com a estrutura social, cultural, econômica e política de cada povo, e que, os valores intrínsecos à representação que uma sociedade tem da velhice serão os norteadores responsáveis pelas ações que possibilitam ou não a proteção e inclusão social de seus idosos, como também a qualidade das relações estabelecidas com os seres idosos.

            Deste modo, o "ser" idoso deve ser visto em um conceito mais transdisciplinar, e, neste tópico, Sá (2002, p. 1120) efetua a seguinte declaração:

            O idoso é um ser de seu espaço e de seu tempo. É o resultado do seu processo de desenvolvimento, do seu curso de vida. É a expressão das relações e interdependências. Faz parte de uma consciência coletiva, a qual introjeta em seu pensar e em seu agir. Descobre suas próprias forças e possibilidades, estabelece a conexão com as forças dos demais, cria suas forças de organização e empenha-se em lutas mais amplas, transformando-as em força social e política.

            Da mesma forma, sobre o envelhecimento holístico tem-se que:

            Há portanto, nessa referida concepção, um conceito sistêmico de envelhecimento que subentende atividade e mudanças contínuas, que refletem a resposta criativa do organismo aos desafios ambientais. Por isso, como a condição de um indivíduo depende, costumeiramente, em alto grau, de seu ambiente natural e social, não existirá um nível absoluto de envelhecimento que seja independentemente desse meio. (VARGAS, 1983, p. 25)

            Neri e Freire (2000, p. 13) esclarecem os termos utilizados para a fase de envelhecimento determinando que "velho", "idoso" e "terceira idade" refere-se a pessoas idosas com idade média de sessenta anos. A "velhice" seria a última fase e a existência humana, sendo que o "envelhecimento" está atrelado às mudanças físicas, psicológicas e sociais. Logo, "amadurecer" e "maturidade" significam a sucessão de alterações ocorridas no organismo e a obtenção de papéis sociais.

            Bolsanello (1986, p. 762) enfatiza que a questão do envelhecimento está intimamente ligada com a coletividade, cujos conceitos estão relacionados com a experiência de vida e acrescenta que "o principal objetivo dos cuidados para com o idoso deve ser o de mantê-lo como parte integrante da sociedade".

            Falar de envelhecimento é discorrer sobre a idéia de vida, uma vez que envelhecemos a partir de nosso nascimento, sendo este um curso natural da existência humana. Todos envelhecemos, com ou sem atividades, independentemente da idade. Contudo, não devemos esquecer da necessidade de qualidade de vida neste contexto.

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2 A BUSCA DE UMA VERDADEIRA CIDADANIA AO IDOSO

            Sinala-se que a idade não é critério de discriminação, muito menos condição para atuação dos atos da vida, pois não torna um ser humano menos cidadão que o outro. Contudo, apesar de ser dos menos precisos, o critério cronológico é um dos mais utilizados para estabelecer o que é ser idoso, até para delimitar a população de um determinado estudo, ou para análise epidemiológica, ou com propósitos administrativos e legais voltados para desenho de políticas públicas e para o planejamento ou oferta de serviços. A experiência galgada pela vivência não se aprende e sim, se conquista. Desta forma, assegurar a dignidade aos idosos é fundamental para que seja alcançado o fim social almejado, qual seja, um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

            Kant (2003, p. 65) discorre sobre a dignidade humana dizendo:

            No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade. O que diz respeito às inclinações e necessidades do homem tem um preço comercial; o que, sem supor uma necessidade, se conforma a certo gosto, digamos, a uma satisfação produzida pelo simples jogo, sem finalidade alguma, de nossas faculdades, tem um preço de afeição ou de sentimento; mas o que se faz condição para alguma coisa que seja fim em si mesma, isso não tem simplesmente valor relativo ou preço, mas um valor interno, e isso quer dizer dignidade. Ora, a moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador no reino dos fins. Por isso, a moralidade e a humanidade enquanto capaz de moralidade são as únicas coisas providas de dignidade.

            A noção de dignidade humana, que varia consoante as épocas e os locais, então, se torna a base dos textos fundamentais sobre Direitos Humanos. Diz-se nomeadamente no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948: "Os direitos humanos são a expressão direta da dignidade da pessoa humana, a obrigação dos Estados de assegurarem o respeito que decorre do próprio reconhecimento dessa dignidade". Esta definição tem as suas implicações ao nível dos direitos econômicos, sociais, e culturais, indispensáveis à concretização dessa dignidade. José Roque Junges (2000, p. 159-164) complementa a matéria discorrendo:

