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A execução de Caryl Whittier Chessman:

uma (re)leitura sobre a pena de morte

Agenda 19/12/2005 às 00:00

SUMÁRIO: I – RESUMO; II – INTRODUÇÃO; III – QUEM FOI CARYL W. CHESSMAN?; IV – CHESSMAN E A PENA DE MORTE; V – CONCLUSÃO; VI – NOTAS E VII – BIBLIOGRAFIA.


I – RESUMO.

A legitimação e eficácia da pena de morte são brevemente discutidas em torno do caso de Caryl W. Chessman, o individuo que foi nos anos 50 condenado à morte, por ser indicado como o Bandido da Luz Vermelha.


II – INTRODUÇÃO.

No dia 02 de maio de 1960, as 10:00 horas da manhã, na câmara de gás do Presídio de San Quentin, Estado da Califórnia – EUA – marcava-se o último traço de um dos casos criminais que alcançou incomensurável repercussão mundial nos anos de 50 e 60 – morria Caryl Whittier Chessman, o condenado pelo júri de Los Angeles, composto, com a vênia das palavras de Nelson Hungria, "quase exclusivamente de mulheres, tiroidianamente emotivas" à pena de morte, sob a acusação de ser o criminoso que praticava crimes de estupro e roubo, nas colinas de Hollywood, local de encontros amorosos de casais de namorados, que ganhava as páginas dos jornais locais como The Red Light Bandit (O Bandido da Luz Vermelha).

Sem negar o seu débito para com a sociedade, contraído na vida marginal que levou até os 27 anos, (1) Chessman não aceitou a imputação dos crimes do famoso Bandido da Luz Vermelha, personagem misterioso (e não identificado) que desafiava a polícia com a prática de repetidos crimes sexuais. (2) Negando, até morrer, a autoria dos delitos de roubo e violência sexual praticados pelo Red Light Bandit, lutou fantasticamente para anular o veredicto do júri. Sua luta repercutiu mundialmente em vários setores da sociedade, gerando, há todos instantes, debates sobre a legitimidade e comutação da pena capital. No Brasil, o mais notável e lúcido dos suplicantes pela salvação dessa vida, foi o saudoso jurista, e então à época presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Hungria.

Tomando como ponto de partida essa trágica ocorrência histórica (a execução de Chessman), procurar-se-á, por meio deste sintético artigo, embasado, em grande parte, no pensamento de Nelson Hungria, defender que a pena de morte, além de ser um afronte ao pacto social, é uma punição desprovida de qualquer eficácia no combate à criminalidade.


III – QUEM FOI CARYL W. CHESSMAN?

Nascido em 1921, de pai descendente de imigrantes dinamarqueses, passou sua infância e adolescência em bairros pobres da Califórnia, em um período em que sua família foi atingida, como mais de oito milhões de norte-americanos, pelo desemprego durante a Grande Depressão de 1929. Sua juventude foi marcada por raros momentos de liberdade, estando recolhido quase sempre em escolas-reformatórios. Sobre o tema Edivaldo Vieira da Silva afirma que:

"Em sua adolescência, Chessman organiza um grupo de amigos que inicialmente cometiam pequenas infrações, por pura diversão, como ‘ligação direta’ de carros para circularem nas ruas de seu bairro. Em seguida passam a chamar a atenção de moradores e da polícia por empreenderem arrombamento e furto de estabelecimentos comerciais; aos dezesseis anos Chessman é preso pela primeira vez e encaminhado para um Reformatório juvenil." (3)

Já na vida adulta, Caryl Chessman (4) passará quase toda sua existência nas prisões, em particular, na prisão de Folsom e de San Quentin. Em um desses estados provisórios de liberdade, depois de ter sido condenado a uma pena de 28 anos de reclusão, comutada depois em 11 anos de liberdade condicional, foi novamente preso em 23 de janeiro de 1948, agora sob a acusação de ser o temido Bandido da luz vermelha, quando duas de suas vítimas, Mary Alice Meza e Regina Johnson, em seus depoimentos reconheceram-lo como The Red Light Bandit, o homem que as tinham roubado e molestado sexualmente, no atalho dos namorados (lover’s lane), nas colinas de Hollywood.


IV – CHESSMAN E A PENA DE MORTE.

