3. Da nulidade dos Termos Circunstanciados instaurados e processados
Dispõe o artigo 69 da Lei nº 9.099/95, que em fase preliminar, quando a autoridade policial tomar conhecimento da ocorrência lavrará Termo Circunstanciado e o encaminhar imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames necessários. Concluindo no parágrafo único do referido artigo, o legislador esclareceu que após a lavratura do Termo, caso o autor do fato seja encaminhado imediatamente ao juizado ou assuma o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.
É pertinente transcrever o caput da cláusula terceira do Termo de Cooperação:
Tendo em vista o pronto atendimento das infrações de menor potencial ofensivo, as partes estabelecem que a todo Policial Rodoviário Federal é cometida a tarefa lavrar os Termos Circunstanciados de que trata o artigo 69 da Lei n° 9.099. de 26 setembro de 1995.
Novamente, registre-se que o Termo Circunstanciado previsto na Lei nº 9.099/98 é um ato administrativo e como tal deve submeter-se aos requisitos de um ato administrativo, sendo eles: competência, finalidade, forma, motivo e objeto.
No caso em tela há ausência de competência para a elaboração do ato administrativo que resultará em subsídios para uma possível Ação Penal, por este motivo há nulidade intolerável por parte do poder público.
Neste sentido, o grande mestre Hely Lopes Meirelles já se pronunciou:
1.2.1 Competência — Para a prática do ato administrativo a competência é a condição primeira de sua validade. Nenhum ato — discricionário ou vinculado — pode ser realizado validamente sem que o agente disponha de poder legal para praticá-lo.
Entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho especifico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada. Todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática, é inválido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da Administração. Daí a oportuna advertência de Caio Tácito de que "não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de Direito".
A competência administrativa, sendo um requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados. Pode, entretanto, ser delegada e avocada, desde que o permitam as normas reguladoras da Administração.
Sem que a lei faculte essa deslocação de função não é possível a modificação discricionária da competência, porque ela éelemento vinculado de todo ato administrativo, e, pois, insuscetível de ser fixada ou alterada ao nuto do administrador e ao arrepio da lei. [13] [grifo nosso]
Momento oportuno é o de se tratar sobre quem tem competência para a lavratura do ato denominado Termo Circunstanciado pela Lei nº 9.099/95.
3.1 Do conceito de Autoridade Policial
O Código de Processo Penal, em seu artigo 4º expressamente declarou:
no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e de sua autoria.A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais
É pertinente citar aglomerado de citações e comentários encontrados no artigo de Higor Vinícius Nogueira Jorge:
O desembargador CARLOS AUGUSTO MACHADO FARIA, ao decidir Mandado de Segurança, no qual Policiais Civis do Distrito Federal pediram liminar contra ato do Procurador Geral do Distrito Federal, que sugeriu ao Governador a transferência da competência da Polícia Civil para a Polícia Militar, em período de greve, assim decidiu: "como a função de Polícia Judiciária é privativa da Polícia Civil, determino aos impetrados que se abstenham de praticar ato que atribua a outros servidores, policiais ou não, tal atividade".
Para juristas como JOSÉ AFONSO DA SILVA, ANTÔNIO EVARISTO DE MORAIS FILHO e JULIO FABBRINI MIRABETE, apenas a Polícia Civil pode desempenhar a função de Polícia Judiciária.
Discutindo especificamente o conceito de autoridade policial CARLOS ALBERTO MARCHI DE QUEIROZ apregoa que a autoridade policial referida pelo artigo 69, caput, da Lei 9.099/95, é a autoridade policial da unidade policial da respectiva circunscrição, ocupante do cargo de Delegado de Polícia de carreira ou não, não podendo ser o policial de rua que não tem atribuição para cumprir as diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, nem para atender ao rito imposto pelo juiz comum, por exemplo o inquérito policial. [14]
No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou:
O indiciamento de alguém, por suposta prática delituosa, somente se justificará, se e quando houver indícios mínimos, que, apoiados em base empírica idônea, possibilitem atribuir-se, ao mero suspeito, a autoria do fato criminoso. Se é inquestionável que o ato de indiciamento não pressupõe a necessária existência de um juízo de certeza quanto à autoria do fato delituoso, não é menos exato que esse ato formal, de competência exclusiva da autoridade policial, há de resultar, para legitimar-se, de um mínimo probatório que torne possível reconhecer que determinada pessoa teria praticado o ilícito penal. O indiciamento não pode, nem deve, constituir um ato de arbítrio do Estado, especialmente se se considerarem as graves implicações morais e jurídicas que derivam da formal adoção, no âmbito da investigação penal, dessa medida de Polícia Judiciária, qualquer que seja a condição social ou funcional do suspeito. [15][grifo nosso]
3.2 Do procedimento previsto na Lei nº 9.099/95
O procedimento previsto no já citado artigo 69 da Lei nº 9.099 nada mais é do que um Inquérito Policial em rito sumaríssimo, como almejou o legislador, inclusive por expor como princípios deste procedimento à oralidade, a economia processual e a celeridade.