            O ponto de partida e a perspectiva de fundamentação da dignidade humana em Kant e no cristianismo são divergentes. Para o primeiro, a dignidade fundamenta-se no Homo noumenon que, superando a manifestação fenomênica, consegue colocar-se em nível transcendental, onde se realiza a verdadeira moralidade. É o âmbito das exigências absolutas, onde algo pode ser reputado como digno de respeito. Ora, se a dignidade se fundamenta, antes de mais nada, na moralidade e essa deve processar-se de maneira autônoma, isto é, se o sujeito moral deve agir por princípios formais (máximas), então a própria dignidade é uma exigência formal, um a priori do agir que não se fundamenta na categorialidade histórica do ser humano. A fé cristã, ao contrário, justamente põe o acento na historicidade do ser humano, ao conceber a dignidade como vocação, como realização. A condição histórica é a base da efetivação da dignidade." E, mais adiante: "Pessoa designa a singularidade de um sujeito que assume a universalidade da natureza humana, previamente dada, pela mediação da particularidade de uma existência histórica concreta. Designa a existência singular do sujeito e não a universalidade da natureza comum a todos os seres humanos. (...) O ser humano é digno de respeito, porque, não nascendo pronto, tem o direito de percorrer o seu itinerário singular, buscando na liberdade um sentido para sua vida. (...) Nessa perspectiva, a dignidade não é devida a uma natureza humana universal e abstrata, mas a uma natureza concreta, assumida na particularidade histórica de um sujeito singular e original. Dignidade diz respeito a seres humanos históricos e concretos. Cada ser humano é pessoa, por ser indivíduo único e insubstituível. (...) Logo, existe o dever ético de respeitar em mim e nos outros o ser humano como sujeito único e irrepetível. (...) O respeito à dignidade acontece no mútuo reconhecimento e responsabilidade recíproca. Estar frente a um ser humano diminuído e espezinhado em sua dignidade deve interpelar a cada um em sua própria dignidade. Violar a dignidade do outro significa negar a própria. A dignidade não admite privilégios em sua significação. Não é um atributo outorgado, mas uma qualidade inerente, enquanto pessoa; é um a priori ético comum a todos seres humanos. A dignidade é uma qualidade axiológica que não admite um mais ou menos. Não se pode ter mais ou menos dignidade, como não se pode ser mais ou menos pessoa. Ela serve para incluir todo ser humano e não para excluir alguns que não interessam; não pode ser usado como critério de exclusão, pois seu significado é justamente de inclusão.

            Sintetizando as diretrizes básicas do princípio da dignidade humana no Direito Constitucional, Jorge Miranda (2000, v.4, p. 183-184) nos traz as seguintes assertivas:

            a) A dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e cada uma das pessoas e é a dignidade da pessoa individual e concreta;

            b) A dignidade da pessoa humana refere-se à pessoa desde a concepção, e não só desde o nascimento;

            c) A dignidade é da pessoa enquanto homem e enquanto mulher;

            d) Cada pessoa vive em relação comunitária, o que implica o reconhecimento por cada pessoa da igual dignidade das demais pessoas;

            e) Cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade que possui é dela mesma, e não da situação em si;

            f) O primado da pessoa é o do ser, não o do ter; a liberdade prevalece sobre a propriedade;

            g) Só a dignidade justifica a procura da qualidade de vida;

            h) A proteção da dignidade das pessoas está para além da cidadania portuguesa e postula uma visão universalista da atribuição dos direitos;

            i) A dignidade pressupõe a autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às outras pessoas.

            De qualquer sorte, cumpre mencionar que o conceito de dignidade é repleto de contornos vagos e imprecisos. Há uma dificuldade de se determinar um conceito satisfatório e exaustivo sobre a dignidade da pessoa humana. Assim, diferentemente do que ocorre com os outros princípios constitucionais, a dignidade significa uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano. (SARLET, 2001, p. 38)

            Sobre a dignidade humana, Vicente de Paulo Barretto (2003, p. 220) refere:

            A dignidade humana, entretanto, como idéia-valor, necessita para a sua compreensão e aplicação racional nos sistemas jurídicos, que se recuperem os seus fundamentos ético-filosóficos para que possa exercer a função que dela se espera no estado democrático de direito. Não é, assim, uma idéia originariamente jurídica, fruto da doutrina ou da legislação, mas resultante de uma compreensão específica da natureza da pessoa humana e da sociedade. Falar da dignidade humana sem que se situe esta idéia no quadro de uma ética e antropologia filosófica determinada resulta lançar o valor que ela representa no vazio dos discursos políticos e jurídicos. Isto porque a idéia de dignidade humana é um conceito ético, que, [...], expressa-se politicamente no conceito político moderno da ‘Democracia’.