Ao ser preso e ter lhe sido atribuído o título de maníaco sexual, conta-nos René Ariel Dotti, em seu livro Casos Criminais Célebres, que Chessman, em um primeiro momento, chegou a achar graça e se divertir da acusação. Todavia, esse divertimento não durou muito tempo, pois, em vista de uma série de coincidências infelizes, como, por exemplo, as características físicas semelhantes a do bandido procurado, um passado desordenado em torno criminalidade, as palavras categóricas dos policiais responsáveis pela prisão e um veredicto de um grupo de jurados parciais, Chessman foi sentenciado à morte. A partir desse momento, começava então para ele uma odisséia, no intuito de demonstrar sua inocência e anular o julgamento.

Por intermédio de 10 apelos e as várias petições encaminhadas à Suprema Corte dos EUA, 16 recursos a tribunais secundários e 9 decisões proferidas pelo Superior Tribunal da Califórnia, teve adiada por 7 vezes a data marcada para a sua execução. Porém, o pedido central (a anulação do julgamento do júri) nunca foi conquistado. Entre as alegações que fundamentavam o pedido de anulação do júri, as que se destacavam mais eram: a) as notas taquigráficas do interrogatório foram deturpadas pelo serventuário que substituiu o antecessor, que havia falecido; b) a confissão na polícia foi obtida mediante tortura e c) o encarregado do inquérito não quis se utilizar do detector de mentiras.

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É importante ressaltar que não se procurou reverter a situação de Chessman justamente porque as autoridades precisavam de um "bode expiatório", e nada melhor, para tanto, que se valer do juízo temerário, alimentado pela presunção e pelos maus antecedentes do suspeito. Essa foi sempre, na história dos processos criminais, uma fórmula que deu certo quando a polícia precisa encontrar, a todo custo, um culpado exigido pelo clamor público. (5)

Nas palavras de Nelson Hungria, extraídas da conferência pronunciada no Centro Acadêmico XI de Agosto, em maio de 1959:

"O que se passou com Chessman é a confirmação do que dizia Rohland: ‘Não há homens absolutamente bons, do mesmo modo que não há caracteres absolutamente maus, ou delinqüentes congênitos; por isso mesmo é possível, ao contrário do que pretendia Schopenhauer, uma modificação do caráter, ensinando a experiência que, mediante sério esforço, muitos os conseguem’. Por que, ao invés de tentar reconstruir, sumariamente se há de destruir? Com a pena capital, o governo da sociedade imita a criança inconseqüente e insofrida: não podendo compreender o brinquedo que tem em mãos, desconjuta-o e inutiliza-o. Quando se tem o conhecimento de casos como o de Chessman, que, em virtude de certos indícios e uma confissão que ele insiste em declarar extorquida pela violência, foi condenado à pena última pela justiça emocional do júri, sempre disposta a atirar, do alto da varanda de Pilatos, bodes expiatórios à multidão sedenta de vingança, é que se vê como estão distanciados da verdadeira solução do problema da grande criminalidade esses que, entre nós, presentemente, insistem em querer introduzir o assassínio oficial entre as sanções do nosso Código Penal comum."

Na verdade, Nelson Hungria queria dar enfoque a assertiva de que, grosso modo, a criminalidade não se extingue ou declina com a pena de morte. E para provar a coerência dessa proposição, lá estava o caso Chessman. Um indivíduo que, resistindo a um martírio de 12 anos e batendo desenfreadamente a portas dos tribunais, demonstrou, de forma cabal, no curso do tempo, que não era, como supunham, uma personalidade irremediavelmente deformada, visto que, enclausurado em cubículo de mais ou menos três metros de comprimento, um metro e meio de largura e dois metros e meio de altura (a famosa cela 2455) entre apelos e writs (alguns conseguidos com a ajuda dos fiéis amigos e advogados Rosalie Asher e George T. Davis), lendo aproximadamente 2.000 obras de cultura jurídica, escreveu verdadeiras obras jurídicas, como, por exemplo, 2455 – A cela da morte, que vieram a contribuir para o conhecimento da mente de um criminoso que encontrou a regeneração, na tensão e isolamento de uma Penitenciária.

O que se objetivava com a luta a favor da comutação da pena de Chessman era demonstrar a todos os setores da sociedade que este tipo de pena fere o pacto social. É difícil sustentar que o Estado diga a seu cidadão: - "Você não pode matar! Matar é o que se quer evitar, mas, se você matar, eu te matarei!". Ao invés de irrogar-se arbitrariamente o direito de matar, ao Estado incumbe promover a remodelação da própria sociedade, para que se apresentem melhores condições política, econômicas e éticas, eliminadoras das causas etiológicas do crime.