No mesmo diapasão, a referida Lei em seu artigo 92, determina a utilização subsidiária do Código de Processo Penal, desta forma não resta dúvida de que a Autoridade Policial a que se refere o caput do art. 69 trata-se da Polícia Judiciária cujas funções foram delegadas às Policiais Civis e à Polícia Federal pela Constituição Federal.
Se interpretarmos o artigo 69 da Lei 9.099/95 levando em consideração a manifesta vontade da Lei (interpretação teleológica), notaremos que apenas o Delegado de Polícia é autoridade policial para os fins desse artigo.
O caput desse artigo dispõe que a autoridade policial vai providenciar as requisições dos exames periciais necessários, e o parágrafo único dessa norma dispõe que não se imporá fiança, nem prisão em flagrante ao autor do fato que comparecer imediatamente ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer.
Delegado de Polícia é quem providencia as requisições dos exames periciais necessários, impõe fiança ou elabora o auto de prisão em flagrante. Assim, é notório que a Autoridade Policial cujo artigo 69 faz referência é exclusivamente o Delegado de Polícia. [16]
Ora, como citado a autoridade policial providenciará requisições de exames periciais, tais providências tratam-se das previstas no artigo 6º do CPP cuja competência é do Delegado de Polícia de carreira, todavia, novamente enfatizando neste momento em caráter sumaríssimo.
O Termo de Cooperação Técnica estabelece na sua cláusula quarta, que em não comportando lavratura de Termo Circunstanciado ou não se tratando de flagrante delito, o policial rodoviário federal, fará o encaminhamento à Delegacia de Polícia da circunscrição.
Quer dizer, o Procurador Geral de Justiça e o Superintendente Regional da Polícia Rodoviária Federal além de entenderem que estes últimos podem lavrar Termo Circunstanciado, ato privativo da Autoridade Policial por Lei Federal, farão o encaminhamento à Delegacia de Polícia da circunscrição apenas quando não couber Termo Circunstanciado ou não tratar-se de flagrante?
Ressalta-se que em o Auto de Prisão em Flagrante não sendo lavrado por autoridade competente é nulo e o Juiz deve imediatamente relaxar a prisão, por de acordo com o art. 5º LXV, CF/88, por não cumprir uma formalidade indispensável do Auto de Prisão em Flagrante, qual seja no caso em tela a de ser presidido por autoridade competente.
Razão pela qual sempre que os Policiais Rodoviários Federais flagrarem o cometimento de uma infração penal deverão encaminhar à autoridade competente, qual seja à Polícia Judiciária (Polícia Civil ou Polícia Federal) a fim de que se proceda legalmente com a autuação.
Isto sem mencionar o fato da ausência de capacidade técnica dos Policiais Rodoviários Federais para aplicação da lei penal ao caso em concreto – qual infração ocorreu diante dos fatos apresentados ou flagrados, averiguações, interpretações jurisprudenciais e conhecimento acerca da aplicação ou não de fiança.
Quando saber se deverá ser encaminhado à Delegacia de Polícia ou não? Sim, porque novamente o Código de Processo Penal em seu artigo 322 fala da competência para arbitramento de fiança. Além de que a legislação brasileira é por demais variada e muitas são as exceções e inovações às regras que ocorrem diariamente.
Outro fato merece destaque, em sendo o Termo Circunstanciado realizado pelo Policial Rodoviário Federal caso ocorra o previsto no parágrafo 2º do artigo 77 da Lei nº 9.099/95, o Ministério Público requererá ao Juiz que baixe os autos para novas diligências que permitam o oferecimento da denúncia.