            Desta forma, vislumbra-se que as Constituições garantem a proteção ao idoso, mas não têm se mostrado suficiente face aos atos da sociedade. Daí a necessidade de dotar o ser humano, em todas as suas fases de sua existência, uma proteção legal que lhe assegure não somente a vida mas a dignidade como pessoa humana. Desta forma, a legitimação de autuação de qualquer Estado democrático tem como pilar de sustentação o respeito à dignidade da pessoa humana, de modo que almejam proibir qualquer idéia que procure restringi-la de alguma forma.

            Assim, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, procurou assegurar os direitos e deveres fundamentais a todos os seres humanos, destacando o principio da dignidade humana, em seu artigo 1o, inciso III, como valor absoluto, que serve de base para a consolidação de um Estado Democrático de Direito, proporcionando uma unidade e coerência ao conjunto de todos os outros princípios de direito ali elencados. Assim, explicitou-se a proteção social aos idosos como dever do Estado e direito do cidadão.

            A assistência do Estado para com o idoso encontra previsão no artigo 203 quando assegura o direito a um salário mínimo de benefício mensal ao idoso que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Por outro lado, num campo mais amplo, o artigo 230 do diploma acima mencionado, por si só, já era suficiente para garantir a proteção do idoso porque assegura "a sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida".

            Neste contexto, buscando a efetividade dos princípios constitucionais, foi implementada no Brasil a Lei n. 8842, de 04 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a política nacional do idoso. Resultado de inúmeras discussões, a referida norma adota como princípios basilares garantir ao idoso os direitos de cidadania efetiva na sociedade, avalizando a sua autonomia e integração social, bem como promover o bem-estar e o direito à vida, trazendo estes como dever do Estado e da família. Ressalta-se que a cidadania implica na participação nas questões sociais, na busca de soluções para estes problemas, ou seja, almeja benefícios e a igualdade entre todos. Desta forma, após o advento desta Lei, o Estado começa a intervir e proíbe qualquer tipo de discriminação as pessoas com idade avançada, bem como inicia a difusão de conhecimentos sobre o processo de envelhecimento para a população brasileira.

            Os três primeiros artigos da Política Nacional do Idoso destacam a necessidade de assegurar os direitos sociais do idoso e atribui os seus princípios, mencionando:

            Artigo 1º - A política Nacional do Idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade.

            Artigo 2º - Considera-se o idoso, para todos os efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de idade.

            Artigo 3° - A política nacional do idoso reger-se-á pelos seguintes princípios: I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida; II - o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos; III - o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza; IV - o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas através desta política; V - as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, na aplicação desta Lei.

            Analisando por esta ótica, ser cidadão significa conquistar direitos econômicos e sociais, cumprindo com seus deveres. Implica em redução de espaços individuais para oportunizar ao outro ocupar um espaço que é de todos. Logo, se torna um exercício individual, embora construído coletivamente, porque o ser humano é um ser social. Contudo, o exercício da cidadania é algo que nem sempre é fácil de ser aplicado. No que diz respeito ao idoso, preconceitos e mitos sempre acaba se transformando em empecilhos para a concretização de seus direitos. Deste modo, uma das estratégias para a viabilidade desta cidadania seria o amadurecimento da mentalidade da sociedade.

            A preocupação com a dignidade da pessoa humana tem encontrado ressonância numa generalizada consagração normativa, geralmente no próprio texto constitucional, assumindo o status de norma estruturante de todo o ordenamento jurídico.

            Todos sabemos que as pessoas não possuem direitos inteiramente iguais porque as constituições não os garantem ou porque as instituições administrativas não os fazem cumprir. Assim, quando há um defasamento entre normas e direitos, os direitos não são respeitados, como ocorre freqüentemente no caso da discriminação dos idosos. Portanto, a democracia deve ser aplicada como uma forma de organizar a sociedade, de modo que as pessoas não sofram desigualdades extremas que impeçam o exercício de sua cidadania.

            Sobre o tema, preleciona Moraes (2000, p. 60):

            A dignidade humana se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício os direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparecem como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil.

            No mesmo sentido, e ainda mais incisiva, é a lição de José Afonso da Silva (1991, p. 106-107), quando faz referência:

            A Constituição de 1988, ao indicar o Estado Democrático de direito, abre às perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais que ela inscreve e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de Justiça Social, fundado na dignidade da pessoa humana.

            A compreensão da dignidade da pessoa humana aludida na Constituição deve afastar a conotação moral que muitas vezes assume a expressão, devendo ser entendido como princípio fundamental, ou seja, "um valor supremo, que atraí o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida" (SILVA, 1991, p. 93)

            Registra-se que no campo legislativo, após, em 1996, surgiu a Lei 1.948 que oficializou a política de saúde do idoso disciplinando as ações de atenção à saúde em atenção aos princípios do SUS e da Política Nacional do Idoso, priorizando ainda mais a figura da pessoa como parte integrante da sociedade.