V – CONCLUSÃO.

Se a pena, de fato, é um mal necessário, faz-se premente que se lhe dê uma concepção mais humana, dirigindo-se maior atenção ao condenado, assegurando-lhe o exercício efetivo dos direitos que lhe são inerentes, para, desse modo, propiciar sua preparação ao retorno à vida em sociedade. (6)

Esse é realmente o objetivo da pena. Não se acredita mais que a pena, em pleno século XXI, seja somente um instrumento, demonstrativo da grandeza e soberania do Estado, por meio do qual castigue o individuo, sem se preocupar com sua readaptação ao meio social.

Não é isto que se espera da pena, o que se espera é a recuperação do homem, é a sua ressocialização, é o mecanismo que possa fazê-lo se reintegrar à sociedade, se tornando produtivo, honesto, honrado. (7)

Está provado cientificamente que em todos, repita-se, todos os países onde a pena de morte foi implementada, a criminalidade não diminuiu. Simplesmente, os índices de criminalidade oscilam por outros motivos.

A maior ilegitimidade da pena de morte se evidencia em casos como o de Chessman. Uma surpreendente campanha jornalística contra o réu, um promotor eloqüente e dramático, uma defesa mal orientada, um conselho de jurados excessivamente rigorosos, tudo isso pode influir no sentido de um julgamento aberrante, entregando-se ao carrasco um réu que, em outras condições, poderia ser absolvido ou condenado a simples privação de liberdade. Aí é que está o principal argumento contra pena de morte – a falibilidade humana. Quem dirá que os jurados não erraram?

Parafraseando as palavras do escritor Max Leoner, pode-se sustentar que: infelizmente se continuará matando aquele indivíduo sentenciado à morte, que na espera da morte, alcançou uma regeneração moral, não porque isso seja lógico, mas por faltar-nos imaginação social para adotar qualquer outra medida.


VI – NOTAS.

(1) Sobre o passado de Chessman, Clemente Hungria afirma que: "O réu californiano Caryl Chessman, em verdade, praticou vários delitos desde sua puberdade até aos 27 anos: furtos de automóveis e estelionatos, agressões, desordens e contravenções, mas sempre negou a autoria dos supostos estupros que o levaram a ser condenado à morte – por um júri composto de 11 mulheres e 1 homem – bem como ser o red light bandit."

(2) DOTTI, René Ariel. Casos Criminais Célebres. 2. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 278.

(3) SILVA, Edivaldo Vieira da. Intolerável – artigo originalmente publicado na revista Verve (periódico do Núcleo de Sociabilidade Libertária - PUC-SP), n.º 02, São Paulo, Outubro de 2002, p. 225-244.

(4) Segundo Edivaldo Vieira da Silva, Mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP, em seu artigo já citado, Chessman teve seu nome de batismo, Carol, de origem dinamarquesa, substituído por Caryl, na adolescência, para evitar as picardias juvenis, por ser um nome, nos Estados Unidos, tipicamente feminino.

(5) DOTTI, René Ariel. Casos Criminais Célebres. 2. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 282

(6) AMARAL, Luiz Otavio O. Pena de Morte. Texto disponível em: http://jus.com.br/artigos/3767.

(7) D’URSO, Luiz Flávio Borges. Pena de Morte – O Erro anunciado. Artigo publicado no site: www.portaldafamilia.org/artigos/artigo333.shtml.


VII – BIBLIOGRAFIA.

AMARAL, Luiz Otavio O. Pena de Morte. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/3767, Acesso em: 30 out. 2005.

DOTTI, René Ariel. Casos Criminais Célebres. 2. ed. São Paulo: RT, 1999.

D’URSO, Luiz Flávio Borges. Pena de Morte – O Erro anunciado. Disponível em: http://www.portaldafamilia.org/artigos/artigo333.shtml, Acesso em: 15 nov. 2005.

SILVA, Edivaldo Vieira da. Intolerável – artigo originalmente publicado na revista Verve (periódico do Núcleo de Sociabilidade Libertária - PUC-SP), n.º 02, São Paulo, Outubro de 2002, p. 225-244.

Sobre o autor
Ricardo Coelho Nery da Fonseca

advogado em Recife (PE), pós-graduando em Ciências Criminais pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Ricardo Coelho Nery. A execução de Caryl Whittier Chessman:: uma (re)leitura sobre a pena de morte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 899, 19 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7732. Acesso em: 22 nov. 2024.

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