Trata-se de grande absurdo, tendo em vista que como já explanado, o único requisito para ser Policial Rodoviário Federal é o diploma de curso de segundo grau oficialmente reconhecido (Lei nº 9.654/98, art. 3º §1º) o que deixa claro que o Policial Rodoviário Federal certamente não possui conhecimento técnico capaz de averiguar todas as circunstâncias e colher todos os elementos de provas necessários para instruir a denúncia do Ministério Público, razão pela qual seguramente os Termos Circunstanciados irão "cair" no §2º do art. 77.
Ressalta-se que além de necessitarem de Bacharelado em Direito todas as autoridades da Polícia Judiciária (Polícia Civil e Federal) passam por treinamento que os capacitam para serem competentes para fornecerem às Autoridades Judiciárias e aos membros do Ministério Públicos as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, conforme prevê o art. 13 do Código de Processo Penal.
Desta forma, caso o Termo Circunstanciado "baixe" para diligências, tranqüilidade muitos dos mais importantes elementos de provas já terão desaparecidos e a celeridade processual almejada pela Lei nº 9.099/95 resultará em impunidade, por força do artigo 386, em especial os incisos II, IV e VI, do Código de Processo Penal.
Novamente, trago as lições de Higor Vinícius Nogueira Jorge que bem expressam o apresentado, mutatis mutandi:
A ausência de conhecimento técnico-jurídico do agente público responsável pela elaboração do Termo Circunstanciado poderia prejudicar a preservação dos direitos fundamentais do acusado e a instrução do possível processo penal, como lembra LUCIANO ANDERSON DE SOUZA em artigo sobre o tema.
JULIO FABBRINI MIRABETE afirma que "somente o Delegado de Polícia e não qualquer agente público investido de função preventiva ou repressiva tem, em tese, formação técnico profissional para classificar infrações penais".
O juiz FRANCISCO JOSÉ GALVÃO BRUNOI manifestou sua preocupação com a falta de estrutura da Polícia Militar asseverando o seguinte: "Tenho muito respeito pela PM, mas acho que ela não tem estrutura para exercer essa função. O oficial, que raramente é bacharel em Direito, não tem conhecimentos técnicos para elaborar o TC".
Se para um bacharel em direito, muitas vezes é complicado diferenciar extorsão e roubo, ameaça e coação, estelionato e furto mediante fraude, apropriação indébita e furto, estelionato e curandeirismo, imagine para um indivíduo sem conhecimento técnico-jurídico
4. DA TUTELA ANTECIPADA
O Código de Processo Civil pátrio em seu artigo 273 previu a possibilidade de concessão de tutela antecipada do pedido se presentes dois requisitos: verossimilhança da alegação e receio na demora de dano irreparável ou de difícil reparação.
No caso em tela, a verossimilhança das alegações restaram robustamente provadas vez que dito Termo de Cooperação Técnica afronta à Carta Magna de forma clara e inequívoca.
Por outro lado, o receio de dano de difícil reparação vem amparado no princípio da economia processual, ou seja, quanto se gastará e quanto tempo se perderá com a elaboração de atos nulos, sem qualquer validade jurídica.
É pertinente acrescentar ainda, no tocante ao perigo da demora, que em a Polícia Rodoviária Federal atuando nas atividades incumbidas através do Termo de Cooperação Técnica, certamente sua atividade fim, qual seja a de patrulhamento ostensivo das rodovias federais restará fatalmente prejudicada. Tal posicionamento vem corrobado com as fartas estatísticas de acidentes e excesso de imprudência por parte dos motoristas, inclusive e principalmente pela ausência de policiamento ostensivo preventivo nas vias públicas, razão pela qual cada vez mais necessitamos que cada ente público cumpra seu mister.
Desta forma, inaudita altera parte, é prudente Vossa Excelência conceder tal medida vez que de imediato os atos serão suspensos.
5. CONCLUÇÃO
Diante de tudo o que fora exposto, esta Advogada manifesta sua preocupação principalmente no tocante às quatro principais irregularidades, dentre as apresentadas, do Termo de Cooperação Técnica nº 05/2004:
1. Ausência de legalidade para alteração de lei processual através de um Termo de Cooperação;
2. Ausência de legitimidade e legalidade do Procurador Geral de Justiça e do Superintendente Regional da Polícia Rodoviária Federal para firmarem tal termo;
3.Incompetência da Polícia Rodoviária Federal para lavratura de Termo Circunstanciado por não ser Polícia Judiciária, de acordo com a CF/88 e,
4.Incompetência da Polícia Rodoviária Federal para atuar em infrações não descritas como de competência da União.