            Posteriormente, ainda dizendo respeito aos idosos, o Decreto Federal n. 2170/1997 alterou o Decreto Federal n. 89250/1983 estabelecendo um campo na Carteira de Identidade para a expressão "idoso" ou ‘maior de sessenta e cinco anos".

            Visando um atendimento mais rápido para àquelas pessoas de maior idade, a Lei n. 10.048/2000 estabeleceu prioridade ao atendimento para aqueles com idade superior a sessenta e cinco anos em todos os órgãos públicos, bancos e concessionárias de serviço público e, no campo processual, a Lei n. 10.173/2001 alterou o Código de Processo Civil Brasileiro estabelecendo prioridade de tramitação nos processos judiciais de idosos.

            Somente em 2003, foi alcançada a redução de idade para o idoso, sendo considerado assim àquela pessoa que alcançasse idade igual ou superior a sessenta anos, com preservação da sua saúde física e mental, através do Estatuto do Idoso, aprovado em 1º de outubro de 2003 pela Lei n. 10.741. Amparando os mais diferentes aspectos da vida cotidiana, a referida Lei destaca o papel da família reforçando e enfatizando a obrigação da família, da sociedade e do Poder Público assegurarem o direito à saúde, alimentação, cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania, liberdade, dignidade, respeito e convivência familiar.

            O Estatuto se tornou uma ferramenta que precisa ser divulgada e conhecida pelas comunidades, como um mecanismo de ação. Contudo, há muito mais a ser feito para colocá-lo em prática. A grande questão trazida com o advento do novo texto de lei é de que este será capaz de modificar a visão da sociedade em relação ao idoso e se irá frutificar a idéia de que este também é cidadão.

            Dentre os tópicos abrangidos pela Lei n. 10.741/2003, estão às medidas de proteção ao idoso em estado de risco pessoal, a política de atendimento por meio da regulação e do controle das entidades de atendimento ao idoso, o acesso à justiça com a determinação de prioridade ao idoso e a atribuição de competência ao Ministério Público para intervir na defesa do idoso e qualificando, nos crimes em espécie, novos tipos penais para condutas lesivas aos direitos dos idosos e, principalmente, ressaltando os direitos fundamentais previstos na Carta Magda, como, por exemplo, os direitos à vida, a liberdade, respeito e à dignidade, bem como aos alimentos, saúde, educação, cultura, esporte, lazer, profissionalização, trabalho, previdência social, assistência social, habilitação e transporte.

            A função principal do estatuto é funcionar como uma carta de direitos, fortalecendo o controle do Poder Público em relação ao melhor tratamento das pessoas com idade avançada, respeitando a sua dignidade, galgando um lugar de respeito, transformando-se numa verdadeira educação cidadão, buscando alcançar a posição de cidadão efetivo na sociedade aos idosos com participação ativa.

            Deste modo, o idoso deve e tem participação no complexo sistema que compõe a sociedade onde vive e tem o direito de exigir o seu lugar. Para Safira Ammam (1979) as condições de participação estão em dois níveis: o do indivíduo e da sociedade. No campo individual, se busca a conscientização e, no coletivo, analisa-se o modo que as relações sociais acontecem, abarcando questões estruturais e conjunturais.

            Ressalta-se que o artigo oitavo da Lei 10.741/2003 menciona que o envelhecimento é um direito personalíssimo e sua proteção, por conseguinte, constitui um direito social. Prosseguindo, o artigo nono atribui ao Estado a obrigação de "garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade". Mas, afinal, o que significa ter condições de dignidade? A dignidade é o grau de respeitabilidade que um ser humano merece, o que difere da caridade, solidariedade e assistência que trazem em si um conteúdo pejorativo de hipossuficiência. Portanto, a colaboração para uma melhor qualidade de vida para àquelas pessoas com idade avançada tende a ser uma forma de compreensão da dignidade como o nascimento para uma expectativa de vida mais longa na perspectiva do futuro que aguarda a todos.

            Sinala-se que as leis por si só não são capazes de modificar o ser humano mas, ao contrário, o ser humano é capaz de modificar-se, imprimindo novos valores e transformando-os em leis. Estamos, portanto, no caminho inverso, aguardando que a lei modifique a sociedade.

            O Estatuto do Idoso se destaca pelos direitos sociais garantidos e apregoados. Contudo, estes somente serão assegurados se a sociedade assumir a responsabilidade de permitir o resgate da cidadania das pessoas que contribuíram para a construção de nosso País.

Sobre a autora
Roberta Pappen da Silva

advogada em São Leopoldo (RS), especialista em Processo Civil pela ULBRA, pós-graduanda em Processo Civil pela Universidade Luterana do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Roberta Pappen. Estatuto do Idoso:: em direção a uma sociedade para todas as idades?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 898, 18 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7723. Acesso em: 5 nov. 2024.

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